De um conhecido blogueiro, ontem, no MSN:

Rapaz, se eu falar que bati punheta pra sogra do Mick Jagger, vão dizer que eu tenho 108 anos!!!

Ao lado, Vera Gimenez, mãe de Luciana. O não referido blogueiro deve estar lá pelos 42 ou 43 anos… Em minha defesa (?), posso dizer que não lembro ter homenageado a dama que ornamenta este fundamental post. Aliás, Vera Gimenez era atriz, jurada de programa, modelo, atriz-pornô…? Não sei qual era sua faixa de atuação. Mas a expressão “sogra do Mick Jagger” é apavorante e me faz pensar num Keith Richards piorado…

Cinzas do Norte, de Milton Hatoum

Cinzas do Norte foi o vencedor do Prêmio Jabuti como o melhor romance de 2005. Não discordarei do prêmio e nem poderia, pois não conheço nem um quinto da produção brasileira do ano passado. Mas é óbvio que o Jabuti agora se agarra ao livro como uma grife, dizendo a todos: é coisa boa.

E, no começo, não me decepcionei. A leitura fluiu rápida, levada por um autor de entonação clássica e tranqüila. Nos intervalos da leitura, pensava sobre como a devoção de Hatoum à Guimarães Rosa – confessada num curso que ele ministrou em Parati durante a Flip 2004 – não possui nenhuma repercussão em sua literatura. Sem problemas, quase todos os autores gostam de Kafka. o que não significa que seus projetos literários tenham algo a ver com o tcheco. Porém, mesmo assim, é surpreendente que Hatoum seja tão “clássico”. Cinzas do Norte tem uma estrutura em tudo semelhante a de O Tempo e o Vento, de Erico Verissimo, com os capítulos numerados da história sendo interrompidos contrapontiscamente por outros não numerados, escritos em itálico e que contam uma história complementar.

O romance é ambicioso: narra a amizade entre Raimundo (Mundo) e Olavo (Lavo); aquele, filho de um poderoso e provinciano empresário de Manaus, este – que é também o narrador do romance -, um órfão criado pela tia costureira e pelo tio, digamos, aproveitador e sedutor. Mundo tem personalidade de artista, mas seu pai (Jano) é ostensivamente hostil a seus desenhos, quadros e idéias. Há ecos da extraordinária novela de Thomas Mann Tonio Kroeger na formação de Mundo como pintor. Jano prefere Lavo que, apesar da amizade com Mundo, está destinado a uma vida tranqüila como advogado em Manaus. Mundo – seu apelido é significativo – é o personagem que quebra a precária estrutura familiar, como o Bazarov de Pais e Filhos. O mérito de Hatoum está no contar uma boa história ligando elementos díspares como a truculência de Jano e da Revolução de 1964 massacrando um artista nascente, a tensão entre estabilidade (Lavo, Jano, Ramira, Arana) e instabilidade (Mundo, Alícia, o tio Ranulfo), entre amar ou deixar o país e, principalmente, entre espera ou evasão, entre rebeldia e conformismo. Os personagens são construídos lentamente, vão tomando corpo em meio a um tema nada fácil e Hatoum nos leva com grande segurança até quase o final – li o livro absolutamente apaixonado -, quando, num momento de desatino, dá um inexplicável tiro no pé!

Ignoro o que levou Hatoum a mexicanizar o final do romance. Como se estivesse possuído por um escritor inglês do século XVIII – não me refiro a Sterne, é claro -, ele resolve, em 30 páginas, amarrar todos os laços soltos da história. Faz questão de explicar e dar destino a tudo e a todos. Eu preferiria não saber sobre a paternidade de Mundo; aquela incerteza apenas sugerida era elegante, convinha à história como conveio a Machado não dizer quem era o pai do Ezequiel de Capitu. Porém, meu xará tem um ataque parecido com os que tinham alguns autores de TV e, analogamente aos montes de casamentos que ocorriam nos finais das novelas antigas, apresenta-nos um caminhão de novidades que não acrescentam nada ao romance e que quase o estragam. Como já disse, as explicações sobre a paternidade são desnecessárias e o é mais ainda a exposição do sofrimento de Alícia, com direito a copiosas lágrimas e a cenas melodramáticas como a destruição dos quadros do filho.

Melhor ficar com o resto do livro e é isto que estou fazendo. Como o personagem de Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças, vou apagar o final de meu cérebro e pensar que Cinzas do Norte é – e é mesmo! – um belo romance sobre a amizade, a rebeldia, a destruição e a truculência. Nem lembro mais do tiro no pé.

Shostakovich: Sinfonia Nº 10 (2º Mvto: Allegro, 3º Mvto: Fragmento do Allegretto )

A grande imprensa brasileira parece proibida de tecer observações elogiosas a quaisquer aspectos da Venezuela, mas tal preconceito não é de nenhuma forma seguido pelos europeus. Lá, Hugo Chávez é apenas eventualmente o outro nome de Satanás e a Orquestra Jovem Simón Bolivar da Venezuela tem recebido enorme atenção de alemães, ingleses e espanhóis. Por exemplo, a filmagem acima ocorreu no Royal Albert Hall de Londres, no exato dia em que eu completava 50 anos, em 19 de agosto de 2007.

Mas aí você me pergunta: o que é esta orquestra, quem é o rapaz que a rege? A Simón Bolivar é a orquestra líder de outras 120 orquestras de jovens venezuelanos. Trata-se de um programa chamado El Sistema, criado em 1975 pelo maestro José Antonio Abreu e que viabiliza a educação musical às crianças mais pobres do país. Ou seja, há milhares de jovens em torno dos 150 músicos da Simón Bolivar. Mais exatamente 250.000. São pessoas que nunca saberiam da música que trazem em si não fora o El Sistema apoiado pelo diabo. Atualmente, a orquestra grava para a Deutsche Grammophon e já há venezuelanos vencendo concursos na Orquestra Filarmônica de Berlim e em outros conjuntos europeus. E Gustavo Dudamel? É um espetacular talento de 27 anos que Claudio Abbado saúda como o novo Bernstein. Ele acaba de ser contratado como regente titular da Filarmônica de Los Angeles, mas não abandonará a Simón Bolivar.

Ontem, Zero Hora publicou um artigo em seu Caderno de Cultura, porém esqueceu-se de Chávez. É estranho, pois trata-se de um projeto importantíssimo de inclusão cultural que é inteiramente bancado pelo governo da Venezuela. Se é mais antigo que Chávez, este soube avaliá-lo e acelerá-lo. E pasmem: será copiado na Inglaterra. ZH diz que o será também no Rio Grande do Sul… Na Venezuela, ele salva crianças a um custo de 30 milhões de dólares anuais. Uma bagatela. São 120 dólares por criança ao ano, 10 ao mês. Apenas R$ 25,00 por criança.

A música. A Sinfonia Nº 10 é a primeira que Dmitri Shostakovich escreveu logo após a morte de Stálin. O Allegro acima seria um retrato da violência do grande desafeto do compositor. Shosta nunca negou. O furacão Dudamel sai-se maravilhosamente. Já o Alegretto que o sucede (tela abaixo) é gentil e apresenta pela primeira vez uma assinatura do autor. Aos 3min35, há um solo de trompa — que, se não me engano, é repetido mais três vezes — cujas notas, em notação alemã, são D-S-C-H… (em alemão, Dmitri Schostakovich). Ou seja, Stálin morreu, mas eu estou vivo. É música de primeiríssima linha, cheia de alusões e intenções, muito complexa e inteiramente inadequada a uma orquestra despreparada.

Sigam com o início do Allegretto, 3º movimento da décima de Shostakovich. É coisa de gênio. O resto pode-se encontrar no Youtube ou em mp3: aqui na versão de Kondrashin e aqui na de Mravinsky.

Obs.: Quem tiver browsers rebeldes deve clicar aqui para assistir a primeira parte e aqui para a segunda.

Pequeno manual prático de coisas inúteis, de Theo G. Alves

Li vários livros lançados por blogueiros e ex-blogueiros. Alguns são muito fracos e, é claro, há os médios e os bons. Os melhores que li foram os de Branco Leone e Theo Alves. O último é morador da pequena Currais Novos, no Rio Grande do Norte. O primeiro livro que li de sua autoria foi A Casa Miúda. Formado por narrativas curtas, na verdade pequenos poemas em prosa — a referência  ao título de Baudelaire é proposital –, são condensadas e de tal modo significativas que fariam a alegria de Pound.

Não pensem que vou me despedir sem que vocês leiam o Theo. Vou publicar amostras de suas pequenas narrativas. Pedi permissão a ele para digitar três ou quatro de seus contos com a finalidade de que meus sete fiéis leitores tomassem contato. (Não pedi permissao para os poemas…!). Escolhi-os quase ao acaso, pois na verdade marquei quase todas as histórias para reler. Poderia ter copiado o belo e triste Pássaros mortos ou Destes caminhos; talvez A história de Cido Marinheiro, ou quem sabe maravilhoso A primeira vez que vi Eva, mas elegi os que estão abaixo.

E agora Theo lança um livro de poemas: Pequeno manual prático de coisas inúteis. OK, nada mais inútil do que a ficção e a poesia. OK, nada mais humano do que a gloriosa necessidade de ficção, de ilusão e de novos e desconhecidos (ou reconhecidos) mundos. É inútil por ser destituída de valor prático tangível, porém… Entre o irônico, o surpreendente e o desencantado, Theo Alves realiza…

Porém quem sabe eu paro de encher o saco de vocês e mostro um pouco do Theo? Os contos e poemas são curtos, fáceis de digitar. Ah, só mais uma coisa. Eu pus contos e poemas alternados porque creio que estes aí dialogam mais ou menos claramente.

Meu silêncio é Gregor Samsa

Não posso pensar no silêncio em que me encontro sem que recorde a imagem amedrontada e perdida, confusa de Gregor Samsa a dormir gente e acordar-se besouro na palavra virtuosa de Kafka.

É para mim dificílimo crer que algum de nós não tenha, em um dia sequer, ainda em uma hora absurda, se encontrado diante do espelho a rodar de costas ao chão, sem que a couraça duríssima nos permitisse virarmo-nos e pormo-nos em pé.

Pois este silêncio que me toma é o olhar de Gregor Samsa. Ponho-me diante do espelho e estou estranho a tudo: a esta aparência que carrego invariavelmente desde que nasci, a este quarto insólito por onde me entregam os pratos de comida que nem mesmo como, a esta voz surda e horrenda que se fez em minha garganta.

Sou estes dias de silêncio. Meu silêncio é Gregor Samsa.

A necessidade de encontrar um caminho que não sei onde começa, o movimento em falso, a distância que tantas vezes me golpeia no ventre, a distância de mim e dos meus: isto é meu silêncio, estas madrugadas inteiras a não lançar sobre os papéis uma palavra fértil sequer. A voz séssil, ainda que momentaneamente, ainda que dêem a esse calar absurdo o nome delicado e inteligente de “hiato”.

Não é hiato. Não é fenda. Nem abismo. É silêncio. Assustador e asqueroso como Gregor Samsa e, como ele, ainda vivo e amedrontado, essencialmente humano.

De A Casa Miúda

Um besouro

quando samsa
acordou-se besouro
a carapaça colada ao chão
era seu inferno

um bom deus
teria dado também
um escudo à consciência
do homem feito bicho

quando samsa
acordasse besouro
não pensaria no medo
ou noutras coisas inúteis

Do Pequeno manual prático de coisas inúteis

Da fé

Quando começamos a nos organizar em hordas e a percorrer as terras no início dos tempos, logo depois de aprendermos a magia do fogo, quando não nos tratávamos mesmo por nome algum, testemunhamos então a primeira morte de um de nossos homens.

Ao vê-lo imóvel, deitado sobre seu braço, ao fim dos dois dias em que descansávamos e comíamos sob arvores esparsas, retomamos a trilha deixando o primeiro de nosso mortos na mesma posição em que ele não se acordara.

Caminhamos por algumas horas até que um de nós, talvez o mais jovem, retornou ao acampamento abandonado empunhando um pequeno lume sob a luz pegajosa do dia e o deixou ao lado de nosso primeiro morto.

Apenas hoje, tantos anos depois daquele dia fatídico, é que volto a recordar seu gesto e compreendo que o fogo posto ao lado do corpo abandonado era uma esperança de que Deus — o Deus em que nenhum de nós havia pensado ainda — pudesse enxergá-lo, mesmo sob o peso daquelas noites sem lua.

De A Casa Miúda

A Memória

a memória —
perfumaria da alma —
e suas pequenas inutilidades
pesam constantemente
sobre as vigas frágeis
do corpo

a maldição da memória
reinventa o tempo —
que já não carece ser
inventado —
e torna amargo
qualquer sabor pueril

apenas o tempo —
nem outra coisa —
é menos útil que
uma lembrança precisa

Do Pequeno manual prático de coisas inúteis

Dos reencontros e de Cabíria

Pensei que aquelas noites com Cabíria se haviam perdido no tempo e noutros puteiros baratos.

Mas a surpresa de reencontrá-las, de rever antigos movimentos, de reencontrar toda a gente e a escuridão dos becos de Currais Novo, sempre inacreditavelmente lindos às três da manhã, foi de um amargor doloroso ainda que delicadamente belo.

Troppo belli, delicatto.

Quando se decide ir embora, voltar é o pior castigo. E, quando voltei para casa, trazendo um par ou dois de fracassos bem sólidos na mochila, senti ainda uma alegria hesitante de rever as ruas antigas, o tempo antigo, a vida que deixei alinhavada nas esquinas e em alguns bares minúsculos, ainda que merecedores de grandes honras.

Reencontro minha cidade e meu tempo. A cidade a que chamo costumeiramente Macondo é hoje a minha Cabíria, a minha puta que amava o amor, como em Fellini.

De A Casa Miúda

Instruções para reconstruir um homem

juntar os
cacos de um homem
não refaz
um homem inteiro

há sempre
um caco de homem perdido
excerto de
um homem inteiro

mas os
cacos amealhados
refazem mais que
um homem inteiro:

um homem refeito
e um caco a mais de esperança

Do Pequeno manual prático de coisas inúteis

Dormir / Acordar

Dormir é a melhor coisa deste mundo. Nem leitura, nem diversão, nem uma boa mesa, nada se compara. Sexo então é fichinha perto. É um momento de magia quando você, só cansaço, cansaço da pesada, deita o seu corpo e a sua cabeça numa cama e num travesseiro. Ensaio, prosa, poesia, modernidade, tudo isso vai para o brejo quando você escorrega gostosamente da vigília para o sono. É o nirvana!

Raduan Nassar

Acordar, Viver

Como acordar sem sofrimento?
Recomeçar sem horror?
O sono transportou-me
àquele reino onde não existe vida
e eu quedo inerte sem paixão.

Como repetir, dia seguinte após dia seguinte,
a fábula inconclusa,
suportar a semelhança das coisas ásperas
de amanhã com as coisas ásperas de hoje?

Como proteger-me das feridas
que rasga em mim o acontecimento,
qualquer acontecimento
que lembra a Terra e sua púrpura
demente?
E mais aquela ferida que me inflijo
a cada hora, algoz
do inocente que não sou?

Ninguém responde, a vida é pétrea.

Carlos Drummond de Andrade

Eu concordo com Drummond de segunda a sexta, e com Nassar no fim de semana. Fico meio aterrorizado com as coisas a fazer dos dias úteis, então durmo e acordo meio no susto. Prazer é no fim de semana, e o sinto tanto ao acordar como ao escorregar para o sono. Tenho sorte: desconheço a insônia.

-=-=-=-=-=-=-

Dia desses, eu estava conversando sobre música com uma violinista chinesa de Xiamen. Pelo MSN, claro. Ela é uma pessoa muito séria.

Então, Fang Liu pediu para ver uma foto minha. Eu mandei a foto abaixo. Ela ficou absolutamente enternecida, mas não pela filha do Idelber, a Laurinha…

É que ela pensou que no Brasil nós comêssemos com pauzinhos (chopsticks)…

Me deu o maior trabalho explicar-lhe que nós não os utilizávamos e, pior ainda, que eu não sabia usá-los, mas que estava ensinando à Laura.

— Se você ensina, como pode não saber?

Fang, caríssima, não posso explicar.

A Provocação de Glenn Gould

Quem é intolerante a respeito de música não faz jus a seu aparelho auditivo. E quem não tem capacidade de reflexão e descoberta não deveria usar a palavra “arte”.

Este post é dedicado ao autor da afirmativa acima, Tiago Casagrande, e a Gilberto Agostinho.

Antigamente, a música — mesmo a mais grandiosa — era utilizada como pano de fundo para jantares e comemorações. Para nós é difícil conceber isto, mas a música de Vivaldi, por exemplo, era ouvida sob o provavelmente alegre som de comensais italianos alcoolizados… Excetuando-se os saraus privados, o único local onde podia-se ouvir música em silêncio era nas igrejas. O ritual de deslocar-se até uma sala de concertos a fim de ouvir e ver silenciosamente a performance de orquestras, cantores e recitalistas é relativamente recente – começou há uns 150 anos. Sob uma forma mais barulhenta, a música popular aderiu a este ritual no século XX, porém hoje seus concertos visam mais a celebração do artista do que a finalidades “expressivas” ou “interpretativas”. Alguns radicais, como o extraordinário pianista canadense Glenn Gould (1932-1982) – cujas interpretações de Bach são até hoje difíceis de superar – trilharam o caminho inverso chegando ao extremo de abandonar suas carreiras de concertistas por não acreditarem mais que o formato de concertos e shows fosse aceitável quando comparado às vantagens oferecidas pelos estúdios de gravação. Não obstante o abandono dos holofotes e dos aplausos — em seu caso sempre entusiásticos –, Gould seguiu pianista e continuou produzindo discos cada vez melhores; mesmo sem ter marcado um mísero concerto em seus 27(!) últimos anos de vida.

Glenn Gould acreditava que a tecnologia oferecida pelos estúdios o colocava mais próximo de seu ideal artístico, que colocava a técnica pianística em segundo plano. Apesar de ser um instrumentista absolutamente preciso e hábil, a impressão mais forte que temos ao ouvi-lo não é a do virtuosismo, mas a da expressividade. Com ele, pode-se ouvir a música. Gould pensava que existia somente uma interpretação perfeita de cada obra e que esta só poderia ser obtida em estúdio com auxílio da tecnologia.

A verdade é que as gravações revolucionaram inteiramente nossa abordagem à música. Em menos de um século, passamos do sarau ao CD, fomos do amadorismo afetuoso e comovedor de nossas residências (que bom se pudéssemos voltar no tempo, não?) ao sampler. Vejamos como:

1877: Thomas Edison constrói e dá nome ao primeiro fonógrafo, um aparelho que registra e reproduz sons, utilizando um cilindro de parafina.

1888: O disco envernizado substitui o cilindro de Edison.

1925: Aparece o primeiro toca-discos elétrico, que funcionava com discos de 78 rpm. Um movimento – cheio de chiados – de uma sonata de Beethoven poderia ocupar vários discos… Meu pai tinha o Op. 111 do compositor alemão em 8 discos ou 16 lados de discos 78 rpm!

1940: O acetato e o verniz começam a ser substituídos pela fita magnética.

1948: Surge o LP, que podia receber até 30 minutos de música (uma sinfonia de Mozart!) de cada lado. Todos os discos de 78 rotações deveriam ser jogados fora. (Este é outro assunto…)

1958: O som estereofônico torna obsoletas as gravações anteriores, feitas em mono. Chegou a vez de jogar fora tudo o que não era estéreo.

1965: A fita cassete ameaça o disco, mas não o vence.

1979: Aparecem as fitas digitais (DAT) com som semelhante ao do CD; isto é, muito mais claras do que tudo o que já havia surgido antes.

1983: Chega o CD, mais uma vez desvalorizando todas as outras gravações realizadas em outros meios.

Gould falava em quão recente era a supostamente eterna tradição das salas de concerto e ridicularizava vários de seus aspectos. Por que haveria de ser necessário alguém atravessar a cidade — talvez com chuva ou sem a vestimenta adequada –, para ir sentar-se, com hora marcada, em cadeiras normalmente piores do que as de nossas casas, a fim de ouvir o mesmo velho e conhecido repertório tocado com acompanhamento de sussurros e tosses? Segundo ele, a única coisa que mantinha viva a tradição dos concertos era a oligarquia do mundo dos negócios musicais, acrescida do que Glenn Gould chamava de “uma afetuosa, ainda que às vezes frustrante, característica humana: a relutância em aceitar as conseqüências de uma nova tecnologia.”

Eu, modestamente, adoro ir a concertos. Amo aquela celebração dedicada aos músicos e à música; mas concordo com Gould em muitas coisas. É complicado sair de casa para ver, muitas vezes, concertos constrangedoramente inferiores àquilo que temos em nossa discoteca. Outra coisa triste é o conservadorismo do repertório apresentado: principalmente no Brasil, considera-se que estejamos eternamente “educando o público para a música erudita”. Com este argumento, as orquestras obtém o aval para apresentarem somente o mainstream do repertório. (Há as exceções, mas são raras…) Enquanto isto, o LP e o CD abriram um leque de opções que mudaram nosso conhecimento musical. Obras extraordinárias puderam voltar a fazer parte de nossa cultura, grande parte da música de câmara (música escrita para pequenos grupos de instrumentistas) e da música antiga, inadequadas para as grandes salas, voltaram através dos discos.

Houve uma importante alteração na maneira de tocar a música e, por conseguinte, de ouvi-la e compreendê-la. Uma vez que, no estúdio, os músicos não tinham mais de preencher os grandes espaços das salas de concerto com som, todo o processo de fazer música passou a colocar mais ênfase na clareza e beleza do fraseado. Os microfones que fizessem o resto! Os antigos instrumentos – de som mais fraco – retornaram à vida e surgiram as gravações com interpretações históricas, utilizando instrumentos de época, que respeitam a dinâmica e a forma original das obras.

Peço agora que vocês, meus prezados 7 leitores, leiam principalmente a segunda observação abaixo. Ao final dela, vocês entenderão o motivo pelo qual este texto acaba (ou não acaba) tão bruscamente.

Observação:

— A maior parte dos argumentos aqui colocados livremente estão sistematizados no livro de Otto Friedrich Glenn Gould: A Life and Variations.

Chama um táxi?

Os principais órgãos da imprensa gaúcha, sempre indo ao cerne das questões, divulgam com grande destaque a mais nova aquisição do Sport Club Internacional. Sim, um ônibus. O site do clube teve o bom gosto de ainda não estampar fotos da geringonça abaixo. Mas deve ser algo muito importante. Afinal, avizinha-se o Campeonato Brasileiro e ele, o ônibus, deverá ser muito utilizado no translado até o aeroporto.

Meio século de pretensão

Meus parabéns! E então chegas aos cinquenta anos e é apenas mais uma data. A Idade da Razão já está instalada há tantos anos que fica difícil encontrar coisas a comemorar que não sejam o novo cargo, o novo carro, a nova e sonhada situação adquirida sem refletir em los muertos de tu felicidad. Sempre buscaste o conforto e agora o tens sob várias formas, não obstante a antipatia dos circunstantes, dos filhos e o silêncio dos velhos amigos. Nunca demonstraste grande vontade de te sacrificares por alguém — mesmo tua participação política dava-se em bares, era anteação, talvez anteteórica –, mas a súbita adoção de um amor extremado pela privacidade, pela autoproteção, pela furiosa e agressiva resolução de teus problemas pessoais, surpreendeu a muitíssima gente. Sim, todos nós temos de nos adaptar aos fatos da vida mesmo sendo eles desagradáveis e avessos a nossos ideais, porém a coerência gera limites, principalmente para alguém que costumava expressar-se tanto.

Tua Idade da Razão é o medo do desconhecido e o sintoma mais aparente é teu desconforto por teres eliminado de tua vida uma das mais gloriosas e dignas necessidades humanas: a aventura da amizade. Sim, à exceção de velhos amigos, não aparece mais ninguém interessante, não acontece nada de novo. É curioso como conseguiste te encalacrar. Qual foi a última vez que alguém, digamos, na faixa dos 30 anos, te convidou para uma conversa? Quando ocorreu de um jovem repentinamente chegar à conclusão de que tinha absolutamente de conversar contigo e fez um convite para um café mais ou menos urgente? As viagens te dão autêntica satisfação, mas mesmo isso é um subproduto que roubas de teu trabalho. E os novos amigos que encontras nos congressos devem ser decepcionantes e iguais, pois quem não pode mais aquilo, fica com quem pode o mesmo isso. Achas hoje que a nova geração é feita de idiotas, que não vale a pena dar-lhes atenção, que tens perfeito bom senso e tratas de evitar os desvios daqueles que se encontram em tua zona de influência à base de berros e pressões, pois não podes conversar muito, há que ter tempo para coisas mais importantes, tais como cuidar das articulações políticas de teu trabalho, dos novos tratamentos de rejuvenescimento, da hora do médico e ainda ir ao shopping, único local que consideras seguro. Dia desses, ficaste feliz ao ver que os seguranças pediam educada e repetidamente a um senhor que, por favor, fizesse o obséquio de não correr nos corredores — um pediu aqui, outro mais adiante (este chegou a ir ao meio do corredor para cruzar com o homem, que respondeu “Estou atrasado para o cinema”, mas que obedeceu passando à marcha atlética porque temia ser detido por uma advertência mais longa. E tu pensaste “É verdade, quem corre é vagabundo, neste shopping pode-se vir”).

E, enfim, teu isolamento acabou te trazendo de volta a ti. E, olha, tu não és pessoa a ser deixada a sós sem maiores dores, coisas passam a acontecer, paranóias se criam de quase nada e melhor não pensar muito. Inventas enfermidades, te examinas com o olhar crítico de quem deveria viver para todo o sempre, ficas com receio das atitudes amalucadas dos filhos e, como não tens tempo para eles e trata-os isonomicamente, isto é, também aos gritos, eles aprenderam a te enganar com mentiras. “Vou aqui”, mas vão lá; “Estou fazendo isso”, quando na verdade farão aquilo. É a escola diária da mentira; eles sabem que, se forem francos, darão de cabeça na tua absoluta falta de negociação, na tua completa alienação de como eles vivem. Então para ti é mais fácil proibir. Pois gostas desta palavra: há coisas que devem ser proibidas e é uma sorte que teu novo amor fale tão pouco. Teus filhos não falam contigo nem quando encontram uma vestimenta íntima perdida na sala… É uma piada que fazem fora de casa. Não queres brigar com a vida que te dá conforto material, deste modo, preferes ouvir fatos concretos – mesmo que falsos. De invenção bastam as paranóias e as doenças, essas inevitabilidades.

50 anos. 50 anos e tu simplesmente te desarticulaste. Sim, não te faltam as qualidades de alguém centrado, autocentrado, em faixa própria, de ética, tolerância e solidariedade adaptáveis, que não pula de galho em galho, pois tens galho próprio e privativo, dissociado do ser fumante e usuário de drogas leves que foste, que apenas lembra de sua existência nos anos 70 e 80 quando Caetano cantava e que hoje vê sua posição pretensamente intelectual atacada quando o ser silencioso te constrange. A criatura pichadora e comunista hoje só quer vestir coisas chiques e muiiiito caras, prenhes de grifes, com o caimento que só uma grife dá. Ainda ouves Van der Graaf, aquele horror? Quanta pretensão. Parece que esta apenas faz crescer. Esse meio século de pretensão comprovam a terceira acepção da palavra: afã, ambição, anelo, apetite, aspiração, avidez, sofreguidão.

Hoje tua fala é afirmar que não estás do lado da classe dominante, mas “que nem todos à direita estão errados”; é asseverar que é preciso “ouvir as pessoas”, mas não que não se deve cair, em hipótese alguma, na liberalidade perigosa; é garantir que não és moralista, mas que julgas; é jurar que não escondes nada, mas que algumas intromissões e perguntas passam dos limites… Piadas. Por falar em piadas, vamos a uma.

Politicamente funcionas como um homem branco, machista, neoliberal, de retórica potente, autoritária e invasiva, que arranjou alguém que comporta-se como uma mulherzinha burra para te acompanhar. Tua grande Olenka (*) particular funciona adequadamente? Já sabe de todas as tuas preocupações? Angustia-se junto? Parabéns, Kukin-Pustovalov-Smirnin! E quando tua companhia leu aquele e-mail que comprovava irrefutavelmente o fato do homem não ter ido à Lua? Tu e Pustovalov não perderam tempo para fazer-lhe mudar rapidamente de idéia, não? “Nunca mais repita uma bobagem dessas!!!”. Engraçado, rimos muito.

Mas preciso finalizar, é tarde. Tua existência surpreende, repentinamente deixaste de pensar nas igualdades do mundo, deixando-as apenas para os discursos, tão considerados quanto os de José Dirceu. Se dizem que perder uma ilusão torna-nos mais sábios, o que dizer de alguém que perdeu todas? O desconcertante é que tal fato não te trouxe a serenidade que dizem ser uma das qualidades da sabedoria. Pobre de ti. Deixar tudo, arrepender-se não implicaria necessariamente nas ações de ímpeto e má consciência — que te comprazes em fazer — típicas de quem foi enganado e precisa vingar-se. Ou talvez faças isso para externar a felicidade de, finalmente, poderes agir autenticamente: sem te dares àquele trabalhão de teus anos jovens de ter de dissociar tudo o que pensavas do que dizias. Finalmente o autêntico está bem perto de ti, é só eliminar o que vem antes do mas. O resto é tu.

(*) Personagem de um conto de Anton Tchékhov que pode ser lido no link acima.

Prokofiev – 3º Movimento da Sonata Nº 7 (Precipitato)

Ontem, Bach fez 324 anos de nascimento, este é o 399º post deste blog e hoje escolhi um Prokofiev. Grigory Sokolov vai um pouco mais lento que Pollini e sem o descontrole da versão de Argerich. É espantoso o que faz aqui o russo Sokolov, nascido em Leningrado no ano de 1950. Toda a sétima sonata é extraordinária, mas esse finale, do qual a Medici TV apresenta os últimos 3 minutos…

Quem não vê nada acima, deve clicar ou passar o mouse aqui.

Porque hoje é sábado, Kate Beckinsale

A belíssima atriz inglesa Kate Beckinsale cometeu um sério erro…

… ao viver Ava Gardner em O Aviador, equívoco de Martin Scorsese.

Desconsiderando a questão da beleza, Ava tinha aura, mistério, sinatra, fotos em preto e branco, …

… fama e mística invencíveis a uma simples mortal nascida em Londres no ano de 1973.

Quando assisti o esquecível filme de Scorsese, não notei Kate. Vi uma atriz fazendo-se de deusa.

Foi só numa comédia absolutamente idiota – Click, que assisti com meus filhos – …

… que notei como era bela a falsa Ava. Mas — sabe? — Kate Beckinsale, tal como eu, não é apenas mais um rostinho bonito, …

… ela possui um cérebro de respeito, parece. Durante a adolescência, ganhou dois prêmios de Young Writer, …

… uma vez na categoria “Contos” e outra na de “Poemas”, o que a faz muito superior à Luciana Gimenez.

Deve ter sido uma adolescente chatíssima: passou por períodos severos de anorexia, enquanto acendia um cigarro no outro.

Também estudou literatura francesa e russa em Oxford, mas nunca formou-se, pois Kenneth Branagh, …

… ao ver aquele “talento” perdendo-se nas letras, ofereceu-lhe um papel em seu filme shakespeareano …

Much Ado About Nothing e a moça virou atriz. Após estrelar Pearl Harbour, Kate permaneceu nos Estados Unidos …

… a fim de fazer aquela tradicional série de filmes ridículos que enchem os bolsos das mais talentosas beldades estrangeiras.

Intermezzo: Acho que Peter Greenaway aprovaria as fotos acima e abaixo. Não falta a mesa, os pratos e muito menos as frutas. Suponho que haja insetos.

Curiosamente e mesmo vivendo nos Estados Unidos, ela gosta de declarar-se fumante.

Detesto que fumem perto de mim, mas simpatizo com a postura desafiadora da minha homenageada …

… e acho que reveria meus conceitos, suportando seus eflúvios numa boa. Juro.

Esses moços, pobres moços; ah, se soubessem o que eu sei

Os versos de Lupicínio Rodrigues — autor do hino do Grêmio — descrevem bem a incredulidade de que fui presa ontem, ao conversar com amigos de meu filho, todos na faixa dos 18 anos. Ele não sabiam que, nos anos 70, houvera uma torcida organizada gay que apoiava o Grêmio Futebol Portoalegrense. Ninguém tinha ouvido falar na Coligay. Como não? Verdadeiramente pioneiros, aqueles torcedores antecipavam a intimidade da atual avalanche ao demonstrar sua alegria pelas arquibancadas do estádio alusivo às Olimpíadas de Porto Alegre.

Mas os tricolores não souberam assimilar a novidade. Sentiram-se ameaçados e enxotaram aquela torcida vanguardista. Todos sabem que a homofobia é o produto do medo que as pessoas têm de um dia elas próprias descobrirem-se homossexuais ou de serem tomadas como tais. Em outras palavras, a homofobia é um mecanismo instintivo de defesa contra uma previsível possibilidade de desenvolver um sentimento de afeto por pessoas do mesmo sexo. Então, os homofóbicos tornam-se agressivos e podem até mesmo cometer violências para se preservarem do risco. É uma postura tão medieval quanto a das religiões que, ao tentar impedir os casamentos entre pessoas do mesmo sexo, acabam é pregando a mais pura aversão, que desemboca no ódio e depois na violência. Pô, deixem os gremistas seguirem suas inclinações naturais!

E a Coligay, conforme documentamos abaixo, ainda ensaiou um retorno. Sem seus tradicionais roupões, mas com propósitos firmes, tentaram dar novamente vazão à sexualidade latente que habita todo gremista.

Mas não deu certo, venceu o atraso. Clicando nas fotos abaixo, você poderá ler a reportagem de uma edição da revista Placar, se não me engano de 1977 onde mestre Divino Fonseca, com aquele tempero especial de um politicamente incorreto plenamente permitido, tira um sarro em três páginas antológicas. Para lê-las basta clicar sobre a foto, depois clicar novamente sobre o sinal positivo que sugirá sobre a imagem para depois “navegar” pelas colunas de Divino.

Em 1977, esta era a ditabranda tricolor.

A biblioteca perdida de Goran Bregovic

Goran Bregovic está excursionando pela Espanha para apresentar o novo CD, Alkohol, já comentado por mim. Hoje, El Pais publicou uma entrevista sua. Há nela alguns aspectos comoventes e outros que me interessaram muito. Para variar, quem me enviou o link foi Helen Osório. Faço um resumo abaixo:

Goran considera-se iugoslavo: Si tu país desaparece, descubres que no era algo político ni geográfico, sino emocional. No me siento represente de una nación o un Estado. Sólo represento ese territorio emocional que no tiene nada que ver con la política.

O que diz sobre os criminosos de guerra: Creo que conozco a casi todos los criminales de guerra. Conozco a Radovan Karadzic, que antes de la guerra era poeta. Algunos de mis profesores de la Facultad de Filosofía están en La Haya. Eran políticos pequeños que creyeron interpretar personajes históricos. Los seres humanos están condicionados. Si les dejas la oportunidad de convertirse en animales se convertirán en animales. La cultura no nos protege.

Sobre o poder da arte mudar as pessoas: A los artistas occidentales les gusta decir grandes cosas, como que la música puede cambiar el mundo. Vengo de un país comunista y sé dónde está el poder. Aunque trabajo con la misma temperatura que los artistas occidentales, sé que hay un largo camino hasta ser iluminado. Las luces pequeñas ayudan, pero en el fondo no cambian nada.

Sobre uma destas pequenas luzes, ele narra um acontecimento quando de seu primeiro concerto em Buenos Aires: Al llegar al hotel me dieron un sobre que me habían dejado de parte de Sábato. Contenía un libro, Sobre héroes y tumbas, y una carta en la que me pedía disculpas por no acudir al concierto. Me explicaba que mi música le había salvado en momentos de depresión. Lo curioso es que cuando hice el servicio militar en Nis, en la época comunista, robé de la biblioteca del cuartel un ejemplar de ese libro. Lo tuve en mi casa de Sarajevo durante años y lo perdí. Con la guerra perdí todo, también mi biblioteca. Puedes empezar dos veces tu vida, pero no puedes empezar dos veces una biblioteca. Todas las cosas grandes que me han pasado están guiadas por cosas pequeñas que se vuelven grandes, como el libro de Sábato.

Ele surpreende ao falar sobre algumas acusações de plágio: Me llaman compositor porque compongo lo que ya existe. Así ha sido siempre, desde Stravinski, Gershwin, Bono, Lennon… Se trata de un viejo método: tomas algo de tu tradición, robas y dejas atrás cosas para que otros con talento roben también. La cultura es eso, una transformación continua.

E este filho de pai sérvio e mãe croata, casado com uma muçulmana, finaliza: La guerra no es sólo matar gente, quemar casas, la guerra mata una infraestructura cultural, edificada por los hombres con gran dificultad durante mucho tiempo.

É uma boa entrevista. O que me emocionou foi a referência que ele fez a sua biblioteca perdida:

Com a guerra perdi tudo e também minha biblioteca. Podes começar tua vida duas vezes, mas não podes começar duas vezes uma biblioteca.

Eu nunca tinha pensado nisso. Uma biblioteca pessoal é algo que não se recomeça. Ou ela é inteira ou é um amontoado. Uma biblioteca sem as tantas bobagens lidas durante a adolescência, sem as anotações que não consigo deixar de fazer nos livros e sem as anotações dos amigos, deixaria de contar à sua maneira minha história e a de meu tempo. Eu não iria morrer sem esses 3000 ou mais paralelepípedos cheios de pó mal organizados às minhas costas. Mas perderia o meu mais importante meio de recordações, pois só consigo chegar ao Milton de 15 anos quando abro O Lobo da Estepe e constato o quanto amei e manuseei aquele exato livro que hoje leria com enfado. E quando abro Baía dos Tigres sei onde estava e o que pensava enquanto o lia e o mesmo ocorre com quase todos os outros. Sei lá por quê, minha vida tem largos períodos sem fotos e minha memória associa-se sempre aos livros. Não sei se esta é uma sensação comum às pessoas que leem permanentemente. Não sei mesmo. Aliás, antes do dia de hoje nem sabia que uma biblioteca não se recomeçava…

Uma polêmica suscitada pela Zero Hora

No sábado retrasado (07/03), o jornalista Gustavo Brigatti, meu amigo, deu novamente mostras de que não é nada tolo. Com sua cara de Gary Oldman bonzinho, escreveu o artigo de capa do Segundo Caderno — chamado Ópera? Só no cinema — sabendo que expunha dois corpos a leões barulhentos, irônicos e domiciliados fora do Rio Grande do Sul. (Conclusão minha, não falei com Gustavo). Não é responsabilidade dele se Fernando Mattos, compositor, violonista e professor do Departamento de Música da UFRGS, decidiu ter seu momento de tolice bem na frente do jornalista. E muito menos se Mônica Leal disse mais uma de suas bobagens, até porque é incapaz de outra coisa.

O fato é que pensei em mandar o artigo para dois outros amigos meus: o pianista Carlos Morejano e o tenor Flávio Leite. Eles saberiam destroçar os pobres argumentos de Mattos e, bem, não precisariam preocupar-se com Mônica Leal pois ela parece programada para apenas emitir destroços. É fato óbvio que o Rio Grande do Sul dá uma contribuição fundamental para a cena operística. Ele exporta — ou melhor seria dizer deporta, desterra, elimina, proscreve ou, quem sabe, expatria? — os muitos talentos que produz.

A declaração de Fernando Mattos …

— Aqui no Rio Grande do Sul não há gente especializada, principalmente solistas. E isso diminui muito o repertório, obrigando a usar um ou dois profissionais locais e trazer o resto de fora até do país.

… comprova sua dedicação exclusivíssima à UFRGS e à vida acadêmica, pois de cada 20 escolhidos para o Guaíra, dez são a metade (vide artigo abaixo).

E a declaração de Mônica Leal…

— Ocorre que o patrocinador, ao investir em determinado projeto, avalia o mercado e as suas demandas. Se há público em Porto Alegre interessado, certamente haverá patrocínio. Mas não cabe ao Estado promover estes eventos. Cabe, isso sim, incentivá-los.

… é mais um atestado de que o Rio Grande irá contrariar as expectativas de todos. Sim, nosso estado se tornará um deserto, mas primeiro virá o deserto cultural, só depois vindo o outro, o da Aracruz.

Contudo, eu não mandei e-mail nem para o Flávio nem para o Morejano. Fico feliz por saber que não precisava, pois Flávio conseguiu espaço no Caderno de Cultura de ZH do último sábado a fim de reduzir a pó os argumentos do re-putado professor e da putativa filha do coronel. Respondam a isso. Quero ver.

Por uma ópera não só no cinema

O tenor Flávio Leite critica a falta de uma temporada lírica regular no Estado, lembra que temos bons profissionais especializados e cobra uma reflexão mais séria sobre o tema.

A inserção de Porto Alegre no circuito internacional de transmissões nos cinemas das produções de óperas gravadas no Metropolitan de Nova York é um fato histórico na vida cultural da nossa cidade. Com um passado lírico glorioso, onde ouviu-se La Bohème de Puccini antes aqui do que em Viena ou no próprio Metropolitan, nossa capital vive em uma espécie de vácuo lírico há muitos anos por vários motivos – salvo heróicas iniciativas mesmo lutando contra as adversidades citadas na reportagem de sábado passado no Segundo Caderno (“Ópera? Só no Cinema”, de Gustavo Brigatti), não permitiram que o gênero que está lotando as salas de cinema em nossa cidade morresse.

Dentre essas adversidades citou-se a falta de apoio público no fomento e promoção da arte lírica. Lembremos que os casos nacionais de maior profissionalismo, sucesso e relevância internacional do gênero como o Festival Amazonas de Ópera, que atrai turistas do mundo todo a Manaus com uma temporada invejável e a temporada do Teatro Municipal de São Paulo, acompanhada pelas principais revistas especializadas da Europa, para citar somente dois exemplos, são iniciativas da Secretaria de Cultura do Estado do Amazonas e da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, respectivamente, contrariando a afirmação da filha do Coronel Pedro Américo Leal, atual Secretária da Cultura, que não cabe ao Estado promover estes eventos. Triste a má sorte dos gaúchos amantes de música, pois foi em um governo do mesmo partido de nossa governadora que São Paulo ganhou a revitalização e transformação da Osesp em uma das principais orquestras da atualidade.

Outro depoimento que me causou estranheza no mesmo artigo foi o do respeitado acadêmico Fernando Mattos, quando afirma que um dos motivos da impossibilidade de uma temporada lírica no Estado seria a falta de profissionais especializados, principalmente solistas, forçando a importação de tais profissionais encarecendo e impossibilitando o processo. Tal afirmação surpreendeu-me duplamente, pois na vida profissional ocorre exatamente o inverso. Somos muitos gaúchos em carreira pelo resto do país e exterior justamente porque aqui não temos um mercado profissional de atuação.

O número de cantores líricos gaúchos altamente especializados em carreira profissional no resto do país e no Exterior é mais do que significativo. Além de presença nas temporadas do Rio, São Paulo, Manaus, Belo Horizonte e Belém, citemos por exemplo a última montagem de L’Elisir D’Amore, de Donizetti, em Florianópolis, onde quatro dos principais solistas, escolhidos por concurso público, eram gaúchos. O soprano Cláudia Azevedo, que se alternava no papel de protagonista com a também gaúcha Carla Domingues, é detentora de feitos importantes, como seu título de especialista em ópera pelo Conservatorio Superior del Liceu em Barcelona, sua premiação no Concurso Internacional de Canto Bidu Sayão, sua atuação no mais importante festival de verão da Europa, Rossini Opera Festival de Pesaro na Itália e seu debut agendado ainda para este ano no mítico Teatro Colón de Buenos Aires.

Outra prova da qualidade dos artistas líricos gaúchos está ocorrendo no Teatro Guaíra, em Curitiba, onde está acontecendo o segundo módulo de um Ópera Estúdio, um curso de aprimoramento de alto nível para jovens cantores profissionais, inédito no país, com professores vindos da Itália, oriundos de teatros como alla Scala e La Fenice, onde das 20 vagas oferecidas para todo o país 10 dos participantes aceitos, também via concurso público, são gaúchos. Isso para citarmos alguns nomes da nova geração, sem mencionar profissionais gabaritados e com ampla experiência internacional da geração anterior, como o soprano Laura de Souza, os tenores Martin Mühle e Juremir Vieira e o baixo Luiz Molz, alguns não ouvidos aqui desde os tempos de estudante.

O outro motivo que cabe salientar é o fato de que em nenhuma casa de ópera importante do mundo se faz uma temporada somente com artistas locais, pois nem em Viena, Paris ou Londres existem especialistas locais para todos os papéis do repertório. Podemos não ter uma Lucia de Lammermoor de primeiro calibre em Porto Alegre, mas mesmo no Met, com os seus US$ 300 milhões de orçamento e sua centenária tradição, a estrela Anna Netrebko deixou a desejar em sua conhecida ária da loucura quando deixou de cantar um de seus esperados mi bemóis superagudos na performance conferida pelos porto-alegrenses no último domingo no cinema.

Cobrar a perfeição existente somente no Walhalla acadêmico e tachar as parcas tentativas de sobrevivência do gênero em Porto Alegre, de beirar o ridículo, não preenchem a lacuna deixada pela falta de regularidade de produções operísticas em nosso Estado. É necessária uma reflexão séria por parte de artistas, produtores, autoridades, patrocinadores, acadêmicos e público para que os gaúchos que superlotaram as salas de cinema e controlaram seu impulso de aplaudir uma ópera gravada, possam honrar o seu passado e voltar a se emocionar com o fenômeno da voz ao vivo.

FLÁVIO LEITE
Tenor gaúcho

Todos os fogos o fogo, de Julio Cortázar

Querida filha.

Quando li a relação de livros que vocês leem no primeiro ano do ensino médio me surpreendi com a qualidade da lista: O Continente, Édipo Rei, Lisístrata, Hamlet, A Morte de Ivan Ilitch, Um Jogador, A Metamorfose, O Estrangeiro, Levantem bem alto a cumeeira, carpinteiros, enfim, um show de bola que me deixa até satisfeito de pagar a fortuna que pagamos todos os meses. Menos mal. Mas, o que me assustou mesmo foi a presença de Todos os Fogos o Fogo. Entendi melhor quando soube que era um dos livros para leitura em aula. O outro é o maravilhoso Nove Histórias.

É que… sabe? É um livro que requer vivência para ser entendido. Não é difícil, mas quem de vocês descobriria, por exemplo, que o narrador asmático de Reunião é Ernesto Che Guevara? Sim, aquele homem bonito cujo pôster está no quarto do teu irmão.

Todos os fogos o fogo não parece um livro de contos destes que o escritor junta e o editor publica, parece mais uma antologia de contos perfeitos. Vale a pena ler, viu?

O livro abre com o esplêndido A autoestrada do sul. Trata-se da narrativa sobre um engarrafamento numa rodovia que vai dar em Paris. Sim, é semelhante ao retornos da praia que NÃO costumamos fazer por sermos mais sensatos que a maioria. Sim, todos os carros parados. Mas tu sabes, Bárbara, que os gregos inventaram uma coisa genial chamada “hipérbole” que é a intensificação de um fato até o inconcebível. É um tipo de superexagero até que o fato torne-se uma caricatura e passe a significar outra coisa. Bom, Bárbara, os caras passam um ano inteiro engarrafados na estrada. Paradinhos. É genial. Criam outras relações, outro comércio, outra vida, outras disputas, outras lutas, outra forma de sobrevivência. Quando os carros andam, a gente chega a ficar um pouco triste. É genial, já disse. É uma idéia simples que o autor leva ao paroxismo.

Bárbara, o japa Inagaki mata a pau em sua análise de A autoestrada do sul. Clica aqui. E em linguagem clara e lúcida.

Depois vem A saúde dos doentes. É outra farsa. Uma família quer evitar transmitir más notícias a uma mãe enferma que parece estar com vontade de sobreviver a todos. Não é nada grandioso, mas é muito interessante.

Reunião comemora os primeiros dias da guerrilha cubana. É arrepiante, só que é preciso ter algum conhecimento da história de Cuba e de Che para descobrir a que se refere. Sabes que eu tenho a mania de escrever nos livros. Antes de Reunião escrevi: Bárbara, provavelmente o conto a seguir seja incompreensível para ti. Peça para que eu te conte sobre a Revolução Cubana, seus tiros, serras e charutos. Ah, o narrador — médico e asmático — é Che Guevara. Recomendo também o filme “Diários de Motocicleta” e talvez o “Che” com o Benício del Toro que logo vai passar nos cinemas.

A homenagem que Cortázar faz à Cuba revolucionária, neste livro de 1966, é belíssima.

Em Senhorita Cora a coisa complica. É uma história delicada e sensível sobre um jovem doente, sua mãe e uma enfermeira um pouco mais madura e muito atraente. Cortázar trabalha com vários personagens narradores, às vezes dentro de um mesmo parágrafo. É necessária toda a atenção. Quando a gente pensa que um está contando, é outro. Nunca esqueça que o cara gosta de jogos e está se divertindo ao não dar caminhos óbvios para a compreensão de quem é quem. Mas, com algum esforço, entende-se tudo e, puxa, como vale a pena!

A ilha ao meio-dia começa a flertar com os contos finais do livro ao contar a história de uma obsessão meio boba que acaba em drama. É o primeiro conto onde a paixão tomará conta do personagem.

Instruções a John Howell. Mais um jogo, este bem misterioso e que ocorre durante uma peça de teatro. Uma tentativa de deixar Howell mais ou menos como a tua avó…, ou seja, Howell deverá demonstrar características de duas ou mais personalidades, cada uma com sua maneira de ver as coisas e interagir com as pessoas. Sim, complicado.

Façamos um negrito em Todos os fogos o fogo, pois trata-se de outra obra-prima. A expressão significaria algo como “todas as paixões acabam em destruição e morte”. Duas histórias de final trágico são contadas paralelamente. A princípio tudo é meio louco e uma não tem relação com a outra – até porque a primeira se passa no Império Romano e outra na Paris do século XX – mas as paixões descritas tem o mesmo final. O efeito causado pelo conto é inesquecível. Tu vais gostar desse, tenho certeza.

O outro céu é, em minha opinião, o melhor conto do livro. O personagem principal tem uma vida entediante, mas dissocia-se a cada momento em outro, que vive em misteriosas galerias entre prostitutas – é apaixonado por uma delas –, cafetões, assassinos e revoluções. A forma como Cortázar muda de um mundo para outro é sempre de arrebatador virtuosismo. (Pobre Irma que nunca saberá dos céus de gesso sob os quais vive Josiane…). Todas as experiências com duas vozes realizadas durante o livro tem neste conto melhores resultados ainda.

Bom, evitei contar DEMAIS as histórias para não estragar o livro, que é MUITO BOM. Agora, vai ler, vai!

Beijo do pai.

Trabalho Comunitário

Talvez um dia comente o absurdo de minha condenação em um acidente de trânsito em que estava com o carro parado em local permitido; talvez escreva sobre como se forja testemunhas com a finalidade única de conseguir algum dinheiro (uma ninharia) com uma ação, mas hoje vou escrever um pouco a respeito das duas turmas que estão sob minha responsabilidade. Explicação: cumpro minha pena ensinando matemática numa instituição religiosa — o Centro de Educação Profissional São João Calábria — na periferia de Porto Alegre. Faço questão de dizer a vocês que eu ensino mesmo; sei que sou um professor melhor do que aqueles que meus alunos têm em suas escolas. Não há grandes méritos, nem especial bondade e não sou candidato à Madre Teresa de Calcutá; afinal, escolhi fazer o que gostava e extraio prazer desta atividade. É para ser um descanso de atividades mais chatas. Então, se reclamasse, estaria na mesma falsa posição do político que escolheu ser político, mas diz sacrificar sua vida pessoal por seu estado ou eleitores… Sem que estes tenham lhe pedido nada. Não, não me sacrifico em hipótese alguma, apenas gasto sete horas semanais num trabalho pelo qual não recebo nada — contrariamente à atividade política. Este, o fato de não ser remunerado, seria minha única reclamação.

O que me impressiona é a notável diferença entre as duas turmas com as quais trabalho. A de terça-feira pela manhã é muito fraca e minha missão seria a de lhes ensinar a Regra de Três, pois fazem um curso profissionalizante em que é absolutamente indispensável ter noções de proporções, porcentagens, etc. Pensei que fosse fácil; um grande engano. Estes alunos cuja idade gira em torno de 15 e 17 anos, têm poucas noções de como se fazem multiplicações ou divisões. Ficou logo claro que eu teria que recuar e voltar aos conceitos fundamentais. Conversei com os orientadores e eles me explicaram que eu estava realizando um trabalho social e, portanto, tinha carta branca para descumprir o programa a fim de partir para aulas de conceitos fundamentais.

(Isso é tanto mais surpreendente quando comparo esta turma com aquela das sextas-feiras à tarde, que parece ser formada por doutores, apesar de serem da mesma classe social.)

Voltando a meus alunos de terça, faço uma pergunta: como é que eles puderam chegar à sétima ou à oitava série do primeiro grau – e alguns já estão no segundo grau – sem saber dividir 65.536 por 1000? Pois bem, exatamente este cálculo, que escrevi no quadro há quinze horas atrás, gerou um enorme debate em aula.

— Para onde vai a vírgula? Para a esquerda ou para a direita? – disse o mais culturalizado.
— Porra, que vírgula? Hahahahaha.
— Professor, isso é muito trabalhoso, vou ficar horas fazendo.
— Bota três zeros lá atrás e pronto!
— Mas tu tá dividindo, meu! O resultado não vai ser maior.
— Não, bota um zero só! Lá atrás.

Foram trinta minutos de exercícios só de multiplicação e divisão por múltiplos de 10. Uma incrível dificuldade.

Nos intervalos, a pedido deles, dou aula de matemática sobre os temas do colégio de cada um: um pede auxílio nas equações de primeiro grau, nas de segundo grau, na divisão de polinômios, no diabo… mas como é que vão entender esses tópicos se não dominam conceitos muito mais básicos? Olha, é complicado e, se extraio algum prazer em ajudá-los, sinto um enorme cansaço quando saio de lá – lembram que eu escolhi um trabalho para descansar? É um trabalho de Sífifo e, se depois estou buscando minha pedra um pouco mais acima com alguns de meus alunos, com outros a coisa parece piorar.

Conversando com outros professores, eles me informaram que aqueles jovens vêm de famílias paupérrimas, que muitas vezes dormem (ou não) em peças com um monte de gente, que brigam entre si, que alguns fazem o curso apenas pelo lanche e que têm um comportamento totalmente imprevisível, dependente muitas vezes dos acontecimentos noturnos. É óbvio, se o pai chegou bêbado ou drogado na noite anterior, se o irmão resolveu bater em todo mundo ou se vendeu a TV para o traficante, isto influencia o comportamento na aula da manhã seguinte. E muitas vezes o drogado é o próprio aluno.

A forma de controlá-los foi aprendida à base de muito sofrimento. Porém, um belo dia, vi um aluno beslicando o outro e perguntei sobre a conotação sexual daquilo:

— Conta pra nós. Ele te atrai tanto a ponto de tu sentires vontade de dar uns beliscõeszinhos? É tão gostoso assim?

Toda a aula riu e o cara ficou quieto, constrangido frente aos colegas. Noutro dia um maluco começou simplesmente a gritar na aula.

— Este é teu canto de acasalamento? Bonito…

Mais risadas e menos um aluno disposto a fazer loucuras na minha aula. Apliquei a tática várias vezes e eles passaram a me respeitar como alguém perigoso, que “tira com a cara do aluno”. Como não sei gritar, nem reclamar, nem expulsar de aula, o meu jeito de controlá-los é analisando-os de forma caricatural. Eles me veem com alguma simpatia e temor, quase pedindo para que eu não resolva atacar. É o meu jeitinho meigo… (Só preciso parar de inventar apelidos, sou criativo nisso e sei que uns se ofendem, pois seus colegas acabam adotando a coisa).

Como falava ontem ao Flavio Prada no MSN, nasci com uma incontrolável determinação germânica de tentar fazer tudo bem feito. Considero-me um baita preguiçoso e sou o mais inábil dos seres vivos, mas se é para me mexer, penso que devo -– com meu talento nenhum –- tentar fazer como meu único ídolo incondicional, Johann Sebastian Bach, fazia: apesar de viver numa época em que não havia noção de obra e em que poucos artistas criavam arte para expressar-se, ele tratava de fazer bem feito só por quê, talvez, se sentisse melhor assim, mesmo sabendo que amanhã os Concertos de Brandenburgo poderiam estar servindo de papel para enrolar carne –- o que realmente aconteceu. Então, eu, com minha inexistente aptidão, tento dar um jeito de melhorar a vida dos guris de terça.

Já os de sexta-feira são inteiramente diferentes. Devem ser tão pobres quanto os de terça, só que funcionam melhor. Um foi às finais das Olimpíadas de Matemática (não sei o que é isso e tenho preguiça de procurar saber) e quase todos os outros dizem ser os primeiros de suas turmas no colégio. Claro, pensei que pegaria um grupo de vileiros arrogantes, porém nada disso acontece. Dar aula para eles é muito estimulante e saio de lá com a certeza de que empurrei a pedra alguns metros acima. E, na sexta-feira seguinte, eles trazem o tema feito e não esquecem de nada! Ou seja, é uma hora e meia de diversão com a participação de todos.

Por que tanta diferença? São duas turmas homogêneas totalmente distintas. Não sei ainda a resposta. Na última sexta, aconteceu de estar tão alegre com os resultados dos da sexta que comecei a contar algumas piadas mais ou menos dentro de nosso assunto. Não deu muito certo; quando ninguém riu da primeira que me ocorreu, dei-me conta de que a dificuldade estava em entender algumas expressões que eu utilizara, como “Não obstante” e a terrível palavra “anacrônico”. Ele pediram que eu recontasse a piada com outras palavras, porém, com eles já conhecendo o final, acabaria fazendo papel de idiota. Então, mudei a anedota (anedota?, será que esta eles conhecema palavra?). Deu certo. O único problema é que agora eles já me pediram mais piadas para a próxima sexta. Me acham engraçado. Preparei alguma coisa sobre geometria e as malditas polegadas que eles precisam saber para seu curso de usinagem. Onde achar piadas sobre isso? Vou ter que dar um jeito de inventar.

A propósito de um CD da Antares…

…que reúne músicas para violoncelo e piano de Schumann, Beethoven e Shostakovitch, por Rodrigo Alquati (violoncelo) e Luiz Gustavo Carvalho (piano).

Robert Schumann, Fantasiestücke, Op.73

Robert Schumann (1810-1856) adotou um curioso método para produzir sua obra musical. Até os 29 anos, ele apenas produzira composições para piano. Então, no ano de 1840, mudou, escrevendo 138 lieder, uma produção luminosa, que revela não apenas um enorme talento para o gênero como também a felicidade plena deste período de sua vida. Em 1841, Schumann mudou de novo dedicando-se somente à música sinfônica, a qual foi sempre pouco valorizada. No ano seguinte, 1842, voltou a mudar, produzindo novamente grande música: foi o ano da música de câmara.

Além de indicar para um cuidadoso alargamento de interesses e experiências, este método – ou esquisitice, ou obsessão – também facilita a abordagem de sua imensa obra. Sua música de câmara ficou aglutinada em quatro anos bem definidos: 1842, 1847, 1849 e 1851. Ele só quebrou esta disciplina para compor a Märchenerzählungen, op.132 (1853) e o belíssimo Andante e Variações para 2 pianos, 2 violoncelos e trompa, op.46 (1843).

Quando analisamos cada um destes quatro anos, notamos que eles possuem individualidades bem diversas. O primeiro, muito numeroso, é sereno e obedece às formas clássicas da música de câmara; importantes exemplos desta fase são o Quarteto para piano, violino, viola e violoncelo, op. 47, e o Quinteto para piano e quarteto de cordas, op. 44. Já os trios do segundo grupo são arrebatados e líricos. O terceiro período caracteriza-se pelas melodias leves e espontâneas, e as obras do quarto denunciam a decadência da produção de Schumann, já quase tombado pela sucessão de crises depressivas que o levariam à deterioração mental e à morte.

As Peças de Fantasia (Phantasiestücke), op.73, estão inseridas no terceiro grupo de obras de câmara e mostram a maestria do grande compositor de Lieder. Há ecos de voz humana nesta música que possui ainda outra versão, na qual o violoncelo é substituído pelo clarinete. A primeira peça – Zart mit Ausdruck (Terno com expressão) – é brilhante e através dela reconhecemos a óbvia relação de Schumann com a música que Brahms criaria depois. A seguinte, Lebhaft, leicht (Vivo, leve), é uma melodia tipicamente schumanniana que flui com absoluta tranqüilidade. A obra é finalizada por um Rasch und mit Feuer (Rápido e com fogo) com um andamento bem mais rápido e trovejante, característico dos finali românticos.

Ludwig van Beethoven, Sonata para Cello e Piano, Op. 5 Nro. 2

As primeiras sonatas para violoncelo e piano de Ludwig van Beethoven (1770-1827) foram compostas no ano de 1796. O compositor, que nunca exibiu a precocidade de um Mozart, tinha 25 anos e estava terminando sua formação de um modo inteiramente diverso de seus antecessores Mozart e Haydn: tinha assistido a cursos de literatura em Bonn com empenho maior do que o de um mero diletante e isto – em suas próprias palavras – “o estimularia a produzir e a tornar-se o verdadeiro Tondichter (poeta dos sons) da Alemanha”.

Em 1793, Beethoven foi para Viena a fim de tornar-se aluno de Haydn, entre outros mestres. A opinião destes acerca de seu aluno servem bem para mostrar que não era muito fácil conviver com o jovem gênio. Haydn, que o apelidara de “o grão-mogol”, disse que seu aluno era inadaptável a qualquer tipo de sistematização, pois era presa de uma indomável originalidade; já outro mestre, um precipitado Albrechtsberger, entrou direto pela porta dos fundos da história da música ao dar o seguinte conselho a seus outros alunos, acerca do jovem Ludwig: “É um exaltado livre-pensador musical, não o freqüentem. Ele nada aprendeu e nunca fará nada de grande”.

Apesar disto, os anos vienenses (1793-1802) foram especialmente felizes para Beethoven. Ele era um virtuose respeitado pelo público e estava começando a compor suas primeiras obras. São deste período as primeiras sonatas para piano e seu Opus 5, do qual fazem parte duas sonatas para violoncelo. Na época, o violoncelo não gozava de muito prestígio. O instrumento havia sobrevivido a uma demorada luta contra a viola-da-gamba e apenas Carl Philipp Emanuel Bach e Haydn haviam escrito grandes obras para ele. Neste sentido, o Op. 5 de Beethoven era uma novidade.

A Sonata em Sol menor Op. 5 Nro. 2 teve sua estréia em 1796 com Jean-Pierre Dupont ao violoncelo e o próprio Beethoven ao piano. A utilização da estrutura Adagio – Allegro – Rondó, já mostra que o jovem Beethoven tinha pouco do reverente respeito às normas estabelecidas pelo passado. O Adagio sostenuto espressivo tem grande parentesco com a solenidade dos episódios iniciais das sinfonias de Haydn. Porém, sua dilatada extensão, os silêncios que brotam em meio ao movimento e sua surpreendente tragicidade apontam para dramas mais profundos. Segue-se um Allegro molto piu tosto. Presto que faz contraponto ao movimento anterior e é um produto típico de Beethoven: há quebras de um tema para exposição de outro e também os célebres motivos concisos e enérgicos. A sonata termina com um rápido Rondo (Allegro), de grande efeito concertístico, que nos leva a pensar nos melhores movimentos de dança de Mozart e Haydn.

Dmitri Shostakovitch, Sonata para Cello e Piano Op. 40

A biografia e enorme obra de Shostakovitch (1906-1975) – toda composta dentro da ex-União Soviética – serviu de tema para várias controvérsias políticas durante a Guerra Fria. O Ocidente o descrevia como um dissidente do regime, sem liberdade para compor e sempre em luta contra Stálin, Jdanov e a União dos Compositores. Porém, apenas parte disto é verdade. Já a União Soviética gostaria de tê-lo como seu compositor oficial, o que nunca conseguiu.

Talvez incorrendo em uma simplificação demasiada, poderíamos dizer que hoje sabemos que Shostakovitch era um sincero comunista e patriota, mas que teve três graves lutas para ter sua obra divulgada dentro de seu país: a primeira contra Stálin que, em 1935, aborreceu-se com a ópera Lady Macbeth de Mzenski, chamando-a de “muito burguesa e decadente” – palavras comuns na época – e qualificando-a como uma “pornofonia”- expressão absolutamente incomum em qualquer época. (A ópera, que era um estrondoso sucesso, foi censurada e liberada apenas 27 anos depois…) A segunda luta foi contra o Relatório Jdanov, de 1948, que pretendia adequar a obra de todos os artistas do país aos moldes do severo realismo socialista; e a terceira, em 1962, em defesa de sua Sinfonia nro. 13, composta sobre o poema Babi Yar de Evgueni Evtuchenko, que denunciava a repressão stalinista.

Note-se que, mesmo com todo este ruído, registrado dentro e fora de seu país, os ataques a sua obra foram mínimos, pois esta é inatacável.

Shostakovitch foi um grande mestre. Suas obras, quase sempre de grandes proporções, procuram abarcar todo um mundo ao descreverem, dentro de si, diferentes situações e sentimentos. Na obra de Shostakovitch, podemos ouvir as vozes mais íntimas e profundas ao lado da alegria mais ingênua, da alegoria, da galhofa, da farsa, da grandiloqüência e da mais completa fúria.

A Sonata em Ré Menor Op. 40 foi composta em 1934, no período em que Shostakovitch apaixonara-se por uma jovem estudante, o que ocasionou um efêmero divórcio de sua esposa Nina. O compositor dedicou esta sonata ao violoncelista Victor Lubatski e ambos a estrearam em Moscou, no dia 25 de dezembro de 1934.

O primeiro movimento (Allegro non troppo) é escrito em forma sonata. O primeiro tema, bastante extenso, é apresentado pelo violoncelo, acompanhado por arpeggios do piano e depois desenvolvido por este até seu clímax; o segundo tema, muito mais delicado, é, contrariamente, apresentado pelo piano e imitado pelo violoncelo. Durante o desenvolvimento o primeiro tema ganha motivos rítmicos, mas logo o afetuoso segundo tema reaparece. Tudo parece em ordem, encaminhando-se para o final do movimento, mas Shostakovitch nos surpreende ao inserir alguns acordes em staccato do piano, acompanhados por notas sustentadas pelo violoncelo, o que faz com que a música torne-se quase estática. É uma estranha preparação para o que se ouvirá no segundo movimento (Allegro) o qual é um scherzo típico de Shostakovitch. Trata-se de um frenético ostinato que é interrompido por um tema apresentado pelo piano que, apesar de mais tranqüilo, é também muito pouco contemplativo. O terceiro movimento (Largo) faz-lhe intenso contraste, pois é uma melodia tranqüila e vocal, acompanhada pelo piano de forma introspectiva, dissonante e um tanto fúnebre. O Allegro final é um rondó bastante irônico no qual o tema principal é apresentado três vezes, ligados, a cada intervalo, por estranhas e vertiginosas cadenzas.

El archivo de Roberto Bolaño contiene dos novelas inéditas

Además contiene un puzle de narraciones, diarios y poemas / Cinco años después de la muerte de Bolaño, comienza el inventario de su legado / “Estoy seguro de que moriré inédito”, anotó en su diario a los 44 años, desesperanzado.

Por Josep Massot, de Barcelona. Retirado daqui.

La primera vez que Roberto Bolaño escribió el nombre de Benno von Archimboldi fue en 1988, en Blanes, donde vivía como escritor inédito, a la edad de 35 años. Es el inicio de la trama de la novela 2666, publicada tras su muerte, pero el escritor chileno tenía en la cabeza un universo narrativo en el que más que de títulos individuales puede hablarse de una obra total. Una obra que ahora se recibe con entusiasmo febril en EE. UU., Gran Bretaña, Francia, Alemania o Italia, y que le ha convertido en nueva referencia internacional de las letras hispanas.

Bolaño falleció el 14 de julio del 2003. Cinco años después, el enorme puzle que constituye su archivo empieza a revelar sus tesoros. Su legado es el espejo de quien siempre escribía varias historias a la vez y desplegaba y replegaba sus relatos como cajas chinas, estructuras en vórtice, relatos yuxtapuestos. Hay notas manuscritas con los personajes que quince años más tarde emergerían en 2666.Y poemas que coinciden con sus narraciones, como El Gusano de Llamadas telefónicas. También hay diarios – de México, de Barcelona-,en cuyas hojas casi siempre aparecen operaciones aritméticas, quizás su contabilidad del número de líneas escritas o por escribir, y junto a anotaciones y reflexiones, la anotación de su menú del día.

Además de El Tercer Reich,la novela inédita anunciada por el agente Andrew Wylie, hay otras dos novelas, Diorama y Los sinsabores del verdadero policía o Asesinos de Sonora. El estudio del archivo Bolaño se realiza a efecto de catalogación e inventario y el único texto sobre el que existe por ahora la decisión de publicación es El Tercer Reich,inspirado en uno de esos wargames por los que Bolaño tenía – según confesión propia-una inexplicada debilidad. El escritor solía escribir primero a mano y después pasaba el texto a máquina. En 1995 se compró su primer ordenador y antes de morir llegó a tiempo de transcribir en formato digital unas 60 páginas de las 350 mecanoscritas, lo que indica su voluntad de dar por concluida la novela.

Sucede en la Costa Brava, donde Udo Berger, campeón de juegos de rol alemán, tras cruzarse con personajes siniestros, libra una partida a muerte con el enigmático y desfigurado Quemado.

El futuro del archivo, un mar de libretas y cuadernos de todos los tamaños, una vez inventariado, será seguramente una universidad. Adentrarse en sus páginas requiere la paciencia del paleólogo o del domador de pulgas. El estudioso recogerá algunas perlas. Por ejemplo, Bolaño fue vigilante del camping Estrella de Mar y soñaba (Diorama)la historia del vigilante nocturno de una sala de cine frecuentada por un público de tercera edad y cuyo propietario sentía el aliento de la mafia tras de él. El autor, que no empezó a publicar hasta los 44 años, escribía, desesperanzado: “Estoy seguro de que moriré inédito”.

Borges decía que el escritor que no publica está condenado a reescribir siempre el mismo libro y Bolaño acumulaba material narrativo, con tramas que se van metamorfoseando continuamente. De uno de los legajos con una ingente cantidad de folios (Los sinsabores…)salieron ni más ni menos que Estrella distante,Los detectives salvajes y las cinco novelas de 2666. Entre el laberinto de borradores, hay una versión más reducida de Los detectives salvajes y un bloque homogéneo, que podría considerarse la sexta novela de 2666.El escritor dejó en una nebulosa por qué Amalfitano, el especialista en la obra de Benno von Archimboldi, abandonó Barcelona para ir a dar clases al fin del mundo, a Santa Teresa (trasunto de Ciudad Juárez), “un oasis de horror en medio de un desierto de aburrimiento”. En el mecanoscrito hallado ahora se desvela el misterio de su fuga, un motivo sorprendente que explica muchos cabos sueltos del personaje, y que adquiere, así, a la luz de este texto, nueva dimensión.

Entre los papeles, destacan por su abundancia los poemas inéditos dejados por el escritor. Bolaño fundó en México, entre 1975 y 1976, antes de trasladarse a Barcelona, el movimiento infrarrealista. El texto de presentación del grupo, Déjenlo todo, nuevamente. Primer Manifiesto del Movimiento Infrarrealista,fue obra del escritor chileno, con tono de posvanguardia y anunciando ya su realismo visceral: “Cortinas de agua, cemento o lata, separan una maquinaria cultural, a la que lo mismo da servir de conciencia o culo de la clase dominante”, y donde el poeta es “héroe develador de héroes, como el árbol rojo caído que anuncia el principio del bosque”, pues “soñamos con utopía y nos despertamos gritando”.

Otra parte del archivo la forman los diarios. Los más importantes son los que abarcan hasta 1980, momento en que Bolaño se traslada de Barcelona a Girona y después a Blanes.

La caja que contenía los manuscritos antiguos quedó olvidada y sólo ha sido abierta ahora para el inventario. Muestran que la capacidad creativa de Bolaño era pasmosa: escribió desde textos sobre una virgen ninfómana de Barcelona hasta una sátira desternillante con el torero Fran Rivera como personaje.

El escritor tenía un inmenso orgullo literario – no confundir con vanidad-,una férrea confianza en sí mismo, asombrosamente llevada al límite en condiciones adversas. Fue un chileno de pelo greñoso que vendía bisutería para turistas en Blanes y que, aún sin obra publicada, tenía la osadía de despreciar no sólo a los literatos establecidos en su oficio como en una carrera burocrática o como competidores para encaramarse a las listas de más vendidos, sino que marcaba distancias con los grandes de la generación anterior. Siempre respetó a Cortázar, Borges y Bioy, y aun reconociendo, como lector, la grandeza del García Márquez de El coronel no tiene quien le escribaode la catedral literaria de Vargas Llosa, su necesidad de encontrar la audacia y la inventiva para distanciarse de los escritores del boom le hacía decir, como boutade,frases de este tenor: “García Márquez a mí cada día me resulta más semejante a Santos Chocano o en el mejor de los casos a Lugones”.

En busca de su madre fue Bolaño a Barcelona en 1977, después de descartar Suecia. Quería salir de México para huir de un mal de amores – una de sus constantes-y despedirse del continente. Había nacido en Santiago de Chile en 1953 y su familia le llevó en 1968 a México. Cuando triunfó la revolución de Allende recorrió América, por tierra, desde México a Santiago, para llegar en la víspera del golpe de Estado de Pinochet. Le detuvieron al distinguir la policía su cartuchera, pero se salvó gracias a que en comisaría se encontró a dos condiscípulos de Cauquenes. Regresó a México, donde fundó el grupo infrarrealista. Y sufrió el desengaño amoroso que le llevó a España.

En Barcelona vivió un tiempo en la entonces llamada avenida José Antonio, antes de mudarse a un cuchitril sin ducha cerca de la calle Tallers y del bar Céntrico, donde colaboraba con Antoni G. Porta en La Cloaca.En 1981 conoció en Girona a la que sería su mujer, Carolina. Sin más referencias uno del otro que comentarios de amigos comunes, la paró en la calle y, sin más, la invitó a cenar aquella misma noche, sirviéndose de esa seducción de romanticismo apasionado mezclado con un humor disparatado que caracterizaba a Bolaño. Al cabo de unos meses, ya salían juntos. En 1983, la madre de Bolaño, Victoria Ávalos,montó en Blanes una tienda de bisutería para turistas y Carolina obtuvo un puesto en los servicios sociales del Ayuntamiento. El escritor pudo dejar sus múltiples empleos para escribir. Lo hacía a diario con suma dificultad, de noche, durmiendo de día. Dejaba, ya al alba, una nota con alguna frase y su cosecha nocturna, unas desalentadoras escasas líneas. Todo cambió cuando envió el manuscrito La literatura nazi en América a varias editoriales de Barcelona. Ya la había aceptado Seix-Barral, cuando llegó una nota de Jorge Herralde interesándose por publicar la novela en Anagrama. Bolaño se sacó de la manga otro texto, escrito en tres semanas, extraído del último capítulo de La literatura nazi…,que tituló Estrella distante. A partir de entonces, las notas que Bolaño iba dejando cuando se retiraba a dormir fueron creciendo: en lugar de unas pocas líneas, varias páginas, 6, 9, 13, por noche.

Así fue como Bolaño fue forjando su literatura, una forma de narrar en la que se funden alta y baja cultura, la ficción con la realidad, y el amor, el humor, la muerte, la esperanza, el absurdo, la lucha humana por vivir, el compromiso o la pervivencia de un secreto. Todo eso se entremezcla con estructuras narrativas y puntos de vista yuxtapuestos, en los que, si hay una intransigencia, es con quienes traicionan la literatura, artistas mediocres que se venden al peor diablo sin luchar por la validez de un acto creativo.

Dia Internacional da Mulher

Para Susana Castro, que a conhece,
e Roberto Markarian,
que a desconhecia.

Neste Dia Internacional da Mulher, homenageio Clara Schumann (1819-1896), née Wieck, pianista e compositora alemã do período romântico.

Seu pai, Friedrich Wieck, era professor de piano e foi com ele que a Clara começou seu aprendizado do instrumento. Era uma família de pianistas: a mãe, Marianne, era famosa concertista. Quando Clara tinha 4 anos, seus pais se divorciaram. Friedrich recebeu a custódia da filha e, um ano depois, começou a ensinar-lhe o instrumento. A partir dos 13 anos, ela já apresentava-se em concertos por toda a Europa. Destacava-se por suas interpretações de outros românticos da época, como Chopin e Weber. Ainda adolescente, compôs o Concerto para piano em lá menor, estreado por ela sob a regência de Felix Mendelssohn. Um merecido sucesso.

Foi neste período que conheceu Robert Schumann, nove anos mais velho, na época aluno de seu pai. Apaixonou-se por ele. Ao tomar conhecimento da ligação da filha com Robert, o velho Wieck ficou furioso, pois Schumann tinha problemas com bebida, fumo e era suscetível a crises depressivas. Assim sendo, foi contra o pai que Clara travou sua primeira batalha. Por fim, obteve autorização judicial para casar-se com quem quisesse, mas só após completar 21 anos.

Depois do casamento, Clara e Robert iniciaram longa colaboração, ele compondo e ela interpretando e divulgando a obra do marido. Clara seguia compondo, mas a vida em comum tornava pouco a pouco inviável tal atividade, pois, apesar de Schumann aparentemente encorajar sua criação musical, cada vez mais insistia para que ela interpretasse suas obras, o que a obrigava a deixar de lado sua carreira de compositora. Ademais, houve oito gestações com pequenos intervalos. A situação era agravada por outras diferenças: Clara adorava turnês, Robert as odiava; mais: ele precisava de silêncio e tranqüilidade para trabalhar em sua obra “maior e mais importante”, o que levava Clara novamente a um segundo plano, pois somente após as horas e horas de estudos do marido ela poderia ter as suas.

Outro problema eram as constantes crises nervosas do marido, que lentamemte fizeram Clara assumir o sustento familiar. Quando Schumann entrou em crise depressiva crônica, a família viu-se obrigada a interná-lo num manicômio, onde ficou até a morte, dois anos depois. Após 14 anos de casamento, Clara ficou sozinha com os filhos, tendo que dar aulas e apresentações para garantir o necessário à família.

Compreensivelmente, a partir daí, Clara ficou livre para compor, dar concertos e sua carreira reacendeu-se. A amizade com Johannes Brahms – quatorze anos mais moço – foi o principal sustentáculo nesse período, o que deu margem a suposições de que os dois teriam um romance. Para aumentar os boatos, Brahms dizia ser celibatário, mas a visitava muito. Ela revisava as obras dele e dava-lhe sugestões. Ele fazia o mesmo com as obras de Clara. Foram anos de colaboração mútua, ainda mais que os dois artistas eram defensores de uma estética romântica ligada a padrões mais formais, em oposição a Wagner, Bruckner e Liszt, românticos mais escabelados. (À exceção do careca Bruckner, é claro.)

Era uma mulher considerada muito bonita por seus contemporâneos. Não se sabe de nenhum outro caso amoroso posterior ao casamento com Schumann, além do suposto com Brahms. A amizade entre eles durou até o final da vida de Clara. Seus anos de maturidade foram marcados por uma brilhante carreira como professora e pelo reconhecimento como concertista.

É esta mulher extremamente digna, talentosa e de bela carreira num campo à sua época inteiramente masculino, que lembro neste dia. A citação de Fábio Danesi Rossi está ali por ser muito engraçada e não deve ser vista como algo de outro sentido que não seja o de fazer rir.

Principais Obras:

Para piano:
Quatro polonesas, Op. 1 (1828-30)
Etudes (década de 1830)
Valses romantiques, Op. 4 (1833-35)
Quatro peças características, Op. 5 (1835-6)
Soirées musicales, Op. 6 (1835-6)
Scherzo em Dó menor, Op. 14 (1845)
Quatre pièces fugitives, Op. 15 (1845)

Para orquestra:
Concerto para piano em lá menor, Op. 7 (1835-6)
Scherzo para orquestra (1830-31,perdido)

Obras de câmara:
Piano Trio em Sol menor, Op. 17 (1846)

Lieder:
Volkslied (1840)
Die gute Nacht, die ich dir sage(1841)
Gedichte aus Rückert’s Liebesfrühling Op. 12 (1841)
Lorelei -poema musicado de Heine-(1843)
Oh weh des Scheidens, das er tat(1843)
Mein Stern (1846)
Das Veilchen –sobre poema de Goethe-(1853)

Fontes: Nem vou detalhar, pois se trata de uma série de textos decididamente ruins que encontrei na rede e que me obrigaram a reformas radicais e a todo cruzamento de informações. Era tanta coisa errada que nem pude dar a muita atenção ao que estava escrevendo. Meus amados livros de música? Esqueça, estão empacotados para a mudança!