Fora deste mundo, de Graham Swift

Fora deste mundo, de Graham Swift

Este é um livro lançado em 1989 pela Companhia das Letras e hoje apenas encontrável em sebos. Foi onde busquei o exemplar que li. Fora deste mundo é uma tentativa altamente inteligente de Graham Swift na criação de um romance íntimo que também leva em conta a história do século XX. Convenientemente, o personagem principal, Harry Beech, é um ex-fotógrafo de guerra, e seu pai, além de veterano da Primeira Guerra Mundial, é o dono de uma fábrica de armas. Assim, a maioria dos principais conflitos do citado século é observada e a cena crucial de uma confissão entre pai e filho ocorre enquanto eles assistem, ne televisão, o pouso de Neil Armstrong na lua.

Enquanto isso, a filha de Harry, Sophie, com quem ele sempre teve pouco contato — ela foi criada pelo avô –, está deitada em um sofá no Brooklyn, desabafando sua hostilidade em relação ao pai e reclamando das falhas de seu próprio casamento com seu analista, Dr. Klein. Harry e Sophie, pai e filha, são os principais narradores do romance.

Trechos da saga familiar vão aparecendo — infidelidades, coisas jamais ditas em voz alta, perversidades, etc. –, trazidas com sutileza descritiva. Então, por que não funciona? Por que não nos envolve? Há bons momentos, mas é só isso. Talvez seja porque a história oscile como um pêndulo entre os pontos de vista de Harry e Sophie, e nenhum deles seja um bom narrador. Sophie às vezes se transforma em uma caricatura. Sua relação com seu analista parece tirada de um manual de comportamento típico de analisada. Também seus desejos sexuais e rebeldias poderiam ser um pouco melhor exploradas. Tudo parece meio falso ou fingimento.

A voz de Harry é mais crível: mas como ele é o veículo para a investigação de Swift sobre questões morais e históricas, recebemos muitas meias frases espasmódicas e perguntas sem respostas. E ele não chega a ser interessante.

Desta forma, fiz um esforço para ler o livro até o final — aliás, o final é ótimo e quase salva o livro.

Só que a tarefa que Swift se impôs foi enorme. A incorporação de algo vasto e aleatório — a História, nada mais, nada menos –, dentro de um romance íntimo e razoavelmente organizado, não deu muito certo. A contradição é apresentada pelo próprio Harry quando ele diz que cada imagem conta uma história. E ele completa: mas suponha que não conte uma história? Suponha que mostre apenas um fato aleatório? Suponha que mostre o ponto em que a história se desfaz? O ponto em que a narrativa fica muda?

E Swift não permite que o fluxo e o caos dos eventos históricos impeçam a busca do romancista por padrões, coincidências, ironias. E vida não tem sentido, nem os acontecimentos históricos separados por local e cronologia. Por que procurar padrões? Mas acho que a gente não pode deixar de aplaudir a ambição deste romance. O que lhe falta é uma estrutura que reflita de alguma forma a pura confusão dos eventos com os quais tenta lidar. Fora deste mundo se perde na forma. Ela não dialoga bem com o tema.

Graham Swift (1949)

Planícies, de Federico Falco

Planícies, de Federico Falco

Desnecessário dizer que a literatura argentina costuma surpreender. Pois este livro não é diferente. Federico, o protagonista de Planícies, aluga uma casa em “uma daquelas pequenas cidades que nunca se tornaram”. Pior, ele vai para um sítio sem graça e inóspito. Mas é o local escolhido por Federico para digerir o fim doloroso de um amor. Após sete anos, o namorado Ciro foi embora e Federico pensa que, é claro, ninguém vai amá-lo novamente.

E vai para seu sítio alugado a fim de tentar se alimentar apenas de seu jardim — o que também não é fácil. Ele planta, repensa sua infância, tenta poucos contatos com Ciro e luta contra as intempéries da região. Suas descrições daquilo que planta são lindas e sempre interessantes. Contribui muito para isso o excelente trabalho do tradutor Sérgio Karam. Mas não pensem que é apenas um romance de luto. Não, o luto aparece aqui e ali de forma muito fragmentada, fazendo com que nós às vezes esqueçamos dele, tal a forma com que Federico envolve-se com o ambiente e sua sobrevivência. E há as lembranças felizes. Todo este arcabouço torna o livro é comovente ao esconder dor, angústia e solidão sob um duro cotidiano. O tempo, as estações, os meses, o horizonte, as chuvas, a seca, os encontros rápidos com os vizinhos, tudo para fugir do desespero de ficar próximo daquilo que se foi para sempre. É um livro muito belo, estranho e sutil sobre um homem que cultiva um jardim, lembra e escreve. Quando menos se espera, surge um lirismo muito delicado e particular.

Recomendo!

Federico Falco (1977)

Atrás do balcão da Bamboletras (XLVI)

Atrás do balcão da Bamboletras (XLVI)

18h10

– Vou comprar esse livro pro meu pai e depois eu leio.

Eu sorrio em resposta.

18h32

– Vou comprar esse livro pro meu pai e depois eu leio. Normal, né?

Eu sorrio mais largamente e digo que tal estratégia já é um clássico.

19h05

– Vou comprar esses livros pro meu pai e depois eu leio. Sempre quis ler essa edição de luxo do Ulysses 100 anos.

Olho boquiaberto pro sujeito.

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Fica a dica.

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Arte: Tietbo

 

Um livro

A Livraria Bamboletras é um dos lugares mais legais de Porto Alegre, mas está em crise financeira. A crise não foi causada pela mudança para a nossa bela e inusitada sede atual, tudo começou com a pandemia em 2020. Depois tivemos uma lenta recuperação em 2021, só que a surpresa de como começou a ser feita a reforma do Nova Olaria complicou demais nossa vida. Aqueles tapumes deram a todos a impressão de que não havia mais ninguém funcionando no shopping. E nós ainda estávamos lá, pulsando.

Fomos para um espaço que era uma igreja. Estamos preocupados, mas muito contentes com o que ainda estamos construindo. Queremos recebê-los!

Não estamos longe de atingir o equilíbrio, mas, se não o alcançarmos, sua falta pode nos impedir de nos tornarmos aquilo que sonhávamos — sermos uma referência ainda maior na área cultural da cidade, recebendo não somente lançamentos de livros como grupos de leitura, pocket shows e, quem sabe, uma parceria para um mini café.

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