Bom dia, Diego Aguirre. A boa educação uruguaia não te livra de algumas burradas, né?

Bom dia, Diego Aguirre. A boa educação uruguaia não te livra de algumas burradas, né?
Tchau, Milton, não me enche o saco
Tchau, Milton, não me enche o saco

O que achaste da agressão aos professores ontem em Curitiba? Sei, a educação uruguaia é de melhor qualidade. Lá os professores também apanham? Não creio. O governador Beto Richa é um certamente um canalha, mas vamos em frente, temos um feriadão e um Gre-Nal pela frente.

Não dou grande importância ao Picanhão — falo mal do regional até quando ganhamos –, só acho que um jogo contra o Grêmio é um belo teste para quem vai disputar dois jogos eliminatórios pelas oitavas da Libertadores contra o Atlético-MG, o mais recente Rei do mata-mata no Brasil.

Nenhuma voz dissonante sai do Beira-Rio, porém o Grêmio tem dado aquele incentivo extra a nossos jogadores. Estão querendo estabelecer uma richa (aqui não falo do governador Beto Hitler) entre Felipe Bastos e D`Alessandro… Que bobagem. Depois veio um diretor chamado César Pacheco e disse que não conhecia o Alex… Outra besteira desnecessária, coisa antiga. Depois eu é que sou velho, Aguirre.

Na lista de bobagens, podemos incluir a demora do Píffero na renovação de Alex. E também a forma como entraste em campo no último Gre-Nal. Vamos falar sério, Aguirre, sei que a educação no Uruguai é melhor, mas tu foste burro demais no último domingo. Dois volantes com o Aránguiz mais à frente? Olha, eu não sei treinar um time, dar dinâmica a ela, sou um idiota completo, mas sei que como um time deve se dispor em campo. Vejo futebol há mais de 40 anos e aprendi alguma coisa. Sei que o Aránguiz rende como volante e renderá mais ainda se tiver um lateral que cubra suas subidas, como faz a seleção chilena.

Outra coisa abelística é a insistência em deixar o Valdívia na reserva. O cara está vivendo um momento mágico e tu o pões para dormir? Francamente. E ainda: por que colocar o Anderson se temos disponível o Alex cheio de gana para renovar seu contrato?

Mas vamos ganhar este Gre-Nal para depois embicar na pista de decolagem da Libertadores. Posso ser otimista, Aguirre?

Também preciso me encontrar

Também preciso me encontrar
René Magritte, Le Double secret (1927)
René Magritte, Le Double Secret (1927)

Ontem, ouvi uma menina dizer que estava procurando a si mesma, que tinha que se encontrar. Eu estava olhando para ela. Parecia inteira. E se ela já estivesse dentro de si mesma? Onde teria se perdido? E se ela se encontrar e não se reconhecer? E se estiver dividida? E se não gostar do encontro? E se, quando chegar, já tiver ido embora?

Ai, meu deus, que nervoso.

Logo depois, tive uma experiência metafísica durante minha corrida noturna. Quando ia em direção a uma luminária da Vasco da Gama, uma sombra formava-se cada vez mais forte atrás de mim, aproximava-se e, por momentos, eu me encontrava. Quando passava a luminária, via a mesma sombra, agora na minha frente, mas alongando-se e ficando cada vez mais fraca. Corria atrás dela, mas quanto mais eu corria mais eu ficava sem mim.

Meu psicanalista remoto, o Dr. Claudio Costa, fez uma afirmativa erudita e uma pergunta curiosa. A erudição: Durante sua corrida, você teve uma experiência do mito da caverna platônica, Milton.

Só que a sombra estava no chão, e não na parede do fundo… E a pergunta: Quando “eu” falo “de mim”, somos um? 

Olha, doutor, creio que a resposta a sua pergunta é: Não, somos dois, no mínimo.

Seguindo a vida, hoje tenho vários compromissos, mas depois de ir ao advogado, tenho mais o pensar. Por exemplo, alguém sabe o que faz uma pessoa dizer que merece ovos mexidos pela manhã?

https://youtu.be/cRw8XZy1unc

Holy Motors de novo, ainda bem

Holy Motors de novo, ainda bem

O que eu escrevo hoje dialoga vagamente com o artigo de Paulo Gleich, publicado há algumas horas pelo Sul21. Ontem à noite, soube que ia passar o excelente Motores Sagrados (Holy Motors), de Leos Carax, num desses canais Max da Net. Eu simplesmente precisava rever este filme tão surpreendente quando crítico em relação ao cinema atual. Seguindo a trilha do prefixo “re”, digo que rever e reler são as formas de reter conhecimento e impedir a fuga de referências de nosso cérebro. É melhor apelar para os clássicos, mas um belo filme contemporâneo, como Holy Motors, faz o serviço.

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Tudo começa com um cinema lotado, onde todos dormem. Há projeção e som, mas todos dormem, estáticos. É exatamente o que sinto muitas vezes ao ver a produção comercial norte-americana e a da Globo Filmes. Enquanto a gente vê, já vai inserindo tudo o que nos entra pelos olhos e ouvidos no escaninho “Para esquecer”. A gente vê como se estivesse dormindo ou, mais consistentemente, perdendo tempo. Pois bem, voltemos ao filme de Carax. Nele, o Sr. Oscar — vivido por Denis Lavant, ator onipresente nos filmes do diretor — tem um estranho trabalho. Anda de limusine por Paris, recebendo ordens para atuar em diversos papéis que lhe são passados por uma estranha organização. Por que lhe são dadas aquelas ordens? Quem o paga? Quem é sua plateia? Onde estão as câmeras? Qual sua verdadeira identidade? E Oscar percorre a cidade cumprindo uma série de compromissos sem nexo entre si, onde humor e drama não estão ausentes. Há uma cena de dança, outra em esgotos e cemitérios, há outra em o Sr. Oscar morre de forma tocante (e subitamente acorda para o próximo compromisso), em outra comete um assassinato e assim vamos visitando diversos gêneros cinematográficos que deságuam numa intrigante cena final, onde várias limusines comentam que o mundo não quer mais emoção nem surpresas. O que Carax nos mostra em Holy Motors é uma super-fetação de emoções.

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Extremamente bem acabado, cheio de cenas de virtuosismo arrebatador, Holy Motors carece de unidade. Esta é sua maior qualidade. Michel Piccoli, chefe de Oscar, aparece em uma cena e pergunta o que o leva a seguir fazendo aquele trabalho. A resposta é simples: “A beleza do gesto”. Se carece de unidade, o filme tem muito humor, o humor anárquico de que tanto gosto. Holy Motors só pode ser compreendido em cada um de seus módulos e na tese geral de Carax de que o cinema de nossos dias… é muito chato. Ele tem razão. Na cena final, todas as limusines da “empresa Holy Motors” entram numa garagem e travam um diálogo antes de dormir. O filme foi aplaudido por dez minutos após ser apresentado em Cannes 2012. Claro que não levou nada. Por algum motivo, o humor e o sarcasmo passam ao largo das comissões julgadoras, que talvez se julguem desprestigiadas se premiarem algo que não parece sério, mesmo que seja seríssimo.

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Vi este tremendo filme pela primeira vez em 2013, no saudoso Instituto NT. Fui sozinho. Estava me separando de Pâmela. O notável é que a ligação de Holy Motors é com o NT e com o fato de, coisa rara, eu tê-lo visto sozinho. Em minha mente, a obra ficou Pâmela-free. Ótimo.

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Enquanto escrevo isso, o Latuff me chama para discutir a trilha sonora de O Iluminado. Falamos de meu ídolo Bartók. Frase do Latuff: “Alguns artistas têm fácil acesso às sombras, caso do Kubrick”. Bartók também tinha, Latuff. Elegemos o filme de Kubrick, mais Psicose e O Exorcista como os melhores filmes de terror que vimos. Nada original. Gostaria agora de acrescentar um mais recente: O Silêncio dos Inocentes.

“Ninguém que dependa de votos no Brasil é louco de se associar aos ateus”

“Ninguém que dependa de votos no Brasil é louco de se associar aos ateus”

Do publico.pt

Não se foge à religião no Brasil. Aqui, a fé é ela própria uma divindade de direito próprio: omnipresente. A velar o turismo carioca no topo do Corcovado; no Brás, distrito industrial paulistano onde a Igreja Universal do Reino de Deus construiu recentemente uma enorme réplica do primeiro templo citado na Bíblia, o Templo de Salomão; nas intersecções obscuras da mata atlântica que se adentra pelas cidades, com o candomblé baiano; nos media; no Congresso.

Falar de laicismo parece por isso mais um exercício de republicanismo teórico do que um debate sobre uma característica fundamental dos Estados modernos. Nas urnas, as escolhas do povo estão longe de reflectir essa necessidade. O que tolhe as elites e aumenta o poder das várias igrejas que pululam pelo país, em particular as evangélicas. É nesse contexto, e em absoluta contracorrente, que nasceu a Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos (ATEA).

Daniel Sottomaior é o fundador (2008), presidente e principal rosto da ATEA, que está a tomar em mãos o que ele próprio, com ironia, designa como “luta de David contra Golias”: travar a promiscuidade entre o Estado e as religiões. Na Justiça. Um caso de cada vez. Conversámos numa pequena empadaria do centro de São Paulo, onde pouco depois da entrevista um pregador fortuito num altar de cartão nos diz na rua: “Deus continua existindo!”

Daniel Sottomaior
Daniel Sottomaior

Quantos ateus estimam que existam no Brasil?
Todas as pesquisas indicam de 1% a 3%. Não dá para saber exactamente quanto, porque a margem de erro é perto de 1%.

Em números absolutos são…
Se pensarmos em 2%, são quatro milhões de pessoas.

Como são tratadas num país tão religioso?
Uma imensa parte muito mal. Costumo dizer que somos os párias oficiais. Se olhar o que aconteceu na evolução do movimento negro ou do movimento LGBT, por exemplo, houve no Brasil uma progressiva judicialização dos casos de preconceito e discriminação – o que é um sinal de progresso. Hoje em dia, se uma pessoa xinga um negro de macaco, sabe que pode ser preso. Se faz o mesmo com um ateu, a expectativa é completamente diferente.

Por exemplo.
Há um tempo uma moça fez um tweet preconceituoso contra os nordestinos (os imigrantes magrebinos na França são os “imigrantes” nordestinos em São Paulo, é a mesma coisa) e houve comoção nacional, investigação no Ministério Público, manchetes… Óptimo. Muito bom. Agora, quando se falam as mesmas coisas para os ateus [o tweet: “Nordestino não é gente, faça um favor a SP, mate um nordestino afogado”] ou pior, nunca dá manchete, acção das autoridades, ninguém vai preso, é investigado, nada. Xingar os ateus é a mais perfeita normalidade institucional. Ninguém fica indignado. É a mais pura expressão da cultura local.

Acontece ao contrário: ateus a insultar crentes?
É possível, mas não tenho notícia de ateus dizendo que os cristãos – ou seja quem for – são criminosos, que não merecem viver, que têm que ser segregados da sociedade, que têm que ir embora, que merecem o inferno… Não vejo os ateus dizendo isso de ninguém.

Qual é o papel da ATEA?
São muitos. Tentamos focar-nos em dois mais importantes: diminuir o preconceito e lutar pela laicidade do Estado.

A que tipo de acções se dedicam mais?
Ao activismo judicial. Com a imprensa, podemos contar relativamente pouco. O poder público – o executivo e o legislativo – depende de votos. E ninguém que dependa de votos é louco de se associar com os ateus. Sabe o que acontece. Por eliminação, sobra o judiciário. E, ainda assim, aos trancos e barrancos.

Mas que acções são essas?
A mais recente: no final do mês [de Março] a Cúria Metropolitana vai fazer uma procissão pedindo chuva. É a dança da chuva moderna. A diferença é que agora se sentem no direito de usar o carro do corpo de bombeiros – um serviço público essencial – para carregar a imagem pela cidade. E os bombeiros, obviamente, também não vêem nenhum problema. A ATEA vai tentar impedir que isso aconteça – ou, se não for impedido, que os cofres públicos sejam ressarcidos.

E campanhas de sensibilização?
Já fizemos duas, mas isso é eventual. O dia-a-dia é ir à Justiça, ir ao Ministério Público, e pedir providências.

Quantos associados têm?
Cerca de 14 mil, por todo o país.

Como assistiu às últimas presidenciais, tão marcadas pela religião, em particular pela candidatura de Marina Silva?
Não só as presidenciais: para governador, prefeito, vereador, deputado estadual… Todas as eleições são dominadas pela questão religiosa. É uma tragédia anunciada. Os evangélicos se começaram a expandir no Brasil pela TV, há 20 ou 30 anos. Têm muitos fiéis com baixa escolaridade, vítimas fáceis destes predadores, que conseguem amealhar vastas fortunas – um deles é Edir Macedo [fundador da Igreja Universal do Reino de Deus], que está até na lista Forbes entre os mais ricos. Óbvia e literalmente, o dinheiro não cai do céu. Sai dos bolsos dos fiéis. Uma parte vai parar em propaganda porque rende (se desse prejuízo, parariam). E essas pessoas, como noutros países, elegem o melhor representante que o dinheiro pode comprar.

Têm interlocutores habituais? Partidos políticos, poderes locais, estaduais, federal…
Ninguém é louco. [risos]

Ainda assim, há algum partido em particular mais apto a incluir as reivindicações da ATEA no seu programa político?
Quanto mais à esquerda, maior é a tendência de haver uma certa afinidade. São esses os partidos que vejo a poder defender os direitos das minorias e a laicidade do Estado. Mas não sei se posso apontar algum em particular – tanto que isso não aconteceu até hoje.

Em 2009, endereçaram uma carta aberta ao Presidente Lula da Silva, apontando-lhe contradições no que diz respeito à laicidade. Como é que Dilma Rousseff está a tratar esta questão?
A acção é sempre ambígua. Tende mais para o religioso do que para o laico. Um dado interessante: ela é agnóstica. Um pouco antes de ser candidata, numa entrevista famosa, disse [sobre a existência de Deus]: “Eu me equilibro nessa questão. Será que há? Será que não há?” Podemos interpretar isso como sendo a confissão de uma agnóstica, ou de uma ateia que está só abrindo a portinha do armário. Meses depois, miraculosamente, se converteu. Virou uma beata, como se o fosse desde a infância – e assim permanece.

Isso é só curiosidade. Em termos da laicidade em si, ela prefere ceder às pressões dos evangélicos, dos religiosos, sempre que haja um conflito. Seja na questão do aborto, na questão dos direitos das mulheres, casais homossexuais… Dilma sabe qual é o poder da bancada [parlamentar] evangélica. Teve um caso emblemático do chamado “kit gay”, uma iniciativa do Ministério da Educação para incluir em material didáctico uma espécie de cartilha sobre diversidade sexual – a importância e o preconceito. A bancada evangélica disse que o Governo estava tentando influenciar as crianças a serem homossexuais e conseguiu barrar a iniciativa. Isso, obviamente, com o aval da Presidente.

É possível uma associação tão pequena fazer frente a forças tão poderosas? Igrejas com tanto dinheiro, acesso a canais de televisão, que se impõem nas cidades com grandes templos…
É uma luta de David contra Golias. [risos] No que diz respeito ao Brasil, a organização deles chegou com 500 anos de antecedência em relação à nossa. É natural que estejam na frente. Não temos a perspectiva de ficar num embate equilibrado de forças em pouco tempo. Temos de ser realistas: estamos só começando. Já fizemos progressos monstruosos: os media já reconhecem a ATEA como uma liderança. A quantidade de associados é enorme, mesmo para um país com 200 milhões de pessoas. No Facebook, caminhamos para os 400 mil seguidores. Para uma página em português, que só fala de ateísmo e achincalha todas as religiões, é um número extremamente expressivo. Temos muitas acções na Justiça, já conseguimos movimentar uma pequeníssima quantidade de dinheiro… Há dez anos, antes de começar a ATEA, jamais imaginaria que teríamos tantas vitórias assim em pouco tempo.

Têm algum apoio do Estado, enquanto associação cívica?
O Estado quer que a gente morra! Tudo o que fazemos é contra o Estado. O violador é sempre um agente do Estado. E, frequentemente, alguém do alto da pirâmide: o presidente da câmara que diz que tem que deixar o crucifixo na câmara; o magistrado que beneficia religiosos; ou o Congresso, que aprova a Concordata com o Vaticano concedendo à Igreja Católica direitos que ninguém mais tem. Todas as decisões para preservar a laicidade, num país religioso, com a religiosidade tacanha que tem aqui, são impopulares.

Recebem muitas reacções de crentes?
O amor cristão sempre nos é expresso nos termos mais chulos e mais violentos: “um dia, todo o joelho se dobrará a Jesus”, ou que nós arderemos no fogo do Inferno, que vamos todos morrer de cancro, que somos pessoas infelizes, que não temos mais nada para fazer, que temos que deixar [em paz] a maioria cristã… Bastante!

No ano passado, sentiram necessidade de sair em defesa do colectivo Porta dos Fundos. Porquê?
O Porta dos Fundos tem vários ateus. Mas isso não seria relevante, não fosse o facto de que eles fazem muitos vídeos ridicularizando muito abertamente a religião. E eles foram várias vezes atacados. Salvaguardando as devidas proporções, foi um pouco como aconteceu com o Charlie Hebdo: qual é direito que eles têm para falar coisas daquelas? O nosso apoio foi para lembrar que o sagrado só o é para os religiosos, que não podem obrigar os outros a seguir as mesmas regras que eles, inclusive as regras da sexualidade.

Um jornal como o Charlie Hebdo poderia singrar no Brasil, ou seria rechaçado?
Tem espaço para a Porta dos Fundos… O único problema é o espaço para osmedia impressos, que hoje em dia atravessam dificuldades sérias. Fora isso, assim como na França [o Charlie Hebdo] só vai vender um milhão de cópias por causa da tragédia, aqui também: iria vender 5 mil cópias, que seriam os seus fiéis… leitores.

Correcção: os estudos indicam que os ateus correspondem a 1% a 3% da população brasileira e não a 1% a 6%, como estava erradamente transcrito na resposta à primeira pergunta.

O Gre-Nal salvo pelo absinto

O Gre-Nal salvo pelo absinto
Aguirre, treina chutes a gol com o Sasha!
Aguirre, faz o Sasha treinar chutes a gol!

O Inter perdeu a grande chance que lhe foi dada pelo árbitro Anderson Daronco. Este distribuiu tantos cartões bobos que foi obrigado a expulsar Geromel quando este fez, finalmente, uma falta merecedora de cartão. Depois o Grêmio recuou, mas o Inter não se fartou de perder gols, perdeu uns aqui e ali, não houve grande pressão. E, pqp, foi uma partida ruim, bem chata de se ver. O Douglas Ceconello matou a questão: Gre-Nal, se não fosses tão feio, não serias eterno”.

O resultado do jogo foi o reflexo exato daquilo que se passou dentro do campo. Não me digam dos gols perdidos pelo Inter. Por exemplo, soltando aquele traque, como fez no segundo tempo, Sasha jamais fará gol em Grohe. Ninguém pode sequer querer reclamar grande injustiça de placar ou arbitragem. Daronco foi ruim para os dois lados. Como tem ocorrido, foi mais um Gre-Nal entre dois times com mais receio de perder do que desejo de ganhar. Houve poucas oportunidades de gol ou jogadas de perigo e, portanto, o marcador foi a consequência lógica desta postura medrosa. O resultado foi ótimo para o Grêmio e há precedentes. Em 2006, exatamente desta forma, o Grêmio foi campeão no Beira-Rio pelo saldo qualificado após um empate em zero no Olímpico.

Os garotos Rodrigo Dourado e Valdívia voltaram a ser os destaques do Inter — Valdívia tem que iniciar os jogos, certo Aguirre? Também recém vindos dos juniores, William, Alisson e Geferson foram bem. A exceção foi Sasha, que decaiu muito. O milionário restante do time foi apenas irregular…

Para piorar, enquanto víamos o jogo, eu e Elena perdíamos de conversar com o Henrique Bente, que fora ver a coisa lá em casa. Minutos depois de sair lá de casa, o Henrique escreveu o que segue em seu perfil do Facebook:

Primeiro Gre-Nal a que assisto depois de desligar-me do Grêmio em função do Caso Aranha.
 
Claro que não vestiria nem a camiseta de um, tampouco a do outro, então em solidariedade aos anfitriões vesti as cores tchecas e ingressei nos domínios do Imperador Vassily, o Magnífico, para torcer pelas fraturas.
 
Assistir a uma partida de futebol tão desgraçada na casa de uma musicista e de um melômano foi interessante, não tanto pelos vinte e dois caboclos que insistiam em desonrar o ludopédio, mas pela experiência de escutar, em vez da voz de boleiros, boa música: César Franck, Franz Schubert e Johann Sebastian Bach fizeram suas contribuições, mas foi a Sinfonia Italiana de Felix Mendelssohn-Bartholdy a que melhor se saiu junto com a coreografia sovaquenta daqueles inimigos da bola.
 
Assistir ao Braian Rodriguez passar lotado pela bola ao som da abertura de Sonho de uma Noite de Verão foi talvez um pouco demais para meu telencéfalo, de modo que meus atentos anfitriões não tardaram a desinfetar meus sentidos com um potente absinto. Depois de dois goles da Fada Verde, tudo melhorou.
 
Espero repetir a experiência com melhor futebol. Por ora, muito obrigado, Milton e Elena!

Tem razão o Henrique, o absinto tornou o final da partida agradável. Os erros de passes tornaram-se lógicos, os rostos duros de ruindade tornaram-se engraçados, o problema é que no Beira-Rio, no próximo domingo, ninguém vai deixar eu levar a garrafa milagrosa.

O Gre-Nal mais legal de todos os tempos

O Gre-Nal mais legal de todos os tempos

Já que teremos um Gre-Nal domingo, lembremos de um célebre clássico de outros tempos…

223099-sem-titulo (1)Olha, o jogo foi uma porcaria. Mas a briga… Deixa eu contar para vocês. Era na tarde de dia 20 de abril de 1969. Eu tinha 11 anos e aquele já seria meu quarto jogo no Beira-Rio, pois tinha visto Inter 2 x 1 Benfica (inauguração do estádio em 6 de abril), Brasil 2 x 1 Peru (inauguração dos refletores em 7 de abril) e Inter 4 x 0 Peñarol, todos jogos do Festival de Inauguração do novo estádio. É importante é começar dizendo que AQUELE ERA OUTRO MUNDO.

Imaginem o seguinte. Sempre que Grêmio ou Inter construíam um estádio, o crescimento do patrimônio vinha acompanhado da GLÓRIA. Não sei o motivo, mas o time de maior estádio vencia mais. O Grêmio era grande nos anos 20 com a Baixada. A partir dos anos 30, com a construção dos Eucaliptos, formamos o Rolo Compressor que quase fez o Grêmio – sim, vá estudar! – fechar. Então veio o Olímpico em 1954 e, poucos anos depois, o Grêmio passou a ganhar tudo. Em 1969, amargávamos o seguinte retrospecto: dos últimos 13 Campeonatos Gaúchos, eles tinham ganhado 12.

Ou seja, havia a certeza de que o estádio era um fator fundamental. Hoje sabemos que a mística do estádio voltaria a funcionar a pleno naquele 1969 e nos anos 70. Então, enquanto todo o esforço do Grêmio era para que o Inter não conseguisse o crescimento aguardado, nós tínhamos certeza que, com o Beira-Rio, já éramos os melhores. Para piorar, o Inter, em 1954, fora inaugurar o Olímpico. E como inaugurou! Paradoxalmente, fizemos 6 x 2 e meu pai contava e recontava dando gargalhadas um dos gols que Larry marcara em tabela com Bodinho. Porém, para piorar ainda mais, o goleiro que levara os seis gols em 1954 era o técnico do Grêmio em 1969, Sérgio Moacir Torres Nunes, aquele mesmo que quisera retirar seu time de campo a fim de evitar um fiasco na inauguração de 1954. Não deu certo. Sentiram as possibilidades de violência? Pois é.

Mas há mais: o futebol naquela época era infinitamente mais violento do que o atual. Ah, duvidam? Então vejam, por exemplo, a carnificina que foi aquele Grêmio x Peñarol que tornou o tricolor campeão da Libertadores pela primeira vez. E já eram os anos 80. E era tudo normal. Um jogador era quase assassinado, o juiz marcava a falta e o jogo seguia.

Mas tem ainda mais: dias antes, houve uma briga entre as duas diretorias. O Grêmio disse que ia ao jogo — que era “amistoso” — sob protesto e a diretoria do Inter respondeu:

Montagem: Globoesporte
Montagem: Globoesporte

Pois então fomos para o estádio. Dia chuvoso, horrível, estádio hiperlotado como não se faz mais. A torcida do Grêmio ocupava metade da geral e da arquibancada. É claro que não lembro de nada que não seja a briga. Tinha 11 anos. Aquilo foi demais! O jogo foi truncado e cheio de faltas; só sei que Hélio Pires — um rápido ponta-direita e centroavante que o Grêmio buscara no Novo Hamburgo –, já tinha sido expulso. Menos um para a briga final.

Montagem: Globoesporte
Montagem: Globoesporte

Então, aos 37 do segundo tempo, a bola foi mansamente em direção a Alberto, grande goleiro do Grêmio. Espinosa – ele mesmo – foi à trote proteger seu goleiro e Urruzmendi, um uruguaio ruim pra burro, correu em direção a Alberto como se fosse tirar-lhe a bola sabe-se lá como, talvez atentando contra a vida do calmo arqueiro, pois ela estava em suas mãos. Espinosa, que na época usava cabelos muito compridos e um bigode que envergonharia Olívio Dutra, fez a proteção. Foi bem na minha frente. Dizer que Urruzmendi atropelou Espinosa é uma redução. Se minha memória funciona um pouquinho, o uruguaio não apenas não travou a corrida como estranhamente ergueu os dois cotovelos, atingindo a cabeça de Espinosa por trás. O futuro técnico campeão do mundo pelo Grêmio decolou, mais ou menos como a Maurren Maggi é capaz, sem auxílio de nenhum homem. Claro, eu achei bacana. Afinal, os gremistas estavam lá ou para perder ou para apanhar, e já que não perdiam… Era o espírito da época! A reação veio com Tupãzinho, um excelente atacante comprado ao Palmeiras. Ele conjeturou se aquilo não ultrapassaria o aceitável e concluiu que Urruzmendi já vivera o suficiente.

Alcindo contou, anos depois, com uma ponta de saudade: “Olha, numa confusão daquelas, você não bate nem apanha. Você não sabe em quem está dando, de quem vem o soco… Você está sempre cego, ameaça, empurra…”.

Bom, o que veio a seguir… Só por fotos e por dois antológicos filminhos. Foi a mais bela batalha campal que vi. Acho que as guerras no passado deviam ser daquele jeito. Talvez algumas guerras napoleônicas tenham terminado no corpo a corpo, quando não havia mais pólvora. Lindo aquilo. Eu pulava de alegria. Todos pulavam de alegria. Estávamos no Coliseu. O juiz expulsou TODOS os jogadores, exceto Dorinho (Inter) e Alberto (Grêmio). No dia seguinte, torcedores de ambos os times chamavam os dois de bichas. Tinham que brigar, pô!

As fotos e os filmes são sublimes, vejam abaixo:

Candidamente — notem o sorriso –, Sadi observa seu pé procurar a cabeça (ou o pescoço) de Alcindo no chão.
Candidamente — notem o sorriso –, Sadi observa seu pé procurar a cabeça (ou o pescoço) de Alcindo no chão.
Gainete sentado com Alcindo no colo. Parece que o Bugre está tomando uns tapinhas na bunda. Baixaria.
Gainete sentado com Alcindo no colo. Parece que o Bugre está tomando uns tapinhas na bunda. Baixaria.
Dorinho não foi expulso, mas o que faz no meio da confusão, com a camisa dez colorada? Foge? Não me parece.
Dorinho não foi expulso, mas o que faz no meio da confusão, com a camisa dez colorada? Foge? Não me parece.
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Flagrante do tranquilo Alberto aconselhando a Urruzmendi e Alcindo: “Muita calma nessa hora”… Vejam o detalhe da mão do goleiro, pedindo paz.

Um raro filminho. Espetacular voadora de Gainete. Uma coisa é dar a voadora, outra é planejar onde cair…

Acima, um mais completinho…

A refrega ocorreu aos 37 do segundo tempo e, serenados os ânimos (sic), o Inter queria seguir jogando… No dia seguinte, TODOS os gremistas diziam que seus pupilos tinham batido a valer nos colorados e TODOS nós dizíamos o mesmo em sentido contrário. Céus, que idiotice! Passamos anos falando e discutindo e brigando sobre aquele jogo.

Ficha técnica da arruaça:

Internacional 0 x 0 Grêmio
Data: 20/04/1969
Local: Estádio Beira-Rio
Arbitragem: Orion Satter de Mello
Internacional: Carlos Gainete Filho; Laurício, Pontes (este era Bibiano, irmão da célebre dupla de zaga João e Daison Pontes, representantes máximos da ultra-violência no interior gaúcho), Valmir Louruz e Sadi Schwertz; Tovar e Dorinho; Valdomiro Vaz Franco, Bráulio, Sérgio e Gilson Porto (Urruzmendi).

Grêmio: Alberto; Valdir Espinosa, Ari Ercílio, Áureo e Everaldo Marques da Silva; Jadir e Sérgio Lopes (Cléo); Hélio Pires, João Severiano, Alcindo Marta de Freitas e Volmir (Tupãzinho).

Observações finais:

1) Saldo: nenhum morto.
2) Em negrito estão as figuras mais famosas das tropas.

Bom dia, Diego Aguirre (veja os gols e os cruzamentos das oitavas na Libertadores)

Bom dia, Diego Aguirre (veja os gols e os cruzamentos das oitavas na Libertadores)

Na noite em que a Câmara dos Deputados fez uso de nossos ânus, fazendo o trabalho para o qual foram pagos pelos empresários que investiram em suas campanhas, o Inter quase protagonizou um fiasco histórico. Após um primeiro tempo brilhante, relaxamos de forma exagerada e quase deixamos que o The Strongest ganhasse seu primeiro ponto fora de casa em 11 jogos contra times brasileiros.

Com irreconhecíveis atuações individuais de D`Alessandro, Nilmar, Aránguiz e Sasha — imaginem que Dale perdeu duas bolas nas imediações de nossa grande área, deixando adversários cara a cara com Alisson –, fizemos um segundo tempo miserável, digno de meus bocejos na arquibancada, ao menos até a pressãozinha do The Strongest.

Como tu disseste, Aguirre, nossos jogadores subestimaram o time boliviano. Acabamos a partida com nosso meio-de-campo inteiramente dominado pelo fraco time dos Andes. Parecia um filme de terror. Foi bom que isso acontecesse antes do Gre-Nal. Uma atuação dessas contra o tricolor seria a repetição do segundo clássico do Brasileiro do ano passado, vencido pelos pijamistas por 4 a 1, lembram? Simplesmente não dá para repetir o jogo de ontem. Espero que William assuma a lateral direita, que Aránguiz marque mais e acerte alguns passes, que Lisandro López faça aquela sombra amiga para Nilmar e que Sasha e Dale venham mais ligados para dentro do gramado. E, Aguirre, bota o Dale do lado direito. No meio, ele não rende.

O Atlético-MG será um adversário terrível. São os Reis do Mata-Mata no Brasil. O Corinthians foi esperto ao entregar seu jogo para o São Paulo justo pelo placar que lhe serviria para escapar do forte Atlético-MG, pegando o fraco Guaraní do Paraguai. O regulamento deu-lhe esta chance a acho que, no lugar deles, faríamos o mesmo. Paciência. Vamos ter que quebrar mais um tabu…

chaves libertadores

As próximas semanas do Internacional — roubado do Carta na Manga

26/04 – Grêmio x Inter – Arena – Gauchão
03/05 – Inter x Grêmio – Beira-Rio – Gauchão
06/05 – Atlético-MG x Inter – Independência – Libertadores (data provável. a confirmar)
10/05 – Atlético-PR x Inter – Arena da Baixada – Brasileiro
13/05 – Inter x Atlético-MG – Beira-Rio – Libertadores (data provável. a confirmar)
17/05 – Inter x Avaí – Beira-Rio – Brasileiro
20/05 – Santa Fé ou Estudiantes x Inter – Libertadores (se passar pelo Galo)
23/05 – Vasco x Inter – São Januário – Brasileiro
27/05 – Inter x Santa Fé ou Estudiantes – Beira-Rio – Libertadores (se passar pelo Galo)

Nosso encontro com João Bez Batti

Nosso encontro com João Bez Batti

Eu estava recém separado quando resolvi pegar as crianças e tirar uns dias num hotel fazenda. Escolhi a pousada da Don Giovanni. Nunca tinha ido lá e deixei meu filho Bernardo ser nosso navegador. Perdemo-nos várias vezes, dávamos risadas, mas chegamos. Lugar lindo, acomodações perfeitas. Era uma quarta-feira gelada de inverno, quase zero grau. Ficaríamos até o domingo seguinte. No primeiro passeio, descobrimos algo que me pareceu do outro mundo. O escultor João Bez Batti tinha seu atelier numa casa dentro da fazenda. Já conhecia alguns de seus trabalhos. Havia algumas peças em exposição e fomos examinar cada uma delas quando o escultor chegou-se a nós timidamente, ouvindo e sorrindo do que dizíamos, principalmente do que diziam Bárbara e Bernardo. Ele puxou conversa com as crianças enquanto crescia em mim aquela conhecida dúvida de pai: estaríamos ou não incomodando?

bez battiMais um pouco e fomos embora. Depois do almoço, fui babar no travesseiro, mas depois soube que os dois tinham voltado ao atelier e, mais, que passaram horas com o João. No dia seguinte, ele veio me comunicar que tinha comprado pão, leite, nescau, bolachas, sucos naturais, iogurtes para eles e comida para a Bárbara dar para seus gatos. Queria que os guris se sentissem “mais em casa”. No hotel, houve certo pasmo. Bez Batti não costumava disponibilizar seu tempo tão generosamente, ainda mais para crianças. Enchi-os de recomendações e eles foram para o atelier. Às vezes eu conferia a bagunça e era sempre a mesma coisa. João estava seduzido pela Bárbara, que brincava com os gatos e comia (sempre perguntando para o João rir: “Eu sou magra de ruim, né?”), enquanto o Bernardo contava histórias — sempre foi insuperável neste quesito — e fazia perguntas sobre as pedras. Eles também levavam centenas de girinos do lago ao lado para o escultor observar… Voltavam para o hotel molhadíssimos e eu colocava as roupas cheias de barro no secador de toalhas do quarto. Guardei uma muda de roupa limpa e o resto era para encher de terra. A mãe deles que depois lavasse. Só ia chamá-los para o almoço ou algum passeio; a maior parte do tempo eles ficavam com o João. Ficamos amigos, claro.

Nos últimos dias, eu também permanecia no atelier. Passamos a falar sobre pedagogia e literatura. Tínhamos concepções “muito iguais” sobre como criar e acompanhar os filhos. Ríamos a respeito de ambos sermos pais-problema. Ríamos ainda mais porque ambos tínhamos, como ex-mulheres, ex-militantes de esquerda que se tornaram competitivas amantes do dinheiro. Na literatura, João descrevia uma vivência inteiramente diferente da minha. Tinha referências sempre muito interessantes sobre o ambiente dos livros. A cidade, os espaços, os quartos dos personagens, o campo. Ele foi capaz de descrever os ambientes das cenas principais de vários romances, coisa absolutamente distinta de minhas impressões, muito mais factuais e psicológicas. Era um outro gênero de sensibilidade e eu pensava que tudo o que ele me dizia era tão original e estranho que tinha certeza de sua absoluta inutilidade para mim. Mas nunca esqueci o quarto de Raskolnikov de que ele falava, os navios — cada um deles — de Somerset Maugham, as cenas em praças abertas, na rua ou em ambiente fechado. Tudo muito diferente do que lia. Em sua opinião, o bom escritor evita as longas descrições, pois são sempre decepcionantes e limitadoras. Bastava duas ou três coisas e o resto o leitor criava através da experiência. Tem que deixar para a gente, dizia.

Domingo, logo após o almoço, fomos procurá-lo para nos despedir. As crianças já estavam emocionadas e saudosas por antecipação, procurando o João para exporem sua confusão, provavelmente na forma de lágrimas. Eu sabia que a cena seria dramática. Só que não o encontramos. Porém, no momento em que pus o carro em movimento, o grande João Bez Batti veio correndo aos gritos atrás de nós, com uma pequena escultura em cada mão. Parei e saímos. Ele entregou os objetos, um para a Bárbara, outro para o Bernardo. O dono da pousada e os funcionários ficaram novamente pasmos. Nunca antes ocorrera algo assim. Notei que João represava alguma coisa em seus olhos e despediu-se rapidamente. Então voltou, deu-me um abraço e, com dificuldade, falou em meu ouvido direito: “Milton, não me estraga esses guris. Não quero me despedir deles porque tenho que manter minha fama de durão, tá?”.

João, acho que atentei contra tua fama hoje.

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Penso que as obras abaixo, com exceção de Operária, estavam no atelier durante nossas visitas:


O Visionário


Operária


Pomba Várzea


Rio das Antas


Cabeça cubista


Caminho das águas

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Hoje, João Bez Batti reside e trabalha na Casa Gilmar Cantelli (três links diferentes), a qual restaurou em 2002.

Ele segue realizando trabalhos em basalto. Em sua nova casa, também estão expostos os trabalhos em pintura e cerâmica de Diego Bez Batti, filho que ele certamente não “estragou”.

Eu e a Márcia, minha babá, na feira

Eu e a Márcia, minha babá, na feira

No entardecer de sábado, eu estava na feira da Vasco quando um sujeito bateu no meu ombro perguntando se eu era o Milton Ribeiro. Ele se apresentou rapidamente como Jacó, filho da Márcia. Disse mais algumas coisas, mas nem precisava, pois a Márcia é a Márcia e só houve uma em minha vida. A Márcia foi a minha babá, ora. Ela é a responsável por boa parte desta peste que vos escreve. O que me surpreendeu foi o que ele disse logo a seguir: “Ela está conosco aqui na feira”.

Foto: Elena Romanov

E fui na direção daquela diminuta e respeitável senhora de 90 anos que, apoiada numa bengala, caminhava rapidamente olhando frutas e verduras. Uma onda de carinho me invadiu. Eu não a via há algumas décadas. Faz poucos anos, o mesmo Jacó tinha me ligado e eu anotei todos os dados da Márcia na última página de um livro. Pretendia visitá-la, mas… perdi o livro. Volta e meia vinha-me à mente o que ele pensaria de mim. Afinal, tinha prometido entrar em contato e simplesmente…

Minha família diz que fui uma criança agitadíssima, complicada de suportar. Porém, para a Márcia, eu sempre fui um amor, tudo o que eu fazia era maravilhoso e ela, na feira, me contou que me dava comida e depois não conseguia se alimentar, porque eu ficava na volta dela dizendo, “Dá, dá, dá” com o espírito pantagruélico de sempre.

Ela sabe muito mais de mim do que eu dela. Sei que minha mãe sempre foi só elogios para a Márcia. Repetia que eu fora uma criança privilegiada, cuidadíssima, amadíssima. Dá para notar o mesmo espelhado no filho advogado, no cuidado que tem com a mãe. E algo da Márcia certamente está presente no ser grudentinho que me tornei e na forma com que criei os guris, sempre com interesse, atenção e amor incondicionais. Como dizia, lembro de pouca coisa consistente da época de minha infância, o que sei é de ouvir minha mãe contar de sua paciência e amor. Minha mãe trabalhava muito e, sempre que reclamava de mim, a Márcia contra-argumentava a meu favor. Só ela sabia que eu era perfeito…

Não sei quantos anos ela ficou lá em casa. Depois casou, teve o Jacó. Algumas vezes ela veio nos visitar pois tornara-se amiga de minha mãe e eu sentia uma estranha necessidade de tratar muito bem aquela mulher, isto justo numa época em que ainda não dava aos adultos a contrapartida de amor e atenção que recebia. (Aprendi a fazê-lo mais tarde, ainda a tempo de fazer declarações de amor aos meus pais). Mas a Márcia sempre foi diferente. Ela tinha uma coisa tão francamente afetuosa em relação a mim que eu só podia responder da mesma forma. Eu sentia que ela me adorava e que era uma coisa muito verdadeira.

A Elena observou que as pessoas sempre se referem a meus pais como muito especiais, com emoção. Talvez eu nunca os tenha valorizado como os outros. Ao saber que minha mãe tinha falecido em 2012, a Márcia falou muito bem do casal e afirmou algo que eu já sabia: que a morte do meu pai fez um mal enorme à Maria Luiza. Quando falam bem dos meus pais, o peito aperta e começam a me vir lágrimas. Fiquei assim depois dos cinquenta. Então, quando a Márcia começou a falar deles, tive que me controlar e não sei se me saí lá muito bem.

Mas tergiverso. O que interessa é que fiquei muito feliz em vê-la bem aos 90 anos. Estava com seu filho nora e netos, recebendo deles o que me dera. Uma história feliz. Curioso, ela que me conheceu com menos cabelo do que ela e viu o mesmo acontecer novamente agora! Mas o que interessa é que tiramos uma foto juntos — ideia da Elena, realização do Jacó — e o este me escreveu no Facebook:

Puxa, eu que agradeço pelo momento de felicidade que proporcionaste para a minha mãe. Tu não imaginas o que este reencontro rendeu de conversa para ela…

(Tenho um romance quase pronto e parado há anos. Na história tem uma babá e, sim, vocês já sabem o nome dela).

Boa tarde, Diego Aguirre (veja os gols de Inter 3 x 1 Brasil)

Boa tarde, Diego Aguirre (veja os gols de Inter 3 x 1 Brasil)
Quem vai chamá-lo de burro agora?
Quem vai chamá-lo de burro agora?

Aguirre, caríssimo! Já disse e repeti que, por mim, a dupla Gre-Nal não jogaria o Campeonato Gaúcho. No máximo entraria num quadrangular final, algo assim. O campeão mesmo é o Campeão do Interior, aliás bi-campeão, o Brasil de Pelotas. É um clube com torcida e história que vai lutar para chegar à série B do Brasileiro em 2015. E merece, Aguirre. Espero que a comunidade pelotense — que gosta tanto e vive seu futebol como nenhuma outra no interior do RS — possa formar uma grande onda junto com o time para chegar onde nunca chegaram. Torço pelo Brasil.

O Inter voltou a jogar bem. Perdemos dúzias de gols e chegamos à final com a discutível vantagem de jogar o segundo jogo da decisão em casa. Já são oito anos que somos o time de maior pontuação e decidimos em casa. De 2008 a 2014, ganhamos todos os Gaúchos, à exceção de 2010. São 43 títulos contra 36 do Grêmio, pois o campeonato é disputado entre os dois, com coadjuvantes.

Mas o que interessa é que William segue jogando muito, que Anderson entrou muito bem, que Lisandro López fez boas jogadas e que o time todo reserva, com as exceções de Paulão, Nilton e Alan Ruschel, demonstrou que pode assumir vagas no time titular sem grandes problemas. Tua estratégia mostra-se inteiramente correta e sei que, se eu tivesse enchido o saco de um técnico como parte da imprensa fez contigo, Aguirre, eu diria, OK, talvez eu tenha errado, ele está dando a volta por cima, etc. Mas, no RS, a desfaçatez grassa. Peço-te desculpas pela existência de Wianeys e outros que tais. Não nos queira mal por meio dúzia de idiotas, tá?

Acho que devemos manter este grupo para jogar os Gre-Nais finais. Claro que o Grêmio é de outro nível, mas quem chegou até aqui foram eles, os reservas. E o que interessa é a Libertadores. Se não der certo, paciência.

Fundamental é o jogo de quarta que pode nos dar a liderança do grupo 4 e um uma boa posição nas oitavas-de final. O tal The Strongest é fraco ao nível do mar. Vamos pra cima deles.

https://youtu.be/Bt87-UHNMMs

Palmeiras sem Raízes e Gatos Voadores

Palmeiras sem Raízes e Gatos Voadores

Apertado ao lado de minha mãe na poltrona marrom, eu a ouvia dizer que as árvores tinham profundas raízes e que se alimentavam da terra, da água e da luz. Ficava imaginando as raízes penetrando lentamente na terra. O que seria mais comprido – a árvore do chão até a última folha balançando ao vento ou a árvore do chão até a mais solitária raiz que tivesse penetrado, talvez inadvertidamente, mais fundo na terra? Como a raiz encontraria seu caminho sem ver nada, na escuridão onde também seríamos enterrados? E se a terra fosse muito dura? E como era aquele negócio de se alimentar de luz? Minha mãe me explicou inutilmente a fotossíntese, a produção de oxigênio durante o dia e de alguma coisa ruim à noite, mas eu, como quase não saía de casa depois que o sol se punha, não achei aquilo digno de preocupação. O que eu entendi perfeitamente foi a questão da água: quando chovia, as raízes bebiam tudo. Dava para notar porque as poças d`água não duravam muito tempo. Era óbvio que as árvores chupavam tudo.

PENTAX Image

Certo dia, estava chegando em casa com meu pai e dei-me conta de que tinha que conversar tudo de novo com minha mãe. Acontece que nossa rua, a Av. João Pessoa, atravessava o Arroio Dilúvio através de uma ponte não muito bonita. Claro que eu sempre soubera que havia palmeiras sobre a ponte, mas como não dispunha de tanta informação sobre as árvores, nunca pensara no problema das raízes. Concluí que tinha que informar minha mãe que nem todas as árvores precisavam delas e que as da nossa ponte viviam apenas de luz e água.

PENTAX Image

Falei com ela. Estranho, sua reação esteve longe de ser uma admissão de seu erro. Antes ficou assustada com as palmeiras: afinal, elas poderiam cair durante uma ventania e eu e meus amigos costumávamos brincar pelas redondezas. Os adultos eram mesmo desatentos -– será que ela nunca vira as palmeiras sobre a ponte e nunca pensara no perigo? E ela morava ali desde 1951!

Mais vivas que o time do Palmeiras
Mais vivas do que o time do Palmeiras

Comentei o assunto com meus amigos, mas logo esquecemos daquelas coisas arbóreas que, comparadas com nossas novas descobertas, não tinham nenhum atrativo. Descobrimos que a ponte era uma tremenda diversão. Dava para descer por suas laterais e caminhar sob ela! A brincadeira de esconde-esconde logo mudou muito. Todos queriam se ocultar ali e, muitas vezes, vi meninos negociando se era permitido ou não se esconder debaixo da ponte. Quem estava procurando tinha pouca chance. O cara descia por um lado e nós, vendo sua sombra, fugíamos a toda velocidade, subindo pelo outro lado.

E a ponte logo despertou outras idéias: como quase todas as pontes, ela passava sobre água e nós tínhamos muitos gatos em nosso bairro. Os gatos eram aqueles bichos que arranhavam nossos cães e que tinham a fama de serem limpos e de saberem cair. Ora, a ponte sobre a água lamacenta e ainda pouco poluída – estamos falando sobre o período entre os anos de 1966 e 1970 -, serviria para que os gatos pudessem comprovar se sabiam mesmo cair e para que constatássemos em quanto tempo eles voltariam a ser os bichos limpinhos de sempre.

Acredito que nunca outra geração de gatos teve tanto medo dos meninos da avenida João Pessoa. Hoje, sou indiferente a eles — amo os cães! –, porém, naquela época, entre meus amigos, participava feliz das espetaculares caçadas àqueles animais. Encontrávamos os gatos onde estivessem, trabalhávamos arduamente por nossa diversão e pelo progresso do conhecimento humano. Havia um, bem branquinho, que ficava hesitando entre mendigar comida na frente da casa de um casal de velhos e correr o perigo de ser capturado por nós. Aos amantes dos gatos, asseguro que nunca batemos neles, nunca os maltratamos. Mesmo! Sempre os levávamos em segurança, apenas procurando escapar dos arranhões, mordidas e ouvindo com altivez aquele som ridículo que emitem com a finalidade de avisar quando estão a fim de briga.

Vista da plataforma de arremesso de gatos
Vista da plataforma de arremesso de gatos

Os vôos eram lindos. Eventualmente, caíam com certa elegância. Porém, o mais das vezes, caíam mexendo desesperadamente as pernas — como se corressem no ar — e muitas vezes entravam na água de costas, de uma forma que desnudava a mentira que nos tinham ensinado. O que valera para as raízes das árvores, passara a valer para os gatos. Eles caíam como caíam. E nadavam de uma forma muito mais feia do que os cães. Nós dávamos risadas, descansávamos um pouco e íamos procurar outros. Afinal, precisávamos de uma boa amostragem para confirmar nossas teses.

Asseguramos que nenhum animal foi maltratado ou veio a falecer durante a pesquisa. Não consideramos como tortura o estresse e a adrenalina… Éramos crianças. Os que saíam lanhados ou com rinite alérgica eram humanos. Aprecie com moderação. Se persistirem os sintomas, vá a outro blog. Este texto foi desenvolvido a partir de material reciclável.

Obs.: Nota-se, por sua baixa qualidade, que as fotos foram tiradas por mim.

Viajando com Airton Ortiz: “O melhor que a humanidade tem é a diversidade, são as diferenças”

Viajando com Airton Ortiz: “O melhor que a humanidade tem é a diversidade, são as diferenças”

Publicado em 12 de outubro de 2014 no Sul21

Esta é uma das mais longas entrevistas já publicadas pelo Sul21, certamente a mais longa publicada pela editoria de Cultura. Mas tão vasta foi a quantidade de informações que recebemos em plena Praça da Alfândega na manhã de quarta-feira, que não havia como fazer muitos cortes. Nela, o patrono da Feira do Livro de 2014, Airton Ortiz, respondeu a cada uma de nossas perguntas, descrevendo sua trajetória desde seu trabalho na editora Tchê até suas muitíssimas viagens. E não nos estenderemos mais porque o texto é longo, divertido, informal e muito, mas muito informativo.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
“Codecri queria dizer Comitê de Defesa do Crioléu. Imagina abrir uma editora hoje com esse nome!” | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Sul21 – Airton, tu és de Rio Pardo, não?

Airton Ortiz – É, eu nasci no interior do município de Rio Pardo, na Vila Ferroviária, interior do município. Morei ali até os 13 anos de idade, daí meus pais se mudaram para o interior de Candelária, perto dali, onde morei dos três aos 10 anos de idade. Curioso é que era uma encruzilhada. Em um lado da estrada, onde nós morávamos, era Candelária, no outro era Rio Pardo e no outro era Cachoeira. E a escolinha onde eu fui alfabetizado ficava em Cachoeira. Então eu fui alfabetizado em Cachoeira morando em Candelária. Hoje, minha escola, que tinha 18 alunos, é um centro educacional com quase 200 alunos. Eles me homenagearam dando meu nome para a biblioteca da escola. Com 10 anos, eu fui pra Cachoeira, onde morei até os 20. E vim para Porto Alegre a fim de fazer jornalismo na PUCRS, em 1977. Então, a minha trajetória dá para dividir entre esses três lugares: o interior de Rio Pardo, onde nasci e vivi até os 3 anos; o interior de Candelária, onde vivi dos três aos 10; e dos 10 aos 20, Cachoeira do Sul.

Sul21 – Eu li que tu foste funcionário do Banco do Brasil. Isso foi antes ou depois do jornalismo?

Airton – Antes. Para pagar a faculdade, eu fiz jornalismo na PUCRS.

Sul21 – Isso em 1975?

Airton – Sim, 1975. Como naquela época o curso de jornalismo na PUCRS era considerado um dos melhores do Brasil, eu optei por ela. Daí, na semana seguinte ao vestibular, eu fiz um concurso pro Banco do Brasil. Passei, assumi o cargo e tive que ir pro interior. Fui obrigado a trancar a matrícula na faculdade. Fiquei seis meses no interior, voltei pra Porto Alegre e, com meu emprego no Banco, paguei a faculdade.

Sul21 – O que tu fazia no banco?

Airton – Cara, eu arquivava fichas, ficava seis horas sentado arquivando fichinhas dos clientes do banco por ordem alfabética. Era um trabalho extremamente estressante, aquela rotina não tinha nada a ver comigo. Mas fiquei seis anos ali, terminei a faculdade, abri a editora Tchê e, quando achei que a editora já podia me manter, saí do banco. Então, o banco foi uma coisa importante na minha vida. Possibilitou que eu fizesse a faculdade e fizesse uma pequena economia via fundo de garantia para poder abrir a minha editora.

Sul21 – A editora Tchê era mais centrada em autores gaúchos, regionalismo?

Airton – A editora Tchê tinha como objetivo colocar na roda a cultura do Rio Grande do Sul. Ela era consequência do jornal Tchê, que surgiu um pouco antes da editora. Entre 81 e 82 vieram o jornal, a livraria e a editora.

Sul21 – Livraria?

Airton – Também abrimos a livraria Tchê, ali na Salgado Filho. O padrão do jornal era assim… Cara, não reinventamos a roda, o padrão era O Pasquim. Aliás, o jornal O Pasquim era também ligado a uma editora, a Codecri. E eles também abriram uma livraria no Rio. Uma coisa foi puxando a outra. Codecri queria dizer Comitê de Defesa do Crioléu. Imagina abrir uma editora hoje com esse nome! Era uma coisa incrível. O Pasquim era a cultura carioca, era o que de mais carioquês podia ter no mundo. E o Tchê era a versão gaudéria do Pasquim. Éramos todos fãs do Jaguar, do Ziraldo, do Henfil…

Sul21 – Que autores a Tchê publicou?

Airton – A Tchê publicou, durante 15 anos, cerca de mil títulos até que eu fechei a editora para me dedicar exclusivamente a escrever meus livros. A Tchê publicou boa parte do que está aí. Lançamos um monte de gente. O Carlos Urbim, que veio a ser também patrono da Feira do Livro, o Luiz Coronel, idem, o Celso Gutfriend, que era patronável junto comigo. Até brinquei que eu os lancei e eles me meteram essa bola nas costas de serem patronos antes de mim. E ainda disse pro Celso: tu não vai conseguir, Celso! A Tchê publicou uma quantidade enorme de jovens autores.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
“Era o então sargento Marco Pollo Giordani e o livro chamava-se ‘Brasil Sempre’. Era uma resposta ao ‘Brasil Nunca Mais’. Ele disponibilizava uma série de documentos secretos do exército que nós da esquerda queríamos colocar a mão e não conseguíamos. Obviamente, só se eu fosse muito louco para sonegar do público as informações que ele trazia. ” | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Sul21 – E o livro do Sargento Marco Polo Giordani que defende os militares da Ditadura?

Airton – A editora publicou mais ou menos mil livros de vários autores. Era uma editora comercial, não uma editora política, ela não veio para defender essa ou aquela ideologia. Eu sempre fui de esquerda, sou e vou morrer de esquerda. Mas a editora era uma editora plural. Nós publicamos, por exemplo, o Barbosa Lessa, que foi um dos fundadores e defendia o tradicionalismo e publicamos o Tau Golin, que o criticava. Porque o objetivo da editora nunca foi o de defender ou criticar o tradicionalismo, mas publicar pensadores que colocassem a disposição do publico ideias, opiniões, para que o leitor então se decidisse sobre qual linha queria seguir. Publicamos autores que defendiam o neoliberalismo, publicamos diversos autores adotados pelo Fórum da Liberdade de Porto Alegre, que é um movimento de empresários e, ao mesmo tempo, também publicamos os grandes pensadores marxistas aqui do Rio Grande do Sul, entre eles o governador Tarso Genro. Publicamos os livros do professor Otto Alcides Ohlweiler, que foi um grande ideólogo da esquerda aqui no Rio Grande do Sul, publicamos livros de políticos, publicamos o livro do Antônio Britto sobre a Constituinte. Publiquei livro do professor Sérgio Borja, que é o atual presidente da Academia Rio-Grandense de Letras, sobre o impeachment do Collor. Ele defendendo juridicamente o impeachment. O critério que eu tinha como editor era o mesmo critério que todo editor do mundo tem: publicar tudo que as pessoas possam se interessar. Nisso, apareceu um autor que, lá em 1986, foi o primeiro membro do aparelho repressivo que se assumiu como tal. Era o então sargento Marco Pollo Giordani e o livro chamava-se Brasil Sempre. Era uma resposta ao Brasil Nunca Mais. Ele disponibilizava uma série de documentos secretos do exército que nós da esquerda queríamos colocar a mão e não conseguíamos. Obviamente, só se eu fosse muito louco para sonegar do público as informações que ele trazia. O livro está sendo relançado agora, numa edição do autor. Qualquer pessoa, por mais imbecil que seja, sabe que um editor de jornal ou editora não tem que necessariamente compactuar com o que os autores escrevem. É diferente quando tu tens uma proposta ideológica. Uma editora do Partido Comunista, por exemplo, só vai publicar livros de comunistas. Então, essa polêmica não existe.

Sul21 – Bom, e aí tu fechaste a Tchê. Deves ter ganhado dinheiro, porque essas tuas viagens, né…

Airton – As minhas viagens são patrocinadas todas pelo Zaffari. Desde a primeira até hoje, faz 16 anos que eu tenho este patrocínio do Zaffari. As minhas viagens só são possíveis em razão deste mecenato. Hoje já não dependo tanto do patrocínio porque os livros já vendem no Brasil inteiro e eu poderia me bancar com os direitos autorais. Mas, voltando ao fechamento da Tchê: o Brasil passou por um momento econômico de grande concentração da economia com o Collor, as pequenas empresas brasileiras ou se uniram e formaram grandes empresas, ou foram absorvidas por grandes empresas, ou, caso da Tchê, fecharam.

Sul21 – Tu a fechaste em 1997?

Airton – Não, fechei em 2000, em 1997 eu comecei a viajar. Tinha que fechar a Tchê. As grandes livrarias vieram para Porto Alegre, comprando ou absorvendo as livrarias que tínhamos aqui. Chegou um momento em que eu, para vender um livro para as livrarias de Porto Alegre, tinha que ir à São Paulo. Porque a Cultura comprava lá, e também a Saraiva, a Siciliano, etc.

Sul21 – Isso permanece até hoje.

Airton – Sim, estamos numa época em que o mercado livreiro se concentrou nas mãos das grandes redes de livrarias e o mercado editorial se concentrou na mão das editoras estrangeiras. As grandes editoras brasileiras hoje, com a exceção Record e da Saraiva, são de capital estrangeiro. E não sobrou espaço para as pequenas editoras independentes.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
“Não se viaja em busca do que tem aqui. Por que a gente viaja? A gente viaja em busca daquilo que só tem naquele lugar.” | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Sul21 – Vamos aos livros, qual é a tua proposta?

Airton – A minha proposta como o autor é a mesma que tinha como editor. Levar e disponibilizar conhecimento para as pessoas. Porque eu acho que o acesso ao conhecimento é o maior direito que o ser humano tem, porque só o conhecimento nos liberta, de tudo e de todos, inclusive de nós mesmos. E o instrumento mais fácil de se acessar o conhecimento com profundidade é o livro. O livro é o elemento mais libertador que o ser humano tem, pois nos ensina a pensar e o pensamento liberta. Então, o meu projeto foi unir minha vontade de viajar pelo mundo, que sempre tive, e meu esporte predileto, que é o de escalar montanhas. Tentei viver disso. E achei uma forma de conciliar tudo, que era escrever sobre as minhas expedições pelo mundo. Para meu primeiro livro, de 1997, eu escalei a montanha mais alta da África, que fica na Tanzânia, e voltei de lá com uma história de final feliz, pois consegui chegar ao cume da montanha mais alta da África e uma das mais altas do mundo. E até chegar lá eu vivi uma série de peripécias — fui preso, fui assaltado…

Sul21 – Por que tu foste preso?

Airton – Fui preso porque da África do Sul para Moçambique eu tinha que passar pela Suazilândia, e lá eu peguei carona em uma Kombi. Na fronteira da Suazilândia com Moçambique, o pessoal da Kombi foi preso porque eram pequenos contrabandistas. Eles buscavam na África do Sul essas bugigangas que hoje vamos comprar aqui no Paraguai. Nada sofisticado — levavam conservas, enlatados, leite em pó, sabão em pó, coisas que difíceis de se conseguir em Moçambique. E eu, que peguei carona com esses caras, não tinha a menor ideia disso. E na fronteira foi todo mundo preso, e eu junto. Como eu era estrangeiro, tive um tratamento especial. Quando souberam que eu era brasileiro, um oficial da alfândega perguntou se eu era amigo do Pelé. Eu respondi que era íntimo dele e por isso ele me liberou. Eu escrevi o livro em 1998 e publiquei em 1999. Desde então eu lanço um livro por ano contando as minhas expedições.

Sul21 – Tu és fotógrafo também?

Airton – Também, mas amador. Porque como eu vou normalmente a lugares de difícil acesso, eu mesmo tenho que tirar as fotografias. São lugares aos quais, às vezes, nunca chegou um fotógrafo antes. Tenho um acervo com cerca de 100 mil fotografias do mundo inteiro, mas não sou fotógrafo profissional, minha linguagem é a escrita. A linguagem jornalística nos livros de reportagens, a linguagem do cronista nos livros de crônicas sobre cidades, e a linguagem de romancista nos dois romances que escrevi, cujos temas também são viagens de aventura.

Sul21 – Depois do primeiro livro foste para o Everest, Tibete…

Airton – O segundo livro chama-se Na Estrada do Everest. Eu refiz a trilha da primeira expedição que escalou o monte Everest em 1953. O terceiro livro foi Pelos Caminhos do Tibete. Eu fiquei uma temporada lá camuflado entre os monges. Eu entrei de maneira clandestina no Tibete pelo Himalaia, que faz a fronteira entre o Nepal e o Tibete. O Tibete é um país militarmente ocupado pela China, por isso os chineses não me deram autorização para entrar. Eles não permitem a entrada de jornalistas independentes, a não ser que vá junto com um oficial do governo chinês e isso eu não queria. Aí em Katmandu, eu fiz amizade com a resistência tibetana, e eles me colocaram clandestinamente lá dentro. E isso gerou o livro. Depois o quarto livro foi sobre o Alasca, o quinto foi sobre a Amazônia, depois foi sobre Índia…

Sul21 – E no Alasca tu sofreste bastante?

Airton – No Alasca eu peguei -40ºC. E eu acampei um tempo em uma área selvagem junto com ursos, lobos, com todo aquele tipo de animal selvagem, como alces, renas. Os caras me levaram lá e depois foram me buscar. Eu queria testar a minha resistência psicológica a um ambiente adverso como aquele. Era dia sempre, eu não levei relógio, não sabia se era meio-dia ou meia-noite. Comia quando sentia fome, dormia quando tinha sono, completamente isolado no meio dos animais. E, à medida que o tempo foi passando, fui me adaptando àquele ambiente, e no final eu já fazia longas caminhadas fora do acampamento.

Sul21 – E depois foi a Índia?

Airton – Sim, uma experiência maravilhosa, percorri toda a Índia de trem, por isso o nome do livro é Expresso para a Índia. Foi o país, do ponto de vista cultural, mais interessante que eu já visitei.

Sul21 – Aqui, pelo que eu noto, tu dás uma parada na questão montanhismo. Tu vens pro mundo plano…

Airton – Aqui eu iniciei o que eu chamo de “grandes travessias”. A cultura popular de um povo ela é muito, mas muito mesmo, consequência de sua concepção religiosa. Se tu pegares a Bahia, vais ver que na cultura baiana tudo tem a ver com o candomblé. Se pegares aqui no sul, tudo tem a ver com catolicismo. E assim por diante. Se pegares certas regiões de Santa Catarina, tudo tem a ver com protestantismo. Como a Índia é um país politeísta, a concepção religiosa deles é muito fragmentada, isso gerou uma cultura popular riquíssima. Então, do ponto de vista cultural, a Índia é o país mais interessante do mundo. E o pessoal pergunta sempre isso, qual o país mais interessante… E não dá pra ti escolher um só. O Tibete, por exemplo, é o país mais diferente que eu já vi até hoje.

Sul21 – Hoje, os brasileiros viajam mais.

Airton – O brasileiro está viajando mais, e isso é ótimo, maravilhoso. O que a viagem traz de mais importante para a gente é que ela nos coloca em contato com o diferente. E, à medida que nós vamos viajando, vamos constatando que o contato com o diferente é a maior arma contra o preconceito. Vemos que somos apenas um detalhe em todo o mosaico humano e cultural que há no planeta, e vamos nos dando conta de que somos um pedacinho só, e não o pior, nem o melhor. A gente vai aprendendo a respeitar a cultura alheia. Então, o grande resultado das viagens é nos colocar em contato com as diferenças. E eu digo que de melhor que a humanidade tem é a diversidade. O direito que cada pessoa tem de ser única, que cada cultura tem de ser única, que cada povo tem de ser único, isso é o que de mais importante temos. E aí a gente consegue ter uma visão holística, do mundo, da vida. Bom, o brasileiro está viajando cada vez mais, agora falta um segundo estágio que é o de aprender a viajar. Não se viaja em busca do que tem aqui. Por que a gente viaja? A gente viaja em busca daquilo que só tem naquele lugar. E eu venho martelando muito nisso, quero ajudar as pessoas a viajarem, quero colocar toda essa minha experiência à serviço das pessoas.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
“Do ponto de vista da cultura popular, a Índia é o país mais rico, porque é a cultura popular mais diversificada que tem no mundo. Porque ela é muito consequência da religião e o politeísmo indiano é extremamente fragmentado. O Tibete é o país mais interessante do mundo porque lá as coisas são únicas. O que tem no Tibete, tu só vais encontrar lá.” | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Sul21 – Na Europa, vi um brasileiro reclamando que no centro de Praga não tinha shopping center…

Airton – É um absurdo, a gente viaja em busca daquilo que só tem naquele lugar. Por isso é que, das viagens que eu fiz, a mais interessante foi a do Tibete. Lá é tudo diferente do que temos aqui. A noção que eles tem do tempo, tudo. Eu conversando com um tibetano falei: “Pô, no Tibete né, vocês aqui, tá certo que é um país de monges, mas a China vem há mais de 60 anos oprimindo vocês, vocês precisam se libertar”. E ele respondeu: “Não tem problema, vamos nos libertar da China. É uma questão de tempo, pode levar 1000 anos, 2000 anos, vamos nos libertar”. O tempo para eles é diferente dessa pressa que a gente tem aqui no Ocidente. Uma vez eu disse uma frase que meus amigos gostaram muito, eu disse que nada é mais velho que o jornal de ontem. Mas, poxa, ontem recém aconteceu!

Sul21 – Então quer dizer que, na tua opinião, a Índia é o lugar mais interessante, e o que tu mais gostaste é o Tibete?

Airton – Do ponto de vista da cultura popular, a Índia é o país mais rico, porque é a cultura popular mais diversificada que tem no mundo. Porque ela é muito consequência da religião e o politeísmo indiano é extremamente fragmentado. O Tibete é o país mais interessante do mundo porque lá as coisas são únicas. O que tem no Tibete, tu só vais encontrar lá, essa é a frase. Por exemplo, a Tanzânia é o país mais interessante do mundo para admirar a natureza selvagem. Tu vais de jipe pelo país e um terço da Tanzânia são parques naturais. Eles se deram conta que a melhor maneira de ganhar dinheiro é preservar a natureza, principalmente a fauna que eles tem lá. Então tu vais andando de jipe e precisa parar para passarem os elefantes, as girafas que vivem ali. Depois de dois minutos, leões. E o país mais interessante do mundo do ponto da geografia, digamos assim, é o Nepal. A fronteira sul do Nepal está na margem do Ganges, a nível do mar e a fronteira norte é a cordilheira do Himalaia, que tem o Everest, o ponto mais alto do mundo. Então, em uma caminhada, como daqui até Torres tu encontras toda a topografia do mundo e todo o clima.

Sul21 – E depois foste para a Amazônia?

Airton – Foi uma experiência maravilhosa. A viagem para a Amazônia foi também única. Eu não tinha nunca a informação se poderia continuar daquela aldeia em que eu estava para outra. Minha pauta de aventura era cruzar a América do Sul, do Pacífico ao Atlântico, por dentro da selva amazônica. Sair de Lima no Peru e chegar em Belém do Pará. Fui buscar informações e não consegui ninguém que me dissessem “vai que dá”. Foi um voo cego, eu fui indo, de aldeia indígena em aldeia indígena, de uma cidadezinha ribeirinha à outra, de um povoadozinho à outro, e sempre de barco, às vezes nos barcos de linha que eles têm, que eu achei maravilhosos. Eles têm barcos de linha, que são barcos que fazem sempre a mesma viagem levando carga e os passageiros. Usei até as pirogas, aquelas canoas estreitinhas e compridas que é pra ter velocidade. Fui indo, indo, e cheguei no Atlântico assim. Então esse livro foi fantástico porque eu nunca sabia se no dia seguinte eu ia poder continuar. Percorri toda a Amazônia brasileira, uma coisa extraordinária.

Sul21 – E há o calor. Manaus é uma cidade complicada.

Airton – O pior de Manaus é o vapor, porque o calor seco não tem problema, já peguei 55ºC no deserto do Saara e foi tranquilo. Mas o vapor… Por isso muita gente chega na Índia e volta, não aguenta. Eu encontrei uma tribo no interior da Amazônia peruana, perto de Iquitos, uma cidade de 400 mil habitantes, que a estrada mais próxima está há mil km de distância. O acesso é todo por rio, e é uma cidade grande. Lá a tradição é que a índia, quando casa, passa a primeira noite ela passa com o cacique. Só na segunda noite é que ela vai para o marido. Isso é uma tradição medieval europeia, tu deves ter assistido, o filme Coração Valente… E eu encontrei isso lá na Amazônia. É uma coisa que as pessoas não sabem porque não vão lá. Eu dei uma palestra na Universidade Federal de Manaus e brinquei “Pô, tem que trazer um gaúcho pra falar da Amazônia pra vocês”. E aí eles me disseram que a maioria dos livros sobre a Amazônia foram escritos por autores que copiaram de outros livros, que não foram na floresta. Tem muito disso hoje né, as pessoas fazem estudos sobre a Amazônia a partir da informação bibliográfica e reproduz algo que já se sabe. E, se alguém escreveu alguma coisa errada, o erro se perpetua.

Sul21 – Depois teve o Egito…

Airton – Depois teve o Egito, que foi uma viagem fantástica também, porque eu cruzei o deserto do Saara de forma clandestina. Primeiro de jipe, depois com uma caravana de camelos. Eu saí da fronteira do Egito com a Líbia e cruzei parte do deserto num jipe preparado para andar na areia. Depois não tinha como o jipe avançar e aí me juntei a uma caravana de camelos. Nessa viagem, o Beto Scliar, filho do Moacyr Scliar, me acompanhou como fotógrafo. Ele se formou em fotografia em uma universidade de Nova Iorque, e aí o Moacyr me ligoue disse: “Ortiz, na próxima viagem que tu fores, leva o Beto. Pra ele aprender um pouco de experiência de vida, ele é um filho super protegido de mãe judia, vê se ele aprende a fotografar na vida real mesmo”. Quando nós chegamos num oásis já assim há 50 km de Luxor, fomos interceptados e presos pelo exército egípcio porque não tínhamos autorização para realizar aquela travessia. Então eu fiz como sempre faço, eu vou até que alguém me prenda. Aí prenderam a mim, ao Beto e a um mexicano que estava conosco. Colocaram-nos em um trem e nos expulsaram do Egito. Na primeira parada do trem nós pulamos, contratamos um barquinho, uma espécie de canoa com uma vela que desce o Nilo. E descemos clandestinos pelo Rio Nilo durante quatro dias até chegar em Luxor, onde eu queria chegar. Tudo isso sem poder atracar nas margens porque numa delas o exército nos pegaria e, na outra, os terroristas nos pegariam porque é uma área onde os muçulmanos fundamentalistas usam como base operacional, nem o exército vai lá. Então precisávamos ficar no meio. O rio corre do continente para o mediterrâneo, e o vento sopra do mediterrâneo para o continente, então quando a velocidade da água é a mesma do vento, a gente fica parado. Um dia ficamos dez horas parados! Foi demais, uma viagem maravilhosa! Mas cheguei a Luxor, que era o objetivo da viagem.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
“Porque essa história que a gente se originou do macaco, é uma grande bobagem. O macaco se originou do humano, o chipanzé que está no zoológico, no circo, que a gente acha bonitinho, e que pra nós é o macaco, ele é uma ramificação nossa.” | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Sul21 – Depois foste na Trilha da Humanidade, que é saída da África pela Ásia, Alasca até chegar na América, a travessia do homem…?

Airton – É, é uma volta ao mundo mesmo. Eu me propus a reconstituir a história da espécie humana desde o momento em que nós surgimos como uma espécie separada dos demais primatas, até chegar aqui no Brasil. Hoje, quando chamam um humano de macaco, estão ofendendo o macaco, e não o humano. Porque essa história que a gente se originou do macaco, é uma grande bobagem. O macaco se originou do humano, o chipanzé que está no zoológico, no circo, que a gente acha bonitinho, e que pra nós é o macaco, ele é uma ramificação nossa. O que se diz e que as pessoas não entendem muito bem, é que havia grandes primatas, e esses primatas se subdividiram em diversas espécies, e uma das espécies em que eles se subdividiram gerou os humanos, e outras espécies geraram os grandes símios. E essa espécie que gerou os humanos foi se bifurcando, uma dessas bifurcações gerou o chimpanzé. Então o que o cientista considera humano… Eu fui de sítio arqueológico em sítio arqueológico, sempre com datação mais recente, seguindo essa expansão deles pelo mundo. Quando estes bípedes chegaram ao Oriente Médio, onde hoje fica Israel, uns migraram para a Europa e outros migraram para a Ásia atrás das grandes manadas de mamutes. A expansão humana pelo mundo se deu sempre atrás de comida. Chegando ao Oriente Médio, eu segui essa trilha deixada pelos caras que cruzaram toda a Ásia e entraram nas Américas pelo Estreito de Bering. Porque quando eles entraram no Estreito de Bering, nós estávamos vivendo uma era glacial e o Estreito era uma planície seca. Isso tudo hoje não é novidade. E eu fiz esse roteiro. Entrei depois pelo Alasca, segui o Canadá, América Central até chegar num lugar na Amazônia, numa gruta, no interior do Pará, onde estão as pinturas rupestres mais antigas da América do Sul, de 11 mil anos atrás. E dali desci até o interior de Minas Gerais, onde foi encontrado o fóssil mais antigo das Américas. Quanto mais para baixo, mais recente, então esse fóssil é de 10 mil anos, de uma mulher que morou lá, a mais antiga brasileira de que se sabe. E uma coisa notável é que a História do Brasil para nós começa há 500 anos, quando há 10 mil anos isso aqui já era povoado.

Sul21 – Esse livro é um dos mais vendidos de tua autoria?

Airton – É, um dos mais vendidos. Na verdade, os dois mais vendidos são o do Tibete e o da Índia. Por causa dessa questão do misticismo todo. Mas é o meu livro mais importante. É a reportagem mais importante que eu já fiz na vida. A origem dele foi uma série de dez reportagens para a Zero Hora, para o caderno Eureka.

Sul21 – Isso foi em que ano?

Airton – Foi no ano anterior ao ano em que foi publicado o livro, em 2006. Era um sufoco mandar as matérias. Uma história que a gente que é jornalista gosta…: eu estava em Adis-Abeba, na Etiópia, e tinha que mandar uma matéria. Aí fui na Lan House e o cara disse que estava fora do ar. Isso era 10h da manhã; às 11h voltei, estava fora do ar ainda; voltei às 13h e estava fora do ar ainda. Aí eu perguntei se tinha previsão para voltar, e ele o cara me respondeu que “não, está fora do ar há três meses, e não tem previsão de volta porque o governo não pagou o aluguel do satélite”. Aí eu descobri perto da cidade um hotel da rede Sheraton, uma picaretagem muito grande. Eles constróem um hotel na África, cercam o hotel, abrem um campo de aviação lá dentro, pegam os animais doentes, feridos e colocam um zoológico lá dentro para cuidar deles. Aí os aviões da Europa e dos Estados Unidos descem lá dentro do cercadinho do hotel e os caras veem os bichos na jaula… O staff é europeu, a língua é o inglês, a comida é europeia, e os caras voltam dizendo que conheceram a África selvagem. Ali usam cartão de crédito, usam internet, etc. Aí eu fui lá e usei o satélite do Sheraton de Adis-Abeba para mandar a matéria para a Zero Hora. Aí fui finalista do premio Esso de jornalismo. O maior requisito para ganhar o Esso é o grau de dificuldade que o repórter tem para conseguir fazer a matéria. E o Marcelo Rech, que naquela época era o diretor de redação da Zero Hora, foi pro Rio e disse “Ortiz, vamos buscar o premio, porque eu conheço o Esso, já fui jurado e nunca na história do Esso algum repórter teve a dificuldade que tu tivesses para fazer essa série”. Chegamos lá e quem ganhou? Uma matéria do O Globo, sobre a despoluição da Bahia da Guanabara, que o cara fez sem sair da redação. Aí, dizem que nós somos bairristas! O juri e o premiado era amigos. Ainda ontem me perguntaram se eu dou importância para prêmios, mas entre ter prêmios e ter leitores, eu digo que prefiro ter leitores. Porque os leitores pelo menos eu sei que leem os livros, o os caras que julgam os prêmios eu não tenho certeza que eles os leem.

Sul21 – Depois tu foste para o mundo maia?

Airton – Sim, eu percorri toda a América Central visitando as ruínas das cidades maias. Eles têm uma história enigmática. Eles se extinguiram 500 anos antes dos europeus chegarem nas Américas. O auge da civilização maia foi do ano 800 ao ano 1000, por aí. No ano 1100, 1200, eles se extinguiram e ninguém sabe por quê. É um grande mistério, e eu fui em busca desse mistério. E o que eu me dei conta lá, como repórter, é que as cidades maias eram nos vales e foram crescendo muito, e foram ocupando o espaço das lavouras, e eles foram colocando a lavoura das encostas dos vales, e para isso desmataram. É claro que revisei as principais teorias da extinção do povo maia. É uma história longa, mas eu não tenho dúvidas de que a extinção da civilização maia tem muito a ver, se não tudo a ver, com o desmatamento. As cidades maias eram que nem as cidades gregas, cada cidade era um estado independente. E uma coisa curiosa, é que uma cidade maia nunca conseguiu conquistar outra cidade maia, porque eles não conseguiam suprir o exército até lá. Porque tinham que todos os dias levar comida, não tinham como ir acumulando comida. Então todo exército de cada cidade maia tinha um raio até onde ele podia ir, que era até onde os carregadores podiam levar comida durante um dia, a partir dali, os exércitos não podiam avançar. Por isso os maias nunca formaram impérios, diferentemente dos incas, que formaram impérios, porque os incas viviam da batata, e a batata dá em qualquer encosta de montanha.

Sul21 – E quantas línguas tu falas? Porque não se fala inglês e espanhol em todo lugar…

Airton – Não tem outro jeito, tu tens que falar um pouco da língua local. Não é difícil saber um pouco do vocabulário de cada língua. Tem uma listinha com mais ou menos trezentas palavras. Em toda essa nossa conversa aqui, nós não usamos mais de trezentas palavras. Então se tu souberes as palavras chaves de qualquer língua, um vocabulário básico, tu consegues te comunicar com as pessoas. Então cada lugar que eu vou, antes eu estudo um pouco o vocabulário. Só de chegar nestes lugares, a simples presença de um estrangeiro em uma pequena comunidade do interior já é uma agressão. Então, a primeira coisa que tu tens que fazer é romper esta barreira que eles impõem. E a melhor forma é falar algumas palavras na língua deles.

Sul21 — E o Vietname?

Airton – O Vietnã Pós-Guerra! Eu percorri todo o Vietnã, os locais onde existiam as bases americanas, onde existiam as bases vietnamitas, os locais onde se deram as grandes batalhas, percorri os túneis que os vietcongs usavam na guerra. E esse livro tem um propósito: o de recontar a história do Vietnã do ponto de vista vietnamita. Uma pauta que até então ninguém tinha tocado. E quando eu cheguei no Vietnã, a primeira coisa que eu descobri, foi que o que nós chamamos de Guerra do Vietnã, eles chamam de Guerra Americana. Até o nome da guerra muda dependendo do lado que a conta. Nesse livro, eu reconstituo a guerra sob o ponto de vista vietnamita e vou avançando em como é o país hoje, em resultado dessa guerra. Ainda hoje, há regiões inteiras no Vietnã que tu não podes ir porque ainda estão minadas. Todo ano ainda morre uma quantidade enorme de vietnamitas vitima das minas que ainda não explodiram. Sem contar que os americanos jogaram no Vietnã mais bombas do que as que foram utilizadas durante toda a segunda guerra mundial! Todo o lençol freático vietnamita foi contaminado pelas bombas americanas. E as bombas americanas era napalms e aquelas bombas de fósforos que incendiavam. Porque os vietcongs eram guerrilheiros, não tinham um exército convencional, então eles ficavam nas margens dos rios e nas florestas e dali eles atacavam os comboios americanos que desciam os rios. Em resposta, os americanos pegaram o agente laranja e largaram nas margens dos rios para acabar com as florestas, eles desmataram as margens através do agente laranja, desmataram todas as florestas nas margens dos grandes rios vietnamitas. E é óbvio que esse agente químico desceu pro rio e contaminou todo o lençol freático do país. Morreu mais gente no pós-guerra, vítima da contaminação do solo e do rio, do que na guerra propriamente dita. O país hoje não tem vacas nem bois porque o pasto é contaminado. Eles importam leite, importam tudo. E o mais lamentável de tudo é que hoje as empresas mais poluidoras do mundo, que não conseguem licenças em seus países, vão se instalando no Vietnã. Porque o povo vietnamita é tão pobre que, para eles, entre morrer de fome e deixar contaminar o solo, preferem deixar contaminar o solo. E essas empresas poluidoras usam esse artificio sob o pretexto de gerarem empregos, ou seja, de tirarem as pessoas da fome absoluta. O povo fica refém dos empregos. Eu não condeno o cara que se deixa corromper para não morrer de fome. Ele é vítima, o culpado é o corruptor.

Sul21 – E o Zaffari, teu mecenas, o que ganha contigo?

Airton – Ele ganha agradecimentos nos livros e citações minhas. Sempre falo neles em palestras, entrevistas. O que eles ganham é a associação de sua marca a coisas culturais e interessantes. O marketing do Zaffari sempre foi em cima da cultura. Por isso é que eles têm essa imagem tão querida pelo publico gaúcho. Eles investem é para manter uma boa imagem. Eu tenho uma empresa que faz uma clipagem pra mim. Tudo o que sai durante o ano, em TV, rádio, jornal, no final do ano eu levo lá no Zaffari. E junto vai o cálculo daquilo se eles tivessem que pagar.

Sul21 — E a série sobre cidades?

Airton — Em 2010, eu comecei uma série nova. Não eram mais reportagens sobre grandes travessias, mas crônicas sobre cidades. Em 2010 eu lancei sobre Havana; em 2011, Jerusalém; em 2012, eu lancei o Gringo, que é ficção; em 2013, eu lancei o Atenas, e, agora, neste ano, o Paris. Essa coleção é sobre cidades. São crônicas, não é mais reportagem. Então mudaram a pauta e a linguagem.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
“E aqui em Porto Alegre não tem. Nenhuma placa de onde morou o Erico Verissimo, onde morou o Lupicínio. Tu vais em Havana, cada prédio tem a placa do cara que morou ali. E aí quando eu disse que Porto Alegre tinha que se inspirar em Havana pra atrair turismo, quase deram em mim!” | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Sul21 – Um dia vai ter Londres?

Airton – Sim, sim. Vai ter Londres, Nova Iorque, Amsterdam. Tu gostas de música, deixa eu te contar uma… Em Havana, a Catedral se mantém catedral, mas as demais igrejas, que são todas da época colonial, lindíssimas, elas se transformaram em salas de concertos. Então tem uma igreja belíssima que é a sede do coral de Havana. E eu fui lá assistir, e foi uma coisa belíssima. Chegaram os trabalhadores do coral, cada um com a sua roupa, não tinham uniforme nem nada, parecia um bando de colegiais se reunindo para cantar uma musiquinha. Aí começam a cantar, que coisa fantástica! Tem outra igreja colonial, que é a sede da orquestra especializada em música medieval. E o balé de Havana é um dos melhores do mundo.

Sul21 — E a distribuição dos livros? Mudaste de editora.

Airton – Os meus primeiros quatorze livros foram publicados pela editora Record, do Rio. Em janeiro do ano passado, a Marisa Moura, que é minha agente literária, me ligou dizendo que o pessoal da Benvirá queria conversar comigo. Bom, resumindo: o grupo Saraiva resolveu criar um selo de literatura brasileira, chamado Benvirá, e contrataram para editar esse selo o cara que era o editor da Planeta, o Rogério Alves. E ele me convidou. Hoje, eu resolvi o problema da distribuição. Como a Benvirá é um selo da Saraiva, que tem 110 megalojas no Brasil inteiro, as vendas aumentaram. Apesar da Record ser a maior editora brasileira, ela ainda precisava vender para as livrarias. Agora o livro já sai, digamos, da livraria. Mas vamos falar de viagens! (risadas) Então, em Paris… Eu fiquei um tempo num albergue lá, para ter contato com o pessoal que fica em albergue, que são as pessoas mais bem informadas sobre qualquer lugar. Os mochileiros são os caras mais bem informados em qualquer lugar, tanto em Paris quanto no Himalaia, porque viajam em busca de conhecimento, aquilo que vai além do que os guias de turismo oferecem. E fiquei um tempo ali, também, porque eu queria realizar um sonho comum a vários escritores, que é o de escrever um livro, ou pelo menos começá-lo, morando numa marsarda em Paris. E o albergue tinha no último andar, na mansarda, um quartinho. E o livro Paris, eu comecei a escrevê-lo lá. E a frente da mansarda dava para, nada mais nada menos, o Le Petit e o Le Trianon. Bem, dali eu fui para um hotel, porque queria também ficar um tempo em Paris como os turistas ficam. E depois aluguei um apartamento, me estabeleci, e pensei: “bom, agora eu vou morar aqui como um parisiense”.

Sul21 – É, mas não adianta, gosto mais de Londres.

Airton – E eu de Nova Iorque. A minha paixão sempre foi Nova Iorque. Depois de Porto Alegre, é a cidade que eu mais conheço. Bem, falando a verdade… Agora estou balançando entre NY e Paris. Porque Paris, tem muito de nossas raízes. Os escritores e os pintores que admiramos, etc.

Sul21 – E é tudo fácil de encontrar, né? Porque eles colocam as plaquinhas nos edifícios. Aqui morou tal escritor…

Airton – Sim! E aqui em Porto Alegre não tem. Nenhuma placa de onde morou o Erico Verissimo, onde morou o Lupicínio. Tu vais em Havana, cada prédio tem a placa do cara que morou ali. E aí quando eu disse que Porto Alegre tinha que se inspirar em Havana pra atrair turismo, quase deram em mim! “Como em Havana? Em Fidel Castro, na ditadura comunista! Quer dizer que a gente tem que se inspirar em uma ditadura comunista?” Eu não disse isso… Tô falando pra colocar placas! Se eu digo Paris, tudo bem; mas se eu digo Havana… Havana não! É mais pobre e de esquerda do que Porto Alegre… E lá tem, aqui não.

17 de abril

17 de abril

Hoje é aniversário de meu melhor amigo de infância, o João Batista. Às vezes, encontro-me com ele durante suas caminhadas com seus dois cachorros na Vasco da Gama. Conversamos. A Elena gosta dele. Diz que a gente deveria se encontrar mais e que ele é a pessoa mais calma do mundo. Não deve estar muito longe da verdade. Ele tem fala mansa, fino humor e é muito cortês, dando a impressão de que faltou alguma coisa na minha educação. Minha família morava no apartamento 11 do número 1891 da Av. João Pessoa, em Porto Alegre. A dele, no apartamento 31. Jogávamos futebol todos os dias e, quando chovia, ficávamos em torno de uma mesa de botão (futebol de mesa). Lembro bem, ele era melhor do que eu em tudo, inclusive nos estudos.

Há uma ex-amiga que também faz aniversário hoje. Um amigo deu-lhe o melhor dos apelidos: PMDB, em razão da facilidade para aderir a quem lhe der maior vantagem no momento. A atuação do partido em 2015 só atribui maior exatidão à alcunha.

17 de abril. Por essas e outras é que acho que a astrologia nada mais é do que constelações. Na verdade, quando duas estrelas parecem estar lado a lado, uma pode estar a 50 anos-luz, e outra a 500. Além disso, não vemos as estrelas como elas estão agora, mas através do tempo. Se uma se situa a 200 anos-luz, isso quer dizer que a luz observada partiu de sua fonte há duzentos anos. A rigor, ignoramos até se essa estrela ainda existe.

Então, uma figura tranquila e outra hidrófoba — sei do que falo — podem parecer estar lado a lado, mas é uma mentira. É muito perturbador ver alguém tão querido ao lado de outra detestável no céu (equivocado) de minha memória.

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Bom dia, Diego Aguirre (veja os gols de ontem)

Bom dia, Diego Aguirre (veja os gols de ontem)
Nilmar fez dois na disputa com... Lisandro López | correndo Foto do grande Alexandre Lops
Nilmar fez dois na disputa com… Lisandro López | correndo Foto do grande Alexandre Lops

Parabéns, Aguirre. Marcamos tão adiantados que os zagueiros chilenos ficaram como se tivessem aberto um livro e se dado conta de que o primeiro parágrafo estava repetido até o fim. A bola voltava rápida e os erros, alguns ridículos, se sucediam. Isto é, não fomos especular em Santiago, não fomos esperar o tal “erro do adversário”, fomos ao Chile para jogar e provocar os erros deles. Futebol é um jogo que não se ganha apenas com a elegância e nobreza do jogar bem com a bola, mas com a atitude operária de ir lá limpar a caixa de gordura na esperança de que depois apareça um L’Oréal qualquer.

Teu time foi convincente, Aguirre. Todos aqueles que — como eu — que achavam que tu deverias ficar no clube começam a sorrir, aguardando que outros digam que estavam errados. Sim, jamais ouviremos isso, mas ao menos estamos sentados. Destacar Nilmar — que correu como um louco, só sendo detido pelos abraços de seus companheiros — e Sasha é o óbvio, então eu gostaria de elogiar a dupla de volantes. Rodrigo Dourado desarmou e foi para jogo como um meio-campista de Pep Guardiola. Aránguiz foi um modelo de discrição. Sorrateiro, tirava do adversário e não errava passes.

O resto seria mais elogios, Aguirre. Mas elogiar muito é produto raro neste corneteiro que te escreve. Continua assim, tá?

https://youtu.be/x9kY5aueMA8

Do medo do Alzheimer, de meu não-casamento com Tolstói

Do medo do Alzheimer, de meu não-casamento com Tolstói

Minha mãe teve a doença e sua possibilidade é algo que me assusta, como não? É terrível a convivência e a manutenção de uma pessoa assim. Não quero ser um peso para os outros e a Elena e meus filhos não merecem. Então, trato de exercitar o cérebro. Faço contas de cabeça, leio, busco coisas na memória a cada momento.

E ontem dormi ouvindo a Rádio da Universidade. Eu e meu pai tínhamos um jogo que durou da minha infância até sua morte. Toda a vez que ligavávamos na Rádio da UFRGS — especializada em música erudita –, tratávamos de identificar o mais rapidamente possível qual era a música que estava sendo executada. Isto podia acontecer várias vezes ao dia. Com isto, sou supertreinado em descobrir tudo o que ouço de clássico. Só que, lamentavelmente, hoje brinco sozinho, treinando contra o Alzheimer. Ontem à noite, começou a tocar uma obra complicada de adivinhar, mas eu, após, alguns minutos, pensei ter descoberto: era o Septeto de Franz Berwald. Quando terminou, aumentei o volume do rádio, mas ninguém disse nada. Logo entrou um concerto para violino. Fiquei puto, mas logo lembrei da greve e do direito e da boa razão dos trabalhadores. Então me atirei no meio dos discos e, depois de respirar muito pó, encontrei o Berwald e pus para tocar. Ufa, tinha acertado!

Os primeiros minutos depois de acordar são confusos para mim. Não sei em que dia estou nem o que tenho que fazer. Também a tristeza me invade com muita facilidade nestes momentos. Então, viro-me para o lado a fim de ganhar aquele “chorinho” de sono que me é certamente devido. Como complemento e para ganhar ainda mais tempo de consolo, abraço-me na Elena e a aceitação do abraço vai me arrancando da tristeza e dos pensamentos sobre a inutilidade de acordar e da vida. Mas hoje, virei-me, estendi o braço e nada. Tateei. Nada. Abri os olhos. Nada. Porra, mas o que houve? Querem me enlouquecer? Cadê a Elena? Revisei a memória pensando na chegada do alemão. Ela estava em casa ontem, não viajou. Ah, e está se recuperando de uma cirurgia! Será que teve uma crise de Tolstói e está numa estação da Trensurb? Saí da cama meio tonto atrás das alpargatas, abri a porta e lá estava ela, linda, dormindo na sala. Quando me aproximei, ouvi meu querido sotaque russo. Bom dia. Dormi às vinte para as seis e não quis te acordar. Vi toda a primeira temporada de Game of Thrones. Uma maratona. 

game of thrones

Djokovic ultrapassa Nadal

Djokovic ultrapassa Nadal
Bye-bye, Nadal
Bye-bye, Nadal

Nesta semana, Novak Djokovic subiu para o sexto lugar na lista de tenistas que passaram o maior número de semanas como número 1 no ranking da ATP. Djokovic ficou no topo do tênis profissional masculino por 142 semanas, uma semana mais do que Rafael Nadal, e agora ele tem como objetivo ultrapassar John McEnroe, com 170 semanas. Se ele ultrapassar McEnroe ainda nesta sequência, o que é provável, isto ocorrerá na primeira semana de novembro deste ano.

Estes são os jogadores que têm mais de 100 semanas como número 1.

Tenista
Semanas como Nº 1
1. Roger Federer (SUI)
302
2. Pete Sampras (USA)
286
3. Ivan Lendl (CZE/USA)
270
4. Jimmy Connors (USA)
268
5. John McEnroe (USA)
170
142
7. Rafael Nadal (ESP)
141
8. Bjorn Borg (SWE)
109
9. Andre Agassi (USA)
101

Djokovic diz que Federer e Nadal são os melhores jogadores de todos os tempos, mas isso é pura modéstia de um jogador que fala como se ainda fosse o mesmo jovem piadista que sempre amarelava nas partidas decisivas. Mas isto é passado, é de cinco anos atrás. Na minha opinião, Nole (apelido de Djokovic, também conhecido como Joker) é muito mais jogador do que Nadal. Quanto a Federer, este sim é o melhor de todos os tempos, mesmo que Nole o ultrapasse neste ranking daqui alguns anos (o que é possível, mas improvável).