A economia política da música clássica

A economia política da música clássica

A história da música clássica é inseparável da ascensão do capitalismo. O novo sistema possibilitou uma revolução musical, mas o seu desenvolvimento marcado por crises criou uma barreira entre os músicos e o seu público, deixando para trás uma tradição congelada. Por Simon Behrman.

No último século, a música clássica tem-se distanciado cada vez mais do público de massas ou das formas musicais populares, a ponto de se tornar o culto elitista das pessoas que vivem isoladas em uma torre de marfim. Isto não é culpa dos músicos: a sua arte é inseparável de tendências sociais e políticas mais amplas. O capitalismo, que primeiro criou um espaço onde a música podia florescer, rapidamente o destruiu e nos deixou com uma tradição morta e formalizada.

O que é a música clássica?

Quando queremos discutir o futuro da música clássica, um dos problemas que surgem é identificar o significado do termo clássica: o que a distingue do jazz, rock, hip-hop ou qualquer outro género?

Não é que se trate de música unicamente séria. Uma boa parte da “música clássica” é cómica e até mesmo disparatada. É o caso de Uma Piada Musical (1787), de Wolfgang Amadeus Mozart, e das Aventuras de György Ligeti (1962 – 1963), de György Ligeti. Na mesma medida, há muitas composições extremamente sérias que pertencem a outros géneros. Estou a pensar em muitas canções dos Beatles, que não ficam atrás do trabalho de Franz Schubert na sua intensidade e complexidade emocional e estilística.

Não há uma forma ou estilo único que se possa associar à música clássica mesmo num único período, e muito menos ao longo de vários séculos. Quando se ouve duas obras para piano, mesmo que sejam composições separadas por poucos anos – por exemplo, Klavierstücke I-XI de Karlheinz Stockhausen (1952 – 1956) e Preludes and Fugues de Dmitri Shostakovich (1950 – 1951) – é difícil discernir o que têm em comum estilisticamente. E, ainda assim, partilham a letra “S” na maior parte das lojas de música clássica.

Em vez de falar de “música clássica”, talvez fosse melhor falar de uma tradição musical europeia. Mais precisamente, embora de forma menos elegante, deve-se dizer que é uma tradição burguesa europeia/ocidental. Uma vez definido o conceito nestes termos, é muito mais fácil perceber o que todos os compositores que mencionei têm em comum.

Também é mais fácil entender a ascensão e declínio deste género musical. Em todo o caso, como “música clássica” ainda é uma expressão bem conhecida, vou usá-la de forma intercambiável com a expressão “música europeia”.

O nascimento da música europeia

A ascensão das classes médias e a expansão do tempo de lazer que têm disponível – além, é claro, do das classes altas – condicionou o surgimento da música clássica. Durante boa parte do período medieval, a música era reservada para cerimónias religiosas, festivais ou a visita ocasional de trovadores.

O nascimento da ópera na Veneza do século XVII foi principalmente um empreendimento comercial numa cidade de comércio rico. Embora fosse contratado por igrejas, Johann Sebastian Bach tinha o estatuto de artesão e aceitava frequentemente comissões privadas para compor obras. No final do século XVIII e ao longo do século XIX, muitos teatros e salas de concertos foram construídos, e muitas orquestras se estabeleceram com o apoio de vários empreendimentos comerciais.

Por exemplo, a primeira grande sala de concertos em Londres foi a Hanover Square Rooms, construída pelo empresário italiano Sir John Gallini, e dirigida em conjunto pelos compositores Johann Christian Bach (filho de Johann Sebastian) e Carl Friedrich Abel. De facto, muitas das orquestras que ainda existem, como a Gewandhaus de Leipzig, a Filarmónica de Berlim, a Filarmónica de Viena, a Filarmónica de Nova Iorque e a Sinfónica de Boston, devem a sua fundação à iniciativa de músicos com apoio de capital privado e sustentavam-se através da venda de bilhetes.

Por volta da mesma altura, surgiu o fenómeno do artista celebridade. O violinista Niccolò Pganini, o pianista Franz Liszt e a cantora Jenny Lind alcançaram fama e fortuna fazendo digressões pelo mundo inteiro e dando concertos que foram promovidos por um grande número de campanhas publicitárias.

A forma e o estilo musical também corresponderam às transformações sociais provocadas pelo nascimento do capitalismo. Podemos ouvir o estilo musical “Sturm und Drang”, associado ao período das Revoluções Francesa e Americana, manifestar-se na tensão dramática crescente da música dos filhos de Bach e Joseph Haydn. Foi Ludwig van Beethoven, cuja vida adulta foi marcada pelo turbilhão da Revolução Francesa e suas consequências, que levou o estilo à expressão mais completa.

Quando a revolução deu lugar à reação, os compositores abandonaram o estilo épico e adotaram um estilo muito mais introspetivo e pessoal, chamado de “romantismo” e audível nas obras de Robert Schumann e Frédéric Chopin. As revoluções de 1848 inspiraram os grandiosos dramas musicais de Richard Wagner. Com Tristão e Isolda, ele abriu a porta para o cromatismo e harmonias instáveis que culminariam no atonalismo do século XX.

Além de ser uma obra musicalmente revolucionária, O Anel do Nibelungo de Wagner conta uma história de transformação social, traição e ganância, muito influenciada pelas suas experiências de 1848 como participante ativo na revolução de Dresden e pelo exílio que a que derrota amarga o forçou. Da mesma forma, Giuseppe Verdi expressou a turbulência em torno do Risorgimento italiano.

Toda a música romântica tardia de Richard Strauss, Anton Bruckner e Giacomo Puccini foi montada numa escala enorme, simbolizando a suprema confiança numa Europa globalmente dominante, passando por um rápido processo de industrialização. Os concertos começaram a assumir proporções grandiosas: na estreia da Sinfonia n.º 8 de Gustav Mahler, quase mil músicos tocaram, e havia mais de três mil pessoas na plateia.

Colapso

Social e musicalmente, algo tinha de ceder. O rápido desenvolvimento das potências europeias e a sua competição imperialista levaram às duas guerras mundiais e às crises e revoluções que as separaram. As estruturas musicais cada vez mais longas e complexas também começaram a desmoronar devido às suas contradições internas.

À medida que os centros tonais se tornaram cada vez mais esticados e menos facilmente reconhecíveis, a unidade começou a desintegrar-se. Formas clássicas, como a estrutura tripartida da sonata allegro, que tinha sido a âncora da música por mais de 150 anos, estavam estafadas e muitas vezes mal discerníveis nas composições, se é que os compositores sequer as utilizavam.

Pode-se tentar ignorar isto e concentrar-se ao invés num ritmo de harmonias grandiosas e exuberantes que ainda remedeiam. É a abordagem que caracteriza a música de Edward Elgar e Erich Korngold. Mas embora em muitos casos estas obras fossem bastante boas, não levavam a nada em termos do desenvolvimento da tradição musical ou de resposta a novos sons e mudanças sociais. De facto, a música desses compositores é definida por um anseio das certezas da Europa pré-guerra.

No entanto, houve outros que aceitaram os desafios da época. Já em alguns dos últimos trabalhos de Mahler é possível ouvir a antecipação de um mundo pós-tonal e pós-clássico. Por exemplo, o primeiro movimento da sua última sinfonia, a Nona, tem muito mais elementos em comum com o modernismo do século XX do que com o romantismo do século XIX. A geração mais jovem inspirada por Mahler conduziu a música europeia numa direção que a moldaria para os próximos cem anos.

Em Pierrot lunar (1912), Arnold Schönberg abandonou completamente o tonalismo. Neste trabalho ele também desenvolveu o “Sprechstimme”, uma forma de cantar muito mais próxima do discurso natural e, consequentemente, exibindo um estilo mais simples do que o canto tradicional. Este trabalho, que influenciou toda a música europeia posterior, expressa um certo deslocamento, um estado de grande ansiedade e um sentimento de desorientação, refletindo assim perfeitamente as crises sociais do seu tempo.

A música na era das catástrofes

A ascensão do fascismo e do estalinismo representaram mais golpes na música europeia. Estes regimes suprimiram o novo estilo atonal cujo pioneiro tinha sido Schönberg, e promoveram em seu lugar um retorno kitsch ao grande romantismo. Na minha opinião, foi durante este período que a música europeia enquanto tradição viva foi morta. Não foi uma morte súbita mas um veneno que foi injetado na relação desta música com a sociedade e que foi amplamente responsável pela sua marginalização atual.

Enquanto permaneceu ancorada na sociedade burguesa europeia, foi continuamente renovada e desenvolvida através da sua relação com formas mais mundanas: primeiro a música e danças folclóricas, depois os espirituais afro-americanos, o jazz, a sonoridade da música japonesa, as músicas pop de Tin Pan Alley e a percussão africana e muito mais. Talvez não tenha havido uma década mais excitante na música do que a dos anos 1920, quando todas estas influências podiam ser ouvidas nas obras de compositores como Igor Stravinsky, Béla Bartók, George Gershwin e Maurice Ravel, entre outros.

Mas o nazismo proibiu a “música degenerada” e as trombetas do “realismo socialista” na URSS de Estaline abafaram estes desenvolvimentos, dispersando muitos dos seus protagonistas dos anos 1920 num exílio real ou forçando-os a um exílio simbólico no qual tinham que reprimir os seus instintos artísticos. Tomemos o exemplo do compositor alemão Paul Hindemith, que compôs algumas das obras mais idiossincráticas e extraordinárias dos anos 20, nas quais se pode ouvir a influência do jazz, um certo atonalismo e até mesmo música eletrónica. Embora ele tentasse resistir ao nazismo com obras como sua ópera a Mathis der Maler (1934), as suas composições foram rapidamente censuradas. Foi ao exílio nos Estados Unidos, onde a sua música perdeu o seu dinamismo e retirou-se para um formalismo académico aborrecido.

Quando chega 1945, muitos dos compositores mais importantes do período anterior estavam mortos (Bartók, Gershwin, Alban Berg, Anton Webern), enfrentavam o exílio solitário (Stravinsky, Schönberg) ou a trabalhar sob condições repressivas (Shostakovich, Sergei Prokofiev). Uma geração mais jovem de pessoas com os seus vinte e poucos anos estava a emergir cujas vidas tinham sido duramente marcadas pelo fascismo e pela guerra. Os nazis tinham assassinado a mãe de Stockhausen como parte do seu programa de eutanásia, enquanto o seu pai, um nazi entusiástico, tinha morrido a lutar na Frente Leste. O pai de Hans Werner Henze era também um nazi que morreu em combate, e o próprio Henze tinha sido recrutado para o exército alemão e terminado a guerra num campo de prisioneiros de guerra.

Aqueles que vinham de outros países também passaram por momentos difíceis durante esses anos terríveis. Luciano Berio teve que servir no exército italiano: uma ferida de guerra na sua mão pôs um fim nas suas esperanças de ter uma carreira de pianista. Ligeti, um judeu húngaro, perdeu quase toda a sua família em Auschwitz. Iannis Xenakis perdeu metade do seu rosto após ter sido baleado por um tanque britânico enquanto lutava ao lado de guerrilheiros comunistas gregos depois da libertação de Atenas.

A música composta por tais figuras nos anos 50 e 60 foi fortemente experimental, explorando muitas vezes novas tecnologias como a gravação e edição de cassetes e as possibilidades acrescidas de manipulação de sons eletrónicos. E eles também rejeitaram, às vezes quase fanaticamente, qualquer indício de forma ou tonalidade clássica. Em grande parte isto foi uma reação contra a instrumentalização da música clássica e romântica como arma cultural pelo fascismo.

Stockhausen disse certa vez que tinha um ódio da música no tempo 4/4 porque ela evocava memórias da música de marcha interminável tocada nas rádios durante a guerra. Pierre Boulez escreveu que todas as formas de sentimentalismo tinham que ser banidas da música. Isto ia ao encontro do argumento do filósofo Theodor Adorno de que a grande tradição musical tinha trazido uma espécie de brilhantismo cultural ao fascismo.

Perdendo o contacto

Dadas as suas experiências formativas de vida e os obstáculos enfrentados pela música europeia tal como a encontraram em 1945, não é surpreendente que grande parte do trabalho destes compositores tenha acabado por ser muito adstringente. Era chocante para o ouvido e para a sensibilidade e uma experiência alienante e desagradável para muitos ouvintes.

Alguns compositores, como Henze, recuaram e tentaram recuperar algo do tonalismo e formas clássicas. Outros acreditavam que o objetivo era precisamente chocar e perturbar o público. Eles acreditavam que era uma forma de imunizar tanto a sua arte quanto os ouvintes contra a sedução de qualquer sentimentalismo que pudesse ser apropriado para fins políticos autoritários, ou, no contexto do pós-guerra, pela imparável mercantilização da cultura.

Contudo, esta posição arriscava deslizar facilmente para o elitismo, resumido por Milton Babbit num artigo de 1958 no High Fidelity, “O que importa se alguém ouve?” O título pretendia ser um pouco cómico, mas o ensaio de Babbit avançava um argumento sério: a única maneira de um músico manter sua integridade artística face à cultura populista é retirar-se do mundo comercial e garantir que suas obras tenham “pouco ou nenhum valor de mercado”.

Durante as décadas seguintes, foram o jazz e a música popular a assumir o desafio da experimentação sem abandonar a perspetiva de conquistar um público de massa. Em contraste, a música clássica foi reduzida a uma de duas coisas: ou um museu do passado onde músicos com trajes vitorianos tocam em salões luxuosos, favorecendo a ideologia da alta cultura e do bom gosto dos ouvintes, ou então um modernismo resolutamente sério que desafia o público a viver à altura da sua alta intelectualidade.

Em ambos os casos, a tradição da música europeia estava a abandonar em grande medida qualquer desejo ou esperança de conquistar uma renovada relevância popular para uma audiência de massas. Em vez de uma arte viva, estava a tornar-se um significante cultural e social de refinamento e de elitismo.

E quando houve tentativas de se dirigir a um público mais amplo, assumiram frequentemente as formas mais triviais e comerciais. Exemplos deste fenómeno incluem aqueles tenores inflados pela publicidade que cobram salários excessivos por cantar antigos sucessos de ópera italiana usando microfones em estádios gigantescos ou o assustador marketing de jovens violinistas com imagens sexualizadas nas suas capas de álbum.

Fora do tempo

Também para o público, num mundo de capitalismo tardio com os seus cultos de estilos de vida hiper-comercializados, junto com a diminuição do tempo de lazer, quando muitos de nós trabalhamos mais duramente e mais tempo por menos dinheiro, o tipo de espaço psicológico necessário para desfrutar da música clássica também está a diminuir consideravelmente. Uma das características que muitas vezes distingue a música clássica de outros géneros é a extensão das suas composições. Em comparação com a música medieval, mas também com a música popular moderna, as obras clássicas são significativamente mais longas.

A Sinfonia nº 2 de Aaron Copland (1993), apelidada de “Sinfonia Curta”, dura quinze minutos (ou seja, mais do que quase todas as canções pop e a maioria das composições de jazz). Uma sonata clássica, quarteto ou sinfonia típica dura cerca de trinta minutos, até mais. No limite máximo, uma apresentação da Sinfonia nº 3 (1896) de Mahler dura quase cento e dez minutos, enquanto o Quarteto de Cordas n.º 2 (1983) requer quase seis horas de escuta.

Além do comprimento, esta música requer um alto nível de concentração e compromisso que muitos de nós não podemos permitir. À medida que o ritmo da vida social acelera, o tempo livre reduz-se. É cada vez mais comum as pessoas usarem o pouco tempo livre que lhes resta para descansar, relaxar e recuperar, ao invés de se envolverem num exercício de intensa concentração. A música pop de cinco minutos é muito mais digerível do que uma peça de música abstrata de uma hora.

De facto, como alguém que escuta regularmente música clássica enquanto viaja nos transportes públicos – geralmente o único momento livre que encontro num dia de trabalho – tenho que dizer que muitas vezes fico frustrado por não ter tempo suficiente para ouvir um trabalho completo. Acabo escolhendo obras mais curtas ou partes individuais de um trabalho maior.

Além disso, como não estou estritamente focado na música, mas a fazer outras coisas ao mesmo tempo, tendo a recair em trabalhos com os quais tenho alguma familiaridade. Basicamente, estas limitações forçam-me a replicar a típica abordagem compactada da rádio de música clássica, ou seja, ouvir clássicos já gastos.

Em resumo, podemos traçar a ascensão e queda da música clássica ou europeia enquanto forma de arte de massas ao longo de um arco histórico. Vai de um período de oportunidades revolucionárias abertas pela ascensão do capitalismo no século XVII, passa pelas crises profundas do século XX e termina com a degeneração da burguesia e do espaço disponível para a vida cultural que reina no presente.

Do rio para o delta

Há um aspeto mais positivo da crescente marginalização da música europeia. Formas musicais que o imperialismo europeu ea sua arrogância cultural tinham marginalizado capturam agora a imaginação de pessoas em todo o mundo, mesmo no Norte Global.

O vanguardista John Cage disse numa altura:

Vivemos numa época em que a cultura não responde a uma corrente dominante, mas a muitas correntes, se insistirmos na imagem de um rio do tempo, podemos dizer que alcançámos o delta, ou ainda mais longe, o oceano.

Ele dizia isso como uma reflexão positiva sobre o declínio da dominação das formas clássicas, da tonalidade, ou, no seu caso, até das expectativas tradicionais sobre a pauta e o som musical. Outros, contudo, pensam que isto significa a morte do que eles consideram música “séria”, ou melhor, a perda da música clássica como o núcleo do que invocamos quando pensamos sobre música.

Pela minha parte, estou do lado de Cage, no sentido em que penso que a proliferação de formas e estilos musicais é basicamente um elemento positivo. A hegemonia da tradição clássica na música era também a hegemonia de uma cultura europeia branca que supostamente representava o auge da arte civilizada. O desenvolvimento do jazz e do rock permitiu reconhecer o valor dos ritmos e sons africanos e negros. Desde então, a influência da música latina, ou os sons da cítara e do tambor metálico, continuaram a expandir a paleta auricular que acessamos e desfrutamos.

Boulez lembrava que durante uma viagem de juventude às Caraíbas e à América do Sul ele tinha descoberto a música espiritual do Candomblé, uma religião associada aos descendentes dos escravos negros no Brasil. Os sons destas regiões encontraram caminho em muitas das suas obras, desde Le Marteau sans maître (1955) até Sur Incises (1998).

Em períodos anteriores, a música clássica costumava estar aberta a tais influências. Mas hoje em dia procurou isolar-se delas. Recentemente houve uma espécie de histeria quando foi anunciada a nomeação do Grammy na categoria de música clássica para Jon Batiste e Curtis Stewart, dois negros que usam música popular, jazz e técnicas de blues nas suas composições para além das clássicas. Os gritos de fúria tinham um caráter abertamente elitista e também, mais subtilmente, racista.

Isto não quer dizer que as portas estão completamente fechadas. Os minimalistas americanos como Steve Reich e Philip Glass acolhem a influência da percussão africana e as canções de David Bowie, respetivamente. Julius Eastman, um compositor afro-americano negligenciado durante muito tempo, conseguiu uma fusão estimulante de minimalismo, ritmos pop e atonalismo. Os compositores britânicos Mark-Anthony Turnage e Thomas Adès fazem experiências com ska e outros estilos populares, enquanto o Concerto para Turntables de Gabriel Prokofiev (2006) tenta comunicar tradições musicais de diferentes épocas.

Batiste e Stewart, cujas nomeações despertaram tanta fúria na música clássica snobe, são músicos enraizados na tradição clássica, altamente talentosos, mas ainda assim em contacto com formas populares. Por exemplo, o álbum Of Colours (2016) de Stewart inclui uma reinterpretação jazzística estonteante de Quatro Peças para Violino e Piano de Anton Webern (1919).

De igual forma, os programas de concertos e gravações ainda são dominados pela música composta há cem ou duzentos anos. A maioria dos compositores da tradição clássica ou da tradição europeia trabalha hoje em dia com formas que têm muitas décadas ou séculos. Poucos se relacionam diretamente com formas contemporâneas de música popular no sentido que Haydn fez com seus minuetos, Maher e Bartók com o folclore ou Stravinsky com o jazz.

Recentemente houve algumas tentativas de recuperar as obras de compositores negligenciados pelo seu género ou raça. Assim, trabalhos de grandes compositores como Eastman, Ruth Grips e Florence Price, estão finalmente a ser reconhecidos e a ajudar a refrescar o reportório. Apesar de tudo, continua-se sobretudo a escavar o passado. Resumindo, o termo “clássico” acabou por denotar uma tradição que em termos gerais já deixou de imaginar o que poderia ser mas em vez disso se tenta agarrara ao que era.

.oOo.

Simon Behrman é autor de “Shostakovich: Socialism, Stalin & Symphonies”.

Traduzido por Gercyane Oliveira para a Jacobin Brasil. Editado para português de Portugal pelo Esquerda.net.

Bom dia, Mano Menezes

Bom dia, Mano Menezes

Como sou jornalista, jamais minto para meus 6 leitores. Deste modo, dir-lhes-ei AGORA toda a verdade.

No início de 2022, Mano Menezes foi abduzido. Você é inteligente, então não preciso escrever bobagens como “abduzido por extraterrestres”. Em seu lugar, foi colocado um androide de inteligência superior. E o Mano não-humano, o Não Mano, o InuMano, por assim dizer, chegou a escalar Pedro Henrique, Alemão (depois Romero) e Wanderson no ataque CONTRA O PALMEIRAS. O jogo acabou 3 x 0 para nós. Só que aquele não era Mano, claro. Imaginem que ele chegou a deixar Edenílson na reserva! Isto prova inequivocamente que se tratava de um androide!

No início deste ano, acabou a experiência alienígena. Eles devolveram o Mano humano, aquele que nem toneladas de Imosec cura a diarreia. Sim, devolveram o c@gão. O que não tem volantes bons e então escala dois, como se a soma de dois ruins resultasse em um bom. Para comprovar, experimentem colocar dois cantores ruins cantando.

Nosso presidente foi enganado: renovou o contrato do Mano Inumano e recebeu um Mano com soltura intestinal. Esqueçam aquele Mano aventureiro que só queria a beleza e o sonho no futebol. Aquele era o androide.

E não briguem com a notícia — não minto.

Abaixo, uma foto do androide de 2022. Saudades dele!

O InuMano foi visto recentemente tocando guitarra no grupo Metallica.

Minha lista dos dez melhores jogadores de futebol de todos os tempos

As dez primeiras posições ficaram com 6 latino-americanos e 4 europeus. Não vou botar em ordem para evitar a briga entre pelezistas, messistas, maradonistas e croifistas.

Di Stefano
Garrincha
Maradona
Messi
Pelé
Ronaldo Fenômeno

Beckenbauer
Best
Cruyff
Zidane

Procurei utilizar nomes de caras que costumam “desaparecer” das listas, mas que acho cracaços. Gente como Scholes, Rivelino, Bremner, Bochini e Rivaldo, por exemplo. Não deu…

Mayhem cancelado em Porto Alegre

Mayhem cancelado em Porto Alegre

Pois o show dos noruegueses do Mayhem no Opinião foi cancelado. Eu desconhecia a banda até hoje, quando vi as faixas de repúdio na frente da tradicional casa de espetáculos.

Fui ler a respeito dos caras. Primeiro, um membro do grupo se matou estourando os miolos. Os detalhes do cérebro aos pedaços estão bem descritos. Tudo porque, antes de avisar a polícia da ocorrência, seu colega preferiu fotografar longamente o morto para a capa do próximo disco.

O grupo cultua a morte, algo bem fascista.

Tem mais. O líder do grupo e guitarrista principal foi assassinado a facadas (muitas) pelo baixista, que permaneceu preso por 16 anos. Há descrições deste assassinato como se fosse uma obra de arte. Em determinado momento, a faca ficou enfiada no crânio e não saía, imaginem que bacana… Hoje, já livre, este baixista está em outra banda do gênero.

É muito engajamento. Seus shows às vezes têm animais mortos, cabeças de porcos, etc. Os temas são satanismo e morte, coisa de adolescente revoltado + perturbado.

Claro, em determinado momento apareceram símbolos nazistas.

Fui ouvir o grupo e eles não são nada muito diferentes do pouco que ouvi do Black Metal.
Se não fossem os símbolos nazistas, eu aprovaria o show. Afinal, como darwinista, sou fã da seleção natural.

Em 8 de abril de 1991, Dead cometeu suicídio. Cortou os pulsos e atirou contra sua cabeça com uma espingarda. Deixou um bilhete se desculpando pelo sangue. Seu corpo foi encontrado pelo guitarrista Euronymous que não chamou a polícia: resolveu fotografar o cadáver de Dead e usar as imagens na capa de uma álbum futuro, no caso, do bootleg Dawn of the Black Hearts (1995).

A Promessa, de Damon Galgut

A Promessa, de Damon Galgut

Vou escrever sobre uma autêntica obra-prima. Este livro venceu o Booker Prize de 2021. No Brasil, para nossa sorte, A Promessa recebeu cuidadoso tratamento do tradutor, escritor e professor Caetano Galindo. Depois das primeiras dez páginas, ele se torna de fácil leitura, porém não é um livro simples de traduzir. Como Machado de Assis, o autor fala com o leitor, mas também fala ou faz perguntas aos personagens. Como Machado, o livro fala-nos de coisas trágicas e de assuntos profudamente graves, mas tem momentos hilariantes. Os diálogos não são sinalizados, só que a gente se acostuma logo.

Posso dizer qual é a tal promessa do título sem receio de dar spoilers — o primeiro capítulo já denuncia qual é a promessa. O romance de Galgut mostra o declínio de uma família branca durante a transição da África do Sul para o fim do apartheid. Tudo começa em 1986, com a morte de Rachel, uma judia de 40 anos e mãe de três filhos, em uma pequena propriedade nos arredores de Pretória. A história gira em torno de uma promessa que seu marido africâner, Manie, fez a Rachel antes de morrer, e que foi ouvida por sua filha mais nova, chamada Amor: a promessa era que Manie daria à empregada negra da família, Salomé, a propriedade do anexo que ela ocupava. Ou seja, daria a Salomé a casa aos pedaços onde ela morou toda sua vida. Agora que Rachel está morta, Manie aparentemente esqueceu do prometido. O resto da família considera ridícula a teimosa insistência de Amor de que Salomé deveria ser dona de sua casa. Seria aquele tipo de conversa que “agora parece ter infectado todo o país”?

O descumprimento da promessa parece cair como uma maldição enquanto seguimos os filhos e o pai ao longo das décadas. Cada um dos 4 capítulos narram episódios em intervalos de aproximadamente 10 anos e cada um tem o nome de um membro da família. A estrutura escolhida por Galgut sugere uma fábula — o nome dos capítulos, a frequência de 10 em 10 anos, as próprias ocorrências de cada capítulo. E Amor foi atingida por um raio quando criança! É uma abordagem arriscada, visto que o apartheid e suas consequências são cruéis o suficiente para que esse tipo de ficcionalização pareça condescendente. No entanto, a África do Sul — com escândalos absurdos, esperanças frustradas e corrupção constante — é uma tragédia pronta. Desprezando o realismo inabalável como veículo suficiente para transmitir o peso da história, A Promessa oferece uma narrativa que só é igualada no surrealismo pelos próprios fatos. Na África do Sul, sugere Galgut, a arte só pode esperar imitar a vida. Conheço outro país que… Bem, deixa pra lá. A decisão de abrir o romance com uma citação de Fellini é sensata.

Hoje cedo eu encontrei uma mulher de nariz dourado. Ela vinha num cadillac, abraçada em um macaco.  O motorista parou e ela me perguntou: “O senhor é Fellini?”. E prosseguiu com voz metálica. “Por que é que nos seus filmes ninguém é normal?”.

Federico Fellini

Galgut também é dramaturgo e intromete-se nos eventos para oferecer julgamentos. Para alguns fatos, ele nega o “isso tem dois lados”. Não tem. Ele nos envolve — e como! — com frequentes apartes. “Devemos dizer…”, “vamos fingir…”. O leitor nunca se sente confortável o suficiente para esquecer que esta é uma história. A recusa de Galgut em permitir que o normal das narrativas flua, sua insistência em desnudar as maquinações da ficção, revelando as pessoas como símbolos e o lugar como cenário, chama a atenção do leitor para o absurdo.

O tom variado e muito debochado de Galgut nos engana muito. Quando parece que fala sério, ele diz que tal coisa “é palpável como um peido secreto”. As cenas com o novo amante da irmã de Amor, Astrid, são engraçadíssimas. A desprogramada narração em terceira pessoa dispara entre os personagens. No meio do parágrafo ou mesmo no meio da frase, mergulhando na ação para detalhar os medos secretos de alguém, por exemplo, o autor pode nos informar de novos fatos. “Você entendeu”, diz o narrador, impaciente.

Do fantasma de Rachel às palavras de uma oração de luto, pouco está fora dos limites do narrador, que se dirige a um leitor africânder implícito cujos supostos preconceitos são citados como forma de desculpa pelas ênfases do livro — em um ponto ele nos diz que não ouvimos muito sobre Salomé porque não nos importamos em perguntar… Galgut emprega todos estes truques no livro, mas está  extremamente atento à complexidade emocional do que narra.

Sim, apesar de todas as suas tendências satíricas, este não é um livro que nos deixe confortável, até porque a má fé de Manie não é a única coisa que mina sua promessa. No momento em que o livro começa, a lei sul-africana diz que Salomé não pode ser proprietária da propriedade, mesmo que a família quisesse. As páginas finais, com Amor já madura, são espetaculares. A capa do livro nos diz que Galgut é “Um dos maiores escritores do mundo”. Olha, não deve estar longe disso.

Em resumo, A Promessa, de Damon Galgut, é um raro exemplo de romance que combina uma visão política e histórica com uma estrutura literária brilhante. Mostrando as mudanças dentro de uma família, o livro captura muito mais sobre uma realidade social deplorável do que quaisquer livros de história ou notícias de jornal que você tenha lido. Ele realmente arranha e mete suas garras na realidade.

Um tremendo livro. Recomendo muito.

Damon Galgut (1963)

A Ospa dá seu primeiro (e ótimo) concerto de 2023. E músicos fazem protesto

A Ospa dá seu primeiro (e ótimo) concerto de 2023. E músicos fazem protesto

O primeiro concerto da Ospa deste ano foi extremamente promissor. Casa lotada e a orquestra tocando realmente muito bem. Sem exagero, talvez o concerto de ontem tenha mostrado a melhor Ospa que vi nos últimos anos.

Tudo está puxando a qualidade da orquestra para cima: a presença dos novos concursados, a atuação do maestro Evandro Matté, a necessidade de se mostrar altamente profissional mesmo sem o reajuste do valor da manutenção dos instrumentos desde 2012. Sabem que os instrumentos são de propriedade dos músicos, assim como a obrigação de mantê-los? Sabem que tudo é em dólares e euros?

Antes do concerto, houve a leitura de uma carta muito madura e digna cobrando o estado. Foi aplaudida de pé pelo público presente na Casa da Ospa, mas não apareceu na transmissão pelo YouTube, me contaram.

Voltando ao concerto, digo que aquilo que me entrou pelos ouvidos ontem foi sensacional. O desempenho em “Um Americano em ParisUm Americano em Paris” não foi nada esquecível. As duas obras de Villa-Lobos, idem.

Há coisas diferentes na programação deste ano. A Sinfonia Singular de Berwald é uma delas. Finalmente, teremos Haydn de volta, apesar de que poderíamos ter mais do que apenas a 104. Também virá a raramente executada Sinfonia Nº 1 de Shostakovich, que é linda. Teremos também a 5ª e a 9ª do compositor. Idem para o Concerto para Orquestra de Bartók e o Concerto para Piano Nª 1 de Brahms. Tem também a Sinfonia Nº 1 de Mahler. Mas não tem Bruckner, o que é lamentável. Mas fazer o quê? Fica pra 2024…

Vida longa a esta grande orquestra!

Obs.: a foto foi roubada de Max Uriarte.

Atrás do balcão da Bamboletras (XLVII)

Atrás do balcão da Bamboletras (XLVII)

Vocês sabem o motivo do nome Bamboletras? Pois é, vem de bambolê das letras. Sim, nossa livraria foi concebida por sua grande fundadora Lu Vilella como dedicada à literatura infantil. Depois ela estendeu a curadoria para os pais dos pequenos e o resto vocês sabem.

Durante nossos quase 28 anos — fazemos aniversário em abril — e até hoje, mantivemos especial cuidado com a área de infantis.

Vejam a querida vovó Jussara Musse com nossa cliente Isabel (5 meses) em foto desta semana. Assim se fazem leitores, mesmo que no começo eles estejam mais interessados em morder os livros…

Outro dia, publicaremos uma foto da irmã gêmea da Isabel, a Beatriz. Não queremos semear ciúmes entre as meninas e nem críticas da mamãe Carolina Musse Branco!

.oOo.

📍 Visite-nos na Av. Venâncio Aires 113, de segunda à sábado, das 9h às 19h, e aos domingos, das 11h às 17h.
🚴🏾 Pede tua tele ou converse conosco: (51) 99255 6885 (WhatsApp).
📱 Ou nos contate nas nossas redes sociais, no Instagram ou no Facebook.
🚗 Ah, temos convênio com o estacionamento que fica aqui logo depois, no número 133 da Venâncio.

 

Cat Stevens e Rick Wakeman: uma historinha para vocês

Cat Stevens e Rick Wakeman: uma historinha para vocês

Cat Stevens, atual Yusuf Islam, estava gravando seu LP Teaser and the Firecat quando ouviu Rick Wakeman na sala ao lado, ensaiando Catherine, que faria parte de seu As Seis Esposas de Henrique VIII.

Gostou do que ouviu e foi falar com ele. Na verdade, era um pedido. Disse para Wakeman que pretendia colocar o tradicional hino religioso Morning has broken em seu novo disco, mas que precisava de uma introdução com piano, algo parecido com a Catherine que recém ouvira.

Wakeman foi generoso. Logo fez e tocou a variação que ouvimos até hoje na famosa canção do disco de Stevens e a produção prometeu-lhe pagar 10 libras pelo trabalho, que era o habitual na época.

40 anos depois, um jornalista perguntou a Wakeman qual era a maior mágoa que vivenciara em sua longa carreira, pensando que certamente ele contaria alguma coisa relacionada às muitas brigas que tivera em seus tempos de Yes.

Mas Wakeman surpreendeu dizendo que sua maior mágoa tinha sido o fato de não ter sido creditado como o pianista que realizou o solo de Morning has broken. Também isto era comum na época. O artista principal comprava o trabalho de outro secundário no disco e o trabalho passava a ser dele — que nem lhe dava o crédito. Por exemplo, hoje todos sabem que Eric Clapton fez o solo de While my guitar gently weeps, mas nada está disso está escrito no White Album e Clapton já era Clapton naquela altura. Também pouca gente sabe quem participava dos primeiros discos de Chico Buarque… Mas havia mais para a mágoa de Wakeman, até hoje ele estava esperando as tais 10 libras.

Cat Stevens soube da reclamação e não apenas mandou creditar Wakeman nas novas edições do disco como pagou as 10 libras e o lucro correspondente ao trabalho dele e dos outros músicos. Pagou uma pequena fortuna a todos.

Amigos: Cat Stevens e Rick Wakeman num show em 2020

 

Saramago

Saramago

Como Saramago respondeu a pergunta “O senhor é socialista?”:

“Ah, claro, inteiramente. Aliás, eu acho que o socialismo é uma doutrina totalmente triunfante no mundo. E não é paradoxo. O que é o socialismo? É o irmão-gêmeo do capitalismo, nasceram juntos, na revolução industrial. É indescritível o que era a indústria no começo. Os operários ingleses dormiam debaixo da máquina e eram acordados de madrugada com o chicote do contramestre. Isso era a indústria. Aí começou a aparecer o socialismo. Chamo de socialismo todas as tendências que dizem que o homem tem que caminhar para a igualdade e ele é o criador de riquezas e não pode ser explorado. Comunismo, socialismo democrático, anarquismo, solidarismo, cristianismo social, cooperativismo… tudo isso. Esse pessoal começou a lutar, para o operário não ser mais chicoteado, depois para não trabalhar mais que doze horas, depois para não trabalhar mais que dez, oito; para a mulher grávida não ter que trabalhar, para os trabalhadores terem férias, para ter escola para as crianças. Coisas que hoje são banais. Hoje é normal o operário trabalhar oito horas, ter férias… tudo é conquista do socialismo.”

José Saramago

“Vermeer Review”: uma das exposições mais emocionantes já concebidas

“Vermeer Review”: uma das exposições mais emocionantes já concebidas

Traduzido mal e porcamente daqui.

A cena é despretensiosa – paralelepípedos lavados, paredes caiadas, uma mulher costurando em uma porta aberta enquanto a fachada da casa holandesa sobe em direção a nuvens imóveis. No entanto, todos os visitantes ficam maravilhados diante dele. Talvez o feitiço tenha algo a ver com as janelas abertas e as ainda a serem abertas, ou a cadeia de figuras absorvidas e absorventes, ou o arranjo abstrato de molduras e arcos, ou a alvenaria que parece feita da própria coisa? Os olhos e a mente, seduzidos, procuram respostas na imagem. Como pode a pintura de Johannes Vermeer ser tão infinitamente mais bela do que a cena que representa?

A Pequena Rua (c.1657) está no início de uma das exposições mais emocionantes já concebidas. Vermeer, no Rijksmuseum de Amsterdã, reúne mais de suas pinturas do que nunca – e possivelmente nunca mais, dado o custo e fragilidade –, 28 das 37 obras conhecidas. A mostra é soberba: uma sequência de câmaras escuras, onde as pinturas (como seus temas) aparecem ora sozinhas, ora em duplas ou trios, cada uma em seu foco individual. O design reflete o aspecto revelador da arte de Vermeer a cada passo.

Revelador – e ainda profundamente misterioso. Abre-se para o exterior, com a Vista de Delft e A Pequena Rua, e depois torna-se íntima, convidando-nos a olhar cada vez mais de perto para os interiores. Uma caixa de luz, uma figura, alguns adereços, ocasionalmente uma foto emoldurada: os meios parecem tão restritos, mas as cenas são fascinantemente variadas.

O mundo de Vermeer é um mundo em espera; não congelado de repente no momento, mas ignorando completamente o movimento. A empregada derrama seu leite – mas apenas em teoria. Na verdade, o líquido não está fluindo, sua passagem (mesmo em uma ampliação gigantesca no foyer) é totalmente imperceptível.

A Leiteira (1658-59), Rijksmuseum, Amsterdã

Também não entra e sai gente dessas salas, sempre iluminadas pela esquerda. Meninas de arminho, veludo amarelo e renda, homens com capas e chapéus de castor são retratados, mas não vieram de outro lugar. Não há conversa, não importa que as transações possam estar implícitas. Todos aqueles instrumentos musicais, estão ainda sem som. Da mesma forma, você não pode descobrir o que está acontecendo nessas cenas, cada mistério paira diante de você, imperturbável.

Vermeer usa os interiores brilhantes de Pieter de Hooch, mas raramente mostra mulheres trabalhando. Uma escova está ociosa no chão, criadas trouxeram ou esperaram por cartas. Mas apenas a maravilhosa Rendeira, do Louvre, se debruça sobre sua intrincada tarefa. O tempo é mantido em absorção profunda e produtiva, que parece muito mais significativa do que a criação de qualquer renda.

A rendeira, 1666-1668. Museu do Louvre, Paris.

Certamente é aqui que entra a noção de madonas seculares. Para que serve a garota ali, em Vermeer, senão para receber a extraordinária beneficência de sua luz – uma luz como nenhuma outra, mais do que qualquer sala real poderia conter. Para alguns é sobrenatural, para outros sagrado; sente a própria essência da graça.

As anunciações de Vermeer – notícias do nada, por carta – têm uma imobilidade e quietude que não parecem relacionadas ao cenário proposto, assim como a leitura, a escrita, o olhar ou a pesagem de balanças (vazias) . A sensação de meditação prolongada parece vir do próprio ato criativo. Os curadores mostram (em painéis colocados a uma distância discreta da arte) com que frequência objetos, roupas e até mesmo pessoas foram movidos ou excluídos nas prolongadas deliberações de Vermeer. Ele é conhecido por ter feito apenas uma ou duas pinturas por ano.

E então, de repente, tudo gira e um tremor interrompe o senso de Vermeer. Três interiores aparentemente semelhantes aparecem em uma galeria. Fique no meio e testemunhará mil diferenças. Esta cena é adornada com alfinetes elevados de luz crepitante; aquele é suave e subjugado; um terceiro bem menos íntimo, com uma extensão resplandecente de parede nua. O Rijksmuseum diminui o ritmo para mostrar como Vermeer pode ter pensado sobre a realização de cada imagem.

Às vezes, a visão é parcialmente bloqueada por um homem de costas para nós ou por uma cadeira pesada. Talvez a garota pareça distante, do outro lado de uma mesa ou do outro lado da sala. Ou ela é trazida para um close-up abrupto: como a garota com o chapéu vermelho, ou a garota com o brinco de pérola voltando-se para nós na escuridão total com seu flash de cinema.

Young Woman with a Lute, do Metropolitan Museum of Art de Nova York, é tão espectral que pode ser uma memória ou um fantasma, ao contrário dos objetos sólidos ao seu redor. A janela é extraordinariamente estreita e pequena, a cortina transparente disposta de modo que a luz incide lateralmente, iluminando os pinos em uma cadeira de couro como estrelas brilhantes, mas dissolvendo a garota em halos borrados, como se ela fosse um segredo.

Na fascinante Mulher de Azul Lendo uma Carta do próprio Rijksmuseum, não há janela e toda a cena é impregnada com o azul do vestido, como se fosse uma extensão de sua mente. A carta que ela segura agora é apenas uma lasca de luz. Certamente esta é a mesma garota de um quadro pintado cerca de cinco anos antes, emprestado de Dresden, seu rosto um pouco mais velho, sua absorção agora mais profunda. A esposa de Vermeer deu à luz 15 filhos. Quem sabe algumas de suas filhas apareçam nessas fotos?

Mulher de azul, lendo uma carta (1664)

Tudo muda, mas permanece. Uma empregada olha pela janela com fria (ou irônica?) impaciência, enquanto sua patroa vestida demais lê uma carta. Outro parece flamengo, como se fosse contratado de outro lugar. A carta pode ser dobrada, inscrita, gasta como seda com leituras repetidas, ou passada fechada pela empregada para a amante insatisfeita em uma cena distante vista através de uma porta – como um vislumbre momentâneo em Alfred Hitchcock.

Os detalhes são enigmáticos: uma única gota vermelha no chão (talvez cera de lacre), uma carta de baralho brandida como se em advertência por um querubim, frisos de ladrilhos de Delft que existiam na realidade, mas parecem poder ser decodificados. Uma garota tem um rosto de lua curiosamente plano, outra parece andrógina, outras ainda estão estagnadas como sonâmbulos, mantidas imóveis por uma espécie de gravidade mística.

Por razões desconhecidas, o Kunsthistorisches Museum em Viena se recusou a enviar The Art of Painting , de Vermeer – com seu artista-mágico virando as costas para nós, mesmo enquanto pinta a cena – para que pudéssemos entrar ainda mais fundo na câmara de sua mente. Mas tudo o mais sobre essa exposição é tão perfeito quanto poderia ser. Mais pinturas, visões e variações maiores (e mais condensadas), oferecem todas as oportunidades para olhar mais longe, mais devagar e com mais precisão do que nunca. No entanto, as pinturas de Vermeer têm o mistério de sua própria criação, sua beleza e significado como parte de seu conteúdo. Quanto mais perto você chega, mais estranho ele parece.

Vermeer fica no Rijksmuseum, em Amsterdã, até 4 de junho.

Johannes Vermeer (1632-1675) – The Girl With The Pearl Earring (1665)

Pink Floyd, The Dark Side of the Moon

Pink Floyd, The Dark Side of the Moon

Eu ouço quase só música erudita, mas não desconheço o popular e inclusive já fui considerado um bom cantor amador em rodas de samba e bossa nova…

Esta introdução bastante boba é para dizer que não moro num castelo, que tenho em vinil quase toda a bossa nova até os anos 70, mais o samba e o jazz. E que ouvi muito rock, desde o mais básico até o progressivo — sim, já fui jovem, muito jovem.

Só que hoje tenho uma severa avaliação do “rock progressivo”. Tenho fortes argumentos para preferir as canções “mais simples” (estas aspas deveriam estar em negrito).

Só que não dá para discutir que “The Dark Side of the Moon” é um disco maravilhoso. Ele completa 50 anos em 1º de março. Comprei o vinil em 73 — tinha 16 anos — e ele ainda está comigo e em perfeito estado.

Aliás, tenho dificuldade em classificar o disco como progressivo. Não há exibição técnica, megalomania, encheção de linguiça e, principalmente, a coisa soa naturalmente não sinfônica. Talvez tenha sido este fato que tornou o grupo impermeável ao desgaste que ocorreu com outros como Yes e Genesis, só para citar dois.

E as letras também são de bom gosto, falando de loucura, cobiça, velhice, etc. Gosto muito.

Lendo Tristram Shandy em uma era de distração

Lendo Tristram Shandy em uma era de distração

Por Sarah Moorhouse na LitHub
Mal traduzido por mim

http://www.metmuseum.org/art/collection/search/399171

Tristram Shandy, de Laurence Sterne, publicado em nove volumes entre 1759 e 1767, tem uma reputação um tanto complicada. Junto com, talvez, Ulysses de James Joyce, é conhecido por ser um romance singularmente difícil, lido principalmente por estudantes ou entusiastas do século XVIII. Talvez o que afaste as pessoas sejam as “digressões” do romance, como o narrador do livro, Tristram, as chama. Ele se propõe a escrever uma autobiografia, mas acaba vagando, continuamente desviado por lembranças sobre seu pai Walter e tio Toby.

Sterne nega-nos a ordem narrativa em que geralmente nos baseamos para diferenciar a ficção da confusão do nosso pensamento cotidiano. Sua obra se recusa a se comportar: a história é, como diz Tristram, “digressiva e […] progressiva também, -e ao mesmo tempo”. O enredo de Tristram Shandy é o ato de construir o enredo e o excêntrico Tristram se deleita com sua criação inquieta, dizendo-nos que a obra é uma “máquina” que deve “ser mantida funcionando”. Examinando as muitas engrenagens de sua história, Tristram está confiante de que seu trabalho pode se sustentar indefinidamente, girando em torno de suas próprias possibilidades infinitas.

Desde sua primeira publicação, o romance gerou críticas e foi descrito por Edmund Burke, o grande antepassado dos românticos, como uma “série perpétua de decepções”. Essa avaliação pouco lisonjeira foi superada por Samuel Richardson, o romancista dos best-sellers do século XVIII, como Pamela e Clarissa: em uma carta ao bispo Mark Hildesley, Richardson declarou que não podia deixar de descrever os volumes de Sterne como “execráveis”. É um romance que sempre frustrou seus leitores.

Não podemos deixar de desejar, às vezes, que Tristram apenas continue com suas quebras narrativas “para lembrá-los de uma coisa – e informá-los de outra”. Tristram nos faz perceber o quanto, ao ler um romance, estamos no poder do escritor. Como seu filósofo favorito, John Locke, Tristram vê as mentes de seus leitores como “tábuas em branco” nas quais ele pode rabiscar ou escrever com precisão como quiser. Devemos concordar com as ruminações desorientadoras de nosso narrador se quisermos vivenciar sua história.

Minha própria leitura de Tristram Shandy foi um processo digressivo. Quando encontrei o romance de Sterne pela primeira vez aos dezesseis ou dezessete anos, fiquei encantado com os capítulos iniciais, nos quais Tristram nos conta, com humor irônico, como sua concepção foi interrompida quando sua mãe perguntou ao pai se ele havia se lembrado de dar corda no relógio. Fiquei perplexa, no entanto, quando a narrativa mudou de curso. Os cavalos de brinquedo abundam no romance: o tio de Tristram, Toby, é obcecado por eles. Enquanto eu lia os primeiros volumes, o enredo em si parecia um cavalo de balanço, brincando de avançar em vez de realmente chegar a algum lugar.

A experiência de tempo de Tristram está muito próxima de nossa própria realidade não estruturada; consumido por distrações, nosso narrador está à deriva em sua própria mente.

Não voltei ao romance até que ele apareceu em uma lista de leitura durante meu mestrado. Minha leitura do texto foi novamente fragmentada. Seções foram designadas para leitura por meus tutores com base, ao que parecia, apenas em seus próprios interesses e fiquei mais perplexa do que nunca. Que tipo de romance é melhor lido e discutido em pedaços? Devemos realmente lidar com os lapsos de atenção de Tristram cortando o texto e digerindo-o em partes?

Fui designado para o episódio “Le Fever”, uma sequência sobre as generosidades de Toby para com os pobres escrita no estilo sentimental que era popular na época de Sterne. Lidas separadamente, essas páginas parecem algo saído de The Man of Feeling, de Henry MacKenzie, um romance famoso quando foi lançado em 1771 por fazer seus leitores chorarem de simpatia por seu protagonista. Mas Tristram Shandy não é – como a leitura desta seção. Ao experimentar diferentes gêneros e estilos, nosso narrador está se apresentando para nós.

Tristram também está fazendo outra coisa: ele está procrastinando. Ele adia contar a história de sua vida porque está bloqueado pela seguinte preocupação: um tempo muito maior decorre enquanto ele escreve sua história de vida, leva mais tempo do que o decorrer de sua própria vida, então ele nunca poderá terminar sua autobiografia, jamais alcançara o dia de hoje. Ele lamenta o tanto tempo que leva para narrar um único dia de sua vida, “em vez de avançar […] estou apenas jogando tantos volumes para trás […] nesse ritmo, eu deveria escrever 364 vezes mais rápido. Do modo como faço, quanto mais eu escrevo, mais terei que escrever – e, consequentemente, quanto mais meus adoradores lerem, mais seus adoradores terão que ler”.

Tristram precisaria de um número infinito de dias para escrever sua autobiografia: ele precisaria, como o filósofo do século XX Bertrand Russell explicou no que chamou de “paradoxo de Tristram Shandy”, ser imortal. Além do mais, nós, leitores, estamos envolvidos no problema de Tristram: quanto mais ele escreve, mais temos para ler. Nós também somos limitados por nossa mortalidade.

Ao nos dizer que a história de sua vida está condenada desde o início, o narrador de Sterne nos nega a ilusão mais reconfortante da ficção: um caminho claro no tempo. Somos, como disse o formalista russo Viktor Shklovsky em 1929, “dominados por uma sensação de caos” quando lemos o romance. A experiência de tempo de Tristram está muito próxima de nossa própria realidade não estruturada; consumido por distrações, nosso narrador está à deriva em sua própria mente.

Peguei o romance pela terceira vez no final do verão passado, tendo me formado na universidade com apenas uma vaga ideia do que queria fazer a seguir. Com a remoção da estrutura da instituição de ensino, o tempo disparou de forma alarmante. As preocupações de Tristram sobre sua incapacidade de completar o que começou ofereciam um espelho do meu próprio estado de distração. Em minha busca por emprego, adiei a decisão sobre meus próximos passos, permitindo-me ser inundado por informações, principalmente on-line.

Percorrendo páginas aleatórias de mídia social, artigos da Wikipédia ou sites de empresas, percebi que a internet nos preparou para experimentar o tempo da mesma forma que Tristram faz. Seus algoritmos nos oferecem informações ilimitadas, alimentando-se de tudo o que chama nossa atenção para nos atrair para um labirinto personalizado. Sempre que usamos uma tela, essas tocas de coelho da Internet aguardam, permitindo-nos, clique a clique, fugir de nosso propósito original.

Minha geração, como somos constantemente lembrados, teve nosso foco arruinado pela tecnologia moderna, e o turbulento Tristram é um porta-voz de nosso estado de espírito. Seu projeto – escrever sua vida e, assim, contornar sua mortalidade – é sempre prejudicado por sua vulnerabilidade a distrações. Frustrado com a linguagem, ele recorre frequentemente a imagens, oferecendo linhas rabiscadas para representar seu progresso rebelde.

Com o objetivo de criar um enredo que seja uma “linha reta tolerável”, fortalecido por “uma dieta vegetal” e “algumas comidas frias”, Tristram resolve novamente arrumar sua narrativa. A questão, porém, é que nem Tristram nem seus leitores conseguem escapar do labirinto de pensamentos, e a melhor forma de ler este romance é não resistir às suas variadas correntes. Tristram articula a frustração de tentar se apoderar das coisas quando o chão abaixo de nós está constantemente cedendo.

Nossas vidas hoje existem em múltiplas dimensões: presente, passado e online. O romance de Sterne pode nos ajudar a entender esse emaranhado. Lendo Tristram Shandy pela terceira vez, percebi que minha frustração anterior não era uma falha em entender o livro. As digressões de Sterne são ricas e insatisfatórias em igual medida, como deve ser qualquer excesso de informação. Mas, embora vasculhar a Internet muitas vezes me deixe esgotada ou entorpecida pela variedade, o romance de Sterne revigora e oprime.

Como uma pintura com múltiplos pontos de vista, ou uma peça musical em estridente polifonia, ela atrai o leitor de volta, entrando novamente através de um novo ato de atenção. Tristram mantém sua história “em andamento” recusando-se a satisfazer seus leitores e, por isso, continua a me surpreender com sua vitalidade. Ao negar a estrutura organizada do tempo narrativo, o romance de Sterne combina com como o mundo parece para mim agora: indefinido, incerto, mas carregado de possibilidades.

Mulheres

Na minha infância, éramos 5. Meu pai, minha mãe, minhas irmãs e eu. Quem mandava eram as três mulheres, com absoluta predominância de minha mãe. Meu pai às vezes se revoltava, mas era sempre uma coisa meio histérica e ele se aquietava depois. Era como deixar uma criança gritar até cansar. Quando a mãe não estava, a liderança se transferia para minhas irmãs.

Então, aprendi desde cedo a respeitar as mulheres. Elas mandavam em mim e, certo, também me tratavam muito bem. Sempre tive sorte. Adolescente nos anos 70, via meus amigos assobiarem ou gritarem “Gostosa” para uma mulher qualquer e ficava quieto, não obstante a oceânica e quase dolorosa atração que sentia pelo sexo oposto.

Até hoje, se uma mulher reclama de mim, ouço sua voz duas vezes mais alto. Me assusto mesmo, coisa que jamais ocorre se um homem reclama. Neste caso, estou sempre pronto para debochar e faço isso muito bem, acredito.

Talvez seja um problema psicológico, mas jamais vou tratá-lo. Ainda mais que nesta manhã dormi além da conta e sonhei que ouvia os gritos da mulher estuprada por aquele jogador de futebol.

Saí da cama totalmente em pânico. E louco para dar uns socos naquele sujeitinho.

Sempre os mesmos, não se erra uma!

Parece que há video do Daniel Alves seguindo a moça até o banheiro e eles saindo, com ela em pânico, chorando. Ela o acusa de tê-la obrigado, através de tapas e ofensas, a praticar felação. Foi o que li.

Se isto é verdade, eu só digo: te fod…, Dani.

É importante dizer que Daniel Alves deu apoio explícito a Bolsonaro nas últimas eleições. Foi também beneficiado pelo desgoverno em um projeto qualquer. Recebeu uma baita verba.

Incrível, a gente lê um disparate, vira, mexe e chega num cidadão de bem.

Meus times

Eu torço pelo Inter-RS, mas tenho simpatia pelo Liverpool, Arsenal, Manchester United, Benfica, Barcelona, Roma, Napoli e Brasil de Pelotas.

E nutro certa antipatia pelo Grêmio, Juventude, Corinthians, Lazio, Real Madrid, City e Juventus.

Ah, sou muito promíscuo: gosto também do Leeds United, do St. Pauli e de suas histórias.

Molly, a gata da Shakespeare and Company

Molly, a gata da Shakespeare and Company

Por algum motivo, lembrei disso agora.

Em fevereiro de 2014, eu e Elena estávamos em Paris, dentro da Shakespeare and Company, quando comecei a contar pra ela que a livraria mantinha há 100 anos uma gata branca, que era sempre apenas uma e sempre chamada Molly (Bloom, certamente). Disse para ela que eu achava que era em razão dos ratos da beira do Sena, mas que eu nunca tinha visto a lendária gata. Então, passeando lentamente, entramos numa sala e lá estava ela, uma enorme gata branca. Uma mulher disse que Molly recusava contatos, só que, minha filha, ninguém resiste à Elena.

O Ovo da Serpente, de Ingmar Bergman

O Ovo da Serpente, de Ingmar Bergman

Infelizmente, a expressão ovo da serpente é hoje muito utilizada. Virou lugar comum. Toda vez que alguém quer dizer que uma tragédia ou problema era previsível, lá vem a ela. A expressão nasceu em 1977, com este filme de Ingmar Bergman. O terrível Dr. Hans Vergerus (clique no link) — sobrenome habitual dos filmes do diretor, significando algo ruim — , diz: “É como o ovo da serpente. Através das finas membranas, você pode claramente discernir o réptil já perfeito”.

O Ovo da Serpente é um ponto fora da curva na carreira de Bergman. Acusado de evasão fiscal na Suécia, Bergman se viu no centro de um escândalo que ganhou proporções internacionais. Deixou seus bens para o fisco e partiu para um autoexílio na Alemanha, mais precisamente em Munique, onde acabou fazendo um acordo com o produtor Dino de Laurentiis para rodar um filme em inglês ao mesmo tempo em que lidava com advogados e autoridades fiscais.

E fez um filmaço, desta vez sem explorar ao fundo dramas pessoais, relacionamentos, psicologia, religião, sexo ou filosofia, seus temas mais caros. Aqui, Bergman constrói com impecável riqueza de detalhes o mundo sem dinheiro, inflacionado, sangrento, paranoico e instável da Alemanha de 1923, ano em que se passa o filme, no período entre 3 a 11 de novembro, semana do Putsch de Munique. Sim, o Putsch foi a primeira tentativa de um maluco de tomar o poder. Foi um fiasco. A democracia alemã era mais forte. O nome do maluco era Adolf Hitler.

Abel Rosenberg (David Carradine) é um trapezista judeu desemprego, que vê seu irmão, Max, se suicidar. Ele procura Manuela (Liv Ullmann), sua cunhada. Juntos eles sobrevivem com dificuldade à violenta recessão econômica pela qual o país passa. Sem compreender as transformações políticas em andamento e pegando qualquer trabalho ou grana, eles aceitam trabalhar em uma clínica clandestina que realiza certas experiências que realmente ocorreram naquele periodo e depois.

E mais não conto. Grande filme!

Anistia não!

Estava olhando meu twitter e tem muitos, mas muitos vídeos de gado bolsonarista depredando Congresso, STF e Planalto. E deve ter todo um WhatsApp disponível para ser examinado.

Não sei se este pessoal é burro ou se tem certeza da impunidade.

Espero que, após ontem, a possibilidade de anistia seja definitivamente arquivada e que não nos falte judiciário e prisões. Há muito para fazer.