Quando Tostão deixou o futebol, eu tinha 16 anos. Vi-o jogar e fazer gol de falta pelo Cruzeiro contra o Inter nos Eucaliptos ou no Olímpico. Lembro do gol, não do estádio. Um golaço, de longe, no ângulo. Vi-o também pela Seleção Brasileira no dia seguinte à inauguração do Beira-Rio: Brasil 2 x 1 Peru, numa segunda-feira à noite. Pelé estava em campo, mas os gols foram de Jairzinho e Gérson. Muito bom jogo. Mas voltemos à Tostão. Foi um tremendo jogador que teve de largar o futebol aos 26 anos, quando sofreu um segundo descolamento de retina e os médicos mandaram-lhe parar. Parar com o futebol, pois Tostão (ou Eduardo Gonçalves de Andrade) não parou. Evitou as entrevistas e o coitadismo (abraço, João Carlos Martins!), estudou como um louco, formou-se em medicina, foi professor, mas um dia não aguentou e voltou ao futebol como comentarista. É um observador e pensador de primeira linha, tanto que recebeu vários prêmios por seus escritos sobre futebol, sempre no exterior, é claro. É alguém que levou efetivamente sua inteligência em campo para outras áreas.
Mais do que uma autobiografia, o livro é uma coleção de crônicas e ensaios onde Tostão analisa o futebol moderno, comparando a era de ouro dos anos 1970 com o futebol atual, desde o ponto de vista tático até o comercial. Em textos simples e diretos, relembra momentos históricos: suas vivências na Copa de 1970, o convívio com Pelé, a aposentadoria precoce… Também toca na cultura e na política — sobre como o futebol reflete as contradições do Brasil, da desigualdade social ao heroísmo improvável dos ídolos, tudo longe do ufanismo tão comum.
A nostalgia chega sem romantismo e alguns textos assumem que você tenha conhecimento prévio de fatos históricos do futebol. Tostão celebra o passado sem ignorar os problemas. O livro é para os adeptos do futebol que buscam análises além dos clichês. Não é uma biografia — quem busca detalhes da vida pessoal de Tostão vai ficar frustrado.
Acumulei algumas coisas no parágrafo anterior para chegar logo ao capítulo 17, “Não foi por acaso”. Em suas 16 páginas, Tostão faz surpreendente e lúcido apanhado sobre a evolução do futebol, falando nos vários esquemas táticos, na supervalorização dos técnicos — tanto no campo e quanto nas análises da imprensa e dirigentes –, na malandragem, na grana… Enfim, só este capítulo já vale o livro.
Tem na Bamboletras, claro.