A carta de suicídio que Virginia Woolf deixou para seu marido Leonard

Virginia Woolf amava Leonard. Ele era seu grande amigo e editor. Como a escritora não se interessava por homens, o termo amigo serve com exatidão. Eram grandes amigos, grandes companheiros que se amavam e buscavam sexo em outras paragens. Uma curiosidade: como VW revisava, revisava e revisava interminavelmente seus livros, Leonard os “roubava” quando achava que estavam prontos. Simplesmente pegava uma cópia e mandada para o prelo. Virginia seguia mexendo em suas vírgulas, enquanto Leonard só observava. Dias depois, para não torturá-la muito, ele a informava: “Pode parar de revisar. O livro está sendo impresso. Está pronto há semanas!”. Ela ficava puta, mas acabava por agradecer a Leonard, seu adorado marido. Estava livre do livro e podia planejar outro.

Abaixo, a carta que deixou para Leonard quando sentiu que ia entrar em nova crise depressiva e desistiu da vida.

A carta de suicídio de Virginia Woolf

Santa Maria trinta dias depois

A charge de Latuff na manhã de 27 de janeiro quando ainda se pensava em “apenas” 100 mortos.

Oh, filhos, filhos! Como têm coragem de partir?
O Outro Filho, Luigi Pirandello

Um dos lugares comuns com os quais mais concordo é que é absolutamente contra a natureza os filhos morrerem antes dos pais. E que nenhum pai-mãe merece uma coisa dessas. É uma situação intolerável e sempre penso em Drummond, que não queria mais viver após a morte de sua filha Maria Julieta. Ele tinha 85 anos e não suportou: morreu rapidamente, apenas 12 dias depois. Cada pai tem medo do que possa acontecer com seu filho e tem noções muito claras do inferno que sua vida será sem um deles. É isto que está sendo vivido por aqueles que ficaram. Tenho dois filhos e me forço a pensar no assunto porque esta é uma perspectiva que me preocupa e da qual se fala muito pouco: a dos que ficam.

Dia desses, estava com um amigo que é dono de um estabelecimento que pode receber aproximadamente 100 pessoas. Ele me disse que tomou a iniciativa de chamar uma consultoria a fim avaliar o local, “porque depois de Santa Maria temos que ser sérios, não quero carimbo, gaveta, nem jeitinho, quero segurança”. E acho que a sociedade, ao menos aqui no RS, vai conseguir melhorar muito as casas noturnas. Acredito nisso, mas voltemos ao viés inicial.

Não, não conheço ninguém envolvido, mas fico com enorme pena dos pais. Hoje, agora, às 8h, Santa Maria vai parar por um minuto. No sábado passado, 600 pessoas compareceram a um encontro da recém formada Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM). A associação tem como principal objetivo a reintegração social dos pais e irá acompanhar as investigações do caso. Nada mais correto. Essas pessoas precisam de ajuda a fim de trazê-las de volta a uma vida que será tudo menos normal. Há relatos de que muitos estão reclusos, coisa que, conhecendo a mim mesmo, talvez fizesse. Foram 239 mortos, 100 feridos. O grupo de pais tem certamente todo tipo de pessoa, todo tipo de biografia, todo tipo de reação. Essas pessoas devem se conhecer, devem ouvir as histórias um do outro a fim de obter apoio entre seus iguais.

Pois, como escreveu Sábato em Sobre Heróis e Tumbas (cito de memória), nós deveríamos ser como as formigas que veem seu formigueiro pisoteado e começam imediatamente a reconstrução. Por mais que nos desesperemos, não deve haver outra saída. Só que o ser humano tem a noção do que é a morte e é impossível simplesmente agir como um formiga-autômato numa hora dessas. Haja terapia, porque o buraco que o pisão criou é uma verdadeira cratera.

A normalidade não existirá mais para essas pessoas. Um pai esquecer seu filho? Não, impossível. O que acontecerá será um lento e doloroso aprendizado para viver sem a presença dele-dela. Como lidar com as datas, com a saudade, com a madrugada, com o quarto vazio, com a ida ao supermercado sem comprar a guloseima preferida do filho, com os encontros com os amigos, com o computador? Nada do que aconteceu foi banal ou descartável, essas pessoas têm de ser respeitadas, ainda mais neste período em que a ficha está caindo e a dor da realidade está vindo em ondas cada vez mais altas. Será muito dura a rotina sem o filho. Tudo parecerá inútil.

E que a sociedade, as fiscalizações, as defensorias e as prefeituras trabalhem para que uma merda dessas não ocorra em outro lugar. É o mínimo que se pode fazer para honrar aquelas crianças que morreram. A única utilidade delas hoje. Porque o resto é tristeza.

They lived and laughed und loved end left
Nasceram serriram seamaram seforam

Finnegans Wake, James Joyce (trad. Caetano Galindo)

Kaos e outros contos sicilianos, de Luigi Pirandello

Minha arte é cheia de compaixão por todos aqueles que iludem a si próprios. Mas, é inevitável, que esta compaixão seja seguida pelo escárnio feroz a um destino que condena o homem à mentira.

Luigi Pirandello

Aqui nós podemos esquecer a Itália que vota em Berlusconi. Kaos e outros contos sicilianos (128 páginas, Nova Alexandria) é uma coletânea que acompanha a escolha das histórias para o belo filme de 1984 dos Irmãos Taviani, chamado Kaos. Os cinco contos apresentados no filme estão neste volume: O Outro Filho, O Mal da Lua, O Vaso (A Bilha, no livro), Réquiem e Colóquio com a Mãe. De quebra, no livro a gente ganha outro Colóquio, o tragicômico Ao Valor Civil, o curioso A Morta e a Viva e o emocionante e perfeito A Viagem.

Eu poderia apenas usar apenas dizer uma pequena expressão e estaria justificada toda a minha admiração por este livro: são contos encharcados de humanidade da primeira à última letra. Todos. Mas também são boas histórias de um extraordinário escritor muitas vezes esquecido pela modernidade. A tradução de Fulvia Moretto é igualmente excelente. Vale a compra.

Luxemburgo, o cagadinho

Ai, jesuis, Gre-Nal de novo?

Quando era bem pequena, minha filha não conseguia dizer a palavra salgadinho. Ela dizia cagadinho. Eu achava engraçado e providenciava o que ela queria. E, sabe?, toda vez que ouço o Luxemburgo falando em Gre-Nal me vem a impressão de que ele tem medo de jogar contra o Inter e lembro de minha filha dizendo “cagadinho”. Reconheço o tom de Luxa até por identificação, porque, como torcedor do Inter, também tenho certo temor de Gre-Nais. Ele usa palavras que conheço.

Noto a alegria de Luxemburgo em ter justificativas perfeitas para entrar em campo com o time reserva. Noto como ele fica feliz de poder jogar com o time mais fraco e não correr riscos pessoais. Noto como ele quer preservar seu longo contrato. Mas acho que acabou. O próximo será às ganhas. O próprio presidente Koff, que para trouxa não serve, já anunciou que no segundo turno os jogos serão mais espaçados e o Grêmio vai jogar contra o Inter com o time titular. Nada me tira da cabeça que era um recado para seu técnico.

É tudo impressão, mas apostaria que Luxa dorme mal antes dos Gre-Nais. Ainda mais depois daquele último Gre-Nal do Brasileirão. Um segundo tempo de onze contra nove — o goleiro e o centro-avante do Inter tinham sido expulsos — que acabou em 0 x 0 e que teve graves consequências no planejamento do clube em 2013.

The Rain Song – Jimmy Page & Robert Plant (No Quarter, 1994)

George Harrison e o pessoal do Led Zeppelin eram amigos. Harrison comentou uma vez a John Bonham que o problema que via no Zepp é que eles não tinham muitas baladas. Em resposta, Jimmy Page escreveu a lindíssima The Rain Song, iniciando-a com dois acordes encontráveis em Something, como uma homenagem ao guitarrista dos Beatles. Harrison faria 70 anos na próxima segunda-feira, 25 de fevereiro. Faço-lhe esta homenagem antecipada e atravessada.

Esplendorosa Emmanuelle Riva, o Oscar é o que menos importa

Roubo e adaptação a partir de post de O homem que sabia demasiado.

O nome da atriz Emmanuelle Riva há de ficar nos anais da história do cinema com uma característica muito especial: a de ser lembrada para sempre pelos dois filmes notáveis que iniciaram e finalizaram a sua carreira: Hiroshima mon amour (1959) de Alain Resnais e Amor (2012) de Michael Haneke.

53 anos separam estes dois filmes, dois filmes que têm a palavra amor no título, dois filmes que abordam questões essenciais sobre a ascensão e o declínio do amor. É como se Emmanuelle Riva não tivesse feito mais filmes no intervalo entre estas duas películas. Fez, alguns até importantes. Mas serão Hiroshima mon amour e Amor os títulos que ficarão para sempre na memória de qualquer cinéfilo.

No filme de Alain Resnais, Riva tinha 32 anos, surgia no auge da sua esplendorosa sensualidade; no filme de Haneke, a atriz apresentou-se com respeitáveis 85 anos de idade. Mas é como se a mesma sensualidade, carisma e intensidade não se tivessem esfumado por um único segundo através dos anos. Não importa que Riva possa não ganhar o Oscar de melhor atriz. O seu legado é maior do que qualquer estatueta dourada.

Não sei como Riva, Haneke, Huppert e Trintignant cabem em 500px.

Porque hoje é sábado, Nadine Labaki

Nadine Labaki tem no mais alto grau todas as qualidades, à exceção de uma.

É linda, talentosa, é diretora de cinema que realiza excelentes filmes

— como E agora, aonde vamos?, há semanas em cartaz em Porto Alegre —

e ainda, como se não bastasse, é muito boa atriz.

O problema de Nadine Labaki é que ela não tira a roupa…

triste característica que quase a excluiu de nossa coluna sabatina.

Ela é libanesa e talvez haja uma influência cultural que apresente como resultado

mais aparente

o excesso de panos.

Esta linda e inteligente mulher nasceu em Baabdat em 18 de fevereiro de 1974.

Tem 39 anos, que é um belo número para as cada vez mais jovens

mulheres de nosso tempo.

Seus filmes, e aqueles onde trabalhou apenas como atriz,

mostram uma pessoa tranquila, segura,

e totalmente, absolutamente, implacavelmente magnética.

Quando Nadine está em cena

é impossível olhar para qualquer outro lugar da tela onde ela não esteja.

Seus olhos puxam, absorvem, sorvem e apaixonam nosso olhar.

Mesmo de preto, como viúva,

mesmo em roupas civis dirigindo outros atores,

ou vendo o resultado de seu trabalho.

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No Sul21 recomenda:

E agora, aonde vamos? (****)
(Et maintenant, on va où?), de Nadine Labaki, França / Líbano / Egito / Itália, 2011, 110 min

Um filme excepcional. Arrasador na abordagem do absurdo da guerra no Oriente Médio. À medida que a guerra se acentua no país, as mulheres da aldeia, fartas de fazer o luto pelos seus maridos e filhos, decidem boicotar as informações que lhes chegam, destruindo rádios e televisões comunitárias. Até então, e apesar das divergências religiosas, os seus habitantes vivem pacificamente a sua fé. Contudo, um evento vem contrariar aquela tranquilidade e os homens começam a disputar direitos e deveres, criando uma divisão entre os dois grupos religiosos num ambiente de tensão que cresce de diariamente. É então que as mulheres, habituadas a conduzir os seus homens de uma maneira peculiar, resolvem desviar suas atenções dos conflitos que ameaçam pôr em causa as boas relações entre todos: decidem contratar um grupo de dançarinas ocidentais e drogá-los com bolinhos de haxixe enquanto escondem todas as armas da aldeia. Excelente filme da diretora libanesa Nadine Labaki.

Jorge Amado: os 100 anos do mais popular ficcionista brasileiro

Publicado em 11 de agosto de 2012 no Sul21

“Trabalho sempre, quando escrevo e quando não escrevo. Creio que o trabalho do escritor se processa mais fundo e denso enquanto ele está aparentemente ocioso. Quando amadurece o que escreverá depois. Acordo todos os dias entre 5 e 6 da manhã. E trabalho”. | Foto: Fundação Jorge Amado

Faz tempo que Jorge Amado (1912-2001) foi praticamente abandonado pela academia, que parece considerá-lo um escritor inferior, popularesco, regional ou meramente folclórico. Nos últimos anos, porém, houve algum movimento no sentido de recuperar a obra do escritor baiano. A Flip homenageou-o em 2006 e, em 2012 —  ano dedicado à Drummond — , ocorreram eventos oficiais e paralelos onde se discutiu a obra do baiano. Por outro lado, nesta sexta-feira, dia 10 de agosto, quando Jorge Amado completou 100 anos de nascimento, a academia foi acompanhada pelos principais jornais brasileiros, que publicaram poucos e tímidos artigos, ao menos no papel.

O deputado constituinte Jorga Amado | Foto: Fundação Jorge Amado

Jorge Amado foi o mais popular dos escritores brasileiros, sendo também o mais conhecido e lido no exterior em sua época. Hoje, este posto é ocupado por Paulo Coelho, mas ainda seria de Jorge Amado se nos limitássemos à literatura de ficção. Em sua época, Amado dividiu o posto de “escritor mais lido do Brasil” com Erico Verissimo (1905-1975). Eram outros tempos, tempos em que o escritor era ouvido sobre os mais diversos assuntos e ocupava uma posição de consciência ética do país. Houve um processo silencioso em todos estes anos: a importância do escritor dentro da sociedade foi levada para uma posição secundária, ele foi deslocado pouco a pouco para a periferia. Amado e Erico participaram ou opinaram sobre todos os assuntos fundamentais da vida nacional. Ambos testemunharam e participaram dos principais fatos de suas épocas. Se Erico falou e escreveu muito contra a ditadura militar (1964-1985), Amado foi deputado constituinte em 1945 pelo PCB e, em função de suas atividades extraliterárias, viveu exilado na Argentina e no Uruguai (1941 a 1942), em Paris (1948 a 1950) e em Praga (1951 a 1952). É difícil imaginar algum ficcionista ou autor de auto-ajuda brasileiro indo para o exílio, na hipótese demencial da implantação de uma ditadura militar hoje no país.

Com a atriz Sônia Braga, que personificou Gabriela e Dona Flor | Foto: Fundação Jorge Amado

Após o período como deputado, Jorge Amado viveu exclusivamente dos direitos autorais de seus livros. Aliás, mesmo durante o período como deputado, ele doava 80% de seu salário para o Partidão.

Sua obra transcendeu os limites do regionalismo modernista a que foi ligada num primeiro momento. Como escritor, pode-se dizer que houve dois Amados: a separação entre ambos seria Gabriela Cravo e Canela (1958). O primeiro Amado dedicava-se mais aos romances de costumes e à  crítica social e o segundo dava mais atenção ao humor popular, ao sincretismo religioso e à sensualidade. Tal fronteira não é rígida, mas não deixa de ser verdadeira. Em comum entre as fases está um narrador envolvente e extremamente hábil ao construir personagens e tramas. E também o fato de as duas fases apresentarem grandes romances.

A fase pré-1958, por exemplo, tem romances como o excelente Capitães da Areia (1937). Dentro de uma divertida trama baseada na vida de menores abandonados de Salvador, o romance expõe as diferenças de classe, a concentração de renda e os efeitos da marginalidade nos jovens. E pasmem, o romance, hoje lido sem maiores sustos, teve mil exemplares queimados em praça pública pelo governo da Bahia sob a acusação de ser uma obra “comunista” e “nociva à sociedade”. O livro também teve cópias apreendidas em outros estados. Outro imenso romance da primeira fase foi Terras do sem-fim (1943) que conta uma história sobre fazendeiros-coronéis, jagunços e sobre lutas pela posse de terras para desmatar e plantar cacau.

O PCB reúne-se: Amado com Pablo Neruda e Luís Carlos Prestes | Foto: Fundação Jorge Amado

Nestes livros, há a revelação de uma sociedade injusta, baseada na lei do mais rico ou armado, nas mentiras sociais e na hipocrisia geral. Pensando que foram escritos num período nada democrático, às portas do Estado Novo, Jorge Amado demonstra coragem ao criar personagens tão verossímeis, violentos e dispostos ao diálogo quanto quaisquer ditadores.

Em 1951, Amado escreveu O Mundo da Paz. É um livro de viagens que depois foi  renegado pelo autor. É compreensível; afinal, há trechos como aquele onde ele afirma que Stálin é “mestre, guia e pai, o maior cientista do mundo de hoje, o maior estadista, o maior general, aquilo que de melhor a humanidade produziu”. Em entrevista para Geneton Moraes Neto, nos anos 90, durante o colapso do comunismo nos países do leste europeu, Amado confessou: “Eu me desorientei – e muito – quando descobri que Stálin não era o pai dos povos, ao contrário do que sempre pensei. Aquele foi um processo doloroso, difícil, cruel e demorado. A maioria das causas dos acontecimentos atuais talvez já fossem claras para mim. Mas os acontecimentos são de uma rapidez imensa”.

Com o filósofo Jean-Paul Sartre e um cacau | Foto: Fundação Jorge Amado

Os livros da primeira fase, assim como os da segunda, são romances de estruturas semelhantes e para serem lidos com disposição pantagruélica: engole-se com o maior dos interesses a história contada e esquece-se dos expedientes de linguagem. Funcionam muito bem desta forma. Em Jorge Amado, a forma contribui para contar a história da forma mais eficiente possível e, de resto, esconde-se.

A fase pós-1958 marca seus maiores sucessos: o citado Gabriela, cravo e canela, Dona Flor e seus dois maridos (1966), Teresa Batista cansada de guerra (1972), Tieta do Agreste (1977) e Tocaia Grande (1984). A popularidade do escritor pode ser medida pelo simples fato de todos os livros citados neste parágrafo terem se tornado novelas de TV, seja na Rede Globo ou na extinta TV Manchete. Há também os filmes. Basta dizer que Dona Flor e seus dois maridos foi por 34 anos o recordista de público no cinema brasileiro: foram 10 milhões de espectadores, até ser ultrapassado por Tropa de Elite 2 em 2010.

Um livro especialmente interessante são suas memórias em Navegação de cabotagem (1992). No texto são desfiados diversos casos e fatos, narrados com delicioso humor e fora de ordem cronológica. Fica a comprovação de que Jorge Amado testemunhou grandes acontecimentos do século XX e que, em sua trajetória pessoal, desempenhou um papel central na cultura brasileira. Por outro lado, é o mais despretensioso dos livros de memórias, abrangendo desorganizadamente o longo período entre meados da década de 20, do qual Jorge Amado recorda o ciclo do cacau e o movimento da Academia dos Rebeldes (grupo literário do qual fez parte na juventude), e o começo dos anos 90.

Na leitura dos livros de Jorge Amado, sempre é bom manter a disciplina da leitura. As primeiras páginas são dedicadas a uma balzaquiana apresentação de personagens e da trama. Após este obstáculo, a leitura envolve e emociona. Quando perguntado sobre como gostaria de ser lembrado, Jorge Amado respondia:  “Como um baiano romântico e sensual. Eu me pareço com meus personagens — às vezes, também com as mulheres”. Amado costumava fazer pouco de sua importância. Em 1991, disse: “Quando eu morrer, vou passar uns vinte anos esquecido”.

O velhos comunistas Amado e Saramago | Foto: Fundação Jorge Amado

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“Vou passar uns vinte anos esquecido” | Foto: Fundação Jorge Amado

Bibliografia completa:

— O País do Carnaval, romance (1930)
— Cacau, romance (1933)
— Suor, romance (1934)
— Jubiabá, romance (1935)
— Mar morto, romance (1936)
— Capitães da areia, romance (1937)
— A estrada do mar, poesia (1938)
— ABC de Castro Alves, biografia (1941)
— O cavaleiro da esperança, biografia (1942)
— Terras do Sem-Fim, romance (1943)
— São Jorge dos Ilhéus, romance (1944)
— Bahia de Todos os Santos, guia (1945)
— Seara vermelha, romance (1946)
— O amor do soldado, teatro (1947)
— O mundo da paz, viagens (1951)
— Os subterrâneos da liberdade, romance (1954)
— Gabriela, cravo e canela, romance (1958)
— A morte e a morte de Quincas Berro d’Água, romance (1961)
— Os velhos marinheiros ou o capitão de longo curso, romance (1961)
— Os pastores da noite, romance (1964)
— O Compadre de Ogum, romance (1964)
— Dona Flor e Seus Dois Maridos, romance (1966)
— Tenda dos milagres, romance (1969)
— Teresa Batista cansada de guerra, romance (1972)
— O gato Malhado e a andorinha Sinhá, historieta infanto-juvenil (1976)
— Tieta do Agreste, romance (1977)
— Farda, fardão, camisola de dormir, romance (1979)
— Do recente milagre dos pássaros, contos (1979)
— O menino grapiúna, memórias (1982)
— A bola e o goleiro, literatura infantil (1984)
— Tocaia grande, romance (1984)
— O sumiço da santa, romance (1988)
— Navegação de cabotagem, memórias (1992)
— A descoberta da América pelos turcos, romance (1994)
— O milagre dos pássaros , fábula (1997)
— Hora da Guerra, crônicas (2008)

Opus Dei: os livros proibidos pela instituição

Estes são dois fragmentos — os mais literários — de uma série publicada pelo Diário de Notícias de Portugal. O autor é o jornalista Rui Pedro Antunes.

‘Index’ proíbe 79 livros de autores portugueses

Autores e especialistas portugueses mostram-se indignados por o Opus Dei ter uma lista de livros que proíbe os seus membros de ler. José Saramago é um dos escritores mais castigados ao nível mundial, sendo um dos recordistas no número de livros proibidos. Também ‘censurada’, Lídia Jorge diz que o Opus Dei deveria ter “vergonha” de ter este tipo de listagem, igualmente arrasada pela Sociedade Portuguesa de Autores. A lista é, porém, ‘legal’.

José Saramago e Eça de Queirós são os escritores portugueses mais castigados pela “lista negra” de livros do Opus Dei. A organização da Igreja Católica tem uma listagem de livros proibidos, com diferentes níveis de gravidade (ver topo da página), na qual põe restrições a 33 573 livros. Nos três níveis mais elevados de proibição encontram-se 79 obras de escritores portugueses. Autores portugueses contactados pelo DN mostram-se indignados com o que classificam de “Index” e “livros da fogueira”.

O Opus Dei sempre teve um Guia Bibliográfico, onde incluía os livros proibidos, com uma classificação de 1 a 6 (o nível mais elevado). Há quatro anos, aquilo que era uma lista de Excel que circulava pelos membros da obra, ganhou forma na Internet (http://almudi.org) e passou a estar aberto à contribuição dos membros. Como explica o Opus Dei Portugal, passou a existir um site “tipo crowdsourcing, aberto à contribuição de interessados, moderado por dois editores: Carlos Cremades e Jorge Verdià [membros da obra]”. Mudaram-se as designações, dividiram-se os livros em duas partes (literatura e não ficção), mas mantiveram-se os níveis de proibição. E há uma novidade: uma lista de filmes “desaconselhados”.

“Deus é um filho da puta”, escreveu Saramago num dos livros proibidos (Caim). Porém, não é preciso haver um nível tão direto de confronto à Igreja para que o livro seja proibido. Só nos três mais elevados níveis de interdição, Saramago tem 12 livros. Caim, o Evangelho Segundo Jesus Cristo, o Manual de Pintura e Caligrafia e o Memorial do Convento são definidos como os mais perigosos (6; LC-3).

A presidente da Fundação Saramago e viúva do escritor, Pilar del Río, classifica em entrevista ao DN (ver página 33) este índice de “grosseiro e repugnante”, deixando várias críticas à obra: “É uma organização a que chamamos seita porque somos educados. Por acaso, eles não são.” Pilar revela ainda que Saramago nunca escreveu sobre o Opus Dei porque considerava a organização “uma formiga” e mostra-se ainda chocada pelo facto de “neste nível de pensamento cartesiano e da razão haja quem se submeta à irracionalidade das seitas”.

A escritora Lídia Jorge – que também tem dois livros no mais elevado nível de proibição (Costa dos Murmúrios e O Dia dos Prodígios) – confessou-se “chocada” quando confrontada pelo DN com a existência da lista. Lídia Jorge disse mesmo que os membros do Opus Dei deviam ter “vergonha” e classifica quem fez a listagem de “gente retrógrada e abstrusa”. “São pessoas que desprezo porque se armam em mentores, em guardas morais, quando, no fundo, revelam uma ignorância absoluta sobre o papel da literatura.” Quanto às duas obras proibidas, Lídia Jorge explica que têm “uma linguagem e uma atitude mais libertária perante a vida” e que, talvez por isso, tenham sido censuradas. O que a repugna.

Freud e Marx, os mais censurados na não ficção

Tudo o que são clássicos e grandes obras da literatura mundial passaram pelo crivo dos delegados de estudos do Opus Dei. Por isso é difícil encontrar um grande escritor que não tenha sido ‘censurado’ pela obra. Dos últimos 15 prémios Nobel da Literatura só um não tem livros proibidos. Os restantes 14 têm 72 obras ‘proibidas’. Na não ficção, que inclui obras de grande importância científica, Marx, Freud ou Nietzsche estão entre os que não escaparam ao ‘lápis azul’ da organização.

As aventuras de Leopold Bloom a fazer a sua odisseia por Dublin (em Ulisses, de James Joyce), a chegada de Cândido a Lisboa após o terramoto de 1755 (em Cândido, de Voltaire) ou as dúvidas existenciais de Zuckerman (obras de Philip Roth) são histórias que os membros do Opus Dei não podem desfrutar. Grandes nomes da literatura e das ciências sociais mundiais fazem parte da lista de 33 573 livros proibidos pela obra.

Olhando, por exemplo, para os últimos 15 prémios Nobel da Literatura, apenas um (Le Clézio) escapou à lista negra de livros do Opus Dei. Só nos três mais elevados níveis de proibição (ver infografia na página 31) existem 72 obras. O peruano Mario Vargas Llosa (Nobel em 2010) conta com 17 obras nestes níveis de proibição. É imediatamente seguido pelo português José Saramago, com 12 títulos (ver páginas 30 e 31). Mas a lista não para por aqui: Doris Lessing (nove livros), John Coetzee (oito), Günter Grass (sete) e Elfriede Jelinek (quatro) são outros dos mais castigados. Orhan Pamuk apenas foi brindado com um livro proibido e os dois últimos nóbeis (Mo Yan e Tomas Tranströmer) têm livros classificados com níveis de interdição mais baixos.

E a lista de grandes autores proibidos está longe de se esgotar nos últimos laureados pelo maior prémio da literatura. O romance Ulisses, de James Joyce – um marco do modernismo literário -, tem o mais elevado nível de proibição (6; L-C3). O mesmo acontece com livros de autores como Albert Camus, Gabriel García Márquez, Samuel Beckett, Jean-Paul Sartre (também eles Nobéis), Voltaire, Aldous Huxley, Henry Miller, Truman Capote, Philip Roth ou Vladimir Nabokov.

Também “censurados”, mas com níveis de proibição mais baixos, surgem os nomes de Ernest Hemingway, Orwell, Jorge Luis Borges, Dostoievski, Kafka ou F. Scott Fitzgerald.

O líder do Opus Dei Portugal, José Rafael Espírito Santo, explica que esta lista é “no fundo estar a procurar um conselho para defender a fé”, lembrando que “o Papa João Paulo II antes de ler um livro consultava e perguntava se era um livro adequado”. O vigário regional do Opus Dei utiliza ainda uma metáfora para justificar a lista: “Há medicamentos que só se vendem com receita médica. Por quê? Porque uma pessoa que não saiba, em vez de fazer bem à saúde, pode fazer mal. A fé não se apoia na razão. E, portanto, pode haver modos de empregar a razão que sejam nocivos para o próprio ser humano porque a verdade é só uma.”

Os 50 maiores livros (uma antologia pessoal): XIV – O Anão, de Pär Lagerkvist

Neste momento, há três exemplares de O Anão à venda na Estante Virtual. A única edição nacional é da Civilização Brasileira, dos anos 70. Não é um livro grande, é um volume de 150 páginas. O valor mais barato praticado é de R$ 189,90; o mais caro, R$ 250,00. Não me surpreende. Tornou-se raro e é uma obra-prima daquelas que tem de ser levadas para a ilha deserta.

(Tenho certeza que meu exemplar está lá em casa. Mas agora, sabedor do que ele vale, vou dar uma conferida).

O Anão é a história de Picolino, o bobo da corte de um príncipe italiano da Renascença. Sua função é a de divertir e ele a cumpre; só que ele odeia minuciosamente a todos os seus amos e quase todos são seus amos, claro. A repugnância que sente, a repulsa que Picolino dedica a todos é descrita de forma estupenda — com um foco narrativo que tentaremos explicar à frente — pelo Nobel de 1951, assim como também a forma como passa a influenciar os assuntos políticos da corte, sempre com a única e exclusiva intenção de prejudicar a todos. É um romance originalíssimo sobre o mal, a inveja e o desprezo.

A cidade-estado renascentista onde ocorre a ação não é clara, mas há um personagem chamado Bernardo, que é sem dúvida inspirado em Leonardo da Vinci, o que nos faz pensar no final do século XV. Também há referências a igrejas que se encontram na região de Florença. Ao mesmo tempo, o anão, narrador do romance, fala em criações como A Última Ceia e a Mona Lisa, a primeira delas pintada em Milão e segunda provavelmente em Florença. Além disso, o príncipe parece ser César Bórgia, que empregou Leonardo da Vinci como arquiteto militar… Desta forma, há muitas referências históricas dançando incontrolavelmente no contexto do romance.

Como disse, o anão é o narrador e tudo é contado retrospectivamente alguns minutos, horas ou semanas após a ocorrência dos fatos e antes dos seguintes. Tal artifício faz com que todos os acontecimentos sejam quentes, contados com emoção, e que O Anão planeje no papel seus próximos passos. Ou seja, a colocação do foco narrativo é muito inteligente, fazendo com que o leitor sinta a respiração do anão-monstro arquitetando suas vinganças, incorporando o mal e curtindo seu ódio de misantropo.

Ele ama a guerra, claro, e quando lhe pedem para cometer um crime, ele o expande sob o pretexto de beneficiar o príncipe… Todos mudam durante o romance, todos mudam na cabeça do narrador, menos ele, que se mantém coerente da primeira à última página. Curiosamente, é profundamente religioso, mas sua crença inclui um Deus que nunca perdoa. Mesmo impressionado com a ciência de Bernardo, sente repulsa pela busca que este empreende para chegar à verdade e ao âmago das coisas.

Por tudo isso e muito mais, este clássico de 1944 é de leitura obrigatória, o que justifica (ou não) seu preço (abusivo).

Yoani Sánchez, a nova mensageira da liberdade, é um produto bem barato

Os protestos de ontem em Feira de Santana contra a ativista Yoani Sánchez foram certamente exagerados, assim como foi antidemocrático não terem deixado o cineasta Dado Galvão — membro do Instituto Millenium — mostrar seu filme. Tais atitudes dão motivos aos comentários que nós todos já estamos lendo e não devem receber elogios de nossa trincheira. É burrice pressionar a moça desta forma. Ela deve estar se sentindo uma tremenda celebridade e uma incomodação para quaisquer regimes-que-não-respeitam-a-liberdade, isto é, as esquerdas. Acho que um pouco de reflexão sobre a marionete cubana não fará mal a ninguém.

Yoani Sánchez é um produto barato e nada camuflado. Ela não nega receber dinheiro dos EUA, do El Pais, da CNN, da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) e do Instituto Millenium, do Brasil, do qual é “especialista”. Do ponto de vista material, vive muito bem em Cuba. Apesar de ter tentado sair 20 vezes do país, estranhamente viveu na Suíça e voltou para onde era mais útil e lucrativa para todos os envolvidos. A moça está bem assessorada e agora que seu passe vale menos a partir das novas facilidades sair e entrar do país, promove — quem promove mesmo? — uma tournée mundial… É óbvio que a direita está amando a ideia do périplo de Yoani.

Disse que o produto é barato e é mesmo. Paga-se uma blogueira e recebe-se enorme repercussão. Estas são de todo gênero, algumas mais inteligentes, outras bem burras. O plano de construção de Yoani é velhinho e de inspiração soviética: basta pensar em Alexander Soljenítsin e Andrei Sakharov. A CIA deve ter pensado: se estes soviéticos nasceram e viveram dentro do país, recebendo toda a cobertura (e peninha) da imprensa ocidental durante a Guerra Fria, por que não criar uma dissidência controlada e paga por nós? Sim, porque nem sempre os modelos dos russos funcionaram direito. Soljenítsin, por exemplo, revelou-se foi um fiasco: imaginem que o homem foi expulso para o Ocidente e logo passou a propor um estado religioso na Rússia. Depois fez muito pior. Escreveu sobre o absoluto protagonismo dos judeus russos no Partido Comunista e na polícia secreta soviética, e acabou tachado de antissemita e desmoralizado nos EUA. Morreu no anonimato. Então, para se livrar de modelos incontroláveis, melhor pagar logo alguém que trabalha sob nossa orientação.

Agora que pode sair de Cuba, a tentativa é de que a moça se torne uma mensageira da liberdade. Talvez receba um Nobel da Paz. Ela é uma figura a favor de Cuba, não será de direita nem de esquerda — depois que o Muro caiu não fazem mais sentido a direita e a esquerda, certo? — e carregará um pensamento político perfeitamente rarefeito, sempre defendendo a democracia no estilo norte-americano.

Mas, sabem?, na verdade, Yoani não me interessa. A presença dela aqui se assemelha a uma visita do Papa. O pior é que se tornará uma autoridade. Vai opinar sobre tudo, um saco. Acho o tema e a Yoani muito chatos e apenas gostaria de saber qual terá sido o parceiro que criou sua atual tour mundial.

Pois, em vez de trazerem o David Bowie, trazem um troço desses…

Porra, um ferro de passar não faria falta a essa bandeira, hein? Acho que os amigos da Yoani esqueceram de pedir pra empregada fazer a mão.

Dia 15: Hyde Park, Buckingham Palace, St. James`s Park, passeios e a Primark…

Hoje, tivemos nosso primeiro dia de sol em dez dias de Londres; então, optamos pelos passeios ao ar livre e depois por uma visitinha a um dos templos de consumo daqui, a famosa Primark e seus amazing prices. Comprei calças jeans por 5 libras, mais ou menos 15 reais. Sim, a roupa aqui é muito barata, mesmo fora da Primark.

Não sei bem por quê, mas tiramos poucas fotos. O Hyde Park é imenso, muito bonito, mas com poucas árvores. Os ingleses valorizam muito seus gramados e costumam tomar sol neles. Então, as árvores não são muito úteis, como diria o Fortunati. O Palácio de Buckingham é grandioso e feio, não merece fotos. O St. James`s Park é lindo com suas aves e esquilos. Vindo de Buckingham, passando por St. James`s e entrando a direita, a gente passa por Downing Street 10 e pelo Parlamento. O último é bonito demais para uma bomba, mas os outros talvez mereçam…

E é isso. Amanhã vamos à feira de Portobello Road e voltamos no domingo, não sem antes passar um meio-dia em Roma. Talvez só volte a escrever na segunda-feira à noite, tá bom?

Esse é o Albert Memorial do Hyde Park, bem na frente do Royal Albert Hall.
No início (ou no final) da Oxford Street há uma bela, enorme e curiosa cabeça de cavalo.
Ô, Fortunati, ciclovia é isso.
Essa ai é o monumento que fica na frente do Palácio de Buckingham. Não sei o nome e confesso minha falta de curiosidade.
Muitos corvos e esquilos no St. James`s Park. Aliás, o Charles Dickens tinha um pet em casa: um grande corvo.
Um cisne negro, cujos movimentos sinuosos de seu pescoço só podem ser espreitados na foto acima.
Ô Fortunati, aqui há painéis nas paradas de ônibus indicando quanto tempo falta para cada linha chegar. Um bom serviço, não? Ah, e quando a gente compra um passe anda em quantos ônibus quiser durante determinado tempo. Quantos quiser, viu?
Uma outra estátua na Piccadilly. Como a foto da Bárbara mostra, todo mundo tira foto ali.

Nove Noites, de Bernardo Carvalho

Este livro é certamente um dos melhores romances brasileiros deste século. Romance? Pois é. Eu concordo com Bernardo Carvalho ao qualificá-lo assim, até porque falar em biografia romanceada seria reduzir a obra. Fiquemos com romance então.

Nove Noites (2002) narra os acontecimentos que redundaram no suicídio — anunciado desde a primeira página — do antropólogo norte-americano Buell Quain, em agosto de 1939, entre os índios krahô. Carvalho desconhecia a existência de Quain até maio de 2001, quando leu uma referência ao cientista num artigo. O que segue é uma busca em todas as direções pela história e motivações do suicida. A busca leva Carvalho ao interior de Tocantins e a Nova Iorque. Todas as suposições, erros e hipóteses, algumas desvairadas, criadas pelo autor, resultam num…. romance, é claro.

O livro possui luz própria, mas para caracterizá-lo talvez fosse adequado dizer que é uma mistura de Joseph Conrad com Bruce Chatwin. E não pensem que Nove Noites seja inferior aos modelos que trago, ele é, sim, obra de primeira linha, para se ler com entusiasmo. É fascinante a forma como Bernardo de Carvalho se coloca no livro: sem nenhum heroísmo, com muitos medos e de uma forma até irritante. Acho que esta esquisita obra sem gênero definido, estranha reportagem que cabe perfeitamente sob o guarda-chuva do romance, vencedora do Prêmio de Literatura da Biblioteca Nacional e do Portugal Telecom, veio para ficar. Excelente e grudento livro, para ser bebido rapidamente em sôfregos goles.

Dia 14: London Tower, Museu Charles Dickens e Memorial to Heroic Self Sacrifice

Hoje foi um dia tão perfeito que já sei que vou sentir saudades desta viagem com minha filha, muitas saudades. Começamos o dia com o nosso tradicional English breakfast reduzido, sem algumas daquelas coisas de que não gostamos. Depois, fomos para a London Tower.

A Torre de Londres é o forte em torno qual a cidade nasceu. Está na margem norte do Tamisa, no centro da cidade. Sua construção foi iniciada em 1078 por Guilherme, o Conquistador. Ela era inicialmente uma fortificação nos limites da cidade romana rodeando a Torre Branca, primeiro edifício dos 7 hectares que completam a Torre de Londres. O estado de conservação de todos os conjuntos que fazem parte da Torre de Londres é miraculoso. Destaques? As armaduras de Henrique VIII, desde quando era magro até a obesidade; as joias da coroa; os corvos que moram lá literalmente há séculos; a Torre Branca e as caminhadas pela zona medieval. Uma aula de história com pitadas de discreto marketing.

O Museu Charles Dickens fará a alegria de Nikelen Witter quando ela vier para cá. O Museu é a casa de Dickens, com seus objetos, camas, cozinha, sala, etc. O escritor não é apenas o autor de histórias piegas, é um autor fundamental por ter introduzido as classes menos favorecidas em suas histórias, assim como denúncias sobre o trabalho infantil, a prisão por dívidas e o dia-a-dia da vida daquelas pessoas que muitas vezes não sabiam se comeriam nas próximas horas. Nunca subestimem Dickens, um homem cujas leituras públicas levaram muitos de seus contemporâneos a educarem melhor seus filhos. Os méritos pessoais e a influência de Charles Dickens ultrapassam seus romances, mesmo que tenha escrito no mínimo duas obras-primas: Pickwick Papers e Grandes Esperanças.

E, após Dickens, como não se sentir sentimental? Então, fomos aos mais original memorial que conheço, o Memorial to Heroic Self Sacrifice. Talvez você saiba do que estou falando se você viu o filme Closer. A explicação para a existência do memorial está abaixo:

Sim, são placas pintadas em azulejos que lembram pessoas que morreram tentando salvar outras. Uma ideia belíssima.

E a placa de Alice Ayres, morta aos 25 anos e que é “codinome” utilizado pela personagem de Natalie Portman é esta:

Então vamos às fotos de hoje?

Foto de dentro da Torre de Londres com detalhes da London Bridge. Não sei porque selecionei a merda desta foto…
Escolares ingleses fazendo uma pausa para se alimentar na London Tower.
Armadura para um já obeso Henrique VIII.
O homem fazia questão de mostrar-se avantajado não apenas na barriga.
Agora sim, uma foto mais decente da London Bridge.
Morto para salvar uma lunática…
O Memorial. Mais simples impossível.
Vista de dentro do Memorial.
E a vista lá da porta, quando de nossa despedida.
O prato onde Dickens se alimentava em sua sala de jantar.
A baleadíssima escrivaninha onde escrevia seus livros.
Sim, quando jovem ele fazia a barba. Depois, abandonou esta atividade inútil.
Uma das citações pelas paredes. Viste, Nikelen?
Baba, Nikelen.
A porta da casa de Dickens que hoje abriga o Museu.
Baba, Nikelen (2).
Numa curva da Strand.
Ao final da tarde, passeando ao longo do Tâmisa.
E a chegada ao Parlamento. Fim do dia.

Dia 13: The Wallace Collection e a National Gallery

Maravilha uma cidade onde todos os museus são de graça, né? Quando fomos conhecer a Wallace Collection esperávamos a cobrança de um ingresso; afinal, não estávamos num dos grandes museus da cidade, mas ali também era tudo free, como diria o Raul Seixas.

A Wallace Collection é um pequeno museu fundado a partir da coleção particular de Sir Richard Wallace, que foi legada ao estado por sua viúva em 1897. O museu foi aberto ao público em 1900 em Manchester Square. Na coleção, estão pinturas que vêm desde o século XVI. Há vários Rembrandt e obras de outros mestres holandeses, franceses, espanhóis e ingleses, como Frans Hals com seu O Cavaleiro Risonho, vários Watteau, Van Dyck, Velázquez e o auto-retrato do citado Rembrandt. Faz parte da exposição mobiliário e objetos de arte, tais como relógios e esculturas. O ambiente é tão bom dentro da Hertford House que eu aceitaria trabalhar lá como guarda.

Quando saímos de lá, estávamos apaixonados pela Coleção de Sir Richard e fomos até a London Library, sugestão de um de meus sete leitores. Deu tudo errado, as visitas eram são só às segundas-feiras às 18h e eu deveria ter aceitado o oferecimento de meu leitor como cicerone, porque minha visita solo foi um fracasso. Por que será que ele sugeriu uma segunda-feira? OK, idiotice minha não me informar melhor.

Então fomos para a National Gallery. Sim, concordo,aquilo lá é um patrimônio da humanidade, é algo quase imbatível em termos de arte do século XIX para trás. Na Europa, talvez só perca para o Louvre e o Prado em termos de quantidade e para o Musée d’Orsay em qualidade. Mas a rápida passagem da Wallace Collection para a National foi fatal para a segunda. Foi como se tivéssemos saído da Bamboletras para a Feira do Livro, isto é, de uma seleção de primeira linha para uma oferta indiscriminada e que ficou exagerada. Quando entramos lá, queríamos o filé e fomos passando meio reto pela pesada coleção de arte religiosa da National. Mas fazer o quê? Vínhamos de um local onde o feijão já fora escolhido e não estávamos mais a fim de trabalhar.

Claro que o que estou dizendo é uma brutal injustiça para com o acervo do National, com seus Van Gogh, Manet, Monet, Velásquez, Botticelli, Metsu, Seurat, Signac e até Da Vinci… Mas o momento psicológico não era para o excesso e a procura com a separação do joio. Sim, ficamos 3 dedicadas horas na National Gallery, mas nosso coração estava em Manchester Square.

Na Gallery é proibido tirar fotos, na Wallace, não. As fotos são péssimas, o principal é a memória da visita:

Esse aí é um Watteau.
Já este é um Metsu. Uma leitura inapropriada de uma carta…
Já este lindo é um Pourbus. O nome do quadro é “Uma alegoria do verdadeiro amor”.
Este incrível é de Zampieri.
Ah, Velazquez…
Canaletto existe fora das capas dos discos de Vivaldi!
Existe mesmo, há vários lá.
Sai pra lá, coisa do demônio! Do para mim desconhecido Papety.
Cena do Inferno de Dante, de Ary Scheffer.
Em vez de aceitar a proposta de um dos meus sete leitores… Cagada, né?
Um dos mais belos chafarizes da Trafalgar Square bem na frente da National Gallery.
E a moça que o desenhava sob 1° C. Se ela caísse na água eu buscava, viu? Pura solidariedade.

Dia 12: Greenwich, Abbey Road e Museu de Tecnologia

Depois do superdia de ontem, fomos às atrações de segundo nível. Rápidas passagens por Greenwich, pela esquina famosa de Abbey Road — capa do disco homônimo dos Beatles — e pelo Museu de Tecnologia.

Ir a Greenwich costuma ser um belo passeio quando há tempo bom. Só que previsão do tempo não nos favorece em nada e resolvemos dar uma passada pela cidade pelo que ela tem de peculiar: seu observatório e os pubs. Ganhamos de graça uma perseguição aos esquilos do belíssimo parque que circunda o observatório. Ao final, o saldo foi positivo.

A ida à Abbey Road é uma das bobagens obrigatórias de Londres. A gente vai lá ver se aquela capa existe mesmo e ainda. Como sempre, estava cheia de gente. Lembrem que ontem o primeiro LP do grupo, Please, please me completou 50 anos.

Sei lá , tinha uma lembrança melhor do Museu de Tecnologia. Acho que ele mudou para pior, loja e exposições. Foi uma decepção, mas deem um desconto por meu cansaço.

Na ida para Greenwich, a passagem pela London Bridge.
Bárbara com um pé no oeste e outro no leste.
Um esquilo que estava por lá.
Recebia comida de todos.
Onde estamos em relação à Greenwich. Na foto, a Bárbara está com um pé de cada lado do meridiano.
As paisagens lá de cima são muito bonitas.
A Bárbara sai em perseguição aos esquilos.
Mas, não consegue nada sem comida na mão, pois eles vão atrás de quem tem algo a oferecer.
O pub preferido na cidade. Fui lá duas vezes…
Foto para a Rachel Duarte (1).
Foto para a Rachel Duarte (2).
Foto para a Rachel Duarte (3).
A esquina famosa do Abbey Road Studios.
Uns caras tentando imitar a capa do disco. Isso ocorre a cada 5 minutos…
A faixa de segurança raramente vazia.
E uma das poucas coisas que achei legais no Museu de Tecnologia.

Dia 11: British Museum e pessoas queridas

Pois hoje foi mais um dia de chuva, mas não como a de ontem. A de hoje era daquele tipo que faz poucos ingleses pegarem no guarda-chuva; era a chuvinha normal, diária. Dedicamo-nos a três coisas: uma visita atenta ao British Museum, um encontro com o casal de amigos Sabrina e Alex, além de um passeio pelo centro.

O British é o British. É sensacional e coloquei um monte de fotos abaixo. Mas acho que o melhor do dia foi com a Sabrina Bottin e o Alex Moraes da Silva. Conversa agradabilíssima no centro da cidade enquanto nos entupíamos de sorvete sob zero grau. Reclamam que trabalham muito, mas parecem muito felizes. Grande encontro.

Bom, como estou com sono, vou direto para as fotos. Por pura preguiça minha, muitas vão sem legenda, tá?

Chuva mais fraca que a ontem. Tinha alguma neve da noite.
A entrada do British Museum hoje de manhã, ali pelas 10h30.
Adoro ver as crianças fazendo seus trabalhos de aula nos museus da cidade.
Esse sujeito morreu faz bem mais de mil anos. O sol do deserto desidratou-o rapidamente. Ele está completo, tem até cabelos.
Outro ângulo.
Cenas fortes.
Como essa cadeira usada por um chefão em Moçambique.
Ah, a música, não temos ido muito a shows e concertos.
Afrodite.
Um ataque só de filósofos com Sócrates na ponta direita.

O teto central do British.
Olhando para baixo do terceiro andar.

Duas enormes salas só de relógios para o Marcos Abreu.
Aqui em Londres, só se fala em pressões ligadas à proteção dos padres pedófilos. Chamam-no de o Rottweiler de Deus. A capa diz: “Papa quits”. O jornal é o Evening Standard, segundo o Felipe Prestes, muito melhor que os jornais do Brasil e que é distribuído à tarde gratuitamente no metrô, bem na hora qua a gente está louco por notícias.

Dia 10: chuva, frio de zero grau e ainda mais chuva em Londres

De modo nenhum reclamo do frio. Isso é para os fracos, como diz o Igor Natusch. Mas ir a Camden Town, que é uma feira ao ar livre, sob a maior chuvarada, é complicado. A sedução estava toda lá. Todos os sotaques, todas as gentes, todos os estilos, toda a gastronomia, todos os produtos, tudo estava lá. Mas havia a maldita chuva. Nossos casacos são impermeáveis, porém, a partir do meio da coxa, a água já pega, o sapato fica ensopado e a gente passa a achar a vida muito difícil e doída. Mesmo assim, demonstramos nossa bravura gaúcha ficando lá das 10 às 14h, almoçamos em pé num cantinho, vimos um monte de coisas e fugimos. Em minha pequena experiência na cidade, o tempo está nublado na maioria dos dias e cai uma garoa. Hoje não, hoje era chuva forte sem parar.

Nossa ideia era a de ir a um lugar quente, seco — como os Museus daqui costumam ser — e talvez mais vazio. Então, nos dirigimos para a Royal Academy of Arts, onde há uma exposição de Manet — a única exposição que admitiria pagar. Explico: os Museus de Londres são todos de graça. Só que o londrino não fica em casa, é um povo culto cujas exposições de arte são anunciadas no metrô e que vai de verdade a elas. A fila era enorme, tivemos que ficar meia hora da fila de entrada, mas, lá dentro, qualquer muxoxo teve que ser silenciado. O que nós vimos foi quase uma integral do mestre francês. Foi espetacular. Sempre fui um admirador do realismo de Manet e minha admiração só aumenta com os anos. A Bárbara também gostou muito. Achei legal também a educação inglesa na frente dos quadros. Havia muita gente para ver cada quadro e todos cuidavam para não cortar a visão dos estavam parados olhando e só se avançava quando a pessoa da frente se retirava. Ah, demora muito? Sim, porém é a melhor maneira de agir. Com respeito.

Se elogiei bastante os ingleses, tenho também coisas a reclamar. Pelo segundo domingo consecutivo, eles interrompem linhas e fazem a gente dar voltas e mais voltas para pegar os trens, algumas na rua. Não esqueçam que estava zero grau e chovia à cântaros — para usar uma expressão invulgar… Se fosse em Porto Alegre, todos reclamariam que, justo no dia livre da população, tudo para…

A previsão indica que a chuva só cessa terça-feira. Então, programamos para amanhã o British Museum e um encontro com amigos que moram aqui.

Foi um dia tão difícil que só tirei três fotinhos.

Um local de Camden Town: as pessoas comem sentados em Vespas. À frente delas há uma mesa. Vejam as umbrellas. Os ingleses só as usam quando precisa MESMO. Hoje precisava muito.
Sob chuva torrencial, a estátua da Praça de Piccadilly Circus: Piccadilly Circus é a famosa praça de Londres, onde se cruzam a Regent Street, a Shaftesbury Avenue, a Piccadilly (a rua que liga Piccadilly Circus a Hyde Park) e a Haymarket. É uma das zonas mais movimentadas da capital. Bonita praça.
E, agora à noite, um — na verdade dois — Fish and Chips libertadores, acompanhados de Guiness.