Voltaremos em 2 de dezembro

Ter uma mulher que viaja muito tem suas vantagens. A primeira é que as ausências dela ajudam a não desgastar a relação e até fazem com que a gente sinta saudades, eventualmente, um do outro. É saudável. A segunda é que ela acumula milhas. E são tantas que às vezes sobra pra gente. Então, este blog viajará entre hoje e o dia 1º de dezembro. O destino não é nada humilde, vamos para Londres — interessante cidade onde os museus são gratuitos e se paga para entrar em igrejas — e Paris — onde temos amigos a visitar e pães a consumir. Os planos são simples e rotineiros: muitos concertos e intermináveis caminhadas.

Antes de sair, ainda encontrei este site inspirador.

Coisa de feriado

Estávamos almoçando quando alguma coisa cinematográfica nos levou a falar em Jack Nicholson (1937). Minha filha — uma apaixonada por Kubrick que recém re-re-re-reviu O Iluminado — perguntou qual seria o maior ator de todos os tempos do cinema. Respondi que o senso comum respondia que era Marlon Brando (1924-2004), mas que eu preferia Erland Josephson (1923) e Marcello Mastroianni (1924-1996). Minha mulher votou em Vittorio Gassman (1922-2000). De nosso trio, fico com Josephson e não abro. Ingmar Bergman, Andrei Tarkovsky, Theo Angelopoulos e outros não estão errados.

E Borges venceu Calvino…

Por 4 x 2 ou 4 x 3, não lembro bem. Acho que o jogo estava 4 x 2 mas, quando li os últimos parágrafos de As Cidades Invisíveis, o italiano descontou.

Olha, foi uma ótima partida. Mas antes quero agradecer aos comentaristas deste post pelos belos textos que me deixaram (lá também está a explicação sobre o que estou falando). Imprimi tudo, levei todos comigo e, algumas horas antes da palestra, dei uma olhada. Gostei muito de conhecer o “Luiz Penetra”. Mas foi meio apavorante, porque a conclusão a que cheguei foi a de que houve pouca concordância. Fiquei pensando se plateia também não teria suas opiniões pessoais sobre Ficções e o livro de Calvino. Tinham, claro. O resultado foi uma boa discussão sobre os livros. E o legal foi como  todos sabiam muito bem do que estavam falando e suas disposições para defender suas teses: por exemplo, o Luiz Paulo Faccioli parece saber de cor até a ordem dos contos de Ficções; a Cíntia Moscovich, muito veemente, deu um show; um arquiteto defendeu Calvino invocando As Cidades Delgadas 1; Lu Thomé defendeu-o com absoluta paixão; enquanto eu e a Tatiana Tavares estávamos dispostos a fazer Borges vencer…

Foi a primeira vez que as pessoas pediram o microfone para discordar, concordar, opinar, acrescentar, etc.

O grande diferencial desta edição do Sport Club Literatura foi a participação intensa do público. Borges x Calvino trouxeram as pessoas para a discussão. Não deixa de ser um grande elogio à Feira do Livro.

Na manhã de sábado, soubemos que nossa iniciativa tinha vencido o Prêmio Fato Literário 2011 no juri popular. Agora vamos ver o que decidirá o outro juri. Parece que vai ter festa se vencermos.

A dura vida dos ateus em um Brasil cada vez mais evangélico

A parábola do taxista e a intolerância. Reflexão a partir de uma conversa no trânsito de São Paulo. A expansão da fé evangélica está mudando “o homem cordial”?

Por Eliane Brum

O diálogo aconteceu entre uma jornalista e um taxista na última sexta-feira. Ela entrou no táxi do ponto do Shopping Villa Lobos, em São Paulo, por volta das 19h30. Como estava escuro demais para ler o jornal, como ela sempre faz, puxou conversa com o motorista de táxi, como ela nunca faz. Falaram do trânsito (inevitável em São Paulo) que, naquela sexta-feira chuvosa e às vésperas de um feriadão, contra todos os prognósticos, estava bom. Depois, outro taxista emparelhou o carro na Pedroso de Moraes para pedir um “Bom Ar” emprestado ao colega, porque tinha carregado um passageiro “com cheiro de jaula”. Continuaram, e ela comentou que trabalharia no feriado. Ele perguntou o que ela fazia. “Sou jornalista”, ela disse. E ele: “Eu quero muito melhorar o meu português. Estudei, mas escrevo tudo errado”. Ele era jovem, menos de 30 anos. “O melhor jeito de melhorar o português é lendo”, ela sugeriu. “Eu estou lendo mais agora, já li quatro livros neste ano. Para quem não lia nada…”, ele contou. “O importante é ler o que você gosta”, ela estimulou. “O que eu quero agora é ler a Bíblia”. Foi neste ponto que o diálogo conquistou o direito a seguir com travessões.

– Você é evangélico? – ela perguntou.
– Sou! – ele respondeu, animado.
– De que igreja?
– Tenho ido na Novidade de Vida. Mas já fui na Bola de Neve.
– Da Novidade de Vida eu nunca tinha ouvido falar, mas já li matérias sobre a Bola de Neve. É bacana a Novidade de Vida?
– Tou gostando muito. A Bola de Neve também é bem legal. De vez em quando eu vou lá.
– Legal.
– De que religião você é?
– Eu não tenho religião. Sou ateia.
– Deus me livre! Vai lá na Bola de Neve.
– Não, eu não sou religiosa. Sou ateia.
– Deus me livre!
– Engraçado isso. Eu respeito a sua escolha, mas você não respeita a minha.
– (riso nervoso).
– Eu sou uma pessoa decente, honesta, trato as pessoas com respeito, trabalho duro e tento fazer a minha parte para o mundo ser um lugar melhor. Por que eu seria pior por não ter uma fé?
– Por que as boas ações não salvam.
– Não?
– Só Jesus salva. Se você não aceitar Jesus, não será salva.
– Mas eu não quero ser salva.
– Deus me livre!
– Eu não acredito em salvação. Acredito em viver cada dia da melhor forma possível.
– Acho que você é espírita.
– Não, já disse a você. Sou ateia.
– É que Jesus não te pegou ainda. Mas ele vai pegar.
– Olha, sinceramente, acho difícil que Jesus vá me pegar. Mas sabe o que eu acho curioso? Que eu não queira tirar a sua fé, mas você queira tirar a minha não fé. Eu não acho que você seja pior do que eu por ser evangélico, mas você parece achar que é melhor do que eu porque é evangélico. Não era Jesus que pregava a tolerância?
– É, talvez seja melhor a gente mudar de assunto…

O taxista estava confuso. A passageira era ateia, mas parecia do bem. Era tranquila, doce e divertida. Mas ele fora doutrinado para acreditar que um ateu é uma espécie de Satanás. Como resolver esse impasse? (Talvez ele tenha lembrado, naquele momento, que o pastor avisara que o diabo assumia formas muito sedutoras para roubar a alma dos crentes. Mas, como não dá para ler pensamentos, só é possível afirmar que o taxista parecia viver um embate interno: ele não conseguia se convencer de que a mulher que agora falava sobre o cartão do banco que tinha perdido era a personificação do mal.)

Chegaram ao destino depois de mais algumas conversas corriqueiras. Ao se despedir, ela agradeceu a corrida e desejou a ele um bom fim de semana e uma boa noite. Ele retribuiu. E então, não conseguiu conter-se:

– Veja se aparece lá na igreja! – gritou, quando ela abria a porta.
– Veja se vira ateu! – ela retribuiu, bem humorada, antes de fechá-la.
Ainda deu tempo de ouvir uma risada nervosa.

A parábola do taxista me faz pensar em como a vida dos ateus poderá ser dura num Brasil cada vez mais evangélico – ou cada vez mais neopentecostal, já que é esta a característica das igrejas evangélicas que mais crescem. O catolicismo – no mundo contemporâneo, bem sublinhado – mantém uma relação de tolerância com o ateísmo. Por várias razões. Entre elas, a de que é possível ser católico – e não praticante. O fato de você não frequentar a igreja nem pagar o dízimo não chama maior atenção no Brasil católico nem condena ninguém ao inferno. Outra razão importante é que o catolicismo está disseminado na cultura, entrelaçado a uma forma de ver o mundo que influencia inclusive os ateus. Ser ateu num país de maioria católica nunca ameaçou a convivência entre os vizinhos. Ou entre taxistas e passageiros.

Já com os evangélicos neopentecostais, caso das inúmeras igrejas que se multiplicam com nomes cada vez mais imaginativos pelas esquinas das grandes e das pequenas cidades, pelos sertões e pela floresta amazônica, o caso é diferente. E não faço aqui nenhum juízo de valor sobre a fé católica ou a dos neopentecostais. Cada um tem o direito de professar a fé que quiser – assim como a sua não fé. Meu interesse é tentar compreender como essa porção cada vez mais numerosa do país está mudando o modo de ver o mundo e o modo de se relacionar com a cultura. Está mudando a forma de ser brasileiro.

Por que os ateus são uma ameaça às novas denominações evangélicas? Porque as neopentecostais – e não falo aqui nenhuma novidade – são constituídas no modo capitalista. Regidas, portanto, pelas leis de mercado. Por isso, nessas novas igrejas, não há como ser um evangélico não praticante. É possível, como o taxista exemplifica muito bem, pular de uma para outra, como um consumidor diante de vitrines que tentam seduzi-lo a entrar na loja pelo brilho de suas ofertas. Essa dificuldade de “fidelizar um fiel”, ao gerir a igreja como um modelo de negócio, obriga as neopentecostais a uma disputa de mercado cada vez mais agressiva e também a buscar fatias ainda inexploradas. É preciso que os fiéis estejam dentro das igrejas – e elas estão sempre de portas abertas – para consumir um dos muitos produtos milagrosos ou para serem consumidos por doações em dinheiro ou em espécie. O templo é um shopping da fé, com as vantagens e as desvantagens que isso implica.

É também por essa razão que a Igreja Católica, que em períodos de sua longa história atraiu fiéis com ossos de santos e passes para o céu, vive hoje o dilema de ser ameaçada pela vulgaridade das relações capitalistas numa fé de mercado. Dilema que procura resolver de uma maneira bastante inteligente, ao manter a salvo a tradição que tem lhe garantido poder e influência há dois mil anos, mas ao mesmo tempo estimular sua versão de mercado, encarnada pelos carismáticos. Como uma espécie de vanguarda, que contém o avanço das tropas “inimigas” lá na frente sem comprometer a integridade do exército que se mantém mais atrás, padres pop star como Marcelo Rossi e movimentos como a Canção Nova têm sido estratégicos para reduzir a sangria de fiéis para as neopentecostais. Não fosse esse tipo de abordagem mais agressiva e possivelmente já existiria uma porção ainda maior de evangélicos no país.

Tudo indica que a parábola do taxista se tornará cada vez mais frequente nas ruas do Brasil – em novas e ferozes versões. Afinal, não há nada mais ameaçador para o mercado do que quem está fora do mercado por convicção. E quem está fora do mercado da fé? Os ateus. É possível convencer um católico, um espírita ou um umbandista a mudar de religião. Mas é bem mais difícil – quando não impossível – converter um ateu. Para quem não acredita na existência de Deus, qualquer produto religioso, seja ele material, como um travesseiro que cura doenças, ou subjetivo, como o conforto da vida eterna, não tem qualquer apelo. Seria como vender gelo para um esquimó.

Tenho muitos amigos ateus. E eles me contam que têm evitado se apresentar dessa maneira porque a reação é cada vez mais hostil. Por enquanto, a reação é como a do taxista: “Deus me livre!”. Mas percebem que o cerco se aperta e, a qualquer momento, temem que alguém possa empunhar um punhado de dentes de alho diante deles ou iniciar um exorcismo ali mesmo, no sinal fechado ou na padaria da esquina. Acuados, têm preferido declarar-se “agnósticos”. Com sorte, parte dos crentes pode ficar em dúvida e pensar que é alguma igreja nova.

Já conhecia a “Bola de Neve” (ou “Bola de Neve Church, para os íntimos”, como diz o seu site), mas nunca tinha ouvido falar da “Novidade de Vida”. Busquei o site da igreja na internet. Na página de abertura, me deparei com uma preleção intitulada: “O perigo da tolerância”. O texto fala sobre as famílias, afirma que Deus não é tolerante e incita os fiéis a não tolerar o que não venha de Deus. Tolerar “coisas erradas” é o mesmo que “criar demônios de estimação”. Entre as muitas frases exemplares, uma se destaca: “Hoje em dia, o mal da sociedade tem sido a Tolerância (em negrito e em maiúscula)”. Deus me livre!, um ateu talvez tenha vontade de dizer. Mas nem esse conforto lhe resta.

Ainda que o crescimento evangélico no Brasil venha sendo investigado tanto pela academia como pelo jornalismo, é pouco para a profundidade das mudanças que tem trazido à vida cotidiana do país. As transformações no modo de ser brasileiro talvez sejam maiores do que possa parecer à primeira vista. Talvez estejam alterando o “homem cordial” – não no sentido estrito conferido por Sérgio Buarque de Holanda, mas no sentido atribuído pelo senso comum.

Me arriscaria a dizer que a liberdade de credo – e, portanto, também de não credo – determinada pela Constituição está sendo solapada na prática do dia a dia. Não deixa de ser curioso que, no século XXI, ser ateu volte a ter um conteúdo revolucionário. Mas, depois que Sarah Sheeva, uma das filhas de Pepeu Gomes e Baby do Brasil, passou a pastorear mulheres virgens – ou com vontade de voltar a ser – em busca de príncipes encantados, na “Igreja Celular Internacional”, nada mais me surpreende.

Se Deus existe, que nos livre de sermos obrigados a acreditar nele.

Porque hoje é sábado

Enquanto Sophia Loren lê,

Romy Schneider pisca,

Anna Karina olha,

Scarlett posa,

Ingrid aponta,

Florinda deita com discos (?),

Liv concentra-se,

e Mia e Sharon (pois Dean não nos interessa) divertem-se,

fico pensando no tremendo cansaço de hoje à noite — que me derrubou às 8.

Preciso de férias e, na semana que vem, a esta hora,

estarei na cidade de Juliette — estará ela lá? —

ou na de Julie

caminhando quilômetros por dia,

fugindo da correria insana que me persegue.

Não sei o que tenho que fazer

para apressar o tempo,

apenas sei

que ainda há algumas pendências

e alguma briga

para, enfim, desaparecer por 15 dias.

Anotações parciais e não revistas para o jogo entre As Cidades Invisíveis e Ficções

No próximo sábado, dia 12, às 16h, serei um dos árbitros do jogo de fundo (?) da série Coliseu, entre As cidades invisíveis (Le città invisibili, 1972), de Italo Calvino (Santiago de las Vegas, Cuba, 1923 – Siena, Itália, 1985) e Ficções (Ficciones, 1944), de Jorge Luis Borges (Buenos Aires, Argentina, 1899 – Genebra, Suíça, 1986). O evento dar-se-á na Sala Pasárgada da Feira do Livro de Porto Alegre.

Acabo de reler ambos os livros e o verdadeiramente estranho é que comecei a traçar paralelos entre eles, coisa que supunha impossível. São muito diferentes, mas, lidos um logo após o outro, transparecem algumas semelhanças. Não que interesse, claro.

Escolhi para mostrar aqui a capa de uma edição portuguesa que estampa A Torre de Babel, de Pieter Brueghel, o Velho… Bem, é apenas uma pequena brincadeira que os leitores de Borges logo entenderão. Nesta leitura, realizada com muitas interrupções, o livro de Calvino me pareceu melhor do que na primeira vez, anos atrás. Se naquela oportunidade fiquei um pouco cansado pelo fato de cada um dos 55 relatos de pouco mais de uma página descreverem sempre uma nova cidade, desta vez não ocorreu nada disso. Mas antes devo explicar rapidamente do que trata As Cidades Invisíveis. No livro de Calvino, Marco Polo conta a Kublai Kan, imperador dos tártaros, sobre as cidades que conheceu no caminho para o Oriente. São 55 retratos de cidades obviamente inventadas, todas com nomes de mulheres. As narrativas são de beleza poética impar, tanto que me fizeram lembrar Baudelaire e seus Pequenos Poemas em Prosa. As narrativas são fantásticas e delicadas, com o autor as classificando em 11 grupos, As cidades e a memória, As cidades e o desejo, As cidades e os símbolos, As cidades delgadas, As cidades e as trocas, As cidades e os olhos, As cidades e o nome, As cidades e os mortos, As cidades e o céu, As cidades contínuas e As Cidades ocultas. As breves descrições (ou poemas descritivos) são aqui e ali intercaladas por diálogos entre Marco Polo e Kublai Khan. Mas Polo não descreve as cidades fisicamente, antes as humaniza e, de certa forma, as ama.

Marco Polo (1254–1324), célebre mercador, embaixador e explorador, foi um dos primeiros ocidentais a percorrerem a Rota da Seda. O relato de suas viagens pelo Oriente, foi durante muito tempo uma das poucas fontes de informação sobre a Ásia no Ocidente. Meu pai me obrigou ler o livro As Viagens de Marco Polo quando eu tinha menos de dez anos. Lembro que foi uma péssima experiência. Ainda há dúvidas se Marco Polo fez realmente tudo o que disse ter feito ou se simplesmente narrou histórias que ouviu de outros viajantes. Calvino não tem nenhuma intenção de verossimilhança e seu estilo tem toques de surrealismo. A figura do imperador Kublai Khan parece representar os limites do poder. Por mais territórios que domine, nunca dominará ou conhecerá tudo e todos. Por outro lado, Marco Polo não prescinde do sonho e da imaginação em suas descrições. Neste ponto, ele parece uma Sherazade não ameaçada, deixando fascinantes e mágicas suas cidades que, mais que locais de domicílio com esta ou aquela característica física, são locais surpreendentes, cheios de símbolos e sonhos.

Se em As Cidades Invisíveis há grandes ligações temáticas e de estilo entre as histórias, o mesmo não se pode dizer de Ficções, que é um livro de contos divididos em duas partes — O jardim dos caminhos que se bifurcam (1941) e Artifícios (1944) — onde o próprio autor, em dois curiosos prólogos, destrói qualquer ilusão de unidade.

O problema de Ficções é que… é que… é que… é um livro que parece ter sido feito não apenas para leitores, mas para aquele determinado gênero de leitores preocupados com o fazer literário. Enormemente influenciado por Macedonio Fernández, o brilhante autor do Museu do Romance da Eterna, Borges nos mostra não apenas um portal de novas possibilidades, como a demonstração das mesmas. Tendo sido, até os anos 30, ensaísta e crítico, Borges passa a fazer ficções de leituras imaginárias. Os textos que antes provocavam seus comentários agora são imaginados. Mas isto é uma redução, pois não apenas de comentários sobre livros e mundos fictícios se fazem os contos de Ficções. Há grandes personagens — na maioria das vezes leitores — e belíssimas representações de outras camadas da realidade. Por exemplo, A Loteria de Babilônia pode receber as mais variadas interpretações — na minha opinião, por exemplo, ela representa a igreja. Há a representação do infinito em A Biblioteca de Babel e a da insônia em Funes, o Memorioso. Há uma notável argumentação sobre a forma moderna de ler textos em Pierre Menard, autor do Quixote — onde Borges nos demonstra como um mesmo trecho do Quixote pode ser lido de duas formas inteiramente diferentes. E há crimes, labirintos, violência, homens que formam outros homens em imaginações.

E, quando lemos tudo isso, parece-nos que tínhamos lido em algum lugar aquilo antes. Ou que vimos no cinema, sei lá. Pois não é culpa nossa estarmos abraçando o ícone. Pois a criação de Borges, vinda de Macedonio e lida por centenas de outros escritores desaguou em Italo Calvino, em Roberto Bolaño, em Georges Perec, em Sebald, em Vila-Matas. Pois ler Borges é como ouvir a Nona Sinfonia de Beethoven ou os Concerto de Brandenburgo de Bach. É como ler as peças de Shakespeare e achar que o que se lê é um emaranhado de citações e situações conhecidas ligadas por um enredo. Parece que conhecemos tudo, ou que o texto que lemos já estava pré-instalado em nossa memória e sensibilidade, mas não se enganem, meus amigos, mesmo isso saiu de Borges.

Charlles Campos escreveu:

Ficções é uma obra fundadora. Não só na literatura hispânica, mas mundial. Semana passada mesmo li Claudio Magris, um borgeano treinado e muito afiado. Pode-se colocar Ficções entre as maiores realizações do século passado. Já o Cidades fica diminuído, apesar de ser ótimo; mas a base de comparação nos faz cair no pecado da relativização, e vermos o Cidade como uma obra entre tantas, que não gerou escola, não difundiu tanta influência, não é citada de forma tão enfática como os contos do argentino.

E o Farinatti respondeu:

Mas que clássico é esse! Dois dos meus favoritos. Veja lá o que vai fazer, hein Seu Ribeiro. Sei que não poderiam estar em mãos melhores mas… PqP como comparar esses dois livros infinitos, esses dois universos? Dois mundos criados por escritores cerebrais, de estilo igualmente despojado… Se o critério fosse a ideologia, seria fácil decidir. Mas, sendo a arte. Sei lá… O Sul, Funes, As Ruínas Circulares, Pierre Menard… Contra todas aquelas cidades-mulheres do Calvino.
Eu preguei os últimos parágrafos de As Cidades Invisíveis no meu mural. Ele é meu breviário político. Leio todos os dias… Ah… sei lá… surtei completamente com essa!

E o Vinícius matou a charada:

Uma ideia para próxima feira: Naked Girls Reading. Podia rolar no sábado. Confiamos em você, Milton.

Mais um Festim Diabólico

Foi a comemoração atrasada do aniversário da Claudia. Vamos a algumas fotos. Fico sempre achando que ficou gente de fora das imagens. E pode ter acontecido, sim.

A comida estava demais… Nunca tinha provado o tal do locro.

Como consequência, houve gente que dormiu em pé (Augusto Maurer e Astrid Müller).

Que dormiu deitada (Heloísa Marshall).

Que chorou (Claudia Antonini com Augusto ao fundo).

Que fez arte (Vladimir Romanov).

Que trouxe arte de presente (escultura trazida pela Caminhante).

Que se dedicou apenas à arte. (Minha experiência mostra que todas as mães têm um pouco de vergonha do que seus filhos são capazes. Besteira pura.). Estrelando Nikelen Witter e Miguel Witter Farinatti.

Que teve os olhos vazados para que não dançassem (Astrid e Caminhante).

Que ficou feliz apesar das trevas (Caminhante com Elena Romanov ao fundo).

Que conversou (muitos).

Que ficou esperando beijo (Claudia e um bobão).

Que não parava de mentir (Milton e Guto “Antes faça mal que vá fora” Farinatti).

Que deixou a gente muito feliz (Vladimir e Elena Romanov). Destaque para os sorridentes Chico e Rovena Marshall.

Que também tocou demais (Alexandre Constantino).

Que comeu pra caralho (Dario Bestetti).

Que riu, ora (Helen Osório). Olhem a hora.

Que disputou sobremesa (Lia Zanini e Marcelo Delacroix).

Intermezzo (ou Serenata de Haydn): ufa, cansei de iniciar frases com quê.

Mais uma foto dos autenticamente queridíssimos Vladi e Elena.

Augusto, Astrid e a Caminhante conversam.

Laura Marshall com a Claudia ao fundo.

Helen e minha irmã Iracema.

Alexandre Constantino dá enorme atenção à Liana Bozzetto.

Laura, Sylvio e Cláudia Guglieri — a última prepara-se para dormir, como sempre.

O presente da Helen era lindo, parecia algo não vivo, sei lá. Cardamomos?

Augusto Maurer, já emburrecido pelos excessos, toma seu chá de boldo com Alexandre Constantino.

A foto de Sóbis

Foi um final de semana totalmente satisfatório com as visitas da Caminhante, da Nikelen e do Farinatti. Houve também um festim diabólico de aniversário, que teve como destaques não apenas o grupo reunido e a excepcional gastronomia, mas o belo e inesperado recital da Elena e do Vladimir Romanov, tocando uma Serenata de Haydn para a aniversariante — as lojas estavam fechadas, então a gente resolveu dar música de presente (obrigado, Elena e Vladimir) — e várias músicas brasileiras em arranjos que nos deixaram (muito) embasbacados. Era a noite do pessoal da música erudita tocar popular. O Alexandre Constantino também sentou-se ao piano para esmerilhar a bossa nova (obrigadíssimo, Alexandre!).

Porém, não adianta. A gente sempre lembra mais daquilo que não gostou. Ou daquilo que gostou menos, porque na história que vou contar há muito de gratidão, amor e respeito. Eu e o Farinatti fomos ao jogo do Inter e eu, com minha boca grande e boba, resolvi me referir antes do jogo ao fato de Gamarra, Fernandão, Iarley, Alex e muitos outros ex-jogadores do Inter terem ido ao Beira-Rio jogar, alguns marcando gols — como todos os citados — , mas sempre demonstrando seus sentimentos à torcida, pois nunca vibraram ao balançar as redes do ex-clube.

Como é característico meu, não pude deixar de dizer: “Os gremistas devem ficar loucos com isso, os caras vêm aqui e demonstram gratidão, coisa raríssima de a gente ver no outro lado”.

Então ontem, no mais importante jogo para o Internacional neste Brasileiro, Rafael Sóbis nos fez o mais doloroso dos gols, o da vitória do Fluminense. Sua reação — para demonstrar a todo o estádio que não vibraria — foi a mais cabal possível. Juntos as mãos como se rezasse, num pedido desajeitado de desculpas (vejam abaixo a foto de Alexandro Auler publicada no Impedimento). Depois, do jogo, confessou que seus filhos foram ao estádio ver papai jogar, ambos com camisas vermelhas. Dizer o quê? Triste consolo para um time de 7 milhões mensais, que joga pouco e que não irá à Libertadores 2012.

Só espero não ter que gostar de tomar gols.

E, após o jogo, Sóbis falou:

— Peço desculpas à torcida. Podem ter certeza de que estou com uma dor enorme no coração por vencer o meu time e distanciá-lo de um objetivo. Queria que esse gol fosse de outro.

Bolaño à volta da esquina

Certamente é uma entrevista feita no ano 2000.  Muito boa.

Tradução de Hugo Crema, publicado no blog Bolaño e as Estrelas

Por Rodrigo Pinto.

O escritor chileno mais reconhecido pela crítica e pelos leitores exigentes fala de seu novo romance, onde finca os dentes, bem fundo, na história e na literatura nacionais do último meio século. Claro que fala também de outras coisas.

Noturno do Chile, o último romance de Roberto Bolaño – que já tem uma dezena de livros publicados – é um extenso monólogo de Sebastián Urrutia Lacroix, sacerdote da Opus Dei e importante crítico literário chileno, que se inicia no começo dos anos 1950, quando era recém-saído do seminário, e termina no ano 2000.

No começo da história, Urrutia Lacroix está doente, com febre, e rememora sua vida, os marcos mais importantes da sua vida, que também são os marcos mais importantes da história de seu país. Pelo monólogo desfilam personagens tiradas tanto da história quanto da imaginação do autor, embora o maior peso recaia sobre o próprio Urrutia Lacroix – que usa o pseudônimo de H. Ibacache, o padre Ibacache, para escrever suas críticas literárias – e Farewell, outra vaca sagrada da crítica nacional. As 150 páginas do romance, embora se tratem apenas de dois parágrafos (o primeiro abrange a totalidade do livro menos uma linha; o segundo é, justamente, essa linha), se leem com extraordinária facilidade.

O título que você pensou originalmente para Noturno do Chile foi “Tempestade de Merda”. Por que mudou?

Basicamente porque meu editor, Jorge Herralde, não gostava, e depois de falar com ele repetidas vezes e dizer o nome do livro repetidas vezes, eu comecei a sentir nojo; tanta “Tempestade de Merda” pode inclusive acabar com a paciência do próprio autor. Juan Villoro também desaconselhou o título original. E não me arrependo. Noturno do Chile expressa com maior fidelidade o que é o romance.

O protagonista de Noturno do Chile, o padre e crítico literário Sebastián Urrutia Lacroix, fala da “falta de ambição e infinito desespero de meus compatriotas”. Um defeito e uma virtude, respectivamente, dos chilenos?

Urrutia Lacroix é bastante lúcido. Nem sempre, mas em ocasiões sim, embora sua lucidez não seja muito diferente da de Farewell, quero dizer, a lucidez de um fazendeiro ilustrado. Geralmente a falta de ambição vem acompanhada de medo ou malevolência. Prefiro acreditar que a falta de ambição do Chile vem acompanhada de desespero infinito. A falta de ambição do Chile ou do México ou da Rússia. A realidade, no entanto, nos indica uma e outra vez que a falta de ambição vem acompanhada de malevolência, no melhor dos casos de uma espécie de letargia que pode nos levar, uma vez mais, a uma certa esperança. Podemos recordar o conto “A Bela Adormecida” e chegar a todo tipo de conclusões. Ou a história da lâmpada mágica, que durante séculos permanece oculta, quero dizer, dormindo.

Os três reconhecidos como grandes da crítica literária chilena são – foram – celibatários, dois padres e um solteirão: Omer Emeth, Alone e Ignacio Valente. Para além do tratamento do exercício crítico que você faz no seu romance, qual é a sua opinião sobre esse fato?

Bom, eu não me atreveria a vê-lo como celibatários, é difícil ser celibatário. Em qualquer caso: ser não é nenhuma maldição. É um transe permanente e que envolve alguma dificuldade. Lewis Carroll era celibatário. As letras inglesas do século XIX estão cheias de escritores para os quais o sexo parecia algo sem interesse. Aí tem algo que tem a ver com a educação, porque os elisabetanos, por exemplo, são pessoas bastante interessadas em sexo. E quase nenhum elisabetano foi ao colégio, como bem se sabe. A única resposta séria que eu posso pensar é que a poesia e a narrativa sempre tiveram os críticos que mereceram.

Em Os Detetives Selvagens, você oferece, entre outras coisas, um olhar global sobre a literatura latino-americana. Vê alguma equivalência entre esse aspecto daquele romance e sua perspectiva sobre a narrativa chilena em Noturno do Chile?

Noturno do Chile tem a mesma estrutura de Amuleto e de outro romance que eu possivelmente já não vá escrever e cujo título seria “Corrida”. São romances musicais, de câmara, e também são peças teatrais, de uma só voz, instável e mimada, entregue a seu destino, em diálogo com seu destino, e talvez, embora nisso último eu provavelmente tenha falhado, em diálogo com a tridimensionalidade que é parte do nosso destino. Essa trilogia virou um dueto.

É fácil interpretar Noturno do Chile como uma romance cifrado, sobretudo tendo em vista o título original que você pensou; mas obviamente se trata de algo mais. Você poderia dizer qual é o núcleo do romance?

Há uma estrutura, como eu dizia antes, que é basicamente musical. E também, é claro, está a tentativa de escrever um romance-rio de 150 páginas, tal como queria Giorgio Manganelli, um dos grandes escritores do século XX, que muitos poucos leram. Noturno do Chile é a tentativa de escrever a vida de uma pessoa em seis, sete ou oito quadros. Cada quadro é arbitrário e ao mesmo tempo, paradoxalmente, é exemplar, se presta à extração de um discurso moral. Cada quadro pode ser lido de forma independente. Todos os quadros estão unidos por galhinhos ou pequenos tubos, que em ocasiões são muito mais velozes, e necessariamente muito mais independentes, do que os quadros em si. Mas temo que explicar a estrutura e o travejamento interno de uma romance não faça muito sentido. Todo romance, basicamente, tem de ir direto ao prazer, o prazer da leitura. E a partir daí aonde possa ou queira.

Roberto Matta saiu faz mais de sessenta anos do Chile, nunca voltou e é considerado uma das glórias da pátria. Em compensação, consideram que você, que está fora há menos tempo e que voltou várias vezes nos últimos anos, não é chileno. Apreciação correta, ingratidão humana ou puxa-saquismo puro e simples?

Matta é um clássico, em uma acepção errada da palavra, porque clássico, o que se considera clássico, é Rembrandt, não?, e mesmo aí haveria reparos a fazer. Mas admitamos, para entendermos que Matta é um clássico, um surrealista que está na superfície quando hoje o surrealismo vive no subsolo e provavelmente não se chama mais surrealismo; talvez Matta seja o último surrealista sub sole e suas obras, como se sabe, se cotam aos olhos da cara nos mercados de arte de Nova York, Paris e Milão. Tudo isso, essa virtude cuja tradução mais justa seria a do ouro, pesa muito na hora das apropriações nacionais. Em todo caso o assunto é absolutamente irrelevante. Não acho que Matta aprecie muito seus defensores pátrios.

Numa entrevista recente, você opinou que não é o objeto da escrita que define a chilenidade. O que é, então?

Não me lembro dessa entrevista. Provavelmente, como sempre, disse muitas bobagens. Não me preocupo com a definição de chilenidade. Também não me interessa a definição – a fixação de fronteiras, quando a natureza das fronteiras é naturalmente difusa – da americanidade, nem da espanholidade, nem da ocidentalidade. Acredito que já temos o suficiente com o mistério do ser humano e suas construções mentais, para não mencionar suas construções reais, tangíveis, que em ocasiões se assemelham à loucura pura e em ocasiões, mais raras, a algo que poderia parecer com a felicidade, a resignação, o vazio.

Vários críticos e escritores opinam que César Aira, Rodrigo Rey Rosa, Juan Villoro e você (e mais um ou outro escritor, dependendo do ponto de vista) são os escritores latino-americanos mais relevantes de sua geração. Você está de acordo?

No que diz respeito a Villoro, Aira e Rey Rosa, completamente de acordo. Eu me excluiria imediatamente. E acrescentaria Rodrigo Fresán, em cuja obra começa a se refletir o grande escritor que é e, sobretudo, que será, e Horacio Castellanos Moya e Carmen Boullosa.

Tirando os recém-mencionados, quais são os escritores de que você mais gosta na sua geração?

Gosto de Padilla e Volpi, do crack mexicano. Do também mexicano Mauricio Montiel. Dos espanhóis José Carlos Somoza, Javier Cercas, Pablo D’Ors. Piglia e Alan Pauls, argentinos. Gosto do peruano Bayly. Do colombiano Santiago Gamboa. Do salvadorenho Castellanos Moya (que eu já mencionei), recentemente publicado na Espanha, e que é o único dos escritores da minha geração que sabe narrar o horror, o Vietnam secreto que a América Latina foi durante muito tempo. Fresán e Boullosa já mencionei. Com certeza estou esquecendo agora de alguém muito bom, e isso que só fiquei no âmbito da narrativa em língua espanhola. Obviamente, faltam Javier Marías e Vila-Matas, herdeiros primogênitos do boom.

Você disse alguma vez que se definia como poeta em primeiro lugar e como romancista em segundo plano. Continua pensando assim? Porque está claro que a narrativa demanda mais tempo de você.

Num país como o Chile, onde nem os especialistas em poesia sabem o que é um dímetro coriâmbico, é perigoso se definir como poeta. Digo que à maioria dos, assim chamados, poetas chilenos é suficiente executar (mal) e entender (pior) o blank verse elisabetano. Acrescento que no Chile se dança a dança do pentâmetro iâmbico não rimado, mas todo mundo (acadêmico) ignora as virtudes do hendecassílabo solto, que vem a ser a mesma coisa que o blank verse. Se somos todos filhos de tigre, por que nos comportamos como gatos?, se perguntava Nicanor Parra. A cada dia tenho suspeitas mais fundadas de que não somos, afinal, filhos de tigre, senão de gatos. E assim nos comportamos como filhotes, e por aí vai.

Um escritor sul-americano, Hernán Rivera Letelier, disse que acha suas obras repetitivas, pouco originais e chatas, que sempre falam das mesmas coisas. O que você acha desse parecer crítico.

Hernán Rivera Letelier está vivendo seu sonho, que ninguém, por outra parte, presenteou, e meu único desejo é que o viva até o final, e que aproveite como um valente. Por outro lado, duvido muito de que Rivera Letelier tenha lido dois livros meus. Na verdade, duvido muito de que tenha lido qualquer livro meu.

Você parece manter uma relação de amor e ódio com o conjunto da literatura chilena. Você se sente parte de uma tradição ou veio fundar uma nova com base nos mesmos materiais?

Eu só espero ser considerado um escritor sul-americano mais ou menos decente que morou em Blanes (perto de Barcelona) e que amou essa cidadezinha. O conjunto da literatura chilena é lamentável. Mas isso não sou eu dizendo, é qualquer um que já leu mais de cem livros na vida. O conjunto da atual literatura francesa, salvo exceções notáveis, também é lamentável, os próprios franceses dizem isso e ninguém, absolutamente ninguém, se mata por isso.

Desculpa te fazer uma pergunta muito repetida: quem você resgataria de verdade da atual narrativa chilena? Sabemos que recomendou Pedro Lemebel ao Jorge Herralde, seu editor espanhol. Existe para você mais alguém que valha a pena?

Não só uma pessoa, mas várias. Acho o Roberto Brodsky um escritor magnífico, e também Gonzalo Contreras. Eu diria que Contreras e Brodsky são os melhores, o primeiro é bem conhecido, e é bom que seja assim, enquanto Brodsky opera num nível mais secreto, construindo uma obra em duas direções aparentemente díspares, por um lado difícil, onde se pode rastrear o peso de Onetti, e por outro lado leve. O melhor conto policial que eu já li, escrito por um autor chileno, é do Brodsky.

Além da sua crítica pela exclusão do Rodrigo Lira, o que você achou da antologia de poesia chilena que o Marcelo Rioseco organizou há pouco?

Ruim. Mas esse é o adjetivo que quase todas as antologias merecem. É muito difícil fazer uma antologia. E quando se trata de poesia, as dificuldades são ainda maiores.

Tubular Bells e a Caminhante

Por motivos semiprofissionais tenho que ler rapidamente As Cidades Invisíveis, de Italo Calvino, e Ficções, de Jorge Luis Borges. O Calvino já foi lido e hoje comecei o argentino. Li-o há tanto tempo que — bem, pensava lembrar-me de tudo, mas não é exatamente assim. O curioso é que quando indagorinha comecei a ler o livro de Borges, veio-me à cabeça o disco Tubular Bells (1973) de Mike Oldfield. Nossa, faz mais de trinta anos que não ouço esse vinil! Pensei nos anos de leitura de um e de audição do outro e soube o que vocês, meus sete espertos leitores, já descobriram. Sim, tudo da mesma época.

Acabo de baixar o CD e o ouço neste momento. É mais ou menos um pastiche de coisas que tem tanto a ver uma com a outra como o livro de Borges tem com o de Calvino. Não, Borges e Calvino têm mais a ver, certamente. São narrativas curtas, cheias de fantasia (acepção antiga da palavra) e nas páginas há mundos sendo permanentemente construídos como em poucos livros. Reli os dois primeiros contos — Pierre Menard, autor do Quixote é enlouquecedoramente belo em sua concisão e Tlön, Uqbar, Orbis Tertius é excelente — o que não é perfeito neste livro? — , mas os contos seguintes me agradam ainda mais, sei disso.

Amanhã, vou buscar a Caminhante (2 links) no aeroporto. Depois, sábado à tarde, chegam a Nikelen e o Farinatti. São uns chatos, vão ficar dando voltinhas pela cidade antes de virem para cá, os putos. Encontro de blogueiros é algo tão démodé quanto Mike Oldfield, então chamemos de um encontro entre amigos que se conheceram por via virtual. Hã? Nem isso, pois apenas vale para a Caminhante, porque os outros foram (re)conhecidos pelas vias convencionais.

Já ouço o lado 2 do disco. Bem ruinzinho…