Pink Floyd, The Dark Side of the Moon

Pink Floyd, The Dark Side of the Moon

Eu ouço quase só música erudita, mas não desconheço o popular e inclusive já fui considerado um bom cantor amador em rodas de samba e bossa nova…

Esta introdução bastante boba é para dizer que não moro num castelo, que tenho em vinil quase toda a bossa nova até os anos 70, mais o samba e o jazz. E que ouvi muito rock, desde o mais básico até o progressivo — sim, já fui jovem, muito jovem.

Só que hoje tenho uma severa avaliação do “rock progressivo”. Tenho fortes argumentos para preferir as canções “mais simples” (estas aspas deveriam estar em negrito).

Só que não dá para discutir que “The Dark Side of the Moon” é um disco maravilhoso. Ele completa 50 anos em 1º de março. Comprei o vinil em 73 — tinha 16 anos — e ele ainda está comigo e em perfeito estado.

Aliás, tenho dificuldade em classificar o disco como progressivo. Não há exibição técnica, megalomania, encheção de linguiça e, principalmente, a coisa soa naturalmente não sinfônica. Talvez tenha sido este fato que tornou o grupo impermeável ao desgaste que ocorreu com outros como Yes e Genesis, só para citar dois.

E as letras também são de bom gosto, falando de loucura, cobiça, velhice, etc. Gosto muito.

O oitavo pecado capital, o que foi retirado: a Melancolia

O oitavo pecado capital, o que foi retirado: a Melancolia

Os sete pecados capitais já foram oito. O oitavo era a Melancolia, entendida no sentido da tristeza profunda, aquela que pode acabar em suicídio, atentando contra a “obra de Deus”. Ou seja, tal melancolia não seria a tristeza comum e inevitável que todos sentem. É a doença da depressão, do isolamento extremo, da tristeza que parece, à pessoa que a sente, sem fim.

Em sua palestra no Fronteiras do Pensamento de 2018, o escritor José Eduardo Agualusa citou o fato da retirada da Melancolia como um dos pecados. Depois, ele entrou em considerações mais literárias sobre a criação e a cura através da literatura. A melancolia, vista como um pecado, é polêmica mesmo, pois ela não depende de um ato, mas de uma condição, de uma postura pessoal, digamos. Não é uma ação, mas uma vivência.

Ela foi colocada como pecado por ser uma insatisfação profunda que, segundo a igreja, surge da percepção errada de que falta sentido à vida. Isso atacaria a religião. Também seria uma forma de não aceitarmos a realidade, de não estarmos contentes com o que temos.

Melancholia, de Albrecht Dürer, séc. XV | Wikimedia Commons
Melancholia, de Albrecht Dürer, séc. XV | Wikimedia Commons

Após uma discussão de séculos, foi o Papa Gregório I quem atualizou a lista de pecados. Na época da criação dos oito pecados, os mais graves eram os mais egocêntricos. Portanto, o orgulho e a vaidade seriam os piores de todos. Logo depois viria a melancolia, pois confundia-se algo que hoje consideramos doença com a “característica extrema” de voltar-se para si mesmo.

A palavra melancolia tem origem grega e significa “bílis negra”. Victor Hugo escreveu que “a melancolia é a felicidade de estar triste”. Não o entendo. Ele devia estar se referindo àquela tristeza leve que nos acomete, não ao estado de paralisia que associamos à depressão.

Depois, a melancolia foi substituída pela preguiça. E o orgulho e a vaidade juntaram-se no pecado da soberba.

Então, ficaram os atuais Soberba, Avareza, Luxúria, Inveja, Gula, Ira e Preguiça.

Melancolia – por Albert György. O trabalho está em Genebra.

Hoje é Bloomsday, gente!

Hoje é Bloomsday, gente!

(Espero que Caetano W. Galindo não se assuste com incrível número de anotações justo na sua tradução. É o que acontece quando GOSTO MUITO. Imagine se ele abre o meu exemplar… Há quase outro Ulysses dentro… E escrito com caneta…)

Trecho final do poema “James Joyce”, de Jorge Luis Borges:

“Entre a aurora e a noite está a história
universal. E vejo desde o breu,
junto a meus pés, os caminhos do hebreu,
Cartago aniquilada, Inferno e Glória.
Dai-me, Senhor, coragem e alegria
para escalar o cume deste dia”.

Escalei o cume do 16 de junho por 3 vezes e escalaria a quarta.

Um velório dedicado a mim na noite passada

Em um grupo do Facebook, o Alex Caldas perguntou sobre como as pessoas gostariam que fossem seus funerais. O inacreditável é que morri em sonho na última noite. Vários queridos amigos meus estavam no velório e eu me sentindo o próprio Brás Cubas, só que sem Virgília.

A atmosfera era de pura amizade. Todos estavam bebendo e não havia padre. Uma maravilha! O ambiente não religioso era tão bom que não me assustei nem quando o caixão estava indo naquele estrado para ser incinerado.

A boa notícia é que estava todo mundo lá. Então, vocês sobreviveram a mim.

A cerimônia foi finalizada com a Elena tocando a Chaconne de Bach. O pessoal aplaudiu e acordei bem tranquilo, ao lado da violinista.

Reflexão da burrice pós-prandial e uma notícia

Moro é o lombrosiano mais típico, já Deltan Dallagnol é o guri filho da puta (desculpem-me as putas!) com cara de estudioso e jeito de quem acaba de sair do banho. Seu perfil no Facebook começa por “Discípulo de Jesus”… Ou seja, não é ele que faz as coisas, ele está aí cumprindo uma santa missão.

Tive contato diário com pessoas assim. Trabalhei com um cara decididamente do Mal — estava na cara dele que tinha que manter distância — e com uma toda bonitinha e sedutora que estava sempre pronta para puxar o tapete de alguém. São tipos perigosos.

E a sacanagem vem de qualquer coloração política: o primeiro era filiado ao PP e a segunda, só votava no PT.

Destilado o ódio, volto ao trabalho.

.oOo.

Comandantes das Forças Armadas renunciaram afirmando que não aceitarão um golpe. Deste modo, temos um presidente genocida e golpista. A Câmara deveria abrir um processo de impeachment imediatamente, mas não parece ter disposição para tanto. A cassação está caindo de madura, não?

Os próprios milicos não querem a Banana Republic de Bolsonaro, mas agora ele vai buscar quem o apoie, é claro.

Na contramão, Mourão diz que ‘Pode botar quem quiser, não tem ruptura institucional. As Forças Armadas vão se pautar pela legalidade, sempre’.

Um ateu (já que hoje é o Dia do Bibliotecário)

Um ateu (já que hoje é o Dia do Bibliotecário)

dia-de-santa-luziaJá se passaram muitos anos desde aquela vez em que fui expulso de uma instituição católica de ensino. O motivo me deixa tranquilo. A ferida interna que ficou, não.

A tal instituição é uma tradicional escola particular porto-alegrense. Um colégio que pode receber quaisquer alunos, mas que tem a característica de, há muitos anos, manter turmas para deficientes visuais. Está preparada para a missão e tem professores especializados. Eu ficava no meu canto, tranquilo, na biblioteca. Gostava de lá e era bastante amigo da bibliotecária que trabalhava à tarde. Ela conhecia seu ofício e era a responsável pela Hora do Conto. Conversávamos antes de ela contar as histórias e lendas para as crianças pequenas, despertando-lhes o interesse com seu talento. Ela também costumava pressionar a bibliotecária titular para que esta cumprisse seus horários de forma a que pudéssemos recolocar mais rapidamente para empréstimo os livros que retornavam e os que chegavam. Chegava muita coisa boa. Eu carimbava os livros, colocava-lhes etiquetas e ajudava na restauração dos muitos que voltavam quase destruídos da casa de crianças e pais descuidados. Quando vieram as férias dos alunos, fui deslocado para a digitação. O que se digitava lá? Ora, livros. Digitávamos os livros que depois seriam impressos em Braille para os deficientes visuais.

Então, em julho, me passaram o livro Porteira Fechada, de Cyro Martins. Ele já fora digitado até a página 50 e faltavam 103. Como tratava-se de leitura obrigatória para o Vestibular da UFRGS, havia a necessidade de passá-lo com urgência para Braille. Era uma atividade que me dava prazer. É um excelente livro, conta uma boa história e dei o meu melhor. E então começaram os problemas.

Conversei com a funcionária que receberia meu trabalho e ela ficou encantada com minha disposição de não apenas terminar a digitação de cada página, como com minha vontade de revisar as 50 páginas iniciais que eu constatara estarem cheias de erros. Haviam permanecido erros de pontuação e palavras não corrigidas, apesar da gritaria do corretor ortográfico do Word. Na curta biografia de Cyro que abre o volume, as únicas letras maiúsculas eram as que iniciavam as frases. O nome dos pais de Cyro, o de sua cidade, o das universidades onde estudou, o das cidades por onde andou, o nome de seus amigos, etc. estavam todos em minúsculas. Pior: como em Braille não há itálicos, os nomes das obras do autor teriam que figurar entre aspas. E não havia aspas no texto. Tinha até uma frase onde parecia que Estrada Nova era parte da frase e não nome de um romance de Cyro. Eu mostrei tudo aquilo para a responsável e ela então pediu que eu fizesse a revisão completa. OK, sem problemas, tinha tempo de sobra.

Quando relatei os acontecimentos para minha chefe, uma religiosa, ela disse que a responsável pelo Braille estava querendo que eu fizesse um trabalho que era de outro setor, não do meu. Completou dizendo que se tratava de uma inútil. Sinceramente, não me parecera. De forma débil, pois sei que tudo o que não tinha lá era “espaço”, “direitos” e “poder”, solicitei educadamente fazê-lo, pois o nome do digitador vai na capa da obra e será lido tanto por quem o vê quanto por quem o lê com as mãos. Ela recusou terminantemente. Disse-me que eu estaria fazendo o trabalho que um setor coalhado de preguiçosos (expressão dela) não fazia. Esta religiosa é uma patética personagem de romance: uma espécie de faz-tudo que anda entre os setores supervisionando o trabalho de cada funcionário, espalhando sorrisos e pequenas maldades. Seu problema era o de ser acatada apenas por quem precisava acatá-la: pelos que tinha medo dela. O restante, os funcionários, riam da figura ou simplesmente a ignoravam. Em quatro meses, nunca tivera nenhum problema. Aquele era o primeiro e não era grave.

Decidi fazer a revisão em casa e entreguei o arquivo ao setor de Bralle num final de manhã através de outra pessoa, para que a freira não tivesse a oportunidade de questionar nada. O meu nome estaria lá, pô. Por volta daquele dia, a freira faz-tudo anunciou que estava estressada — puxa, estressada é tudo o que ela NÃO parecia — e que iria para um retiro. Os tais retiros são motivos de piada entre os funcionários. Quando um religioso se incomoda, ser superior que é, vai para uma espécie de Spa de Cristo; quando o mesmo acontece com um funcionário, ele segue trabalhando. Acontece muito neste gênero de empresas livre de impostos, administradas por deus: quando ninguém suporta mais uma freirinha, ela vai para um retiro e depois é destinada a um novo paradeiro, de onde será novamente chutada entre padre nossos. Certamente ela estava de malas prontas, pronta a enobrecer com suas fofocas a obra de deus em outras plagas, mas antes tinha que me sacanear.

E, antes de viajar, ela, que sempre vinha conversar sorridente comigo, subitamente me acusou de trabalhar em outros “arquivos”. Quis responder, mas ela me mostrava sua mão espalmada, sinal inequívoco de “Não quero ouvir”. Então, eu calava. Sim, era verdade, ela tinha razão, eu mexia em outros arquivos. É que o pessoal do Braille me perguntara se eu poderia apressar a digitação de Os Sertões, de Euclides da Cunha, que já andava lá pela página 300 com outra pessoa. Eu vira a qualidade da digitação já realizada e sabia que era apenas razoável, principalmente em razão da dificuldade e da aridez do texto em muitas partes. O que fiz? Busquei o livro inteiro no Portal Domínio Público. Busquei a mesma edição digitada, pois o pessoal do Braille me alertara que a transcrição tinha de ser similar ipsis litteris igualzinha cara de um focinho de outro à edição que a escola possuía. Eu queria repassar aos cegos a melhor cópia possível. E que eu fazia com meu pecaminoso arquivo disponibilizado pelo Governo Federal em seu site? Ora, procurava passar o “.pdf” para “.doc” a fim de deixar Os Sertões no formato ideal antes de ir para a impressora Braille. Ficou logo pronto, com suas letras grandes, com underline no lugar dos travessões das falas, travessões onde havia travessões, etc.

Como punição por me preocupar com a qualidade da leitura dos cegos, fui devolvido à Biblioteca. OK, problema nenhum. Lá fui eu, bovinamente. No dia seguinte, recebi a folha de avaliação. Havia várias perguntas e um espaço para que pudéssemos dar nossas opiniões. E então, certamente por raiva, cometi um erro grave. Expliquei o que fizera para o setor de Braille. Falei de Euclides e seus adjetivos arrevesados. Escrevi sem nenhuma ironia, cheio de boas intenções. Uma hora depois, a freirinha voltou com a folha na mão. Sua primeira pergunta foi inacreditável. Ela perguntou sobre minha crença em deus. Mesmo sabendo que meu trabalho era bom e necessário, sabia que me atirava no precipício ao responder: sou ateu. Fui bruscamente solicitado a me retirar dali para sempre.

Nos dias seguintes, recebi diversas ligações do setor de Braille. Queriam que eu voltasse. Eu disse que tinha sido expulso. Fodam-se os cegos, né? Obedeça-se a quem acha a disciplina formal mais importante do que a disciplina cabal de fazer as coisas. Três meses depois, a funcionária do setor de Braille ainda queria que eu voltasse, principalmente porque a freirinha tinha sido finalmente transferida, mas já estava outra em seu lugar que… Já sabia que eu era ateu. Como a responsável pelo setor de Braille também era, mas não dizia.

(Meus sete leitores, digo-lhes: que romance não daria a vida naquele inferno com Cristo, quanto ciúme, quantas querelas, quantos olhares… E quanto conforto, meu deus! Deveria pensar mais nisso e dedicar o resultado às manas servas de deus!).

Obs.: Texto revisado hoje. Prova de que ainda é um problema.

O pastorzinho de merda

O pastorzinho de merda

Ao menos uma vez por dia, alguém vem me ofender no Twitter. Sempre fico meio assustado porque costumo levar a sério o que dizem. Depois dou risadas, pois, na verdade, as ofensas são sempre dirigidas ao Ministro da Educação Milton Ribeiro.

Eu sempre respondo com um #ForaBolsonaroGenocida, o que deve deixar o ofensor desconcertado por alguns segundos. Agora já posso responder com um #BolsonaroGenocidaComedorDePãoComLeiteCondensado.

Só que hoje me chamaram de pastorzinho de merda. E eu adorei! Ri alto!

Fico preocupado. Será que estou me acostumando a apanhar, mesmo que por tabela?

Spica, a entrevista

Spica, a entrevista

Talvez alguns de vocês lembrem daquele post sobre o rádio Spica, meu amuleto futebolístico. Bem, eu colocarei o link como primeiro comentário. Ninguém é obrigado a ler todas as minhas bobagens, é óbvio.

Pois hoje fui entrevistado pelo SBT a respeito do rádio e das histórias que cercam o pequeno aparelho de 56 anos. Passamos desde a Samritzu, a fabricante japonesa que vendeu um milhão destes radinhos nos anos 60, pelas superstições de minha mãe — são incríveis –, pelos motivos que levaram minha família a ser toda colorada, pela final de 75 contra o Cruzeiro, pelas Libertadores e o Mundial e o conserto do rádio e seu “retorno triunfal” contra o Boca. Ufa!

Eu achei uma boa e divertida entrevista sobre um assunto bobinho. Vai ao ar num “Bom dia, Rio Grande” da semana que vem. Claro que a maior parte será cortada, mas foi um bom momento em que pude me distrair do mundo real.

Agradeço ao repórter Jeremias Wernek por ser tão leve e por ter feito voltar à tona partes boas de minha modesta biografia.

Importantes testemunhos deste domingo

— McCartney III, o disco pandêmico de Paul — onde ele toca todos os instrumentos — é um bom disco.

— Elena me mandou no super com missões muito difíceis. Como se não bastasse saber que moranga é o mesmo que abóbora, descobri que salsão é o mesmo que aipo.

— Mas a realidade mais fundamental que se descortinou foi que, para se descascar um bombom Ouro Branco, o melhor método não é o dar uma delicada mordida em qualquer lugar. O melhor é morder a base, retirando-a, para depois subir pelos lados. Experimenta e verás.

Meus melhores professores (nenhum da Universidade)

Meus melhores professores (nenhum da Universidade)

Hoje é Dia do Professor. Sei que é a mais importante das profissões e um dos ofícios mais mal pagos e desconsiderados de nosso país.

Este dia me afeta, fico sempre triste nos dias 15 de outubro. Sim, porque quase todo mundo que tem meu grau de escolaridade tem um professor universitário para homenagear e eu não. Nenhum ficou como modelo. A maioria ficava entre o insuportável e o indiferente.

Os meus grandes professores foram três do Ensino Médio — do Colégio Júlio de Castilhos — e vou tratar de lembrá-los, pois tenho boas lembranças deles, além de gratidão.

1. Moacyr Flores (que ainda anda por aí, ativo aos 85 anos): esse cara não ensinava apenas história como mostrava a formação das versões e dos mitos históricos. Foi um professor genial. Falava rindo, sempre com uma ironia que jamais atingia seus alunos. Quase 50 anos depois, ainda lembro de algumas aulas.

2. Sara: eu tinha 15 anos e só estudava, jogava futebol e me masturbava. A Sarinha enfiou a literatura de forma definitiva na minha cabeça. Ela indicava um livro para cada aluno, com frequência diferentes para cada um. A minha frequência era um livro por semana. Depois, ela comentava as obras com cada um.

3. Serjão: esse era sósia do Muhammad Ali. Fui primeiramente para as exatas por causa dele. Era o melhor professor de Física do mundo. No dia das provas, ele chegava de óculos escuros e sentava imóvel com seu corpanzil na mesa do professor. Ninguém sabia para onde ele olhava, ninguém colava.

Esses são os meus ídolos. Eles vêm lá de longe, da primeira metade dos anos 70.

O historiador Moacyr Flores

Nossa tragédia (1): da mentalidade censora

Nossa tragédia (1): da mentalidade censora

Trabalhei por oito ótimos anos num veículo progressista. Aprendi muito. Adorava trabalhar lá, as pessoas foram sempre muito éticas e eu me orgulho de minha vasta produção naqueles anos, apesar de achar que o jornal pecava pela falta de ousadia. Bem, tenho histórias que, penso, devem se repetir na maioria das hoje combalidas trincheiras da esquerda.

Sou um cara mais para o intuitivo do que para o analítico, então recebo e reajo a flashes. Ou, melhor dizendo, um dia tiro uma foto, outro dia outra, e assim vou formando meu mosaico de impressões.

Vamos a três fotos que me ocorreram hoje.

(1) Um colega diz que não devemos publicar uma reportagem sobre um novo método de produção de carne porque deixaríamos irritados os veganos e eles, parte de nosso público, poderiam nos linchar. Então fiquei sabendo que não podíamos falar de carne.

(2) Uma reportagem que coloquei para provocar foi encarada como se eu fosse um ET. Ela dizia que o gaúcho fazia menos exames de toque retal do que os homens de outras unidades da federação porque não a coisa não seria lá algo muito masculino. Era uma pesquisa de boa fonte, séria e médica. Como temos uma editoria de Geral, não vi problema, mas houve gente dizendo que aquilo não era pra nós. OK, não devemos rir ou explicitar nossos lados mais ridículos, mesmo que sejam verdadeiros.

(3) Fui advertidíssimo e me senti ameaçado por expor NO MEU BLOG uma opinião independente. Ela teria o condão de chamar as feministas contra o jornal. Sim, muitas delas disseram que iam abandonar o jornal por minha causa. Alguém acredita nisso? Em resposta, devo dizer que Porto Alegre é um ovo e que fui algumas vezes cumprimentado na rua por feministas em razão do mesmo texto. Ou seja, a rejeição não era consensual.

Fiquei puto ao notar novamente um respeito sem sentido pela militância, sem interessar quão tola seja.

Critico uma versão específica da política identitária que é performática em suas demonstrações de consciência social. Não gosto particularmente porque é um grupo muito inclinado a censurar, a atacar em bloco indivíduos. Odeio isso. Ao calar seus inimigos políticos, eles calam também o dissenso dentro da própria esquerda e é este dissenso que sempre fez a esquerda ser vibrante intelectualmente. São os questionadores que evitam que a ideologia se fossilize porque nos obrigam a repensar. Mas suas vozes foram caladas.

Angela Nagle

É impressionante como essa mentalidade censora se espalhou. O pior é que as pessoas nem se dão conta dela e de como a censura e o constrangimento causado pelos “erros” de gente bem intencionada — e, fundamentalmente, de mesma ideologia — resultaram na colocação da esquerda em um gueto no qual esta passou apenas a falar para si mesma e não com a sociedade. Pior, com uma linguagem toda própria, muitas vezes incompreensível não somente para a população, mas para quem estivesse desinformado. Ah, as vanguardas… Nós contribuímos demais para a ascensão da direita, que deve permanecer por décadas com boa parte do poder.

Enquanto isso, estávamos preocupados com a apropriação cultural, com o lugar de fala, com as bolhas e não com as coisas que estavam realmente no imaginário popular. Nós adubávamos a segmentação para satisfazer certos grupos, gastávamos energia com as polêmicas do dia e com as malditas audiências públicas sobre porra nenhuma e não com avanço dos evangélicos nas periferias, com o recuo da mentalidade científica, com o próprio papel das redes e com aquilo tudo que acabou viabilizando o inferno bolsonarista.

Fico triste com minha falta de força. Sinto-me em parte responsável por nossa tragédia, apesar de ter passado anos dizendo que o maior perigo desse país estava no fundamentalismo religioso e na desgraça que é nossa educação. Mas fui vencido de todas as formas.

Aborto espontâneo

Aborto espontâneo

Cada um tem sua versão sobre cada acontecimento grave, é claro. Nas grandes crises, que para minha sorte ocorreram todas a mais de 10 anos, eu sempre me recolhi, mas às vezes me dá vontade de escrever um livro chamado Quatro (ou Cinco, ou Seis) Relatos Autobiográficos. Talvez eu pudesse ser tão franco quanto Knausgård, mesmo sem um pingo de seu talento. Seria um monumental gol contra — ninguém leria o livro e eu ainda arranjaria problemas com figuras que hoje estão lá longe, quietas.

Agora, enquanto lavava louça, pensei em três casos: um em minha família, outro na de outrem — mas como encheram o meu saco! — e ainda outro político, o qual me renderia certamente um processo de parte de um partido de direita. Mas, amanhã de manhã, tenho certeza que meu projeto de complicar estará abortado. Afinal, todos nós temos coisas jamais confessadas se remexendo em nossa cabeça e eu acharei as minhas muito bobas.

Fonte da imagem: https://www.morandosozinho.net/papel-higienico-joga-no-lixo-ou-privada/

Deus e o Diabo em Terra Brasilis

Deus e o Diabo em Terra Brasilis

Eu chego em casa e tomamos café. Aqueles pães da Elena tornam a gente falante. O café incentiva ainda mais e, se não fazemos revolução na mesa do bar — até porque o bar é impossível –, começamos a pensar alto, inspirados por Dostô e sem álcool.

Dmitri Karamázov, personagem de ‘Os Irmãos Karamázov’, de Dostoiévski, diz: “Aí lutam Deus e o Diabo. E o campo de batalha é o coração dos homens”. Assim, Dostoiévski colocava em xeque os valores do humanismo em suas várias vertentes — cristã, idealista, materialista. No espaço psíquico é onde Deus e o demônio se revelavam. Era uma luta travada em silêncio, em espaço obscuro e inconsciente.

Na nossa crise atual, há outra luta, barulhenta e furiosa. Irritante, na verdade. Podemos chamá-la de uma luta entre a razão e a paixão ou crença. De um lado, há os cientistas nos alertando sobre o que fazer — isolamento, máscaras, cuidados –, de outro há os crentes — em Bolsonaro, na onipotência de que não pegará a doença, no espaço sagrado da igreja que impede a entrada do vírus.

Por mais que a luta dostoievskiana possa resultar numa vingança ou crime individual, o debate externo é pior, pois é tão social que pode arrastar a mortes. Hoje chegamos a 10.000, não?

Foi isso. Leu até aqui? Sua vida não mudou. Nem a nossa. Tô de boa com a ciência. Me cuidando para não ter nem aquela gripezinha de todo inverno, apesar de meu histórico de atleta… Aquela gripezinha… A minha, não a do Diabo.

Convivendo com o Asperger de Greta

Uma de minhas experiências mais felizes no jornalismo foi a de trabalhar com um menino que sofria do mesmo Asperger da Greta. Um dos donos da empresa onde eu trabalhava me pediu para acompanhá-lo com cuidado e atenção. Leigo, nervoso e um pouco contrariado, li o que podia sobre a síndrome e o menino fez coisas incrivelmente positivas, com sua absurda capacidade de concentração. Ele só falava comigo, os outros só recebiam um oi e olhe lá. Na hora de sair, ele sempre me perguntava sobre sua produção naquele dia. Ela era sempre espantosa. Traduzia, revisava e descobria notícias com uma velocidade diferente do habitual, acompanhada de uma profunda atenção aos detalhes. Certamente devia sofrer com a dificuldade de se relacionar, era mesmo uma pessoa original que raramente olhava para mim e que vinha conversar sobre uns assuntos fora do habitual — eu me divertia com isso, mas tinha enorme respeito por ele e acho que ele gostava de passar aquelas manhãs trabalhando comigo. Sei lá onde anda hoje, espero que bem. Tenho carinho por ele.

Dia 25

Estou indo dormir às 4h da madrugada, mas como valeu a pena ir no happy hour(s) da Cláudia Beylouni Santos!!! Comidas e amigos maravilhosos, ambiente perfeito, inteligente e alegre, casa linda e com o amigo Pedro Pereira, que é um violonista do cacete, puxando uma roda de samba que teve até a Elena cantando, tocando violão e piano — sim, minha mulher é violinista, genial e linda e eu sou um sortudo. E, bem, eu tentei cantar várias músicas, pois embestaram de dizer que bossa nova era comigo… Gente, que baita noite de 25! Talvez a melhor de todas.

Cláudia, muito obrigado.

Os feios e as belas

As mulheres bonitas que são possíveis aos feios são as inteligentes e apenas elas. Acompanhem o raciocínio tendo em mente que nós, em nossa profunda modéstia, sabemos que para burros não servimos. Uma bela mulher, mas para quem as luzes da inteligência brilham pouco ou ficam no pisca-pisca, vai buscar seu Adônis e, portanto, nos excluirá automaticamente. Nunca a convenceremos, na conversa, da flor de pessoa que efetivamente somos: dedicados, meigos, cultos, amorosos, solidários, bons de papo, etc. Já as inteligentes, podemos lentamente convencer ou subitamente surpreender com uma frase que fará com que elas voltem rapidamente a cabeça, lançando a fragrância de seus cabelos em nosso colo.

Um dia normal

Um dia normal

O dia começou cedo. Muito cedo. Acordei às 6h15 para receber a pessoa que faz a faxina na livraria. Na situação em que o comércio se encontra, não dá para pagar hora extra a cada faxina. Então eu venho, abro as portas e fico lendo na frente da livraria. Hoje deu 40 páginas de Knausgård. Deste forma, o dia começou bem. Enquanto vocês aproveitavam os últimos minutos aquecendo as bochechas em seus travesseiros, eu lia prazerosamente um autor de que gosto muito.

Depois, fui até o fórum onde trabalha minha filha. Não conhecia, ela trabalha num local bonito e limpo, em uma mesa em L cheia de processos e com um monitor. Senti falta do cheiro de café. Ah, se ela soubesse o quanto eu desejo que ela tenha uma vida menos atribulada do que a minha!

Agora, ela me manda pelo Whats a foto de uma xícara de café, feito após minha saída…

Agora, de volta ao trabalho, espero que a Elena me chame para fazermos uma reunião com um pessoal que representa a Unimed. Estou pagando “apenas” R$ 1402,41 por mês e quase não fico doente. Deveria receber uma medalha da instituição por pagar o plano há 20 anos quase sem utilizá-lo. Num mundo ideal, este valor deveria baixar.

E depois vou ter que enfrentar a uma fila na Caixa porque meu cartão deixou de funcionar e, deste modo, não consigo usar o caixa eletrônico. Aliás, os cartões da Caixa são de péssima qualidade. É o segundo que tenho que trocar em menos de um ano.

E assim a vida passa.

Ainda bem que a livraria não vai de todo mal.