Os símbolos religiosos e quem não os quer mais

TJ-RS negou solicitação para retirada de símbolos religiosos de repartições públicas, citando preâmbulo da Constituição | Foto: Ramiro Furquim / Sul21

Publicado em 4 de março de 2012 no Sul21

“Se Deus não existe e a alma é mortal, tudo é permitido”, diz o personagem Ivan Karamázov em Os Irmãos Karamázovi, de Dostoiévski. O russo era cristão e foi um escritor genial. Tão genial que lograva transferir-se para a pele de seus personagens de tal maneira que é difícil supor as ideias do homem por trás do romancista. Pois Dostoiévski não parece projetar-se em ninguém; em seus romances não há uma voz onisciente que comande tudo. Desta forma, o ateu Ivan Karamázov era provocativo, principalmente com seu irmão mais moço, o beato Aliócha, e a célebre frase é um caso exemplar de descontextualização por ter sido pronunciada por Ivan para Aliócha e não de Dostoiévski para uma plateia, por exemplo.

A noção de entidades superiores que julgam os atos dos homens talvez preceda a própria noção de humanidade. Para a antiguidade, de forma mais indiscutível do que hoje, Deus criara não apenas a vida e a existência do mundo e do universo, mas encarnava os preceitos éticos do certo e do errado. Deparando-se com o caos da vida e com leis insuficientes, os homens precisavam de limites. Sem eles, talvez os homens roubassem e matassem uns aos outros, cada um pensando ter direito a tudo. Deus os olharia e julgaria, no papel de representante do bem, do correto e da retidão, enquanto o Diabo representaria o mal, o errado, a destruição, o roubo e a morte. O ser humano que estivesse em coesão com Deus estaria de acordo com sua justiça.

Santo Agostinho, porém, disse: “Não basta querer crer, é necessário podê-lo”

Depois — durante toda a Idade Média e além, houve longo predomínio da moral cristã no mundo ocidental — , Deus permaneceu identificado com o Bem, a Justiça e a Verdade. Santo Agostinho (354-430), bispo, teólogo e filósofo da Igreja Católica, fundamentou a moral cristã na busca pela felicidade e a felicidade suprema consistiria num encontro com Deus na imortalidade. Só assim o homem poderia ser verdadeiramente feliz. E, para sê-lo, bastaria obedecer às leis e aos preceitos de Deus.

Desta forma, a Justiça dos homens acostumou-se a invocar Deus a fim de julgar corretamente os problemas do mundo, pois o contexto impedia a existência de teorias éticas autônomas da doutrina da Igreja. Todas elas, de uma forma ou outra, teriam que estar de acordo com os princípios divinos. Quem não viu filmes onde a testemunha, antes de responder a qualquer coisa, jurava dizer a verdade, somente a verdade, nada mais do que a verdade, com a mão sobre a Bíblia?

Crucifixo que abençoa o plenário da Câmara Municipal de Porto Alegre | Foto: Ramiro Furquim/Sul21.com.br

Não surpreende, portanto, que até hoje haja símbolos católicos nos prédios da Justiça e de outros órgãos públicos. É contra isto que a Liga Brasileira de Lésbicas (LBL) e outras cinco entidades protocolaram pedidos. Desejavam a retirada dos símbolos religiosos das repartições do Executivo estadual, da Assembleia Legislativa, da Câmara dos Vereadores de Porto Alegre e do TJ-RS, Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Em resposta, o juiz assessor Antonio Vinicius Amaro da Silveira utilizou o argumento de que, no preâmbulo da Constituição de 1988, consta a frase de que esta fora promulgada “sob a proteção de Deus” e isto garantiria que aqueles símbolos religiosos não deveriam ofender os ateus e os adeptos de outras crenças. Seriam esperados e “naturais”.

Naiara Malavolta, articuladora estadual (RS) da Liga Brasileira de Lésbicas, explica a ação na Justiça: “Primeiramente, há uma clara contradição na Constituição Federal. A constituição que declara o estado como laico foi escrita ‘sob a proteção de Deus’. O fato é que precisamos reagir contra a invasão do público pelo privado. Nas escolas, a história das religiões deveria ser ministrada por historiadores, não por religiosos. A consequência de toda esta presença é a desconstituição de direitos por parte de  representantes da moral católica”. Sobre os símbolos, Naiara explica que os símbolos religiosos agridem boa parte dos homossexuais, pois simbolizam não apenas a fé como a tutela da instituição sob uma moral religiosa. “Muitos evangélicos, por exemplo, pouco sabem do que está escrito na Bíblia, mas ouvem o que é dito nas reuniões. E o que é dito é a posição majoritária evangélica: são homofóbicos, contra o aborto, propõem ‘curas gays’, etc. A oposição ao PLC122 (Projeto de lei que criminaliza a discriminação por orientação sexual) por parte da bancada evangélica diz tudo.

Monumento à Bíblia em praça de Paranavaí

O antropólogo Emerson Giumbelli, professor da UFRGS e coordenador do Núcleo de Estudos da Religião (NER) afirma que há, cada vez mais, iniciativas visando a retirada dos símbolos religiosos de locais públicos, mas que a resistência é  forte. “As respostas costumam ser ou evasivas ou de clara recusa. Porém, se reconhecemos a sociedade como plural em termos religiosos, tais símbolos, tidos como naturais a quem professa a religião católica, deveriam ser retirados”. Perguntado sobre o fato dos símbolos serem católicos, Giumbelli respondeu que “o cruxifixo é uma imagem rigorosamente católica, os protestantes e muitos evangélicos usam as cruzes sem o Cristo. A novidade é que a Bíblia tem crescido como símbolo de religiosidade, principalmente entre os evangélicos, mas também em Câmaras de Vereadores, etc. Por exemplo, no interior do país, já há muitos Monumentos à Bíblia. Os crucifixos têm cada vez menor representatividade”.

Sobre o fato da iniciativa dos pedidos de retiradas serem basicamente dos movimentos LGBT, Giumbelli afirma: “É claro que tais movimentos são muito mais sensíveis à questão. Porém, e isto agora é uma opinião pessoal, penso que eles só conseguirão avançar quando um leque mais amplo da sociedade civil lhes der apoio. O fato é que não há mais símbolos consensuais. A extensão de cada um é limitada e há ainda que considerar as pessoas sem religião”.

O antropólogo da UFRGS faz questão de sublinhar um fato que vem ao encontro da manifestação do desembargador Túlio de Oliveira Martins, presidente do Conselho de Comunicação Social do TJ-RS e finaliza: “Fico feliz que esta discussão exista. Discutir símbolos religiosos ou a retirada total deles é muito importante. Além da questão cultural e pessoal há o princípio do estado laico que não deve ser desrespeitado”.

E Dostoiévski? Melhor esquecê-lo? Não, de modo algum. Afinal, a frase deve ser limitada a uma inteligente provocação de Ivan Karamázov a seu irmão Aliócha. A quem duvidar disto, bastará ler o que diz Raskolnikov em Crime e Castigo e saber que Dostoiévski jamais assassinou velhinhas a machadadas. O personagem acaba antes do autor, assim como o privado antes do público.

Doris Lessing diz que Obama, se eleito, seria assassinado

Publicado em 11 de fevereiro de 2008… Hoje, quatro anos depois, Obama segue bem vivo. E presidente.

“Ele provavelmente não duraria muito, um homem negro na posição de presidente. Eles o matariam. Seria melhor que Hillary o vencesse”, disse a Prêmio Nobel de Literatura de 2007 ao jornal sueco “Dagens Nyheter” neste sábado.

Este é o tipo de declaração que apenas beneficia quem a profere. Se Obama não for eleito, Doris Lessing acerta; se for eleito e sofrer um atentado, também; se for eleito e assassinado, idem; se virar presidente e só receber flores, ela ao menos revolveu profundas feridas, servindo de consciência ao povo americano…

A declaração é, no mínimo, inoportuna. Os EUA melhoraram muito no item racismo e a provável eleição de Obama deveria ser encarada com naturalidade pela imprensa. Seria a vitória de um negro sobre uma mulher para a indicação Democrata – algo inédito – e depois sobre um Republicano. Não é bom divulgar “previsões” de seu assassinato; afinal, algum maluco armado pode desejar ficar famoso, cumprindo o que pede o oráculo Lessing.

A Academia Sueca, ao conceder o Nobel à Lessing, destacou que a escritora é dona de um poder visionário de ceticismo… Hum…

Refletindo sobre o humor em texto rápido

Para L.W. e I. B.

Ontem, ouvi um parvo desqualificando uma pessoa por não se levar à sério. “Ora, uma pessoa que faz isso não se leva a sério”, dizia o beócio. Cada vez que alguém é desqualificado por não ser sério, desconfio imediatamente do acusador. É inequívoco que uma acusação do gênero só pode partir de quem está incomodado e é muito mais interessante descobrir exatamente onde este foi tocado. Pois assim como uma ofensa diz bem mais sobre quem ofende do que sobre o ofendido, a denúncia de não ser sério faz com que o detrator se desnude muito mais do que o “inconsequente” autor de alguma gracinha. Digo “gracinha” com extremo amor aos bem humorados. Penso que o bom humor seja uma manifestação de inteligência do ser humano e um dos fatores mais importantes na aproximação entre os indivíduos. Obviamente, existe a figura do bobo feliz, porém mesmo este é melhor do que o bobo mal humorado. Também não há grande relação nenhuma entre bom humor e imaturidade e meu teórico literário preferido, Mikhail Bakhtin, mata a pau neste ponto.

Mikhail Bakhtin

“Somente o riso pode ter acesso a certos aspectos extremamente importantes do mundo”. Como diz este texto, “o humor é capaz de relativizar a força dos valores ligados à ordem, à produtividade, à intemporalidade, à razão. De modo semelhante, Jankélévitch sustenta que a consciência irônica, ao substituir o absoluto pelo relativo, produz o apagamento das fronteiras entre o certo e o errado, o positivo e o negativo, o grave e o irrisório, o fundamental e o acessório, provocando assim um movimento de recuo da consciência. Esse deslocamento de perspectiva abre caminho para a auto-reflexão e para se repensarem os próprios limites”.

E segue: “O humor não é um fenômeno menor. Relegá-lo ao segundo plano é um sintoma do levar-se a sério demais, da pretensão. O próprio fato de se construir pelo avesso, por meio de desvios e transgressões, lhe fornece uma dimensão privilegiada, reveladora de formas de organização do tecido social e de modos de funcionamento das instituições. Por outro lado, além de revelar um profundo enraizamento no terreno social que o produz, tornando-se assim um de seus mais espontâneos reflexos, o propósito humorístico nos toca igualmente pelo caráter econômico e sintético de sua articulação”.

Bakhtin sustentava que “o humor é uma das formas capitais pelas quais se exprime a verdade sobre o mundo na sua totalidade”. E digo eu que o humor é responsável por criticar, de sua forma irreverente, a estrutura de poder da sociedade. O humor é de oposição. Quando ao lado do poder, ou tem de ser muito bem feito ou dará lugar à ridicularização ofensiva e banal de fatos e pessoas.

Sempre tive para mim que somente os inteligentes não levam tudo a sério e sabem se divertir mesmo com as intermináveis chatices cotidianas. Sempre tive para mim que somente pessoas problemáticas e neuróticas podem realmente entediar-se em nosso século.

E volto ao trabalho.

Inter: General Dorrival está irritadinho de novo, ui!

O lateral Fabrício salvou o time? Então merece ser punido!

Flamengo 3 x 3 Inter foi um jogo cheio de falhas, mas foi um jogão. Permaneceu em aberto até o último minuto, quando Moledo deixou Wellington livre para cabecear em nossa área. A atuação de Índio só pode ser qualificada como uma tragédia, porém muito mais trágica foi a postura inicial do Inter em campo. O time entrou com três volantes, mas com um deles, Josimar, jogando incompreensivelmente adiantado. Assim, o General Dorrival Junior repetiu o erro cometido na partida contra o Santos, na Vila Belmiro, durante a primeira fase da Libertadores 2012. Trouxe de volta o tradicional esquema chama-derrota, imortalizado por Celso Roth.

E a derrota não se fez de rogada. Em quinze minutos atendeu ao chamado do General Dorrival e se fez presente. Fla 2 a 0. Só que o Inter, mesmo desfalcado — com oito jogadores lesionados, punidos ou na Seleção Brasileira — , é muito melhor que o Flamengo e buscou um resultado que não deixa de ser aceitável, pois a maioria dos times que irão ao Rio de Janeiro para enfrentar o Fla voltarão sem ponto nenhum na bagagem.

É um curioso início de campeonato. Pela primeira vez, em muitos anos, estamos iniciando um Brasileiro 100% dedicados a ele. Os melhores times — Santos e Corinthians — estão ainda na Libertadores, assim como alguns médios — casos de São Paulo, Grêmio, Palmeiras e Coritiba — estão na Copa do Brasil. É hora de fazer pontos enquanto os outros utilizam times reservas em seus jogos.

Então voltamos ao General Dorrival. Ele justificou os 3 volantes da foma mais incrível. “Se eu começasse com dois meias, só teria volantes no banco. Como mudaria o jogo?” Em resumo: o Dorrival começou com o time ruim pra depois fazer o certo e parecer que agiu como um estrategista e muda o jogo. Mas não é apenas isso. A ausência de meias era em parte consequência da punição de o Genaral Dorrival impusera a Jajá. E a diretoria não peita Dorrival, que tem um histórico de punições a jogadores no Santos (onde afastou Neymar e Ganso) e no Atlético-MG (onde afastou André). Ele gosta de se desfalcar…  Não seria o caso de conversar com o Jajá?

Ontem, foi salvo por Fabrício, que marcou um golaço, deu um cruzamento mortal para o gol de Gilberto e desarmou Love quando este estava fazendo 0 quatro do Fla. Porém, como discutiu durante a partida com o jogador, criticou-o asperamente na entrevista coletiva após o jogo e “disse que deixaria o caso para a direção”, sucedâneo para “vou punir o cara”. Na boa, é um General, só que do rival. Jajá estava bem, em forma. Mal está o Moledo, que é obediente à Dorrival, mas está sempre na noite, fora de forma. Mal está o Nei, verdadeiro culpado pelo terceiro gol do Flamengo, culpa atribuída por Dorrival a Fabrício. Vá entender.

O bom é que o time se ajeita sozinho. Dátolo, Dagoberto e Fabrício, principalmente estes, não gostam de perder. Os três negam as frases de “um empate tá bom” que Dorrival e seu criado Nei dizem a cada entrevista.

Fernandão, membro da comissão técnica parece ter mais inteligência. Preocupado, foi até os repórteres para tentar abafar a nova crise.

– Vou falar agora porque vamos ficar dois dias de folga e não quero que o assunto se estenda até terça-feira. Todos se cobram, todos discutem, mas sempre são assuntos resolvidos no vestiário, como este. Acabou.

Esperamos que sim, Fernandão. Se o General Dorrival punir o Fabrício ficará claro que quer a multa rescisória.

Porque hoje é sábado, Andressa Mendonça Cachoeira, a musa da CPI

Eu sou pautado pela idiota

Ela é minha boa conselheira

Ela é consultada

A cada passo que dou

Então, o melhor Milton

Aquele mais consequente

Sempre é uma extensão dela

Sim, ela me pauta

Eu sou ela

Ela me é

Então, meus amigos, por simples analogia

(Pois tiro os outros por mim, como diz Gil em Roda)

Vou-lhes fazer uma revelação da qual este país não se dá conta

Aquele que mandava (ou ainda manda)

Aquele que comprava matérias (é o que sempre pareceu e dizem)

Aquele que fazia a reunião de pauta

No fundo

Era ela, Andressa Mendonça Cachoeira, através dele, o ogro Carlinhos

O que, se não melhora as coisas, deixa-as mais agradáveis

Luzes nela, fotos dela, ensaios dela, portanto. É ela!

E, se tudo acabar em pizza, que seja comida com ela.

A morte de Milton Ribeiro

O Escrivão de Polícia sentou-se à mesa e escreveu:

Por ser provocador, por não acreditar em deus, por ter dito isto sempre, por sentir-se superior a quem acredita, por gostar desmedidamente de mulheres, por gostar muito de música, por gostar desmedidamente de literatura, por amar o S.C. Internacional, por ser um glutão, por gostar desmedidamente dos amigos, por defendê-los das iniquidades, por não ser acomodado, por incomodar a acomodação de outros, por gostar de rir desbragadamente, por correr sem ser atleta, por ler mensagens de outros grupos no Facebook, por gostar desmedidamente de cinema, por gostar de criticar internamente, por gostar de externar tais pensamentos em palavras por escrito, por amar Bach, por sofrer eventualmente de hipobachemia, por ser gentil, por ter a baixa auto-estima diagnosticada três vezes e nunca ter se tratado, por não perder piadas, por rir fora de hora, por admirar os seios das mulheres, por desprezar suas bundas, por nunca torcer pela Seleção Brasileira, por manter um blog anônimo, por ser estar sempre insatisfeito, por ter roubado muitos livros, por ter sido processado inutilmente uma vez, por ter sido processado inutilmente duas vezes, por dormir cedo, por acordar às 6h, por nunca ficar doente, por gostar de Bergman e Tarkovski, por ter tido dois filhos, por amá-los incondicionalmente, por ter sido mau aluno, por ter sido o melhor da turma, por dever, por bocejar sem tapar a boca, por enfiar o dedo no nariz quando sozinho, por tomar muitos banhos, por peidar ruidosamente pela manhã, por ter conseguido tocar a sétima de Bruckner de e na cabeça quase sem nenhum erro e no tempo total certo, por ler tudo sobre estética literária e musical, por achar que o Fausto de Mann é maior de todos os livros, por fazer os outros falarem desbragadamente, por desbragadamente ouvi-los, por muitas vezes detestá-los, por ter tantos livros, por ter muitos CDs, por querer mais, por querer mais dos outros, por não querê-los, por trepar pouco, por não ler todos os e-mails que recebe, por nem sempre atender o telefone, por gostar de caminhar, por caminhar pelas ruas como se fosse um personagem de Machado, por ser irônico e debochado com quem conhece, por fazer o mesmo com quem não conhece, por pensar mal das pessoas, por gostar de volantes que saibam jogar e centroavantes fincados, por ter conhecido Londres e Verona, por achar todas as orientais feias, por mentir em coisas sem importância, por exagerar, por não gostar de óperas, por ter opinião, por ter interrompido seu trabalho voluntário — o maior trabalho político que uma pessoa sem talento pode cumprir — , por esquecer de fumar os charutos cubanos que tem em casa, por fazer comentários com nomes falsos, por não gostar de dançar, por gostar que orquestras toquem música escrita para orquestras, por querer os roqueiros tocando rock e os sambistas samba, por todos os pecados que cometeu, por todos os que cometeria, por uma série de motivos que seria longo explicitar e, fundamentalmente, por roncar à noite, sua mulher, de forma inteiramente justificada, coberta de razões, matou-o a golpes de machado na madrugada de ontem.

E, por minha mulher estar fazendo Direito, servi de modelo para um assassinato perpetrado pela fictícia filha, repetidamente abusada, de um fictício cidadão de São Vendelino (imigração italiana) que já olhava a fictícia neta com certo interesse. O sangue era ketchup. Como o vermelho estava muito claro no primeiro momento, fui besuntado também de molho choio — a garrafa está na primeira foto, ao fundo. Os cortes foram feitos com batom. Por mentir a seus sete leitores.

Adendo: não tem muito a ver com a minha história, mas abaixo está o depoimento improvisado, após apenas uma leitura, da vizinha. Tudo isso para o trabalho de aula. Vejam a notável atuação de sua colega Roberta Reginato — sem letras duplas, mas nascida em Cacique Doble (RS).

Anotando filmes para um ciclo sobre a Comissão da Verdade, ditadura, etc.

Com no mínimo seis filmes e debates, o escambau. Meus sete leitores gostariam de sugerir outros além destes? Coloquei asteriscos ao lado de meus preferidos.

Brasil:

— Pra frente Brasil, de Roberto Farias; (*)
— Cabra-cega, de Toni Venturi;
— O ano em que meus pais saíram de férias, de Cao Hamburger;
— Ação entre amigos, de Beto Brant; (*)
— Zuzu Angel, de Sérgio Rezende;
— Hércules 56, de Sílvio Da-Rin; (*)
— Nunca fomos tão felizes, de Murilo Salles;
— Dois córregos, de Carlos Reichenbach;
— Lamarca, de Sérgio Rezende.

Argentina:

— Kamchatka, de Marcelo Piñeyro; (*)
— A história oficial, de Luis Puenzo;
— O dia em que eu não nasci (Das lied in mir), de Florian Micoud Cossen; (*)
(Examinar melhor o site La dictadura en el cine)

Chile:

— Dawson ilha 10, de Miguel Littín;
— O cavaleiro negro, de Ulf Hultberg.

Ospa: nem poção mágica salva repertório

Asterix regeu a Ospa nesta terça-feira

(É claro que o maestro uruguaio García Vigil merece todo meu respeito, mas que ele é a cara do Asterix, isso é. Baixinho, magro, narigudo e com longos cabelos, falta-lhe pouco para ser o esperto gaulês. Algumas mulheres na plateia disseram que ele remetia ao gaulês, mas também ao Gepeto do Pinóquio. Não chegamos a uma conclusão final).

O repertório do concerto de ontem à noite foi fraco e tal fato é tudo menos novidade, como sabem meus sete leitores. A função começou animada com a Abertura da ópera A Flauta Mágica de Mozart, o qual parece ter morrido de uremia, nunca por envenenamento. O pequeno guerreiro gaulês imprimiu grande entusiasmo à execução e a Ospa — a plena e furiosa DR atual parece não atingi-la artisticamente — respondeu de forma magnífica.

Porém, a aldeia gaulesa sempre tem seu momento Chatotorix: Antonio Salieri apontava perigosamente na curva. Defendido galharda e inutilmente por Max Uriarte, o Concerto para Piano e Orquestra em si bemol maior revelou-se por inteiro em sua mediania. Um bonito Larghetto antecedido de um primeiro movimento desinteressante e sucedido de um Andantino em forma de variações.  Um concerto de estrutura original, não fosse o problema da música. Não sou daqueles que combatem o Salieri em razão das calúnias póstumas proferidas por Pushkin, repercutidas por Rimsky-Korsakov, e amplficadas por Peter Shaffer em Amadeus — é que o concerto era dureza mesmo. Salieri, que morreu de velho, surfava bem melhor em águas operísticas.

Depois veio a 5ª Sinfonia de Schubert, que morreu de mal francês (vá ao dicionário). Pura grife. Schubert foi um tremendo compositor e o número cinco é muito bem cotado nas rodas eruditas. A Quinta de Beethoven, a Quinta de Mahler, a Quinta de Shostakovich, a Quinta de Prokofiev — que recebeu bela gravação da OSESP, lançada em CD no mês passado, Marin Alsop, já compraram?, eu comprei, é muito bom — , fora os concertos que carregam o número dos melhores volantes do mercado. Pois bem, pura grife, dizia eu: a 5ª de Schubert é das obras mais fracas de um sinfonista que parece apenas ter se encontrado nos números 8, “Inacabada”, e 9, “A Grande”. Perda de tempo ouvir novamente a 5ª. Despilfarro, diria o gaulês platino.

Ideiafix. Sim, ontem meu Facebook foi invadido por argumentos de que era impossível melhorar o repertório da Ospa. Eram músicos da Comissão Artística que davam uma colher a este pobre escriba de sete leitores. Referiam-se a isto, certamente. A comoção artística deles fê-los afirmar que a  programação “foi pensada e realizada tendo em vista a estrutura física disponível para a Ospa”.

Seria muito fácil, apesar de longo, responder ao argumento. Nem vou fazê-lo. A Ospa sofre demais, como coloquei no link que repito aqui, mas não deve alegar que seu sofrimento seja a causa das péssimas escolhas que faz. Isso é como o jogador de futebol que rola aos berros no gramado ao menor toque em sua figura. A Ospa insiste em não envolver seu público nas decisões. Os metros e metros que separam a Reitoria do novo teatro poderiam ser pavimentados com, por exemplo, partituras de Haydn superiores a tal 5ª de Schubert. Schubert é superior a sua Quinta Sinfonia. Aliás, recentemente tivemos a 8ª e 9ª do mesmo compositor. O que a Ospa não imagina é a criatividade dos programas que fazemos por pura brincadeira no grupo de discussões daquele blog fantasmal de música erudita, resultados das saudades que temos da coluna Who`s Next da revista Gramophone. O público sabe mais do que alguns imaginam. No intervalo, em vez da 5ª, fantasiava com a Sinfonia “O Filósofo” de Haydn, uma livre associação muito mais adequada.

Fico pensando em onde colocar o Obelix no meu texto…

Andrei Rublióv (Rublev), de Andrei Tarkovski

Eu não procurei este livro para comprar, eu cruzei com ele. Estava caminhando por uma livraria e dei de cara com o volume da Martins Fontes. Estranho, não era um DVD do filme, mas um livro de mais de 300 páginas escrito pelo próprio diretor e roteirista Andrei Tarkovski. Comprei imediatamente e não é que o tenha lido, eu o engoli imediatamente com os olhos.

Trata-se de um roteiro literário, que na verdade é um romance escrito por Tarkovski para servir de base para as filmagens. O  roteiro final foi escrito em parceria com Andrei Konchalovsky e parece  consistir apenas no acabamento dos diálogos e no corte de descrições e cenas, pois o livro (ou roteiro literário) possui 14 capítulos, 5 capítulos a mais do que o filme.

OK, mas porque tanta expectativa? Ora, pelo imenso filme de Tarkovski, um dos melhores de toda a história do cinema, pelo profundo humanismo que se desprende da história e pela grande carga emocional de um filme que parece não terminar nunca, tal a impressão deixada nas mentes de quem o vê. Com a publicação deste roteiro — falemos sério, deste romance — ficam inequívocas as intenções do cineasta soviético. Tarkovski pretendia mesmo discutir o papel do artista e da fé na sociedade. Se o palco é a Rússia (Rus) da invasão tártara do século XV, a alegoria serve a qualquer outro tempo e sociedade.  No livro, Rublióv está muito mais completo e complexo do que no filme, o que, se não significa uma obra de arte melhor — e certamente não significa — , significa explicações para vários trechos apenas intuídos.

Na leitura, capta-se melhor a personalidade do trio de pintores de ícones, perdidos ou indo de igreja em igreja na paupérrima e faminta Rússia medieval. Andrei é um jovem quieto e misterioso. Daniil é resignado, propondo sacrifícios a si mesmo. Kiril é esperto, lógico mas ciumento. O trio representa a Trindade do ícone mais famoso de Rublióv. As cenas — todas passadas por volta do ano de 1400 — nem sempre são contadas do mesmo ponto de vista, podem variar, assim como a ordem de apresentação delas é diferente no filme.

Andrei Rublióv é um surpreendente painel sociológico sobre a Rússia medieval. Os estranhos rituais, a fé, a necessidade da igreja para não passar fome, a busca da própria identidade, a busca da verdade. Há violência extrema na cena em que a igreja é invadida e saqueada, com o sacerdote sendo marcado por uma cruz incandescente. Ali, Rublióv perde a fé para reencontrá-la no filho de um fabricante de um sineiro, um menino que, sem saber muito bem o que faz e ameaçado de morte se não for capaz de forjar um sino, vai adiante movido por não se sabe o bem o quê– pela mera intuição, pela fé ou pela observação e desespero. Ali, Rublióv vai reencontrar deus e o espírito para voltar a criar beleza religiosa para um mundo absolutamente bárbaro.

O filme, de 1966, foi somente liberado em 1969, assim mesmo com cortes impostos pela censura soviética, que não aprovava a alegoria de Tarkovski contra a intervenção das instituições no trabalho do artista. Isto é algo quase não lê no “roteiro literário” do diretor.

Andrei Rublev: Trindade. Galeria Tretyakov

O Gênio Português?

A artista contemporânea portuguesa Joana Vasconcelos terminou a nova escultura para o  hall da Assembleia da República intitulada: O GÉNIO PORTUGUÊS. Retirado daqui.

Alguém me explica, por favor?

P.S. — Alguém explicou nos comentários: não é da Joana Vasconcelos e é um disparate total ser atribuído à artista. Alguém anda a fazer pesquisa muito preguiçosa e desleixada.

Porque hoje é sábado, Michelle Williams

Clique sobre a foto abaixo: são Michelle Williams e Dougray Scott

como Marilyn Monroe e Arthur Miller no filme Sete Dias com Marilyn.

Michelle Williams é, indiscutivelmente, uma bela mulher

que não possui nada de MM.

Por isso, sua escolha foi uma aposta arriscadíssima.

Um trato no cabelo, uma maquiagem que a deixasse bem branca,

um batom e pronto. Só? Sim, nem mais gordinha ela tentou ficar.

Toda a aposta ficou na atuação da própria Michelle

que deveria imitar o sorriso, os trajeitos, o caminhar e o coquetismo

da mais fotogênica das mulheres em todos os tempos (do cinema).

Pois a atuação desta norte-americana de 31 anos, ex-mulher de

Heath Ledger — de quem tem a filha Matilda — , resultou num autêntico milagre.

Por 99 minutos, Michelle torna-se Marilyn com todos os seus problemas,

suas necessidades de afirmação como atriz,

como pessoa aceitavelmente inteligente,

acompanhada de seus mil remédios e outros tantos aspones.

Ao receber a oferta para o filme, Michelle primeiramente recusou:

“Fisica e vocalmente, tudo nela é diferente de mim”.

Porém, diante da insistência dos produtores,

acabou aceitando o desafio impossível

e o resultado certamente deixaria

a verdadeira Marilyn ainda mais preocupada e desconfiada

de suas qualidades de atriz.

Ladrão de livros é absolvido! A evolução do Judiciário é fato indiscutível!

O excelente e atento advogado Bruno Zortea — falo muito sério ao elogiá-lo — escreve para este blogueiro a fim de de informá-lo sobre uma decisão inteligente e altamente cultural tomada por nosso brioso Poder Judiciário no dia de ontem. Porém, antes de proceder à transcrição da nota, gostaria de deixar claro que o ladrão de livros ora absolvido FERE DE MORTE a ética do ladrão politicamente correto de livros, cujo conteúdo apresentamos aqui com riqueza de detalhes. O ladrão em questão roubou livros com a intenção de revendê-los, fato que pode ser comovente se a situação econômica do ladrão for deveras lamentável, mas que não aceitamos em razão da intrusão do capitalismo em seu movimento seguinte. Ele que vá roubar carros ou joalherias, então! O roubo de livros deve ser uma atividade pura que apenas lesa as grandes livrarias. O ladrão de livros perpetra seus ilícitos por paixão e prazer literários, nunca para entrar num vulgar sistema de oferta e procura.

Abaixo a notícia publicada no site do STJ.

Antes ainda, um detalhe: esse negócio de aplicar o tal princípio da “insignificância” na absolvição é outra coisa que tem de ser alterada. Insignificante é a mãe de quem invocou este princípio para o caso!

Homem que furtou livros é absolvido pela aplicação do princípio da insignificância

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concedeu habeas corpus a um homem que furtou e revendeu três livros avaliados em R$ 119, em São Paulo. Para o ministro relator do caso, Og Fernandes, a ação teve ofensividade mínima e cabe a aplicação do princípio da insignificância. O réu, que estava sob liberdade condicional por outras condenações de furto, confessou que pegou três obras de uma livraria localizada numa estação da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM). Os livros foram revendidos na praça da Sé por R$ 8 cada. Entre os títulos dos livros constava uma edição da série Harry Potter. Em primeira instância, o homem foi absolvido, mas o Ministério Público se mostrou inconformado e apelou. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) reformou a decisão para que a ação penal pudesse continuar.

Insatisfeita, a defesa recorreu ao STJ. Pedia, por meio de habeas corpus, que a denúncia oferecida pelo MP fosse rejeitada ou o homem absolvido. Alegava atipicidade no caso e constrangimento ilegal, por não ter sido aplicado o princípio da insignificância.

Sem ofensividade

“Não há como deixar de reconhecer a mínima ofensividade do comportamento do paciente”, afirmou o ministro Og Fernandes, reconhecendo a atipicidade da conduta. Para ele, pela aplicação do princípio da insignificância justifica-se a concessão do habeas corpus.

Para enfatizar a decisão, o relator mencionou precedente de 2004 do Supremo Tribunal Federal (STF). Na decisão, foi reconhecida a aplicação do princípio da insignificância quando quem comete a ação não oferece ofensividade ou perigo social. Ou, ainda, quando o comportamento indica “o reduzidíssimo grau de reprovabilidade” e apresenta “inexpressividade da lesão jurídica provocada” (HC 84.412/STF).

De forma unânime, a Sexta Turma do STJ concedeu habeas corpus ao homem, restabelecendo assim a decisão de primeiro grau que o absolveu.

Sonho com abóboras

Era noite fechada quando fui ao cemitério visitar o túmulo do meu pai. Estava desconfiado de que ele tivesse sido enterrado vivo. Com aquela facilidade só encontrada nos sonhos, tirei o mármore, puxei o caixão e levei-o para o carro. Lá chegando, baixei os bancos de trás, pus o caixão no porta-malas e fui embora — afinal de contas, queria conferir o conteúdo sozinho, com toda a calma.

Saí de Porto Alegre e fui até Guaíba, entrei à direita na estrada para Pantano Grande e parei depois de alguns quilômetros. Desci um barranco bastante íngreme ao lado da estrada e ali, escondido, tirei o caixão do porta-malas, coloquei-o na frente do carro, liguei as lanternas do carro e abri o ataúde. Estava tudo direitinho. Meu pai estava conservado, frio e morto, tal como o vira pela última vez. Quando estava fechando o caixão, vi milhares de abóboras de todas as cores e formatos pelo chão inclinado. Era lindo de ver o contraste das cores e das sombras projetadas. Decidi levar algumas, digamos, centenas.

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Comecei a encher o porta-malas de abóboras. Quando lotou, reabri o ataúde para utilizar  seus vãos. Meu pai ficou adornado por abóboras. Ela ficaram entre suas pernas, ao lado de seu corpo, de sua cabeça. Passei tanto tempo trabalhando naquilo que amanheceu. Tomado de susto e com a lógica própria dos sonhos, resolvi livrar-me de tudo, pois não haveria como recolocar o féretro em seu lugar sob a luz do dia. Não sei como consegui enfiar o caixão no porta-malas cheio, mas deu certo e fui adiante. Dobrei à direita em Pantano e cheguei a Rio Pardo. A cidade é banhada pelo Rio Jacuí, onde há uns barrancos que proporcionam belas paisagens aos habitantes da cidade, além de servirem para várias outras coisas. Fui até o rio, estacionei embaixo de uma ponte e tchum com o caixão. Coisa inaceitável: ele ficou boiando. Entrei no rio e voltei a abri-lo. Joguei água dentro a fim de que afundasse. Deu certo.

Quando fui embora havia centenas de abóboras flutuantes descendo o rio. Era bonito de ver.

Acordei com absoluta certeza de que meu pai não estava mais no cemitério e de que tinha perdido centenas de lindas abóboras.

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Obs. 1: Dia desses, alguém falou neste sonho para mim. Não lembro quem foi, só lembro que me disseram: li há anos no teu blog. Só que hoje, certamente em função da lembrança do amigo, voltei a abrir o caixão de meu pai enquanto dormia. Desta vez dei apenas uma olhada.
Obs. 2: Meu pai faleceu em 11 de dezembro de 1993.

Vinte e duas canções de Edu Lobo

E poderia cantar outras 22 de sua obra que o show seria também perfeito.

Ontem, Edu Lobo fez um show memorável em Porto Alegre. Com uma banda sensacional e muito bem ensaiada, capitaneada por Cristóvão Bastos e tendo Carlos Malta como grande estrela, Edu Lobo mostrou parte de seu monumental repertório para um Theatro São Pedro merecidamente lotado. Aos 68 anos, Edu, que como cantor nunca foi lá essas coisas, permanece como sempre foi. O cantautor é cada vez mais autor que cantor, mas a gente passa por cima dos pequenos erros e da falta dos agudos. Há agravantes — já tinha visto um show seu há uns dez anos e ontem ele repetiu a coisa: Edu custa a aquecer, a se sentir à vontade. Demora três músicas e se acostumar com a plateia. É, na verdade, um tímido que vai melhorando à medida que vai apresentando suas canções até cantar Beatriz, onde, num momento de bom humor, diz:

— Eu sei que não devia cantar essa música depois de Milton Nascimento e Mônica Salmaso. Eu canto por um motivo muito simples: fui eu que fiz.

Sim, sem dúvida é justo. Então, cantando Beatriz, ele erra bastante sobre a perfeição de acompanhamento de Cristóvão Bastos ao piano. E a gente não dá mínima importância, pois… Seria desejável que houvesse um ou uma crooner competente no palco? Olha, certamente não. A não ser que ele trouxesse consigo uma Salmaso. Mas, sabem?, tenho certo amor pelos cantautores e suas dificuldades. O que importa é a música e esta pode vir dos tecnicamente perfeitos e dos que não o são. E há banda. O quarteto que acompanha Edu — completado por Jorge Helder e Jurim Moreira — é um espanto.

Dentre as músicas tivemos desde as clássicas No cordão da saideira, Upa neguinho, Ponteio, Pra dizer adeus e Canto triste, passando pelo repertório de O Grande Circo Místico, mais Corrupião, Choro bandido, Lily Braun, etc. para chegar às músicas de seu último CD (Tantas marés, 2010). É óbvio que ficaram inúmeros clássicos de fora e que no bis houve os mais variados pedidos. Aliás, o bis foi um belo momento de sensibilidade de Edu. Ele falou com os músicos um a um e disse para a plateia: “Mudança de planos”. E atacou Upa neguinho, a canção mais óbvia para ser cantada na terra de Elis Regina.

A plateia era formada por muitos, muitos antigo(a)s fãs e por uma verdadeira multidão de músicos. Era previsível. Há os que vão adorar e os que vão aprender mais uma coisinha. E certamente aquele compositor que estava sentado bem na minha minha frente aprendeu alguma coisa com uma súbita mudança de tom no meio de Ponteio. Ele deu um salto e depois, durante os aplausos, criou uma breve tese para seu amigo ao lado, outro músico. Também sou assim. Quando vejo uma banda tocando muito bem, fico paradinho na cadeira torcendo para não atrapalhar. Se erram ou me surpreendem, tomo um susto. Só que o quarteto de Edu Lobo acerta sempre.

(Parece que hoje há um show extra para convidados no StudioClio. Não confirmei, mas sempre é uma segunda chance para quem não pode ver ontem).

Pelo telefone

O que há de ficção neste texto de Fernando Monteiro? Olha, acho que bem pouco… Retirado daqui. Ah, Monteiro está publicando Mattinata.

– Alô (com indisfarçável má vontade)… Te disse pra não telefonar. Nunca.
– Sei disso. Só que…
– “Só que” nada, pô. Vou desligar.
– Ouve, primeiro. É sobre a loura.
– Pior ainda. Esse assunto é outro Vietnam, aqui dentro.
– Vietnam que vai piorar. Nas próximas horas.
– Cara, cê tá onde?
– Que pergunta é essa? Brentwood. Em frente da casa da vagabunda, onde montamos a…
– Não sei de nada. Não sei com quem tô falando, nem conheço loura nenhuma.
– Frescura. Ouve, que é melhor. Ela pirou.
– Novidade nenhuma. Frank me disse.
– O quê?
– Que ela pirou. Aliás, sempre foi pirada…
– Aquele cantorzinho sabe de merda nenhuma.
– Você não diz que ela “pirou”? Então, ele sabe.
– Pirou m-e-s-m-o, eu quis dizer. Não é só uma frase.
– Que fase?
– Frase. Não é só conversa fiada, isso dela pirar. Tô falando de loucura mesmo… Ela tá lá na casa, deitada, sem tomar banho…
– Grande novidade.
– Pera aí. E menstruada sem tampão…
– Pô.
– Isso num é nada. Espera pra ouvir o resto.
– Devia tá dopadinha, quetinha, isso sim. A gente paga a porra de um médico…
– A mulher ficou fora de controle, Bob. Agora, ela ficou.
– Como assim? Conheço a doida bem demais.
– Conhece nada…

(Silêncio, logo depois que surgem uns ruídos de telefonia)

– Que é isso? Tá escutando?…
– Sei lá. Te disse pra não ligar.
– Desligo?
– Pera aí. Vou dar outro número.
– Pra ligar?
– Anota, engraçadinho: 33-07-66-02.
– DF?
– Claro, né? Saigon é que não é.

(Curto intervalo)

– Alô.
– Pronto. Vai, fala.
– O que foi aquilo?
– Menor ideia. Isso aqui é vizinho do Oval, pô. Todo mundo grampeia todo mundo…
– Eu sei. Trabalhei aí quase a vida toda, lembra-se?
– Pois é. E a loura? Por que você acha que ela pirou mais ainda?
– Hein? A outra linha tava melhor.
– Esta é mais segura.
– Fala mais alto.
– Uma ova. Tenta escutar mais, tira a cera do…
– Não tô escutando quase nada, agora.
– Merda. Não posso GRITAR.
– Agora tô ouvindo.
– A loura. Por que ela parou?
– Parou de quê?
– Você num disse que ela pirou? Ela parou de ser razoável. Com o Jack.
– É pior do que pensam. A gente gravou ela dizendo que vai falar. Tudo.
– Tudo o quê?
– Tudo.
– …
– Alô?
– Sobre o quê?
– Sobre a ligação com vocês.
– Pera aí… Que ligação?
– Dela. Contigo e com teu irmão.
– Com o Presidente?
– É. Com o Procurador e com o Chefão.
– Não tem “chefão” aqui.
– Tem.
– Você tá falando do Presidente dos Estados Unidos, idiota.
– Teu irmão sempre armou. É doente pela coisa.
– Cala a boca.
– Vi Jack de cueiro. Você nem era nascido ainda. Vão pra merda, os dois.
– …
– Alô.
– Escuta. Tás falando o que não dev…
– Entende, Procurador, vou soletrar: num-dá-mais-tempo. Só isso.
– Pra quê?
– Cê num tava querendo “conversar” com ela de novo? Não dá mais.
– Claro que dá. Nem que tenha que bater na suja.
– Já falei: ela pirou. MM pirou. Diz até que abortou.
– Como é?!
– Tô falando: ela pirou.
– Para de falar “ela pirou”. Que negócio é esse de aborto?
– Ela está disposta a jogar merda toda no ventilador, Robert. Sério. E basta ela fazer uns telefonemas, convocar os putos da imprensa…
– Pô. A merda cobre.
– Então. E enche o Oval (e o país inteiro): de sujeira, de esperma, de droga, de Sam Giancana…
– Esse tá ferrado, o sacana.
– Tá nada. O Sam tá é muito puto com vocês dois…
– Me respeita, cara. E respeita o Presidente.
– Cacete que eu respeito. Dois fudedores comendo todo mundo…
– Cala essa boca.
– VOCÊ me escuta, garoto. Os dois armam, e sobra pra quem? Pra mim. Pro “tio” velho.
– O que é que ela quer? Dinheiro?
– Ela tem.
– Uma merreca.
– Mas assim mesmo ela não quer mais merreca de grana, santo deus. Entende isso, cara. Nem tudo é dinheiro.
– Ô “São Franciscuzinho”, desembucha de uma vez. O que é que a porra da mulher tá querendo?
– O que ela quer? Ela quer ferrar.
– Alô?
– FERRAR. Ela quer isso! Chamar todo mundo, dizer: “sabe quem me come? Eles, os dois…”
– Isso é loucura. Fica calmo.
– Foda-se. Tô calmíssimo. E vendo ela aqui, na minha frente, pelo monitor. Tá possuída, a doida…
– Desliga…
– Desliga o quê? Meu monitor?
– O telefone! VOCÊ tá gritando, cacete.
– É ela que vai gritar. Pra todo mundo ouvir. Jornal, rádio, TV, o escambau…
– …
– Vai gritar que quer casar com o Jack Grandão.
– …
– “Happy birthday Mr. President”… (canta em falsete, irônico)
– …
– Parece até que eu posso ver o casalzinho, e Bob, o mister Procurador… de padrinho.
– CALA A B-O-C-A.
– Eu to avisando: essa mulher é pior que um ataque de míssel russo.
– Deixa eu falar com o Jack.
– Agora?
– Agora. Ele tá vindo pro Oval. E já tá encarando…
– O quê?
– A solução.
– Final?
– Hum-hum.
– Aquela?
– Você próprio acaba de dizer que ela agora ficou doida pra ferrar todo mundo.
– Tá gravado aqui. Posso mandar a fita.
– Manda não. Tu tem razão. Agora, tem é que parar essa desgraçada.
– Bom, isso aí já é falar como homem. Nembutal?
(Silêncio, por um momento)
– Bob? Alô?…
– Tô aqui.
– Nembutal?
– É. Nembutal. Mas, SL. Serviço limpo.
– Autópsia, tudo garantido?
– Cem por cento. Altamente profissonal, nem preciso dizer.
– Sim, mas olha que é a MM, hein? Num é uma qualquer, como aquelas que…
– Escuta, eu vou desligar. Tá ficando perigoso. E Jack chegou lá no Salão. Acendeu a luzinha aqui.
– E o irmãozinho vai falar claro com ele?
– Vou. Mas ele mesmo já tinha pensado em se livrar agora, bem antes da campanha.
– Ok. E eu fico esperando autorizar “despirar” a loura forever?
– Fica. Mas isso não vai ser pelo telefone.
Um click, desligando.

NB:
A atriz Marilyn Monroe, de 36 anos, foi encontrada morta em menos de 24 horas depois dessa conversa por mim transcrita na manhã de 10 de agosto de 1962.
Os jornais informaram mais ou menos assim: “MM faleceu enquanto dormia em sua casa de Brentwood, na Califórnia, aparentemente por efeito de um dose letal de barbitúricos ingeridos pela atriz com a intenção de acabar com a própria vida…”
E hoje está até na geleia geral da Wikipédia: “Ninguém sabe de fato o que aconteceu naquela noite. Ouviu-se o barulho de um helicóptero. Uma ambulância foi vista esperando fora da casa dela antes que a empregada desse o alarme. As gravações de seus telefonemas e outras evidências desapareceram. O relatório da autópsia foi perdido. Toda a documentação do FBI sobre sua morte foi suprimida e os amigos de Marilyn que tentaram investigar o que aconteceu receberam ameaças de morte”.

Noite de Edu Lobo

É, tive que fazer um investimento num espetáculo caro. Agora à tarde, saí correndo para o Teatro São Pedro a fim de comprar ingressos. Quase não consegui. Só cadeiras extras disponíveis a 80 pilas cada. Foda-se. Se isto significa sentar numa das laterais da plateia, também pode significar sentar no fosso. Queremos o fosso, claro. A banda será formada por Edu, Cristóvão Bastos, Carlos Malta, Jorge Helder e Jurim Moreira.

Como disse o Jornal do Comércio, do Recife, o preço do ingresso pode até ser considerado “popular” diante do valor cobrado pelo seu parceiro de grandes obras Chico Buarque, o qual valeria R$ 350. Por falar na dupla Chico-Edu, estão no repertório Beatriz, Choro bandido e A ciranda da bailarina.

Como Edu Lobo tem o frevo no sangue, espero que saiam também Angu de caroço e Frevo diabo. Minha irmã, que tinha Edu como símbolo sexual numa época em que todas as moças suspiravam pelo olhos e o restante de Chico Buarque, não vai poder ir. Lastimável. Mas fico feliz que Porto Alegre reconheça e lote o teatro para ver um dos grandes gênios da MPB.

O trânsito no Dia das Mães

Ontem, Dia das Mães, fui obrigado a dar umas voltas na cidade pela manhã. Saí de casa às 11h15 e fui visitar minha mãe na clínica geriátrica. Depois, iria almoçar com a família de minha mulher e, principalmente, com minha sogra. Eu já deveria ter aprendido que estes dias são terríveis. Por volta do meio-dia, não apenas fica difícil arranjar um restaurante como até mesmo andar na rua de carro. E eu tendo que atravessar a cidade inteira… Devia ter pensando que, se eu tinha de me deslocar, os outros também.

Dentro do carro, dois CDs de jazz, um de uma big band belga e outra americana. Coisa muito divertida, mas haja big bands! Foram duas horas para ir e voltar numa cidade ainda tranquila e provinciana como a nossa. Não sou dessas pessoas que se irritam muito com o trânsito. Talvez facilite o fato de eu apenas dirigir no fim-de-semana, sei lá. Não obstante, sempre acho incrível a movimentação no almoço do Dias das Mães.

Se conheço tão bem o fenômeno e não sou antropólogo, significa que participo dele há muitos anos. Sim, é tradicional procurar a mãe para almoçar no segundo domingo de maio, mas há mais a considerar: há o não vamos deixar ela fazer almoço hoje, né?  Então, muitos devem ir até a casa de suas mães para dar-lhes um beijo e depois sair para um restaurante. OK, elas podem ir direto, mas é menos gentil. Para piorar o trânsito, as mulheres vivem mais, gerando um número de deslocamentos muito maior, por exemplo, que o do Dia dos Pais, dentre os quais há muito mais mortos. E alguns de nós têm que visitar duas ou três mães: a própria e mais uma ou mais avós, pois as mulheres são maioria nas famílias, elas não apenas nascem mais como vivem mais, como já disse. Outro fato que tive a oportunidade de analisar: o movimento que vai para a Zona Sul de Porto Alegre é muito maior do que o contrário. Tal fato deve ter implicações econômicas que não sei muito bem analisar. Também econômico é o fato que me fez, já preocupado em razão do atraso, entrar pela Vila Cruzeiro (*). Ali o trânsito estava livre, mas garanto havia ainda mais gente caminhando pelas ruas. (Explico: na Cruzeiro, certamente como resultado de função de anos e anos com calçadas esburacadas, quase todas as pessoas preferem caminhar pelo meio da rua. Hoje há mais calçadas, mas o pessoal acha mais confortável andar no meio da rua).

O resultado de tudo isso é que cheguei atrasado no almoço da sogra. Ah, me desculpem a reflexão idiota. É que sempre tive ressentimento pelo fato das mulheres viverem mais e comecei a pensar que isto se reflete até no trânsito…

(*) O bairro central mais pobre de Porto Alegre.