O Questionário Proust (VIII) – Responde Adelaide Amorim

Publicado em 4 de abril de 2007

Houve época em que eu e a Adelaide conversávamos mais. Depois fomos diminuindo o ritmo. É alguém de quem gosto muito. Li os dois livros desta carioca que diz ter alma de carioca, mas que é tímida e silenciosa como alguém de terras mais frias. É psicanalista e tem tantos filhos e isto me causa tantos ciúmes que nem lembro se são cinco ou seis. Vimo-nos em duas oportunidades: a primeira rapidamente na Flip de 2004; eu sozinho, ela com o maridão Marcílio; a segunda em abril de 2005, no Rio, quando pudemos conversar um pouco mais, ela sozinha, eu com a Claudia. Adelaide acha que eu produzo demais, que leio demais, que ouço demais, que três blogs é muito, mas ela tem seis filhos, é psicanalista, escreveu dois livros ótimos, mantém dois blogs (aqui prosa – atenção para os livros anunciados na coluna da esquerda – e aqui poesia) e ainda colabora na Focando.

Cruzes, tem gente que não se enxerga mesmo… Fala Adelaide!

Qual é o defeito que você mais deplora nas outras pessoas?

Insensibilidade. Não é fácil se deixar afetar pelo sofrimento alheio, porque sabemos que o outro é feito da mesma matéria que nós, e portanto nada nos protege do que o afeta. Isso faz medo, preferimos não ver para não sofrer com ele, imaginar que as coisas ruins nunca vão nos acontecer.

Mas há um outro lado da medalha: o mundo não vai se tornar um lugar melhor sem que haja solidariedade e compaixão. Sem qualquer conotação ideológica, é fácil ver como o que nos sobra pode salvar a vida de quem não tem o essencial. Não falo só de bens materiais, embora em certa medida sejam indispensáveis para viver bem. Mas penso principalmente numa infraestrutura – educação, saúde, alimentação, espaço para exercer a criatividade – sem a qual o fosso que separa as “castas” fica cada vez maior e os ressentimentos e tensões também. Essa é uma condição – não a única, mas uma das mais poderosas – para o aumento da violência e o caos social.

Como gostaria de morrer?

Dormindo, se não for pedir muito…

Qual é seu estado mental mais comum?

Engraçado isso, nunca tinha parado pra pensar. Acho que é uma atenção um pouco desproporcional, que facilmente os outros tomam por alheamento.

Qual é o seu personagem de ficção preferido?

Já fui Mrs. Dalloway, a heroína de Böll em Casa Sem Dono e GH de Clarice, aquela da barata, mas felizmente tomei o final como uma metáfora. Também já fui a Hanna do Paciente Inglês. Mas também me identifiquei com a Natasha Rostova de Guerra e Paz.

Qual é ou foi sua maior extravagância?

Céus, acho que nunca cometi nenhuma. Acho que sou uma simplória completa. A não ser que possa considerar extravagância o fato de estar sempre em busca de alguma coisa e nunca me sentir estável em alguma função ou estado.

Qual é a pessoa viva que mais despreza?

Páreo duro entre os ladrões de colarinho branco e as pessoas com vocação para ditadores.

Qual é a pessoa viva que mais admira?

Gente como Luís Eduardo Soares e Marina Maggessi, nossa querida amiga, que conseguem endurecer sin perder la ternura jamás. Além deles, Zilda Arns é um exemplo de gente que merece a vida que recebeu.

Se depois de morto tivesse de voltar, em que pessoa ou coisa retornaria?

Tenho uma enorme curiosidade de entender a cabeça dos gatos.

Em quais ocasiões costuma mentir?

Quando a verdade não vai trazer nenhum benefício e vai magoar alguém ou agravar uma situação já desagradável ou complicada. E também, circunstancialmente e já que não sou de ferro, quando preciso me defender de um julgamento equivocado e injusto.

Qual é sua idéia de felicidade perfeita?

Amar quem nos ama, ser livre e fazer o que se gosta. Mas às vezes, se o amor for muito bom, até posso deixar por menos um pouquinho.

Qual é seu maior medo?

O futuro deste mundo louco e com ele o de meus filhos e netos.

Qual é seu maior ressentimento?

Ter perdido tanto tempo em atividades que não me deram senão dinheiro. A demora em cair a ficha do que eu realmente queria da vida.

Que talento desejaria ter?

Ser uma cozinheira melhor do que sou.

Qual é seu passatempo favorito?

Gosto de ler e de cinema, mas o que me envolve mesmo é a pintura, que virou o passatempo mais gratificante porque deixa um resultado de que quase sempre gosto.

Se pudesse, o que mudaria em sua família?

Não mudaria. A não ser talvez um maior retorno financeiro pelo trabalho de meus filhos, eles bem merecem.

Qual é a manifestação mais abjeta de miséria?

Ter que escolher entre comer todos os dias ou cuidar dos filhos.

Onde desejaria viver?

Sinto falta da proximidade do mar, mas estou bem feliz onde moro, perto da serra e da floresta.

Qual a virtude mais exagerada socialmente?

Se entendi bem, isso tem a ver com o famigerado politicamente correto. A sociedade parece que é levada pela mídia e pelos interesses de mercado (que geralmente andam de mãos dadas) a valorizar determinados comportamentos e atribuir virtude às ações que os expressam. Houve um tempo em que essa valorização se pautava pelos interesses da Igreja. Seja como for, isso envolve muita hipocrisia e cria mitos fake que acabam completamente esvaziados. É preciso desconfiar dos modelos que a sociedade impinge, porque por trás deles há apenas interesses de grupos ou pessoas.

Qual é qualidade que mais admira num ser humano?

A capacidade de empatia e suas correlatas solidariedade, compaixão e lealdade.

Quando e onde você foi mais feliz?

Talvez agora, porque já não ambiciono muita coisa que foi motivo de ansiedade e frustração. E porque, além de ter tudo de que alguém precisa para ser feliz (exceto o prêmio da mega, que já provou não ser decisivo para isso), aceito o que posso conseguir e gosto muito do que posso fazer.

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