Um cão no meio do caminho, de Isabela Figueiredo

Um cão no meio do caminho, de Isabela Figueiredo

Bem, então, o estar à parte interessa-me do ponto de vista humano. E se me interessa do ponto de vista humano, interessa-me do ponto de vista literário. 

Isabela Figueiredo, em entrevista para a Bertrand Livreiros

Humano, demasiado humano. O título de Um cão no meio do caminho poderia ser o mesmo da obra de aforismos de Nietzsche. Entre o melancólico e o bem-humorado, a portuguesa Isabela Figueiredo arrasa neste romance. Li os dois primeiros livros de Isabela e neles ficava clara a estupenda narradora. Mas Caderno de Memórias Coloniais era autobiográfico e o mesmo parecia acontecer com A Gorda. Este Um Cão seria seu primeiro livro com história original e acabou que o li com ainda maior prazer.

Ela conta a história de José Viriato, um solitário catador de lixo que quase só sai de casa à noite. Um dia ele conversa com Beatriz, conhecida no bairro como a Matadora, mas que na verdade é um pessoa bastante reservada, uma acumuladora que mantém tudo o que é seu em caixas e vive apertada num canto de seu apartamento. Ela fica doente, ele a trata, tornam-se amigos e muitos dos seus traumas vão lenta e delicadamente surgindo sob o olhar inteligente de Isabela. São dois personagens invisíveis, mais por terem desistido do que por vulnerabilidade social. (Vulnerabilidade no Brasil não é mesmo que em Portugal). E não, não é uma história de amor.

Fiquei muito surpreso com a crítica hostil que apareceu na Folha de São Paulo. Ainda bem que não acreditei nela. Ela dizia que o livro é sobre a amizade e reclamava que Isabela não dá espaço ao leitor para pensar. Não entendo, pois (1) é muito mais do que uma história sobre amizade: o livro é tanto sobre este tema quanto sobre solidão e traumas e (2) encontrei bons espaços para reflexão. Se Viriato é falador, a história de Beatriz é apenas espreitada. Muito de si é deixado a cargo de nossa imaginação, assim como na relação entre os pais de Viriato.

Não há nada de pieguice no dolorido livro de Isabela. Um cão é compassivo e duro, franco e abrasivo, e alguns dos mais exigentes leitores da Livraria Bamboletras, retornaram perguntando se temos outro no mesmo estilo.

Isabela Figueiredo

 

Mariana Enriquez

Mariana Enriquez

Eu adoro a escritora argentina Mariana Enriquez. Mas custei a entrar em sincronia com seu livro Nossa Parte de Noite.

Sou um sujeito que não consegue levar a sério o sobrenatural, seja ele em filmes, em livros ou nas formas mais comuns do catolicismo, islamismo, neopentecostalismo, etc. Falou em magia, milagre, vida depois da morte ou em entidades, deu pra mim.

Então, me raciocinei todo e passei a encarar aquilo que de inexplicável acontecia como um elemento do terror muito próprio da autora. Isto é, relaxei e a coisa começou a funcionar.

Acho que nunca esquecerei os últimos capítulos que li do livro — não cheguei à metade de suas 541 páginas. São maravilhosos.

 

Rádio

Rádio

Eu gosto de rádio. Muito. Mas hoje a quase totalidade das emissoras tem péssima programação musical, apresentadores muito limitados com opiniões irrelevantes ou casuístas, certamente ditadas pelos donos ou anunciantes. Rimou.

Só me sobraram duas: a briosa e querida Rádio da Ufrgs (AM, mas que pode ser ouvida na Internet) e a FM 107,7.

O futebol? Ele passa por uma agonizante fuga de cérebros. Há poucas exceções. Para ouvir um Sala de Redação ou outro programa de rádio, só com muita compaixão pela humanidade.

Mozart, o K. 515 e o som do trompete

Mozart, o K. 515 e o som do trompete

Esta manhã, estava ouvindo o Quinteto K. 515 de Mozart na Rádio da Ufrgs, admirando a proeminência das violas. Contrariamente à maioria dos compositores, ele admirava o instrumento e muitas vezes o assumia ao tocar em quartetos de cordas.

Mozart aparentemente não gostava era do violoncelo, mas o que detestava mesmo era o trompete.

Quando criança, quando ouviu pela primeira vez um trompete de perto, ficou nauseado e vomitou.

Coisas das sensibilidades dos gênios.

Em carta, Einstein e Arendt denunciaram o fascismo sionista de Israel em 1948

Em carta, Einstein e Arendt denunciaram o fascismo sionista de Israel em 1948

No dia 2 de dezembro de 1948, o jornal americano The New York Times publicou uma carta, assinada por Albert Einstein, Hannah Arendt e Sidney Hook, entre outros, condenando as ações de Menachem Begin. líder do novo Partido da Liberdade, em visita aos Estados Unidos — Begin que depois tornou-se primeiro-ministro de Israel (1977-1983) e Prêmio Nobel da “Paz”

Aos Editores do New York Times:

Entre os fenômenos políticos perturbadores de nossos tempos está a emergência no recém criado Estado de Israel do ”Partido da Liberdade” (Tenuat Haherut), um partido político estreitamente assemelhado em sua organização, métodos, filosofia política e apelo social aos partidos Nazista e Fascista.

Ele foi formado a partir de membros e seguidores do antigo Irgun Zvai Leumi, uma organização terrorista, facção direitista e organização chauvinista na Palestina.

A visita atual de Menachem Begin, líder deste partido, aos Estados Unidos é, obviamente, calculada no sentido de dar a impressão de apoio americano ao seu partido, por ocasião do advento das eleições israelitas e para cimentar laços políticos com os elementos Sionistas conservadores dos Estados Unidos.

Vários americanos de reputação nacional têm emprestado seu nome para dar boas vindas a sua visita. É inconcebível que aqueles que se opõem ao fascismo no mundo, se corretamente informados sobre a história política e perspectivas de Mr. Begin, possam acrescentar seus nomes e apoio ao movimento que ele representa.

Embora esse irreparável perigo ocorra pela forma de contribuições financeiras, manifestações públicas a favor de Begin ou pela criação na Palestina da impressão de que um grande segmento da América apóia os elementos fascistas em Israel, o público americano deve ser informado sobre a historia e os objetivos do Sr. Begin e do seu movimento.

As promessas públicas do Partido de Begin não correspondem, quaisquer que sejam, ao seu caráter real. Hoje falam de liberdade, democracia e antiimperialismo, enquanto até recentemente pregavam abertamente a doutrina do Estado Fascista. É em suas ações que o partido terrorista denuncia o seu caráter real; de suas ações do passado podemos julgar o que dele pode ser esperado fazer no futuro.

Ataque sobre Deir Iassin

Um exemplo chocante foi seu comportamento na vila árabe de Deir Iassin. Esta vila, distante das principais estradas e circundada por terras judaicas, não tomou nenhuma parte na guerra e chegou a contrariar o lado árabe que queria usar a vila como sua base.

Em 9 de abril (The New York Times) bandos terroristas atacaram esta vila pacifista, que não era um objetivo militar na luta, matando a maioria de seus habitantes — 240 homens, mulheres e crianças — e mantiveram alguns deles vivos para desfilarem como cativos através das ruas de Jerusalém.

A maior parte da comunidade judaica ficou horrorizada com aquela ação e a Agência Judaica mandou um telegrama de pesar ao Rei Abdulah da Trans-Jordânia. Contudo, os terroristas, longe de se envergonharem de seu ato, ficaram orgulhosos com aquele massacre, divulgado amplamente e convidaram os correspondentes estrangeiros no país para testemunharem os cadáveres amontoados e a devastação geral em Deir Iassin.

O acontecimento de Deir Iassin exemplifica o caráter e as ações do Partido da Liberdade.

No interior da comunidade judaica eles têm propugnado uma mistura de ultra nacionalismo, misticismo religioso e superioridade racial. Como outros partidos fascistas eles têm sido usados para esmagar as greves e têm-se dedicado à destruição de sindicatos livres. Em seu lugar eles têm proposto sindicatos corporativistas no modelo fascista italiano.

Durante os últimos anos da esporádica violência antibritânica, os grupos IZL e Stern inauguraram um reino de terror na comunidade Judaica Palestina. Professores foram espancados por se pronunciarem contra eles, adultos foram alvejados por não deixarem suas crianças juntar-se a eles. Por métodos de gangsterismo, açoites, quebra-vidraças e roubos em larga escala, os terroristas intimidavam a população e exigia-lhe pesado tributo.

Os membros do Partido da Liberdade não têm nenhuma participação nos logros construtivos na Palestina. Eles não reivindicam nenhuma terra, nenhuma construção de habitações e apenas depreciam a atividade defensiva judaica. Seus esforços de imigração muito propagandeado foram diminutos e devotados principalmente para atraírem compatriotas fascistas.

Discrepâncias Observadas

As discrepâncias entre os bravos clamores que estão sendo feitos agora por Begin e seu partido e a história de sua performance no passado da Palestina não portam a marca de um partido qualquer. Este é o selo de um Partido fascista, pelo qual o terrorismo e o embuste são os meios e o ”Estado Regente” é o objetivo.

À luz das considerações anteriores, é imperativo que a verdade sobre o Sr. Begin e seu movimento seja tornado conhecido neste país. É de toda maneira trágico que a liderança maior do Sionismo Americano tenha se recusado a participar da campanha contra os esforços de Begin, ou mesmo de expor aos seus constituintes os perigos para Israel do apoio a Begin.

Os abaixo assinados, portanto, através deste meio de publicidade apresentam alguns fatos salientes que dizem respeito a Begin e seu Partido; e recomendam a todos os interessados a não apoiarem esta última manifestação do fascismo.

Nova York, 2 de dezembro de 1948

Isidore Abramowitz,
Albert Eistein,
Hannah Arendt,
Abraham Brick,
Rabino Jessurun Cardozo,
Herman Eisen,
Hayim Fineman,
M. Gallen,
HH. Harris,
Zelig S. Harris,
Sidney Hook,
Fred Karush,
Bruria Kaufman,
Irma L. Lindheim,
Nachman Maisel,
Seymour Melmam,
Myer D. Mendelson,
Harry M. Oslinsky,
Samuel Pitlick,
Fritz Rohrlich,
Louis P. Rocker,
Ruth Sagis,
Itzhak Sankowsky,
I.J. Shoenberg,
Samuel Shuman,
M. Singer,
Irma Wolfe,
Stefan Wolfe.

A versão deste documento online foi copiada de um microfilme da edição impressa do The New York Times, pesquisada pela professora universitária Laura Nader e outros acadêmicos na Universidade de Berkeley, Califórnia. Uma versão escaneada pode ser vista, em formato .pdf, em Proquest: University Microfilms.

Fonte: Einstein Internet Archive (marxists.org)

Fuga da Sibéria, de Leon Trótski

Fuga da Sibéria, de Leon Trótski

Não, nada de Revolução, propaganda ou discursos políticos. Mas quem já leu Trótski pode facilmente intuir o grande narrador (e leitor) que há por trás do revolucionário. Por trás? Não, aqui, o narrador está no centro do palco. Traduzido pela primeira vez no Brasil e escrito pelo próprio protagonista da aventura, Fuga da Sibéria narra a fuga em um trenó de renas por mais de 800 Km na Sibéria. Ele leva mais de um mês indo de trem em trem, sempre altamente vigiado, junto de outros políticos presos, inventa uma doença para não chegar ao destino e foge com a ajuda de um siberiano totalmente bêbado…

Como participante da Revolução de 1905, sufocado pelo poder czarista, Trotsky, de 27 anos, foi julgado e deportado perpetuamente para a Sibéria. O destino final está localizado acima do Círculo Polar Ártico, a 1.600 km da estação ferroviária mais próxima. Num dos postos da viagem, o prisioneiro inicia a sua fuga pela estepe siberiana, um território selvagem e extremo, com temperaturas inferiores a -25 ºC e populações com costumes, alcoolismo, pobreza e solidariedade desconhecidas.

Este é o relato em primeira pessoa daqueles dias exaustivos de perseguição. Temendo a cada momento sua captura e confiando sua vida e liberdade ao imprevisível cocheiro Nikífor, Trótsky torna-se, talvez contra sua vontade, um viajante preocupado. Ele viaja pela tundra, fica fascinado pelas renas, passa as noites perto do fogo como qualquer outro nômade siberiano, tenta colocar Nikífor na linha, traça estratégias para evitar ser reconhecido, faz anotações e sempre tem o revólver em mãos como último recurso. Este diário de viagem, escrito enquanto ocorria nas paradas para descanso e alimentação, agitado pelo suspense e pela expectativa, é muito bom, parece um filme de ação. com algum humor. Curiosa e felizmente, Fuga da Sibéria mostra-nos como pensava o jovem Trotsky, um narrador literário na sua forma mais pura.

Um dos apelidos de Trótski era “caneta”. Estava sempre com uma na mão.