Bram Stoker vive!

Publicado em 9 de dezembro de 2012 no Sul21

Por Nikelen Witter
Especial para o Sul21

Não, ele não morreu. Acima, Christopher Lee como Drácula.

O título dramático pode parecer exagerado. Afinal, Bram Stoker jamais foi conhecido como um autor genial. Nem em sua época, nem passados 100 anos de sua morte. Sua criação, porém, assentou seu pé na imortalidade. Drácula, a obra-prima de Stoker, ganhou vida própria (com o perdão da ironia) e superou em muito seu criador. Se levarmos em conta, especialmente, a primeira metade do século XX, perceberemos, inclusive, que o autor praticamente sumiu das referências feitas a seu personagem mais famoso. Resgatado no título de uma adaptação de sua obra num filme dos anos 90, assinado pelo oscarizado Francis Ford Coppola, Stoker assumiu notoriedade como um dos principais autores no estilo do romance gótico vitoriano. Read More

Debbie, you see how boring it is

Quase dormindo, Claude Debussy com seu grande amor, Emma Bardac
Quase dormindo, Debbie diz a seu grande amor, Emma Bardac: “Acho que vou compor uma peça para piano” (clique para ampliar)

É claro que se trata de gosto pessoal. Por exemplo, jamais colocaria Debussy no mesmo ofurô de vulgaridade onde sufoca Rachmaninov. Reconheço os méritos do francês apesar de seus efeitos sobre mim, pois, se há trabalho e suor para criar aquelas coisas, elas têm igualmente o condão de me fazer viajar. Pode acontecer de eu pensar em  coisas que podem ser boas como os planos para escrever uma resenha leve, informativa e agradável sobre a Sagração da Primavera. Mas pode me ocorrer fazer uma prosaica revisão dos compromissos de amanhã. Debbie, you see, convida ao sonho, convida a divagações bem longe dele. O concerto da última terça-feira da Ospa, continha um bonito concerto de Mozart (Concerto para Flauta, Harpa e Orquestra,  K. 299), um Ravel (Le Tombeau de Couperin), porém dois dramins debussyanos: os Noturnos, para orquestra e coro feminino, e as Danças Sacra e Profana, para harpa e orquestra. Read More

Árvores abatidas: tudo foi planejado como num crime

Enquanto as cabeças da população estavam afundadas nos travesseiros...
Enquanto as cabeças da população estavam afundadas nos travesseiros… | Foto: Ramiro Furquim / Sul21

Há dois pontos que demonstram a péssima condução que a prefeitura deu para os cortes das árvores nas proximidades do Gasômetro. O primeiro foi ocorreu em 6 de fevereiro, quando aconteceram os primeiros cortes de árvores e foram ouvidos os primeiros protestos. Estes surpreenderam tanto o prefeito Fortunati que ele soltou uma das suas mais mal ensaiadas e infelizes declarações: “As pessoas não utilizam as árvores no Gasômetro”. Outro ponto pode ser escolhido dentre as fotografias das árvores abatidas em plena noite — pois, de forma absolutamente sorrateira, escondida da população, o horário escolhido para os cortes foi as 3 da madrugada — , mas coloco-o em outra declaração, a do procurador-geral do Município, João Batista Linck Figueira (PSDB), que disse: ”A decisão pelo corte foi conjunta. Partiu da prefeitura, mas quem encaminhou o momento mais adequado e as questões de segurança é a Brigada Militar”.

Sim, meu caro, a decisão foi conjunta entre a Prefeitura e a Brigada. Ou seja, foi totalmente desconjunta. Desde o início, houve uma total desconsideração pelos movimentos sociais. Há 40 dias existia um acampamento protegendo as árvores e o prefeito jamais tentou um diálogo decente com eles. Foi lá e saiu dizendo chorosamente que “eles têm uma posição radical”. Isto é política? Com efeito, uns vão dizer que o acampamento era habitado por ecochatos radicais. Outros dirão que a prefeitura tinha planos que nunca conjeturou alterar. Logicamente, cada um dos lados ganhou força em função da existência do outro, mas não podemos esquecer que quem tomou o primeiro passo foi a prefeitura. Read More

Decidiram! Vou para o inferno!

Tu és muito querido, mas não quero tua salvação, tá?
Tu é muito querido, mas eu vou pro inferno, tá?

Horas depois do papa anunciar aos céus que mesmo os ateus podem ir para o paraíso após suas mortes, o Vaticano divulgou um comunicado fazendo uma importante retificação: nada disso, crianças, ateus vão para o inferno. Eu aceito numa boa o veredito.

Em adendo, o Vaticano emitiu uma “nota explicativa sobre significado de salvação”, explicando melhor essa coisa falsa de Bergoglio prometer o céu àqueles que estão engajados em boas ações (meu caso), incluindo os ateus. O Rev. Rosica, porta-voz do Vaticano, deixou bem claro: todos aqueles que conhecem a Igreja Católica, mas recusam-se a entrar nela ou dela fazer parte não poderão ser salvos. Estou aliviado, garantido no inferno, em desgraça metafísica irreversível.

Todo esse papo não saiu de minha imaginação ou de textos da Idade Média, são atuais. Então, em resumo, nós, ateus, vamos para o inferno. Parece uma conversa infantil, mas há adultos discutindo essas coisas. Depois me chamam de fútil por gostar de futebol, que não salva ninguém, mas diverte.

O Resto é Ruído, de Alex Ross

o-resto-e-ruidoEu já tinha comprado este livro, mas ainda não o tinha lido. Surpreendi-me quando, em fevereiro, cheguei a Londres e descobri que o complexo de salas de concerto do Southbank Center estava apresentando uma série de espetáculos que teria a duração de um ano (é isso mesmo) e que era inteiramente baseada no livro de Ross. Ou seja, eles tinham lido O Resto é Ruído e já estavam escutando o século XX, como diz o complemento do título do autor norte-americano. Depois de comprar alguns ingressos com os quais pude assistir a um fantástico concerto com a Sagração da Primavera e outro sobre a obsessão de Ravel pela Espanha, não apenas me senti menos infeliz ao comparar Londres a Porto Alegre como decidi que leria imediatamente o livro. Quando voltei para casa, não precisei avançar muitas páginas para saber porque o ensaio, — que é recente, de 2007 — é objeto de tantos elogios, quase objeto de culto. Read More

Sim, orgulho: meus filhos na Marcha das Vadias

Também é uma festa, também é uma piada, mas as piadas e as brincadeiras podem envolver fatos muito sérios. Uma explicação para marcianos — pois notei, através de sites, que há muitos recém chegados daquela planeta: a Marcha das Vadias (em inglês SlutWalk) é um movimento que surgiu a partir de um protesto realizado no dia 3 de abril de 2011 em Toronto, no Canadá, quando um delegado culpou uma mulher por ter sofrido abuso… Afinal, ela estava vestida de forma provocante… Desde então esta Marcha se internacionalizou como um protesto contra a crença de que as mulheres que são vítimas de estupro porque “pedem” para ser estupradas com base em sua forma de vestir. Durante a marcha, algumas mulheres usam roupas cotidianas, mas a maioria vão seminuas com roupas transparentes, lingerie, saias, salto alto ou apenas sutiã. Em Porto Alegre, a Marcha teve também presença masculina. Em solidariedade a elas, eles vestiram saias ou outros itens do “provocante” vestuário feminino.

A Marcha das Vadias é um movimento indiscutível, cheio de razões de ser. Meus filhos Bárbara e Bernardo participaram da Marcha. Ele é fotógrafo, mas como aparece em duas, acho que a única de sua autoria é a da Bárbara, as outras devem ser da Natália Karam e da Bárbara Ribeiro, quando ausentes das fotos.

Bárbara já esta paramentada, o Bernardo ainda não tinha encontrado a Natália, da qual receberia a saia para participar.
Bárbara já esta paramentada, para o Bernardo só faltava desamarrar a saia que recebera da Natália.

Mais fotos:

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Filme francês venceu a Palma de Ouro 2013

Diretor Abdellatif Kechiche, no centro, com as atrizes Lea Seydoux, à direita, e Adele Exarchopoulos, à esquerda.
Diretor Abdellatif Kechiche, no centro, com as atrizes Lea Seydoux, à direita, e Adele Exarchopoulos, à esquerda.

La Vie d`Adèle – Chapitre 1 et 2, de Abdellatif Kechiche, venceu esta tarde a 66.ª edição do Festival de Cannes.O vencedor foi anunciado por Steven Spielberg, um dos membros do júri. Ao entregar a Palma de Ouro a Kechiche, Spielberg frisou a excelência das interpretações das atrizes Adele Exarchopoulos e Lea Seydoux e incluiu-as como vencedoras do prêmio, uma vez que, segundo as regras do Festival de Cannes, um filme não pode acumular vitórias. Read More

Drogas: maior rigor e atraso

Foto: Divulgação
Foto: Divulgação

O estúpido projeto do deputado Osmar Terra, o qual vai na contramão da tendência mundial, aumentando as penas e prevendo a possibilidade de internações involuntárias, foi em parte aprovado ontem pela Câmara dos deputados e agora vai para o Senado. Enquanto a maioria dos países ocidentais começam a pensar em regularizar as drogas, admitindo que a guerra travada por anos foi perdida, nosso país — dominado por uma classe média religiosa e ignorante — dá um passo atrás. A nova lei é puramente punitiva, não ataca o funcionamento do sistema das drogas, nem evita a entrada de ninguém na criminalidade. Apenas aumenta penas e prevê a internação compulsória para os casos mais graves.  Read More

Ospa em Noite Transfigurada e jovem, demasiadamente jovem

Ospa em Noite Transfigurada e jovem, demasiadamente jovem
Cláudio Cruz no concerto de ontem | Foto: Antonieta Pinheiro
Cláudio Cruz no concerto de ontem | Foto: Antonieta Pinheiro (clique para ampliar)

O curioso e novidadeiro (sim, isto é muito positivo) programa de ontem da Ospa iniciou com a Sinfonia Simples, Op. 4, para orquestra de cordas, de Benjamin Britten (1913-1976). Britten escreveu-a aos 20 anos de idade, utilizando temas que compusera para o piano entre os dez e treze anos. A primeira apresentação foi em 1934, com o compositor regendo uma orquestra amadora. A Simples, em quatro movimentos, não faz jus à Britten, um sofisticado compositor do ponto de vista musical e literário. Digo literário porque a parte principal de sua produção é de música vocal baseada em estupendas obras, muitas das quais foram adaptadas por Britten e colaboradores para seu companheiro Peter Pears cantar. Britten era alguém tão cool e respeitado que nunca escondeu sua sexualidade, mantendo abertamente sua relação com Pears por mais da metade da vida. Read More

Os impostos da cachaça

Foto: Lili Callegari
Ah, Parati | Foto: Lili Callegari

Leio surpreso que a cachaça é o produto campeão de impostos. No preço de cada garrafa comprada, 82% são impostos. Em segundo lugar vem o cigarro com 80% e em terceiro os perfumes importados, com 78%. O uísque paga 61% e o espumante 59%. A cerveja 55 e o vinho, 53.

Os impostos da cachaça artesanal são maiores do que os da industrial. É que os pequenos produtores foram retirados do Simples — regime tributário com alíquota menor voltado justamente para os micro e pequenos empresários. A cachaça é considerada  supérflua — e é mesmo –, fato que faz com que sua alíquota do ICMS seja mais alta. Mas o uísque também é supérfluo, não? E por que os alambiques pagam mais? Read More

Holy Motors, de Leos Carax + Elena, de Petra Costa

Minha mulher tem a mania de propor sessões duplas. A gente sai de casa no final da tarde e vê dois filmes. Só que ela está viajando e, ontem, quando fui sair, descobri que já era posição minha achar decepcionante sair de casa para apenas um filme. Então, fiz um pequeno planejamento para assistir os dois filmes do título acima, um às 19h e outro às 22h, com um rápido jantar entre eles. E sim, existe felicidade cinematográfica. Dificilmente assisti de enfiada dois filmes tão diferentes e tão bons.

Holy-Motors

Conhecia Leos Carax (1960) de dois trabalhos extraordinários — Sangue Ruim (1986) e Os Amantes de Pont-Neuf (1991). Ele filma muito pouco e não creio que seus outros dois longas tenham chegado ao Brasil. Ontem, vi Holy Motors (2012) em sua atrasadíssima pré-estreia em Porto Alegre lá no Instituto NT. Além de diretor, Carax é ator, crítico e escritor. E é ele quem abre Holy Motors fazendo uma única e breve aparição. Numa cena belíssima — como quase todas as do filme — , ele acorda ao lado de uma sala de cinema onde os espectadores dormem… Certamente não estão ali para isso, mas dormem. Esta é uma das chaves para a (in)compreensão do que virá. Read More

Porque hoje é sábado, Sofía Jaramillo ou uma colombiana para os gremistas colorados

Sofía Jaramillo é uma colombiana que adora futebol.

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E torce para um time de camisas vermelhas e calções brancos.

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Que são um pouco maiores que os análogos usados nas fotos acima. Read More

As imagens e a fúria de Iberê Camargo

Publicado em 18 de novembro de 2012 no Sul21

O homem sem fé não cria. Fé em quê? No que faz.
Iberê Camargo

Iberê Camargo, nascido em 18 de novembro de 1914, foi um artista sofisticado, dono de uma arte impactante, impaciente, torturada e visceral. A fase mais importante deste gaúcho de Restinga Seca não pode ser menos decorativa e indulgente. Por isso, não deixa de surpreender que, em nossa época, sistematicamente acusada de superficial e de privilegiar o entretenimento — o que também é verdade — , a arte de Iberê tenha alcançado tamanha relevância que chegue ao ponto de sua importância poder ser vista no caminho da Zona Sul de Porto Alegre desta forma:

Fundação Iberê Camargo na Av. Padre Cacique, 2000 em Porto Alegre | Foto: Bernardo Ribeiro

O ensaio de Paulo Venancio Filho, Iberê Camargo, desassossego do mundo, não deixa dúvidas sobre o caráter de Iberê: “Dostoievsquiano, revoltado, angustiado, trágico, sinistro, violento, atormentado pela consciência” foram algumas das expressões utilizadas. Ao menos quando trabalhava ou falava sobre arte, pois o pintor, fora do ambiente artístico, foi sempre descrito como um homem educado e afável. Read More

Dois jogos: o Corinthians finalmente roubado e o Inter com seus impasses

Rotina: Riquelme acertou mais um daqueles chutes malucos que os gremistas conhecem.
Rotina: Riquelme acertou mais um daqueles chutes malucos que os gremistas conhecem.

No dia em que Marina Silva cometeu mais um suicídio político — será ressuscitada novamente, esperem e verão — , o Inter fez um confronto equilibrado com o Santa Cruz e o Corinthians foi finalmente roubado. OK, não foi roubado; na verdade, o juiz errou de forma cabal e contrária aos interesses do todo-poderoso time paulista, algo inédito em terras brasileiras, com juízes brasileiros. E nem Tite reclamou. Beneficiário contumaz da péssima e clientelista arbitragem nacional, o Corinthians tem mais é que ficar quieto e acender velas para a nossa Comissão de Arbitragem. Aliás, nem precisaria disso, tem um timaço e merecia eliminar o Boca, só que o Boca com Bianchi tem outro aplomb, outra autoconfiança. E Amarilla em jornada inusual. Os dois Carlos resolveram o jogo e…

O meio-de-campo Eriviti disse que Bianchi insistiu a semana inteira para que o número 8 do Corinthians fosse bem marcado. Mesmo assim, Paulinho voltou a ser impressionante. É o melhor jogador em atividade no Brasil. Usa como ninguém as facilidades oferecidas por nossos armadores que não sabem marcar. Paulinho os engole lá atrás e os patrola quando vai ao ataque. Sim, quando digo que Paulinho é o melhor em atividade do Brasil, não esqueço de Neymar, nem de…

D`Alessandro, que novamente salvou o Inter.  O amor que tenho aos clubes menores quase me tornou torcedor do Santa Cruz, mas quando começou o segundo tempo e nós estávamos com um jogador a menos, voltei a meu coloradismo delirante e quase incondicional. Vou dizer uma coisa para vocês: o Inter tem laterais, tem um time de sete zagueiros bastante bons  — o louco Moledo, mais Juan, Índio, Jackson, Alan, Romário e Ronaldo Alves, para que tantos? — bons volantes e um grupo absolutamente insuficiente de armadores e atacantes. Do meio pra frente, temos D`Alessandro, Damião e um ex-craque que vive de LAMPEJOS, Forlán. Fred não confirma seu início de carreira e deveria ser repassado a outro clube junto com o loiro uruguaio enquanto têm valor de mercado. Caio é alguém a ser testado, assim como Rafael Moura. Ou seja, apesar de toda a boa comissão técnica do Inter, nosso time só pode fazer gols à fórceps e em times fracos

A chamada D`Ale dependência significa apenas que ele ´é nosso único armador e que nossos atacantes não têm rendido. Sim, desse jeito não vamos longe. E tenho dito.

Ospa e Indiana Jones em noite cheia de aventuras

Karl Martin: Indiana Jones e a Última Cruzada
Karl Martin: Indiana Jones e a Última Cruzada

O concerto de ontem à noite no Theatro São Pedro trouxe um repertório de primeira linha e emoções inéditas. Primeiro, uma voz do além avisou-nos que haveria um atraso de 10 minutos para o início do concerto. Tudo ficou mais claro quando finalmente o maestro suíço Karl Martin adentrou o palco. Ele é muito parecido com o Indiana Jones dos últimos filmes e, como a maioria das aventuras do herói ocorre aproximadamente na década de 1930, nada melhor do que começar o concerto com a Sinfonia Op. 21 (1928) de Webern. Só que… Bem, o motivo do atraso foi que um músico esquecera suas partituras em casa, no bairro Guarujá, e teve buscá-las com a presteza do personagem de Spielberg. Certamente, o esquecimento foi inoculado em seu cérebro por algum cientista nazista daqueles que costumam perseguir Indiana no desejo de se apossar de relíquias como o Santo Graal e partituras de compositores vienenses. Ainda mais que Webern foi, na década de 40, o mais descabelado hitlerista dentre os compositores austro-germânicos (favor ler O resto é ruído, de Alex Ross) e deve ser muito querido entre os inimigos de Indiana. Ah, e depois ainda teríamos o judeu Mahler!

Bem, enquanto o músico atormentado permanecia em sua corrida pelas ruas, o concerto começou. É que as primeiras obras não tinham a participação dele. E, como dissemos, o concerto foi aberto  justamente com a Sinfonia de Webern. Webern sempre se caracterizou por se expressar de forma descontínua. Como Céline e suas milhares de reticências. Sua música é paradoxalmente densa como um haicai e rarefeita como a cabeleira de seu mestre Arnold Schoenberg. Suas composições têm movimentos muito curtos. Em 1927, decidiu expandir-se um pouco, então escreveu um Trio de Cordas que dura nove minutos. Logo depois veio esta Sinfonia que não é muito maior — 10 minutinhos — e que exibe uma beleza abstrata e estranha em seus dois movimentinhos. Anton Webern era um dos compositores da chamada Segunda Escola de Viena juntamente com Schoenberg e Alban Berg. A primeira teria sido formada por Haydn, Mozart e Beethoven, que não sabiam nada a respeito disso e que não pensavam como Schoenberg. No ano de 1928, ele escreveu: “A arte desde o princípio e por natureza não se destina ao povo. Mas querem forçá-la a isso. Espera-se que todos possam dar sua opinião. Pois a nova glória consiste no direito de falar: liberdade de expressão! Ó Deus!”.

(E o coro grego responde em intermezzo não programado:

— Ei, Schoenberg, vai tomá no cu! Olê, Inter, olê, Inter!)

Não obstante a tal obscura escola, eu curti o Webern.

E o nosso músico perdido? Nada de voltar. Então, ainda em Viena, voltamos no tempo para encontrar Mahler. Os lieder de Mahler, Strauss e Schubert são coisas a respeitar. No gênero, há dezenas de coleções e avulsos sublimes. As quatro Canções de um Viandante, com texto de autores da Idade Média compiladas no livro Das Kanben Wunderhorn, são lindíssimas. A segunda foi depois amplamente reutilizada por Mahler na Sinfonia Nº 1. (Aliás, quando iniciou este segundo lied, nosso músico adentrou o palco com enorme tranquilidade. Tal como Indiana Jones, ele não sua muito em suas correrias. parecia saído do banho.)

Mas voltemos ao Mahler. O barítono uruguaio Alfonso Mujica é magérrimo e garanto que todos pensaram numa voz fraca e inadequada para as canções, mas ele tirou de letra, dando a elas compreensiva interpretação, proporcionando-nos um dos mais belos momentos da temporada. Que seguiu com Haydn.

As últimas doze sinfonias de Haydn são as chamadas Sinfonias de Londres ou Sinfonias Salomon, nome do empresário esperto que as contratou. A Sinfonia Nº 92 é a última não londrina e tem o apelido de Oxford porque o compositor a conduziu na cerimônia onde recebeu o titulo de doutor Honoris Causa naquela Universidade. O pessoal de Oxford só pode ter adorado, não há como não sorrir àquela Sinfonia! Dentro da uma estrutura clássica de quatro movimentos (Grave-Alegro, Adagio,  Minueto e Presto), é uma música feliz, cheia de invenções e surpresas, daquelas que fazem as pessoas irem para a rua felizes. Foi o que aconteceu.

Belo concerto! All’s well that ends well (Tudo está bem quando termina bem), já dizia Shakespeare.

Os 50 maiores livros (uma antologia pessoal): XIX – Auto-de-fé, de Elias Canetti

canetti auto-de-féElias Canetti foi um judeu búlgaro de nome italiano e origem espanhola que viveu na Inglaterra e escrevia em alemão. Recebeu o Nobel em 1981, tendo iniciado sua carreira literária com seu único romance, este Auto-de-fé (atualmente na Cosac Naify, 631 paginas). Depois, produziu ensaios e algumas peças teatrais.

Aqui, a tradução é de Herbert Caro, o que tem claro significado. Meu velho amigo não costumava entrar em fria. Um dia, em nossas reuniões na King`s Discos com a finalidade de falar de música, o Dr. Herbert Caro disse que a Nova Fronteira estava publicando mais um calhamaço traduzido por ele. Disse que não ficava nada a dever a Doutor Fausto, nem a A Montanha Mágica e nem às outras traduções que ele já fizera. Parece que, naquela altura da vida, ele só traduzia o que queria, e sempre eram grandes obras. Assim que foi lançado, comprei (ou roubei, pois na época era um meliante literário) o livro.

Peter Klein é um eminente filólogo que só existe em função de sua biblioteca. Ele é um misantropo que vê o mundo através de seus milhares de livros, mantendo-se afastado da vida. Um dia, por impulso, este ser enormemente individualista resolve casar com a governanta — afinal, ela era tão competente, arrumava tudo tão direitinho… — , convencido de que esta lhe auxiliaria a manter-se afastado do mundo exterior. Casam-se. Porém, rapidamente o casal se incompatibiliza e Klein é posto no olho da rua. Forçado à vida, o professor parte para conhecê-la, entrando numa espiral auto-destrutiva.

Canetti_EliasLendo assim, parece simples; lendo o livro cruzamos com uma montanha de personagens estranhos. O livro é de 1935, segundo ano do nacional-socialismo de Hitler, e seu entendimento do livro deve ser buscado não apenas naquela Europa, mas também lá longe, na China de dois mil anos atrás. Não esqueçam que Peter Klein é um sinólogo e, há dois milênios, o império chinês foi dominado por um certo Qin Shi Huang. Huang foi quem pacificou os vários reinos em guerra que vieram a formar a China. Também divulgou o confucionismo e construiu um belo exército de terracota para proteger seu túmulo. Qin Shi Huang tinha algo de Hitler no sangue e determinou que todos os livros que discordassem de sua linha filosófica deviam ser queimados. Para o servidor que demonstrasse negligência ou piedade ao punir os portadores de livros proibidos, estava prevista a pena de morte. Depois, Huang achou que as fogueiras de livros não bastavam e decidiu enterrar vivos os aproximadamente 500 intelectuais e alquimistas do reino, só para deixar claro seu apreço pela opinião alheia e pelo debate franco e aberto de ideias.

Huang e Hitler, Hitler e Huang. Como escreveu Felipe de Amorim em seu extenso e pessoalíssimo comentário sobre Auto-de-fé, o tema de Canetti é o embate entre o totalitarismo e a liberdade intelectual, descrita numa linguagem colorida e com farpas para todos os lados. Os personagens deste estranho livro interagem, mas não dialogam efetivamente, pois cada um deles está fechado em seu próprio mundo e em suas metas individualistas. Falam e não se ouvem uns aos outros. Eles não conseguem, em momento algum, estabelecer uma compreensão concreta do outro, nem do mundo.

Canetti era um apaixonado pelo tema da formação de grupos populares e da comunicação entre seres humanos. Sua maior obra de ensaios, Massa e Poder, deseja compreender como pessoas pretensamente racionais podiam subitamente se transformar em uma coletividade enfurecida cheia de paranoia, medo e voracidade. Quem manda e quem obedece, quem deve ser exterminado e quem deve sobreviver? Enfim, como se obtém e se perde o poder. “A massa traz sempre vivo em si um pressentimento de desintegração que ameaça e da qual busca escapar através do rápido crescimento”, diz em Massa e Poder. E tudo o que está claramente presente neste ensaio de 1960, aparece de forma alegórica em Auto-de-fé.

Em Auto-de-fé, o ingresso do homem no grupo, na massa, não o torna mais tolerante. Na massa, ele ganha permissão para radicalizar suas opiniões e atos. É este o processo que move as ações dos personagens do romance em sua jornada aniquiladora.

Chico Buarque fala sobre o racismo, sobre seu neto e a hipocrisia

chico buarqueChico Buarque comenta o racismo claro ou dissimulado de boa parte dos brasileiros. Ri daqueles que insistem em ignorar os séculos de miscigenação em nosso país. Em seu depoimento, Chico fala de sua revolta ao descobrir que sua filha, casada com o músico Carlinhos Brown, foi forçada a se mudar em razão das agressões que seu filho, neto de Chico, sofria dos moradores. Às vezes, quando ouço pessoas falando de sua genealogia — que sempre evitam suas linhagens não brancas, respondo que tenho pedigree. É que só se encontra portugueses em meu passado. Só que minha árvore genealógica é muito incompleta, muito curta, é dessas que logo se perdem, mesmo que eu tenha cidadania portuguesa adquirida em razão de ter avós portugueses por parte de pai. Aliás, os portugueses nunca se miscigenaram… Daqueles 128 citados por Chico — 4 avós, 8 bisavós, 16…, etc. — deve haver um monte de não brancos. Imagina se não há negros e índios dentre eles? Minha mãe era chamada de índia por seus pais… E os 128 estiveram por aí não faz muito tempo.

Com a palavra, Chico Buarque. Vale a pena ouvir.

E o Benfica novamente caiu de joelhos diante do Porto

Quando Kelvin fez o segundo gol do FC Porto, novamente pensei que o Benfica é igual ao Internacional dos anos 80 e 90. Aquele colorado até formava bons times, ganhava jogos, mas levantar taças (ou ganhar jogos decisivos) é algo muito diferente. Para ganhar campeonatos é necessário um gênero de vontade e ousadia diferentes, exatamente o que o Benfica não tem e que o Internacional aprendeu a ter apanhando muito. Meus dois times estão em situações antitéticas. Em Porto Alegre, o Inter ganha um ou mais campeonatos por ano; em Lisboa, quase nada. O Benfica não sabe que, quando estamos ganhando um jogo decisivo, há que melar os minutos finais com quedas, faltas a cada minuto, reclamações dramáticas ao árbitro, etc. Partidas muitas vezes são ganhas por anjos, campeonatos são coisas decididas por atores dispostos a tudo. Não entendo como o Porto fez seu segundo gol nos descontos sem maiores dificuldades, numa jogada de um ex-jogador de futebol conhecido nosso: Liédson, que recém entrara em campo.

Há duas rodadas, o Benfica estava 4 pontos na frente do Porto e invicto. Na semana passada, já avisou que estava louco para entregar a rapadura — empatou com o Estoril e ficou a 2 pontos de seu principal adversário. E hoje perdeu por 2 x 1, deixando o Porto passar a sua frente com apenas uma rodada para ser jogada.

Jogando na casa do Porto, o Estádio do Dragão (ui!), o Benfica saiu ganhando. Logo o Porto empatou, mas depois nunca massacrou, nunca pressionou fortemente o time lisboeta. Tudo parecia sob controle: o Benfica estava em pé, demonstrava compostura e esquema tático. Porém, se o Porto não massacrava em campo, o Benfica provavelmente massacrava-se internamente. E, lentamente, a equipe foi se desmanchando, se desmanchando e então o técnico Jorge Jesus cometeu o maior dos absurdos: lançou mão da  estratégia que a torcida colorada costuma denominar de chama-derrota. Em vez de tratar de manter a posse de bola e o adversário sob contra-ataques, retirou um jogador de frente para colocar um zagueiro. A entrada de Roderick Miranda no lugar de Gaitán indicou claramente ao Porto que “não vamos atacar mais, vamos ficar todos lá atrás e o papel de vocês é o de tentar fazer o gol que lhes falta; o nosso, de impedir”. Ora, uma das coisas mais simples e esquecidas do futebol é a necessidade de fazer com que o adversário fique longe de nosso gol. Ou temos uma super-defesa à italiana, ou o melhor a fazer é sair com a bola para longe, trocando passes.

Quando Liédson passou a Kelvin e este chutou cruzado, a TV mostrou a mais dramática, bela e importante imagem do jogo. O técnico Jorge Jesus desabou de joelhos, fazendo cara de enorme dor. Não encontrei nenhuma foto da cena de Jesus ajoelhado à beira do gramado de cabeça baixa e com cara de dor, mas digo que a profunda dor moral foi causada por ele mesmo. Ao final do jogo, JJ declarou: “Esta derrota penaliza fortemente e vai deixar marcas”. É mesmo?

Dizia Drummond — e eu concordo — que amar se aprende amando. Pois eu digo que vencer se aprende vencendo. E está difícil para o Benfica aprender.

À esquerda está Roderik Miranda; à direita, um Jorge Jesus abismado. Adeus, Benfica.
À esquerda está Roderick Miranda; à direita, um Jorge Jesus abismado. Provavelmente, o Benfica deu adeus ao Campeonato de 2012/2013.