O 31 de outubro que não é mais de Drummond, nem de Fellini

O 31 de outubro que não é mais de Drummond, nem de Fellini
Não lembro de que ano é a foto, mas acho que eu estava na faixa dos 30 e ela na dos 60, pois tínhamos exatos 30 anos de diferença.
Não lembro de que ano é a foto, mas acho que eu estava na faixa dos 30 e ela na dos 60, pois tínhamos exatos 30 anos de diferença.

O 31 de outubro já foi, para mim, apenas a data de nascimento de Carlos Drummond de Andrade. Apenas? Depois, passou também a ser a data da morte de Federico Fellini. Pois é. Porém, no ano passado, a data ganhou novo significado; afinal, em 31 de outubro de 2012, às 6h20, faleceu minha mãe. É estranho como lembro absolutamente de todos os que lá foram, dos sentimentos externados e de algumas piadas, as quais ficaram muito mais engraçadas contra um ambiente de luto. Lembro com carinho do encontro da Inah — velha empregada de minha mãe — com minha filha Bárbara. Vi como as lágrimas brotaram imediatamente dos olhos da Bárbara, saudosa das amadas sopas que comeu por toda sua infância. Lembro de comportamentos fora do tom daqueles que não percorreram todo o período do Alzheimer de D. Maria Luiza. Nós estávamos tristes e aliviados. O sofrimento da doença fora imenso e ninguém estava muito desesperado com aquele final que livrava minha mãe de enorme desconforto, apesar de todos os cuidados. Nem sua alimentação era autônoma e as dificuldades respiratórias eram severas. Lembro do dia. Do incrível preço do caixão. Das perguntas que sobre se minha mãe realmente desejara a cremação enquanto estava lúcida. Da escolha da caixinha onde seriam colocadas suas cinzas. De ficar em casa sem ter nada o que fazer enquanto não iniciava o velório. Da música de Chopin que ela amava e que acompanhou o caixão. Da conversa com o padre, ao qual explicamos que ela apenas discretamente religiosa. Das várias histórias contadas a respeito de minha mãe. De seus clientes que diziam que ela fora a melhor dentista que tiveram. Dos que perguntavam como fora toda a evolução da doença e ouviam minha voz (ou a da minha irmã) em piloto automático. Dos constrangidos que não sabiam cumprimentar com “Meus pêsames”, nem com “Lamento muito”, e que ficavam em silêncio ou diziam “Tudo bem?” (e ficavam ainda mais atrapalhados). Daquela noite. Dos dias posteriores. De buscar a caixa com as cinzas e de notar como era pesada e não me causava emoção.

Foto: Augusto Maurer
Foto: Augusto Maurer

Porém, esquecida de tudo isso, hoje fui acordado por uma voz me dizendo: “Dois meses”. E só pude sorrir ante o novo e delicado significado da data. E o espumante já está aguardando a noite.

Ospa com Teraoka e um trompista do outro mundo

Ospa com Teraoka e um trompista do outro mundo

Mais um concerto da Ospa com o excelente Kiyotaka Teraoka, maestro que parece receber aceitação plena de um grupo de músicos que, sistematicamente, rende muito sob sua sorridente direção. Prova de que se pode obter desempenho superior com gentileza e argumentos. Conheci o maestro em um jantar na noite de domingo. Pude comprovar seu nenhum estrelismo e sua consideração isonômica por todos.

O programa de ontem à noite era enganador. Não parecia muito promissor, mas rendeu.

Francisco Braga foi um carioca que viveu muito 77 anos, tendo construído sua obra entre os séculos XIX e XX. Episódio sinfônico é de 1898, quando o compositor residia na Alemanha. Apesar de curta, a peça possui forte influência wagneriana e foi baseada num poema do xaroposo romântico brasileiro Gonçalves Dias. Claro que mais da metade de meus sete leitores não lerão o trecho abaixo, mas foi nele que Francisco Braga baseou-se para escrever seu Episódio sinfônico. Trata-se de um fragmento da segunda parte e do final de O Templo. Eu facilito a não-leitura, colocando uns estratégicos negritos aqui e ali.

Só tu, Senhor, só tu no meu deserto
Escutas minha voz que te suplica;
Só tu, nutres minha alma de esperança;
Só tu, oh meu Senhor, em mim derramas
Torrentes de harmonia, que me abrasam.

Qual órgão, que ressoa mavioso,
Quando segura mão lhe oprime as teclas,
Assim minha alma quando a ti se achega
Hinos de ardente amor disfere grata:
E, quando mais serena, ainda conserva
E flúvios deste canto, que me guia
No caminho da vida áspero e duro.

Assim por muito tempo reboando
Vão no recinto do sagrado templo
Sons, que o órgão soltou, que o ouvido escuta”.

Se Braga realmente inspirou-se em Gonçalves Dias, Braga tentaria usar a orquestra como se fosse um órgão tocando uma oração curta, como se rezasse, comunicando algo importante para Deus. Como Deus de Braga não responde mesmo, ele fala só por cinco minutinhos. A música, que eu desconhecia, é melodiosa, e recebeu dois belos solos de Rodrigo Alquati ao violoncelo e boas participações de Klaus Volkmann (flauta) e Augusto Maurer (clarinete).

Richard Strauss nasceu 4 anos antes que Francisco Braga e morreu depois. Era filho do primeiro trompista da Ópera de Munique. Strauss compôs dois concertos para trompa e, mesmo que eles tenham surgido bem depois da morte de papai Franz Strauss, este deve ter influenciado a opção do filho. O Concerto Nº 2 para Trompa e Orquestra surgiu quando Strauss estava com mais de 75 anos de idade. É da mesma época de das extraordinárias Metamorphosen, de seu Concerto para Oboé e das lindíssimas Quatro Últimas Canções.

Francamente, não gosto deste Concerto. Mas fui obrigado a gostar ontem, tal a qualidade do trompista croata Radovan Vlatković, dono de enorme musicalidade e capaz de arrancar timbres insuspeitados de seu instrumento. No bis, Vlatković surpreendeu a todos ao interpretar um trecho de Chamada Interestelar, retirado de “Des canyons aux étoiles”, de Messiaen. Explico: é raro um solista interpretar uma obra contemporânea em um bis, tradicionalmente um momento de pecinhas conhecidas. Mas o croata atacou as belas e variadas sonoridades pianofortes de Olivier Messiaen, assim como seus estranhos silêncios. Foi um momento arrepiante, verdadeiramente único.

Teraoka Vlatković durante os ensaios | Foto: Augusto Maurer
O maestro Kiyotaka Teraoka e o trompista Radovan Vlatković durante os ensaios | Foto: Augusto Maurer

Ludwig van Beethoven compôs sua Segunda sinfonia, Op. 36, entre 1801 e 1802. Na época, o compositor notara os primeiros sinais de que estava ficando surdo. Porém, desmentindo a noção de que a arte necessariamente reflete aquilo porque passa o artista, nada se nota de sua aflição na sinfonia. Ela possui quatro movimentos: Adagio molto – Allegro con brio; Larghetto; Scherzo. Allegro; Allegro molto.

O primeiro movimento é realmente sensacional — e recebeu luxuosa interpretação por parte de Teroaka e da orquestra. O Larghetto é bem chatinho, mas tudo melhora no delicioso e indiscutível Scherzo. Creio que a execução do Allegro molto foi demasiado rápida, obrigando as cordas a um tour de force que pode ser espetacular (e foi!) e adequado para finalizar um concerto, mas que não beneficia muito a sinfonia.

Sobre o Dante Barone, o que dizer? Sei lá como, parece que encontrei um lugar que minimiza a acústica terrível do local…

Programa de 29 de outubro de 2013::

Francisco Braga – Episódio Sinfônico
Richard Strauss – Concerto para trompa nº 2
Ludwig van Beethoven – Sinfonia n° 2, em Ré Maior, Op. 36

Regente: Kiyotaka Teraoka
Solista: Radovan Vlatković (trompa)

Opus Dei, a prelazia pessoal do espanhol Josemaría Escrivá

O Centro Cultural Porto Belo | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Publicado no Sul21 em 2 de outubro de 2011

O Centro Cultural Porto Belo, localizado na Av. Lucas de Oliveira, 919, bairro Bela Vista, em Porto Alegre, é uma casa aprazível, corriqueira naquela região nobre da cidade. O nome Porto Belo remete a uma praia catarinense. O logotipo é um barquinho navegando no mar sobre ondas. Com maior imaginação, o desenho também pode parecer a parte de cima de um biquini de uma mulher que se banha no mar. Não obstante a casa, tudo leva a pensar em praia. É como se não estivéssemos em Porto Alegre.

A logomarca da Porto Belo: um barquinho sobre o mar | Fonte: site do Centro Cultural

Neste domingo (2), haverá uma comemoração na sede do Centro Cultural, pois a organização mater da entidade está completando 83 anos de vida. A agenda determina uma apresentação sobre a Prelazia Pessoal da Igreja Católica que parece ser a razão da existência da Porto Belo, o Opus Dei (“Obra de Deus”, também conhecido como “A Obra”). No evento, também se falará na marca da santidade deixada no mundo pela existência de seu Fundador, São Josemaría Escrivá — canonizado em Roma no dia 6 de outubro de 2002 — , assim como pela de outros membros que estão em processo de canonização.

Apesar da simpatia que lhe dedicava Karol Wojtyła — no que é imitado por Joseph Ratzinger — , antigamente o Opus Dei era uma organização menos pública. O livro de Dan Brown, O Código Da Vinci, e a velocíssima canonização de Escrivá trouxeram-na à tona, porém ela não gosta de falar. Em contato com a diretora do Centro Cultural porto-alegrense, fomos gentilmente passados ao jornalista responsável pela assessoria de comunicação do Opus Dei. Mas, após alguns telefonemas, recebemos um e-mail em tom igualmente cordial, mas firme, informando-nos que “Todas as informações necessárias você encontra no site do Opus Dei, principalmente na área ‘O que é o Opus Dei'”.

Josemaria Escrivá, fundador do Opus Dei, ou “A Obra”

A organização

A Opus Dei – expressão em latim que significa “Obra de Deus” – foi fundada pelo espanhol Josemaría Escrivá de Balaguer em 1928. Ela é uma prelazia pessoal. Prelazias pessoais são circunscrições eclesiásticas previstas pelo Concílio Vaticano II e pelo Código de Direito Canônico. Elas são constituídas com a finalidade de levar a cabo determinadas tarefas pastorais. Os fiéis das prelazias pessoais continuam pertencendo às igrejas locais ou às dioceses onde têm o seu domicílio.

Porém, segundo seus críticos dentro e fora da Igreja, o Opus Dei solicita a seus membros seguirem as ordens do prelado (o líder máximo do Opus, que fica em Roma), em vez de obedecer à autoridade católica local. Simplificando, é como se o grupo fosse um braço independente da Igreja que não deve explicações a mais ninguém, além do Papa.

O Opus Dei diz que “sua missão consiste em difundir a mensagem de que o trabalho e as circunstâncias do dia-a-dia são ocasiões de encontro com Deus, de serviço aos outros e de melhora da sociedade. O Opus Dei colabora com as igrejas locais, oferecendo meios de formação cristã (palestras, retiros, atenção sacerdotal), dirigidos a pessoas que desejam renovar sua vida espiritual e seu apostolado”.

Leonardo Boff é um dos grande críticos da Obra no Brasil | Foto: Editora Vozes

O Opus Dei nasceu na Espanha pouco antes do franquismo e floresceu durante o mesmo. Dizendo-se inovadora, condena livros e, segundo 100% dos relatos de quem a abandona, incentiva a autoflagelação, além de desejar às mulheres a santificação no trabalho doméstico. O teólogo Leonardo Boff define o Opus Dei como: “um tipo de fundamentalismo que trata de restaurar a antiga ordem fundamentada no matrimônio entre o poder político e o poder central”. Com efeito, Escrivá foi confessor do generalíssmo Francisco Franco e vários membros da Prelazia ocuparam cargos na ditadura espanhola. Alguns foram até ministros de estado.

A participação política

Obscurantista, misógina e reacionária, os críticos da Opus Dei também a chamam de “máfia santa”. Outros a acusam de ser outra Igreja dentro da Igreja, com poderes excepcionais e muito dinheiro sendo colocado a serviço de um conservadorismo atroz. Em parte, essa fama se deve às relações históricas que cultivou e trata de cultivar com governos, principalmente àquela citada, mantida com o regime fascista do ditador espanhol Francisco Franco, de 1939 a 1975. Ou seja, tudo o que o Opus Dei não desejaria seria o Estado Laico.

Juan Carlos Onganía: Opus Dei no governo da Educação | Foto: Wikipedia

No fim da década de 40, a Prelazia iniciou sua caminhada rumo à América Latina. Foi simples conquistar simpatia em países onde há oligarquias pretensamente hispânicas que buscam diferenciar-se da maioria. Alberto Moncada, outro dissidente, conta em seu livro La evolución del Opus Dei: “os jesuítas decidiram que seu papel na América Latina não deveria continuar sendo a educação dos filhos da burguesia, e então apareceu para a Opus Dei a ocasião de substituí-los”.

Era natural, da mesma forma, que alguns quadros dos regimes nascidos dos golpes de Estado de 1966 e 1976, na Argentina, e 1973, no Uruguai, fossem também quadros da Opus Dei. A organização já controlou a Educação na Argentina durante o período entre 1966-70, época do ditador militar Juan Carlos Onganía.

João Paulo II, o amigo, e Pinochet

Já no Chile, a Opus Dei foi para o pinochetismo o que havia sido para o franquismo na Espanha. O principal ideólogo do regime, Jaime Guzmán, era membro numerário da organização, assim como centenas de quadros civis e militares. Também os 3 principais membros da junta militar que tomou o poder no Chile, o general Augusto Pinochet, o general Jaime Estrada Leigh e o almirante José Merino, eram membros supranumerários ou cooperadores da Opus Dei. Algumas semanas após o golpe, Escrivá de Balaguer deslocou-se a Santiago do Chile para celebrar uma missa de ação de graças em honra de quem chamou de seu “filho espiritual”, Augusto Pinochet. No México, a Obra conseguiu fazer Miguel de la Madrid presidente da República em 1982, iniciando a reversão da rígida separação entre Estado e Igreja imposta por Benito Juárez entre 1857 e 1861.

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Ospa: o gonzo, o Elgar e o Jevtic

Ospa: o gonzo, o Elgar e o Jevtic

O gonzo volta a atacar. E é o único jeito, pois o concerto de terça-feira tinha três peças e eu assisti apenas duas devido a um pequeno problema. Para acentuar meu atraso, duas pessoas me pararam no caminho, um para elogiar meu blog rapidamente e outra para discursar mais longamente sobre o mesmo assunto. Como há duas semanas um gaúcho que mora em Roraima me parou com a mesma envaidecedora intenção, chego à conclusão que sou muito famoso na Rua Duque de Caxias. E apenas lá. Engraçado, o Philip Gastal Mayer nunca elogiou meu blog, apesar de domiciliado naquela importante artéria de nossa capital.

Pois bem, como não costumo avaliar o que não vi, vou ter que deixar de fora a peça de Renato Segati, que assim permanece ainda mais Enigmática (Op. 5). Foi mal, Renato.

Cheguei esbaforido ao concerto bem no momento em que iniciava a Cello Symphony, excelente peça do sérvio Ivan Jevtic. Procurei um local adequado para observar quem me interessa, consegui e a coisa começou. Mas o estranho é que Jevtic parecia um Shostakovich cujos trechos mais dramáticos e sarcásticos tivessem sido cortados. Remexi-me na cadeira e tentei ouvir a música ignorando a enorme sombra soviética. Mas não adiantava. Quando entrou o segundo movimento — um zombeteiro Scherzoso — tudo fazia com que Shosta voltasse e invadisse minha cabeça com seus óculos de estilo realismo-socialista. Mas quando falo no russo, não pensem que estou acusando Jevtic de ser um imitador ou de um mero epígono. A música tem o sotaque de Shosta, mas é original e de excelente qualidade. Um belo movimento Lento fez com que eu ficasse só com Jevtic no Dante Barone e o Allegretto ben marcato não somente deu cifras definitivas ao marcador com estabeleceu uma vitória do compositor sérvio sobre a sombra no quesito originalidade. Ah, o violoncelista Viktor Uzur é fantástico.

O concerto teve um intervalo tão longo que li quinze páginas de Sábado, bom romance de Ian McEwan. Para que tanto tempo, heinhô?

A segunda parte teve as Variações Enigma, de Edward Elgar. A ideia da composição é muito interessante. Consiste numa série de quatorze variações sobre um tema que jamais é apresentado, o tal Enigma. A música é a melhor produzida por Elgar, o que, se não chega a ser um elogio em tratando-se de um autor tão ruim, também não faz com que ignoremos que ela é a melhor de sua obra — e a melhor de forma absolutamente disparada. Ou seja, é boa música, muito popular também. Obviamente, é uma de suas músicas mais conhecidas e não só pelo enigma escondido. Para deixar a coisa ainda mais interessante, Elgar dedicou a Enigma a seus amigos, retratados nela. Então, cada variação traz as iniciais de um brother do compositor; mostrando um quadro afetivo do mesmo. É bonito, é inglês, é querido, é quase literário. E incrivelmente é boa música vinda de um país que ama profundamente um gênero musical para o qual praticamente não compõe.

A Ospa esteve bastante bem sob o japonês Teraoka. As cordas “cantaram” com rara inspiração o movimento mais conhecido e melodioso de Enigma e trabalhou bem as modernagens de Jevtic, realizando um belo concerto na noite da última terça-feira. A noite acabou com festa íntima no Atelier das Massas. Comi um prato excepcional, chamado talvez Al Padrone. Bem, leva filé, molho de tomate e é bom demais. Recomendo.

E agora, uma canjinha para enfrentar o inesperado frio desta noite de quinta-feira arrancada do inverno. E gonzo se retira. Por ora.

Uzur observa Teraoka, que lhe faz pouco caso.
Viktor Uzur observa Teraoka, que lhe faz pouco caso | Foto Giovanna Pozzer

Breve nota sobre Laranja Mecânica

Breve nota sobre Laranja Mecânica

Na última sexta-feira, assisti pela, sei lá, décima vez o filme Laranja Mecânica, de Stanley Kubrick. Estava com minha filha, admiradora incondicional da obra do diretor. Novamente me maravilhei e caí fascinado por Alex. É óbvio o gênero de identificação que este charmoso vilão exerce sobre nós. Certamente o personagem encarna nosso inconsciente desejo de violência e morte. Quem nega o fato de que grande parte da longevidade do filme depende de Alex e de seu trio de drugos foi invadido pela distorção que o politicamente correto cria sobre algumas pessoas mais limitadas, as quais deixam de perceber que não há consciência e nada de razoável na inconsciência. E que esta existe e existirá sempre. Já ouvi pessoas falarem de Alex como se estivessem na presença do corruptor. Humbert Humbert, de Lolita, sofre do mesmo mal. É como pensar que Deus possa existir sem o Diabo, sem notar que ambos são, afinal, parte do mesma lenda e que, sem um, o outro não existe.

De outra parte, que cenas belíssimas, que planos bem desenhados, que boas ideias de Kubrick. O que é a cena da loja de discos com a visita ao quarto de Alex? E a utilização da música? Obra-prima, obra-prima.

Vestido como Beethoven, Alex aborda as meninas.
Vestido como Beethoven, Alex aborda as meninas na loja de discos.

Porque hoje é sábado, Diora Baird

Porque hoje é sábado, Diora Baird

De onde saiu o título Porque hoje é sábado? Ora, do poema O Dia da Criação, de Vinícius de Moraes, poeta que hoje completa 100 anos de nascimento. Então, aqui vai nossa homenagem.

O Dia da Criação

Macho e fêmea os criou. 
Bíblia: Gênese, 1, 27

I

Hoje é sábado, amanhã é domingo
A vida vem em ondas, como o mar
Os bondes andam em cima dos trilhos
E Nosso Senhor Jesus Cristo morreu na Cruz para nos salvar.

Diora_Baird_01

Hoje é sábado, amanhã é domingo
Não há nada como o tempo para passar
Foi muita bondade de Nosso Senhor Jesus Cristo
Mas por via das dúvidas livrai-nos meu Deus de todo mal.

Diora_Baird_02

Hoje é sábado, amanhã é domingo
Amanhã não gosta de ver ninguém bem
Hoje é que é o dia do presente
O dia é sábado.

Diora_Baird_03

Impossível fugir a essa dura realidade
Neste momento todos os bares estão repletos de homens vazios
Todos os namorados estão de mãos entrelaçadas
Todos os maridos estão funcionando regularmente
Todas as mulheres estão atentas
Porque hoje é sábado.

Diora_Baird_04

II

Neste momento há um casamento
Porque hoje é sábado.
Há um divórcio e um violamento
Porque hoje é sábado.
Há um homem rico que se mata
Porque hoje é sábado.

Diora_Baird_05

Há um incesto e uma regata
Porque hoje é sábado.
Há um espetáculo de gala
Porque hoje é sábado.
Há uma mulher que apanha e cala
Porque hoje é sábado.

Diora_Baird_06

Há um renovar-se de esperanças
Porque hoje é sábado.
Há uma profunda discordância
Porque hoje é sábado.
Há um sedutor que tomba morto
Porque hoje é sábado.

Diora_Baird_07

Há um grande espírito de porco
Porque hoje é sábado.
Há uma mulher que vira homem
Porque hoje é sábado.
Há criancinhas que não comem
Porque hoje é sábado.

Diora_Baird_08

Há um piquenique de políticos
Porque hoje é sábado.
Há um grande acréscimo de sífilis
Porque hoje é sábado.
Há um ariano e uma mulata
Porque hoje é sábado.

Diora_Baird_09

Há uma tensão inusitada
Porque hoje é sábado.
Há adolescências seminuas
Porque hoje é sábado.
Há um vampiro pelas ruas
Porque hoje é sábado.

Diora_Baird_10

Há um grande aumento no consumo
Porque hoje é sábado.
Há um noivo louco de ciúmes
Porque hoje é sábado.
Há um garden-party na cadeia
Porque hoje é sábado.

Diora_Baird_11

Há uma impassível lua cheia
Porque hoje é sábado.
Há damas de todas as classes
Porque hoje é sábado.
Umas difíceis, outras fáceis
Porque hoje é sábado.

Diora_Baird_12

Há um beber e um dar sem conta
Porque hoje é sábado.
Há uma infeliz que vai de tonta
Porque hoje é sábado.
Há um padre passeando à paisana
Porque hoje é sábado.

Diora_Baird_13

Há um frenesi de dar banana
Porque hoje é sábado.
Há a sensação angustiante
Porque hoje é sábado.
De uma mulher dentro de um homem
Porque hoje é sábado.

Diora_Baird_14

Há a comemoração fantástica
Porque hoje é sábado.
Da primeira cirurgia plástica
Porque hoje é sábado.
E dando os trâmites por findos
Porque hoje é sábado.

Diora_Baird_15

Há a perspectiva do domingo
Porque hoje é sábado.

III

Por todas essas razões deverias ter sido riscado do Livro das Origens, ó Sexto Dia da Criação.
De fato, depois da Ouverture do Fiat e da divisão de luzes e trevas
E depois, da separação das águas, e depois, da fecundação da terra
E depois, da gênese dos peixes e das aves e dos animais da terra

Diora_Baird_17

Melhor fora que o Senhor das Esferas tivesse descansado.
Na verdade, o homem não era necessário
Nem tu, mulher, ser vegetal, dona do abismo, que queres como as plantas, imovelmente e nunca saciada
Tu que carregas no meio de ti o vórtice supremo da paixão.

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Mal procedeu o Senhor em não descansar durante os dois últimos dias
Trinta séculos lutou a humanidade pela semana inglesa
Descansasse o Senhor e simplesmente não existiríamos
Seríamos talvez pólos infinitamente pequenos de partículas cósmicas em queda invisível na terra.

Diora_Baird_19

Não viveríamos da degola dos animais e da asfixia dos peixes
Não seríamos paridos em dor nem suaríamos o pão nosso de cada dia
Não sofreríamos males de amor nem desejaríamos a mulher do próximo
Não teríamos escola, serviço militar, casamento civil, imposto sobre a renda e missa de sétimo dia,

Diora_Baird_20

Seria a indizível beleza e harmonia do plano verde das terras e das águas em núpcias
A paz e o poder maior das plantas e dos astros em colóquio
A pureza maior do instinto dos peixes, das aves e dos animais em cópula.
Ao revés, precisamos ser lógicos, freqüentemente dogmáticos
Precisamos encarar o problema das colocações morais e estéticas
Ser sociais, cultivar hábitos, rir sem vontade e até praticar amor sem vontade

Diora_Baird_16

Tudo isso porque o Senhor cismou em não descansar no Sexto Dia e sim no Sétimo
E para não ficar com as vastas mãos abanando
Resolveu fazer o homem à sua imagem e semelhança
Possivelmente, isto é, muito provavelmente
Porque era sábado.

O caso Panair: o esquecimento de que a ditadura fazia mais que torturar

O caso Panair: o esquecimento de que a ditadura fazia mais que torturar

No caso da repressão, talvez se chegue à punição ou, no mínimo, à identificação de militares torturadores, mas o papel da Oban e da Fiesp e de outros civis coniventes permanecerá esquecido nas brumas do passado, a não ser que a tal Comissão da Verdade siga a sugestão do [Carlos] Araújo e jogue um pouco de luz nessa direção também.

Luís Fernando Verissimo, na crônica Os coniventes, de 21 de março de 2013

Cerveja que tomo hoje é
Apenas em memória dos tempos da Panair

A primeira Coca-cola foi
Me lembro bem agora, nas asas da Panair

A maior das maravilhas foi
Voando sobre o mundo nas asas da Panair

Conversando no bar (Canção de Milton Nascimento e Fernando Brant)

Há alguns anos, esta canção de Milton Nascimento recuperou seu título original de Saudades dos aviões da Panair. Na época em que foi lançada por Elis Regina, em 1974, os autores tiveram receio de falar em Panair e em suas saudades da empresa logo no título da canção. Então, ela foi rebatizada para Conversando no Bar. Afinal, era proibido sentir saudades da enorme e respeitada empresa que, por ação dos militares, foi desmontada sem maiores explicações nos primeiros meses do Golpe de 1964. Num país pobre e quase desindustrializado, a existência da Panair do Brasil S. A. era motivo de orgulho nacional.

Logotipo da Panair: pouso forçado em abril de 1965

Rio de Janeiro, 10 de fevereiro de 1965, 15 h. Um telegrama do Ministério da Aeronáutica chegou aos escritórios da Panair, a maior companhia aérea do país e uma das maiores do mundo. A mensagem era simples e dava conta de que o governo estava cassando seu certificado de operação em razão da condição financeira insustentável da empresa. O telegrama vinha assinado pelo ministro Eduardo Gomes. A Panair não tinha nenhum título protestado nem impostos atrasados, mas o telegrama adiantava que ela não tinha meios para saldar suas dívidas e que estava proibida de voar. Os dias eram assim, também cantava Elis, ou podiam ser assim.  À noite, tropas do Exército invadiram os hangares da Panair e a Varig imediatamente assumiu todas as  concessões de linhas aéreas e propriedades da concorrente. E conseguiu fazer isto sem atrasar nenhum voo. Provavelmente, tinha sido alertada sobre os caminhos se abririam para ela naquele grande abril.

Um avião que levava um passageiro e 25 fardos de borracha na Amazônia em 1943

A revogação das concessões de linhas aéreas da Panair do Brasil foi decretada pelo Marechal Castelo Branco e a Varig era de propriedade de um aliado do governo militar, Ruben Berta  — nome de bairro em Porto Alegre. De uma tacada, a atitude provocou o desemprego de cerca de 5 mil pessoas, deu à Varig o monopólio dos vôos aéreos internacionais do Brasil e isolou quarenta e três cidades da Amazônia, pois nenhuma outra empresa operava os hidroaviões Catalina, os únicos que alcançavam aquelas localidades. Já a Celma, a subsidiária da Panair que fazia a manutenção das turbinas aeronáuticas civis e militares no Brasil, foi estatizada. Fim.

Provavelmente, não houve apenas uma razão um motivo para que os militares responsáveis pelo Golpe de 1964 perseguissem a Panair. Provavelmente, o motivo foi o conjunto da obra e, certamente, houve considerável influência externa. Mário Wallace Simonsen, o principal sócio da empresa, era um dos homens mais ricos do país. Era uma versão principesca de nossos super-ricos, uma espécie de Eike Batista com glamour. Simonsen era o sócio majoritário da Panair, o dono da TV Excelsior, da Comal — maior exportadora de café do Brasil num período em que o café respondia por dois terços das exportações nacionais –, da Editora Melhoramentos, do Banco Noroeste, do Supermercado Sirva-se (o primeiro a existir no Brasil), da Rebratel (qualquer semelhança com o nome Embratel não é mera coincidência) e de mais 30 empresas. A rapidez com ele foi expurgado do mundo empresarial brasileiro após  1964 foi absolutamente espantosa. A única empresa que continuou a existir foi o Banco Noroeste, que foi repassado a seu primo Léo Cochrane Simonsen até ser recentemente comprado pelo Banco Santander.

A família era admiradíssima como os ricos costumam ser. Presença constante nas colunas sociais, sabia-se que a família Wallace Simonsen – Mário, sua esposa Baby e os três filhos Wallace, John e Mary Lou – viviam como reis. A linda Mary Lou era figura comum nas revistas dos dois lados do Atlântico. Sua festa de debutante foi realizada em Londres, na presença da rainha da Inglaterra. Seu noivado também ocorreu na capital inglesa, só que na embaixada do Brasil. Seu irmão Wallinho andava com um espantoso Mercedes-Benz esportivo nas ruas de São Paulo e tinha casa com mordomo em Paris.

Ou seja, tratava-se do jet set da época, pessoas que normalmente têm boas relações com o poder. Mas Mário Wallace Simonsen devia ter graves problemas, na opinião dos militares. Por que a ditadura empenhou-se tanto para acabar com o império de Simonsen? Há várias possibilidades: é notório que a Varig – cuja diretoria era amiga da ditadura – desejava o mercado aéreo dominado pela Panair, que os Diários Associados queriam o mercado da TV Excelsior e que as empresas americanas de café, representadas por Herbert Levy, queriam abocanhar a Comal. E se havia tais pressões civis, talvez houvesse também um bom motivo militar.

Mario Wallace Simonsen, dono de um grupo de empresas destroçadas pelo Golpe de 64

Simonsen não era especialmente simpático à esquerda nem tinha intimidade com João Goulart, porém, em agosto de 1961, enquanto Jânio Quadros estava em visita à China, Simonsen posicionou-se ao lado da legalidade. Houve “acusações” – fato inverídico – de que Jango teria voltado da China num avião da Panair. Mas a verdade talvez seja ainda pior: Simonsen mandou um executivo da empresa avisar o vice-presidente sobre o que estava em andamento no Brasil. Jango não sabia de nada, pois naquele tempo as comunicações eram tais que o vice-presidente poderia retornar da China sem cargo e sem saber de nada. Então, avisado, Jango deu telefonemas de Paris e Zurique, onde fazia escalas, para San Tiago Dantas — seu futuro Ministro de Relações Exteriores e da Fazenda — e para o ex-presidente Juscelino Kubitschek, articulando sua ascensão ao cargo que lhe cabia constitucionalmente.

Logo após o Golpe, o deputado Herbert Levy conseguiu criar uma CPI da Comal, a empresa de exportação de café de Simonsen.  Levy era uma figura da ditadura militar. Foi deputado federal por dez mandatos consecutivos, entre 1947 e 1987, pela UDN, Arena, Partido Popular, PDS, PFL e PSC, além de secretário da Agricultura do Estado de São Paulo em 1967, durante a administração Abreu Sodré. Na CPI, Levy conseguiu que o novo regime cancelasse a licença da empresa para comercialização de café, sem que ela tivesse um único título protestado.

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Manhã

Manhã

É muito bom dormir carinhosamente, acordar cedo, lavar o rosto, sentar na cozinha, observar o gato circular e pedir comida, enquanto se toma café sem leite na cozinha, ouvindo Arthur Grumiaux tocar as sonatas para violino solo de Bach e se vê pela janela que, provavelmente, em algum momento, choverá hoje. Depois de mais carinhos, chegamos ao trabalho, acertamos as primeiras colunas e manchetes do dia, repassamos e cumprimos algumas ordem recebidas e concluímos que ainda nada aconteceu de maior que a cólica da estagiária. Mas que há de se recuperar.

Voltando no tempo, lembro que faço questão de lavar a louça do café, assim como não dou a menor importância à arrumação da cama. Uma cama desarrumada me é mais convidativa que uma toda lisa e abotoada. Até me irrita ver uma cama com tudo no lugar, parece que o cheiro de dormir vai embora assim que se estendem os lençóis.

No trabalho, entro no Facebook e curto a página de Mario Benedetti. Então, o robô do Facebook me propõe curtir a de Jean-Claude van Damme. Isto me tira das brumas matinais.

Claro, a Feira do Livro de Porto Alegre será a mesmice de sempre, porém, dentre as presenças internacionais, haverá duas para as quais me curvo sem restrições. São as do português Francisco José Viegas e do alemão Ingo Schulze. A nominata dos outros estrangeiros não me impressionou. Espero que fechem logo a programação nacional para que eu possa me agendar com antecedência.

Dia do Professor

teacher-on-a-white-background-vectorNão adianta, eu sempre odiei meus professores. Admiro o sujeito que abraça esta profissão tão difícil e mal paga, mas… Hoje, muita gente lembrou saudosamente de seus melhores mestres. Alguns citaram seis, sete, dez, vinte nomes. Eu não tenho quase nenhum para lembrar, detestei a maioria deles, sempre me pareceram um bando neurótico de pequenas autoridades. Gostava mais daqueles que exerciam a profissão como cômicos, mas eles sempre foram muito impessoais para serem amados.

Tenho apenas duas admirações, uma incondicional, outra com muitas e justificadas restrições. A admiração vai para a Sarinha, minha professora de português no primeiro ano do segundo grau no Colégio Júlio de Castilhos. Ela me inoculou a literatura. Eu não lia durante a infância, só jogava bola. A Sarinha fez tudo com grande economia de meios, chegou ao ponto muito rapidamente. Ela viu como eu — péssimo aluno de boas notas — detestava sentir o poder que ela tinha sobre mim e me disse: “Leia dois livros por mês, de minha escolha”. A cada quinze dias, eu vou te fazer um questionário verbal e tu não precisas assistir as aulas. Te dou a nota pelas respostas que tu me deres”. E indicou o primeiro livro, O Continente, de Erico Verissimo. Eu enlouqueci e li o que ela pedira e mais a continuação, O Retrato. Ela me perguntou tudo sobre O Continente e saí com nota dez. Pedi para que o próximo questionário fosse sobre O Arquipélago, continuação de O Retrato. Nova nota dez. Assistir aulas sempre foi um tormento para mim e a Sarinha me abriu as portas do paraíso.

E assim eu passei o ano inteiro lendo livros para a esperta Sarinha, uma professora de olhos azuis e 1,50m de altura. Passei a idolatrá-la. Ela tinha uma irmã que era professora de inglês de nossa turma, uma jararaca. Voltando à Sarinha, o terceiro livro foi Laranja Mecânica, depois veio Manuel Bandeira, Dostoiévski e Guimarães Rosa, meu maior espanto. Era 1974, um ano feliz. Foi o ano em que conheci a Maria Cristina, a menina com quem depois dividi minha primeira experiência sexual. Dizíamos rindo um para o outro: “Vamos praticar bastante e aprender juntos”.

De meu outro mestre-exemplo não declino o nome. Estava na universidade e o cara apoiava o Golpe de 64. Era muito inteligente, muito capaz, tinha farta biografia de realizações, mas era minuciosamente maquiavélico. Por isso era todo aquele sucesso acadêmico. Construíra prédios na UFRGS, fundara departamentos. Devia ter esmagado dezenas de inimigos políticos. Prometia coisas e descumpria: “O que não foi escrito não foi dito”, respondia para nós, os idiotas. Aprendi com ele que se deve esperar pelo pior das pessoas para não haver decepções. Foi algo muito instrutivo. Mesmo assim, sou bondoso e otimista com as pessoas como um cãozinho labrador. Apenas não me surpreendo quando vejo certas mudanças de comportamento. Este professor foi fundamental no meu conhecimento da natureza humana. Seus ensinamentos foram preciosos e não me abandonaram até hoje, 37 anos depois.

E tinha pouca gente para ver James Strauss…

E tinha pouca gente para ver James Strauss…

Eu estava cansado após um dia complicado de trabalho, mas não me arrependi de ir e achei um verdadeiro crime a pouca presença de público para assistir ao belíssimo recital de música francesa do flautista James Strauss, acompanhado pela pianista Priscila Malanski e pelo soprano Luciana Kiefer.

Quem não foi ao StudioClio na última quinta-feira, perdeu um flautista que demonstrou vivência, conforto e senso de estilo dentro de um programa fascinante e extremamente difícil. E, olha, não foi coisa pouca, ele tocou por 90 minutos, sem intervalos. Ou seja, o cara não cansa… A flauta que ele utilizou foi a mesma — exatamente a mesma e histórica — usada na estreia Prélude à l’après-midi d’un faune, de Claude Debussy, uma das peças do programa.

A sonoridade de Strauss — sempre adequada e temperada de impressionismo — é a de um artista em pleno domínio de seus meios. Aliás, sua sonoridade parece ter melhorado ainda mais à medida que o recital se desenvolvia. Prova de que ele ficou entusiasmado, apesar dos poucos gatos pingados que o assistiam. A boa acústica do StudioClio também ajuda, mas o fato é que o cara toca demais.

Deixo anotado abaixo o programa, para não esquecer:

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Saint-Saëns: Une flûte invisible
Fauré: Fantaisie for Flute and Piano, Op. 79
Fauré: Morceau de concours for Flute and Piano in F major
Debussy: Syrinx
Debussy: Prélude à l’après-midi d’un faune
Roussel: Joueurs de flûte, Op. 27
Mouquet: Sonata for Flute and Piano, Op. 15 “La flute de Pan”
Donjon: Pastorales
Doyen: Poemes Grecs (1905)
Caplet: Viens! Une Flûte Invisible

Com:
James Strauss (flauta)
Luciana Kiefer (soprano)
Priscila Malanski (piano)

P.S. Ao final, fomos ao Via Imperatore, ali na República…

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Ah, e amanhã, domingo, tem mais, agora com a música de Dimitri Cerco e Philip Glass:

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Porque hoje é sábado

Porque hoje é sábado

As fotos a seguir são do norte-americano nascido em Taiwan Hilo Chen.

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Só tem um detalhe: não são fotos, são pinturas.

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Mas apenas em algumas imagens a sensação de irrealidade fica mais alta.

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Me digam qual é a diferença de olharmos uma mulher real ou um desenho?

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Pensemos, por exemplo, em Charlize Theron.

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Você, um de meus sete leitores, jamais terá Theron — então …

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… qual é a diferença entre vê-la em fotos ou ver um desenho dela?

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Ah, ela tem trabalhos admirados por nós e uma biografia?

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Sim, mas o que nos interessa nestas noites de sexta-feira …

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… é seu trabalho photoshopado para a Playboy em maio de 1999, não?

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E ali, o que é Charlize e o que é ficção? O que há de realmente apalpável nela?

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Sei lá, mas fiquei bem interessado no conceito dos trabalhinhos do …

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… certamente perecível Chen.

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Agora, de garantido mesmo, é que a foto abaixo …

Charlize Theron

… é pura Charlize. E basta para ser irresistível.

Sobre o SC Internacional: Andreas Müller já escreveu, não preciso repisar

Sobre o SC Internacional: Andreas Müller já escreveu, não preciso repisar

INTER_DistintivoPor Andreas Müller

O pior não são as derrotas. Não é a distância do G4 e nem a proximidade do Z4. O pior tampouco é esse time esgotado, nem a incapacidade do clube de ajustá-lo. Não é a dança aparentemente aleatória de técnicos a escalações. Não é mais um ano jogado fora.

O pior, amigos, é a falta de esperança.

Pois esse Inter não nos permite esperar nada. Não dá chance ao menor otimismo. O Inter está desacordado e jogado na sarjeta, carcaça inerte, enquanto uma pequena multidão o cerca esperando por um espasmo, um mexer de órbitas, um sinal mínimo de vida. Que não vem.

O Inter está em oitavo lugar. Mas vive uma crise anímica de lanterna. Porque não dá esperança de nada. A ninguém. O torcedor colorado abre o jornal e vai à tabela do campeonato tentando garimpar pontos nas próximas rodadas. Contra o Náutico? Quem sabe contra o Santos? Ou contra o Grêmio, na imprevisibilidade do clássico? Mas o torcedor não pode esperar nada de nada, nem dos jogos mais fáceis, e fecha o jornal com um nó no estômago, sentindo-se à deriva. Como se só a sorte pudesse lhe trazer um momento de alegria.

O Inter agora procura um novo técnico. E nem isso serve de esperança. Não há, no mundo inteiro, um único nome que inspire o sentimento clássico do colorado da gema – o sentimento de “agora vai”. Porque, no fundo, já está claro que o problema não é o nome do técnico. É algo maior. Anímico, quase espiritual. O que aflige o Inter é uma lassidão, um torpor atordoante. Olhamos para o Inter e o Inter não está lá. Porque falta esperança e, sobretudo, um motivo para tê-la.

Cena de Fahrenheit 451 (1966), clássico de François Truffaut

Cena de Fahrenheit 451 (1966), clássico de François Truffaut

Com Julie Christie e Oskar Werner. Baseado no romance homônimo de Ray Bradbury (1920-2012) que apresenta um futuro onde todos os livros são proibidos, opiniões próprias são consideradas antissociais e hedonistas, e o pensamento crítico é suprimido. O personagem central, Montag (Werner), trabalha como “bombeiro” (o que na história significa “incendiário de livros”). O número 451 é a temperatura (em graus Fahrenheit) da queima do papel, equivalente a 233 graus Celsius.

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Fonte das imagens: o blog O homem que sabia demasiado.

E o Nobel de Literatura de 2013 vai para Alice Munro

E o Nobel de Literatura de 2013 vai para Alice Munro

Alice Munro Nobel

A canadense Alice Munro ganhou o Nobel de Literatura de 2013. Desde 1976, quando o laureado foi Saul Bellow, que um prêmio não me dava tanta satisfação. É raro ficarmos satisfeitos com as escolhas da Academia Sueca. Brodsky (1987) e Seamus Heaney (1995) foram duas boas excepções, mas houve anos de absoluto nonsense: 1989 (Cela), 1992 (Walcott), 1997 (Fo) e 2004 (Jelinek).

Contista admirável, Alice Munro nunca escreveu romances. Estão publicados em Portugal, pela Relógio d’Água, seis dos catorze livros que publicou entre 1968 e 2012. (Cinco estão traduzidos pelo poeta José Miguel Silva; um por Margarida Vale de Gato.) Aos 82 anos, depois de anunciar que se retirava da literatura, o prêmio representa o triunfo do storytelling.

Do blog Da Literatura

P.S. de Milton Ribeiro — No Brasil, a Companhia das Letras lançou O Amor de uma Boa Mulher, Fugitiva e Felicidade Demais, creio. E a Globo lançou Ódio, amizade, namoro, amor, casamento. E acho que é só.

Asco, de Horacio Castellanos Moya

Asco, de Horacio Castellanos Moya

AscoNão entendi porque o volume da Rocco não traz o nome completo da excelente novela de Horacio Castellanos Moya, El Asco — Thomas Bernhard en San Salvador, nem ao mesmo O Asco, mas apenas Asco (Ed. Rocco, 111 páginas). Porém, deixando de lado as opções editoriais, a curiosa novela de Moya merece leitura atenta.

Curiosa por ser uma clara imitação de Thomas Bernhard — em estilo, estrutura e temática –, curiosa por Moya confessar isto no título, curiosa por ele ter repassado todo o ódio de Bernhard, aos austríacos em geral e aos habitantes de Salzburgo em especial, para um local do terceiro mundo, a cidade de San Salvador, capital de El Salvador.

Para quem não conhece Bernhard é bom explicar: seus livros são escritos em longos parágrafos — normalmente apenas um –, suas longas frases são fáceis de ler em razão das repetições e variações cuidadosamente realizadas e nelas o escritor destila ódio por páginas e páginas, chegando a tal paroxismo e descontrole que às vezes torna-se engraçado. Também não recua frente ao politicamente incorreto.

Moya foca seu relato no salvadorenho naturalizado canadense Vega, um acadêmico que retorna ao país para o enterro da mãe. Enquanto aguarda os papéis do inventário, Vega descreve suas impressões sobre o país e seus parentes, odiando tudo minuciosamente, mas minuciosamente MESMO. A invenção de Bernhard, aqui tropicalizada, funciona perfeitamente, tanto que o autor sofreu ameaças e preferiu passar bom tempo fora do país. Livrinho fascinante com ótima tradução de Antônio Xerxenesky.