Coisas que não ocorrem no nosso futebol e o Grêmio

1. Ontem, tivemos Chelsea 2 x 4 Manchester City. Um zebrão no jogo em que o capitão John Terry enfrentaria Wayne Bridge após ser revelado que aquele tivera um caso com a esposa deste. O caso foi um escândalo na Inglaterra, com direito a Terry perder a braçadeira de capitão da seleção inglesa e Bridge desistir de participar da mesma — alegadamente para não dividir o grupo. Em campo, Tevez deu a vitória ao time do traído Bridge e ainda peitou Terry em pleno estádio do Chelsea. Um jogaço. Abaixo, a cena de Bridge negando o cumprimento a Terry.

2. Na rodada de domingo passado, o FC Porto deu a liderança ao SL Benfica ao vencer escandalosamente (5 x 1) ao Braga. Explico: o Braga estava com 48 pontos e arquiinimigo do Porto, o Benfica, com 49. Mas o Porto foi lá e fez o papel. Jogou tudo e deixou o Benfica líder.

3. Na rodada de hoje, era esperada nova vitória do Porto a fim de se aproximar dos líderes. Só que o Porto levou 3 x 0 do Sporting, enquanto que o Benfica e o Braga ganharam, disparando na liderança. Situação atual: Benfica, 52 pts; Braga, 51; Porto, 43. Fim de linha para o Porto. Agora, volto a perguntar: não seria melhor ao Porto ter dado uma de gaúcho e entregado o jogo ao Braga?

4. Os holofotes sobre Robinho tornaram Neymar um craque e teve o condão de retirar o “apito amigo” do Corinthians. Mano Meneses deve estar sentindo falta daquela vida fácil.

5. No Olímpico, em Porto Alegre, o Grêmio penou para vencer o Noia. A atuação do Grêmio faz-nos sonhar com os anos de 1991 e 2004. Se venderem Mário Fernandes — um grande jogador — podem tranquilamente repetir estes anos dourados. O resto está pronto.

Chacona da Partita Nº 2 para violino solo, BWV 1004, de J. S. Bach, em transcrição espetacular de Ferruccio Busoni e no original

Um dia, eu fiz a seguinte brincadeira aqui no blog:

Numa noite fria do século XVIII, Bach escrevia a Chacona da Partita Nº 2 para violino solo. A música partia de sua imaginação (1) para o violino (2), no qual era testada, e daí para o papel (3). Anos depois, foi copiada (4) e publicada (5). Hoje, o violinista lê a Chacona (6) e de seus olhos passa o que está escrito ao violino (9) utilizando para isso seu controverso cérebro (7) e sua instável, ou não, técnica (8). Do violino, a música passa a um engenheiro de som (10) que a grava em um equipamento (11), para só então chegar ao ouvinte (12), que se desmilingúi àquilo.

Na variação entre todas essas passagens e comunicações, está a infindável diversidade das interpretações. Mas ainda faltam elos, como a qualidade do violino – e se seu som for divino ou de lata, e se ele for um instrumento original ou moderno? E o calibre do violinista? E seu senso de estilo e vivências? E o ouvinte? E… as verdadeiras intenções de Bach? Desejava ele que o pequeno violino tomasse as proporções gigantescas e polifônicas do órgão? Mesmo?

E depois tem gente que acha enfadonha a música erudita…

Há que acrescentar a transcrição (esplêndida, esplêndida) de Busoni para o piano até chegarmos às mãos da belíssima e talentosa Hélène Grimaud. Talvez seja a obra mais perfeita que conheço, ao lado das Goldberg e da Arte da Fuga.

E aqui, o original para violino. Maxim Vengerov — meu violinista preferido dentre os da nova geração — interpreta a obra enquanto caminha pelos corredores e exteriores de Auschwitz. O filme faz parte do filme Holocaust: A musical memorial film from Auschwitz. É absolutamente arrepiante, principalmente porque Vengerov não quis limpar a gravação de seus pequenos pecados. Como o conheço de várias entrevistas, sei que ele gosta de registros ao vivo e não costuma corrigi-los. Deveria repetir a sessão em Gaza.

Minha ida de hoje à padaria

Como quase sempre faço, fui hoje pela manhã à Padaria Pasquali. Cheguei lá às 7h22 (olhei no celular). Para minha surpresa, já estava lá o grupo de gremistas irredutíveis. E estavam aos berros:

— A coloradagem está quieta, só pensando na Libertadores, mas se a gente perder para o Novo Hamburgo, eles vêm pra cima de nós com tudo.

Entrei soridente, claro, aquilo me SABIA como uma sinfonia de Haydn. Cumprimentei-os.

— E então! Vocês estão com medo do Noia?

— Medo nada, Milton ficou louco?

— Vocês sabem aquele médico do PTB, o Eliseu Santos?

— “O seu médico”…

— Esse mesmo. Foi assassinado um dia depois de prestar depoimento na Polícia Federal sobre desvios na Secretaria da Saúde.

— Queima de arquivo.

— É. E Houve um terremoto Kleist-like no Chile.

— O quê?

— Houve um terremoto no Chile. 8,8 na escala Richter. 64 mortos até agora.

— Credo, que noite!

— E vocês aqui se cagando pro Noia!

— Milton, vai pegar o teu leitinho e o pão.

Fui mesmo.

Porque hoje é sábado, algumas grandes damas inglesas

O PHES chega diferente em razão desta foto, enviada ontem a mim por uma amiga.


Tinha pronto o conjunto habitual de imagens de uma beldade quando a vi. Mudei de idéia. Quatro grandes atrizes inglesas e ao menos três Dames de passado insurgente.




Vanessa Redgrave foi a presença mais espetacular de Blow-up, de Antonioni, um dos filmes que nunca sairão da minha lista de dez mais.


Aos 73 anos e menos comuna do que na juventude, é uma tremenda atriz.


Judi Dench é outra imensa intérprete. Como nunca foi bela, só viu seu talento reconhecido na idade madura.


Hoje, tem 76 anos e é requisitadíssima. Trabalha muito, seu jeito de durona esperta agrada os americanos.


Aos 74 anos, a duplamente oscarizada Glenda Jackson hoje faz política, vá entender por quê.


Com jeito de vovozinha legal, está no Parlamento inglês. Brigou muito com o famigerado Blair e sua guerra imbecil, apesar de ser de pertencer ao mesmo partido.


Helen Mirren, acima com Glenda Jackson, é o bebê da foto. Tem 65 anos.



Talvez vocês não lembrem: ela participou de O Lucky Man, grande e irreverente filme de Lindsay Anderson e de Calígula, escandalosa — na época — película de Tinto Brass.


Por tudo isto, esta grande dama de passado contestador, merece inteiramente a montagem acima. A propósito, sua participação em O Cozinheiro, o Ladrão, sua Mulher e seu Amante é inadjetizável (?).


Sua imagem agora mudou: ela tornou-se Dame Helen Mirren, a quase-rainha do Reino Unido. Quem diria… God save the Queen, Helen, mas por favor, volte logo aos bons filmes.


Ah, uma fotinho extra de Mirren que achei divertida.

Retrato da Estupidez Gaúcha

A Cavalgada do Mar é um evento no qual 3 mil cavalos são levados a um passeio de 240 Km pelo litoral plano, igual e sem graça do Rio Grande do Sul. Na falta dos interessantes acidentes geográficos que fazem a alegria de veranistas normais, as praias gaúchas oferecem seu vento e, durante esta época, um bando malcheiroso de cavalgaduras. O veterinário Leandro Basile diz que um equino adulto produz, por dia, em média, 16 Kg de excrementos sólidos. Multiplicados por 3 mil cavalos, chegamos a 48 mil quilos. Multiplicados pelos nove dias da Cavalgada do Mar, serão 432 mil quilos de esterco espalhados pelas areias das praias gaúchas. Pena que tal quantidade de esterco não configure um acidente geográfico, apenas ecológico. Aliás, acidentes são a última novidade das cavalgadas: têm ocorrido mortes de cavalos, às quais farei referências adiante.

Só os dados fecais já seriam suficientes para extinguir definitivamente a estupidez da cavalgada, mas o que são 432 toneladas de cocô bem ao lado do mar quando comparadas com a necessidade de aparecer da, por exemplo, secretária de “cultura” Mônica Leal?

Por favor, cliquem aqui a fim de saber as exatas dimensões da boçalidade. São nove dias de cavalgadas por nossas belas praias. Porém, este ano, já houve duas mortes de cavalgaduras, infelizmente das que ficam embaixo. Por quê? Ora, porque estes são tradicionalistas conceituais, de fim-de-semana e nunca trataram com um animal desses. Então, ignoram o fato de um cavalo precisar de 80 litros de água não salgada por dia. Mais: não sabem que cavalos descansam soltos e, ah, que precisam de preparo físico. Do alto de sua autoridade e capacidade expressiva, presidente da Fundação Cultural Cavalgada do Mar, Vilmar Romera, dá-nos uma tranquila noção do problema:

– Que culpa eu tenho se tu matas o teu cavalo? Morreram dois, o que é natural. Se morrerem 15 cavalos, não tenho nada com isso. Quem sou eu para dizer que alguém não pode participar? O animal tem de ser preparado. Esse é um problema do dono do cavalo. É como mulher. Se tu não tratares bem, vais levar guampa.

Hã?

Interessante a comparação entre cavalos e mulheres. Bem feminista. não? Ah, querem saber quais são as  atividades às quais que se entregam as cavalgaduras — as que andam sobre os animais durante a cavalgada, ops…, me enrolei. Em resumo, sabem o que fazem os animais de cima? Vejamos a declaração de um deles:

— É um passeio. A gente come, bebe e dá risada.

Sem dúvida, é tudo muito cultural. É como ir ao shopping assistir uma comédia. Uma vez, minha filha, que conhece cavalos como poucos, quis participar de uma dessas coisas. Seu professor de hipismo veio falar comigo:

— Não deixa, Milton. São um enorme bando de bagaceiros. Rola de tudo.

OK, é uma atividade cultural honesta… Demonstra a falta de substância do Movimento Tradicionalista Gaúcho. Hoje haverá um protesto contra a cavalgada em frente ao Palácio Piratini. Espero que Yeda relinche e corcoveie para os participantes. Afinal, um assunto de tamanha importância… Mas, sabem, eu gostei do estilo do Sr. Vilmar Romera. Então finalizemos este texto que fala do cerne da alma gaúcha com mais uma declaração objetiva e lúcida de Vilmar:

— Cavalo só morre por falta de cuidado. Tem cara que traz para a cavalgada animal que ficou três meses comendo dentro de cocheira. Tem gente aqui que nunca viu cavalo. Que só sabe diferenciar o cavalo de uma vaca por causa da guampa – afirma.

Interessante.

O caso do blog "Não gosto de plágio"

O excelente e combativo Não gosto de plágio foi processado por ter acusado… mais um plágio. Há um gênero de trapaça pouco conhecida e muito, mas muito sacana. É o plagiador (ou copiador) de traduções alheias. Imaginem que o plagiador, normalmente o próprio editor ou um funcionário, faz a tradução de uma obra de, digamos, Philip Roth; porém, em vez de traduzir a obra, pega uma edição portuguesa, dá uma “tropicalizada” e manda bala.

Denise Bottmann foi processada por denunciar uma tradução suspeita. Trata-se de uma tradutora  profissional que apenas deseja manter o espaço que é dos tradutores autênticos, daqueles que suam para compreender e mimetizar um autor. Minha mulher faz traduções do italiano e já me mostrou livros que continham 10 erros — de todo gênero — por página. Erros incríveis, que talvez fossem herança de um mau tradutor de primeira mão. O que Denise apontou afeta muito a mim: uma versão da editora Landmark para Persuasão, de Jane Austen…

Neste post, Denise nos dá detalhes sobre o que seria um indiscutível crime. O tradutor é o Sr. Fábio Cyrino, um dos proprietários da Landmark; sua versão do clássico apresentaria grandes semelhanças com a tradução portuguesa de Isabel Sequeira, publicada pelas edições Europa-América em 1996. Ao que tudo indica seria mais um caso de editor que rouba mercado de trabalho de quem sabe traduzir — e cobra adequadamente por isto. A Landmark costuma editar principalmente obras sobre maçonaria, mas também gosta de ornamentar seu marasmático catálogo com coisa mais divertidas e inteligentes como A volta do parafuso e O morro dos ventos uivantes. Espero que James e Brontë estejam tranquilos em seus túmulos. Tenho pena de Jane Austen, que deve estar louca por um chá de camomila, preocupada com o destino de nossa heroína Anne Elliot.

Como vocês sabem, tenho alguma vivência nestas coisas de processos contra a blogosfera. Já digo que não vai dar em nada e peço a quem concordar comigo que dê o devido destaque ao caso. Também sugiro à Denise que publique ipsis litteris a inicial em seu blog. Afinal, o juiz declarou o processo como público — contra a posição do advogado do Sr. Cyrino — e penso que as pessoas ainda podem amparar-se em pressupostos morais como este: quem processa outrem deve estar pronto para sustentar e defender os motivos alegados em qualquer lugar e ocasião.

P.S. — A blogueira Raquel Sallaberry, do Jane Austen em Português, também está sendo processada pela editora.

P.P.S. — Sabem o que o Sr. Cyrino pediu? A retirada imediata do blog, além de uma indenização de 400 salários mínimos por calúnia e difamação. 400 mínimos? Retirada do blog do ar? O pior é que Denise vai perder tempo, gastar uma grana em advogado, etc. Tudo para nada.

Últimos livros lidos

O tradutor americano deu o nome de In Concert Performance para este Em Ritmo de Concerto de Nikolai Dejnióv. Lendo o livro, vê-se que o americano saiu-se muito melhor. O inventivo e amalucado livro deste escritor e físico russo é mesmo aparentado a uma enorme improvisação. Vagamente inspirado no realismo mágico, o romance conta a história de Lucário, um anjo que volta à terra ao apaixonar-se por Ana, o que o impedirá de seguir seu caminho em direção à purificação total. Claro, nada de terrivelmente original, mas o livro é delicioso, anticlerical e anti-stalinista. Ah, por falar em Stálin, ele quase foi assassinado por Lúkin – o Lucário em terra. Quase.

Eu queria gostar deste livro emprestado por uma querida amiga, mas não foi possível. O Duelo de Batman contra a MTV, além de um título apelativo, é uma série de poemas de Sérgio Capparelli baseados na relação entre um pai e um filho. A estrutura é interessante, são cinco seções: na primeira o pai fala ao filho, depois temos o filho sozinho, seguido pelo que diz o filho ao pai e pelo solo do pai, terminando com uma espécie de homenagem aos que os antecederam. Sem dúvida, uma boa idéia, não fosse o fato dos poemas mostrarem-se muitas vezes fora do foco do livro, como se tivessem sido primeiro escritos para depois entrarem à fórceps na estrutura inventada. O leitor tem que ter muito boa vontade para entender que aquela voz é a do pai ou a do filho, pois elas são muito parecidas. Há raros momentos em que são mostradas as diferenças e pontos em comum entre pai e filho assim como as dificuldades ou não de comunicação entre eles. Não há profundidade nem drama sincero. Um pasmo: a mãe, que se bem me lembro morreu durante o parto do filho, não parece ser uma falta muito importante para nenhum dos dois. O filho não é um mamífero.

Os Novos, romance de Luiz Vilela, foi comprado num balaio da Feira do Livro do ano passado. O exemplar que levei já tinha até tomado banho, suas folhas têm aquelas ondas que denunciam muita água. Deve ter custado uns R$ 2,00, mas pela diversão vale muito mais. Pode-se dizer que a história dos amigos candidatos a escritores é datada, pode-se garantir que é obra de um Vilela iniciante, pode-se reclamar que os caras não param de beber cerveja, mas, por favor, os diálogos são maravilhosos, vivos, humanos. E aqui há, de forma muito intensa, o conflito entre gerações que faltou no livrinho aí de cima. Outro pasmo: por que o livro não foi censurado se os caras cagam sobre os milicos? Ora, certamente porque nenhum censor deu importância a um livro editado pela obscuríssima e carioca “Edições Gernasa” em 1971… Agora, é um mistério como ele, depois de tanta água, foi chegar a mim num balaio da Feira do Livro de 2006.

Na minha presença, sob minha desconfiança e paradoxal e incondicional desejo de vitória…

… inicia hoje o ano futebolístico de 2010: Inter x Emelec no Beira-rio, às 21h50, pela Copa Libertadores da América. A foto abaixo é uma grande sacada do Blog Vermelho. Rafael Sóbis pareceu ser a pessoa mais feliz e infeliz de todas naquele 16 de agosto de 2006. Primeiro, correu sozinho com uma imensa e pesadíssima bandeira até cair exausto na frente da geral. Depois comemorou com os outros jogadores. No final, quando já estava saindo do estádio, vi a imagem abaixo pelo outro lado. Quase todos já estavam na festa, porém Sóbis escolheu ficar sentado na grama, quieto, observando a torcida. Sabia que aquele era seu último jogo pelo Inter: fora negociado com o Betis dias antes e não seria Campeão Mundial. Estava feliz e triste. Mais feliz do que triste, penso. Há o futebol e há o dinheiro, todos sabemos…

Uma escola para a vida (The finishing school), de Muriel Spark

Eu sou um cara que costumo andar sempre com um livro na mão, no bolso, na bolsa ou na pasta. Qualquer oportunidade, saco do livro e leio onde estiver. Porém, achei tão ridícula a tradução do título deste romance de Muriel Spark que tinha certo constrangimento de lê-lo em público. E a capa é um horror. Parece um troço militar… Mas o livro é de uma das autoras com as quais mais me divirto. Memento Mori, A Primavera da Srta. Jean Brodie, O Banquete e Realidade e Sonhos não mudaram minha vida, mas me deixaram muito feliz de lê-los, principalmente a Srta. Brodie. Finishing School é um gênero de escola particular muito comum na Europa. É onde os alunos recém saídos do colegial fazem um hiato e tem aulas de idiomas, cultura geral, cultura artística, boas maneiras, leem os livros sem os quais não se pode viver…, etc. É neste ambiente que Muriel Spark desenvolve o tal Uma escola para a vida (2004). A Finishing School em questão chama-se Sunrise e é itinerante. A cada ano aluga um local paradisíaco diferente e lá dá suas aulas. Os donos são jovens — Nina Parker e seu marido Rowland Mahler têm menos de 30 anos. Ela cuida da parte burocrática da instituição e ele leciona redação criativa, uma das matérias mais concorridas do colégio. Nos intervalos, Rowland tenta escrever seu primeiro romance. Paralelamente, um de seus alunos — Chris Wiley, de apenas 17 anos — , também está escrevendo o seu. Só que enquanto o texto do rapaz avança, Rowland entra em crise de criatividade; sim, logo ele, o professor de “redação criativa”. Se Chris alimenta-se da crise e da inveja de Rowland; Rowland deseja todo o mal àquele desgraçado que parece não padecer de nenhuma dificuldade com seu livro.

Sim, é um belo plot e Muriel Spark (1918-2006), que escreveu a novela aos 86 anos, não perde a elegância nem a segurança. Não seu melhor texto, mas ainda assim fica muitíssimos furos acima da média. E, por favor, a octogenária escritora não merecia este título de auto-ajuda… Nada a ver! Eximo o tradutor, que fez excelente trabalho, mas o editor merece a nota zero sem perdão. Faltou-lhe uma finishing school, sem dúvida!

Are you going with me?, de Pat Metheny e Lyle Mays

Fiquei muito chocado quando uma amiga minha chamou Are you going with me? de “Música de Boate”. Das duas, uma: ou não é ou é e eu perco muito por não frequentar boates. Infelizmente, não encontrei nenhum show do Pat Metheny Group com Mays e a catrefa habitual. O filme abaixo traz Metheny e a North Sea Jazz Festival em 2003. A gravação original de estúdio está no disco Offramp (Turn Left), de 1981.

Comentário sobre o Desfile e a Música das Escolas de Samba

Não por me dar razão em boa parte, mas pela inteligente e esclarecida ampliação do tema apenas sugerido por mim neste post, republico o comentário do leitor Matheus Todeschini Lopes.

Adoro carnaval e sambas-enredo. Sou único da minha faixa de idade, 20 anos, a gostar. Antigamente as baterias tinham um andamento muitíssimo mais lento. Os sambas eram obras sensacionais, com poesia, melodias variadas. “Hoje” (a partir do final dos anos 80, início dos anos 90), o samba mudou, aliás, o carnaval mudou. As Escolas começaram a fazer carnaval para ganhar dinheiro. Não que antes não ganhassem, mas agora estamos falando de milhões. Até 8 milhões de reais. E esse dinheiro é desviado para jogo do bicho, dependendo da Escola vai até para o tráfico. Os sambas eram feitos por grandes sambistas, que amavam suas escolas, seus bairros, sua gente. Gostavam da festa, das pessoas nas ruas a cantar e dançar, a curtir a folia, não por acaso eram foliões. Mocidade com Toco; Império Serrano dando aula de história do Brasil (aprendi o gosto pela história graças ao samba); Vila Isabel com Noel, Brazão, Martinho e Luiz Carlos, cantando sobre o Boulevard, a gente simples da Vila; Mangueira com Jamelão, Helio Turco e Jurandir, iam da Literatura aos morros com seus barracões de zinco; Portela com Paulo da Portela e Paulinho da Viola, pedindo benção dos orixás; Salgueiro com Noel Rosa e seus sambas afro, contando a história do negro do Brasil. Cada escola com um estilo, uma história para contar. Até os artistas começarem a invadir a avenida. Gente que antes não gostava de se misturar com o povão, começou a aparecer na avenida – para aparecer nas revistas, jornais e televisão. Império Serrano avisou em 1982 sobre o que estava acontecendo, com o Bumbumpaticumbumprugurundum:

Super Escolas de Samba S/A
Super-alegorias
Escondendo gente bamba
Que covardia!

É o inconformismo com os famosos, com os turistas, que nem tem ideia do que cantar, tirando pessoas das comunidades dos desfiles, é a revolta contra as Escolas que não escolhiam os melhores sambas, mas os que pagavam mais. Retorno financeiro. Dinheiro, dinheiro. $$$$

“Já diria Sérgio Cabral: “Brancos, devolvam a escola de samba aos negros”. Como este pedido será atendido hoje em dia? Quem sustentaria o carnaval, de maneira a manter o luxo hoje imprescindível que faz atrair milhares de turistas de lugares do mundo inteiro até as arquibancadas da Marquês de Sapucaí? É brabo de admitir, mas os desfiles das escolas de samba de hoje se resultam numa festa capitalista, pouco importando a qualidade do samba e desprezando os mais humildes das comunidades que amam o samba para dar lugar aos endinheirados caras-pálidas que sequer gostam deste ritmo musical tipicamente brasileiro. E, lamentavelmente, o dinheiro e as super-alegorias que escondem ainda mais a gente bamba acabaram definitivamente por diminuir um pouco a apoteose e a magia do carnaval. Por isso que as vendas dos discos de sambas-enredo despencaram consideravelmente, ao ponto de uma pesquisa divulgada no começo de 2004 mostrar que 60% das pessoas não gostam de carnaval, a prova concreta de que a popularidade do samba-enredo descera por ralo abaixo. Tal rejeição melancólica faz com que as músicas mais tocadas do carnaval sejam da estirpe de “Egüinha Pocotó”, “Tapinha não Dói” e genéricos. É duro admitir! Isso é profundamente triste para quem tem amor ao carnaval e ao samba-enredo: ver este gênero musical ser desprezado por muita gente (sobretudo os jovens).

Ver aqui.

Hoje, os grandes sambistas estão de fora. Martinho, por milagre, conseguiu colocar um samba na Avenida, em homenagem a Noel Rosa, com a Vila Isabel. Infelizmente o samba foi destruído na avenida, pois o andamento foi por demais acelerado… Traficantes colocaram sambas noutras escolas, enchendo de dinheiro as diretorias…

Os desfiles não servem para mais nada. Não há graça. Já sabemos sempre quem fica na frente, entre os 6 primeiros. O bicho manda. A bala manda.

E eu, burro que sou, já estou esperando os sambas de 2011, só para ver e ouvir a mesma merda, sambas imbecis, sem qualquer qualidade.

Aí tenho que ler “Tudo começa pela música. As melodias são todas muito parecidas, além do ritmo ser sempre o mesmo e das repetições fazerem parte do sistema” e tenho que concordar… Ler “E por que não usar uma batida mais lenta? Seria uma revolução… Se uma tem de ser mais alegre e empolgante que a anterior, não há como a coisa não tender à idiotice. E, decididamente, não é arte. É muito mais uma grande lavanderia de dinheiro para os traficantes” e ter de balançar a cabeça novamente, confirmando.

🙁

* Beija-Flor tem por característica ter sambas mais lentos e tristes.

Sem Rumo, de Cyro Martins

Cyro Martins (1908-1995) é uma instituição gaúcha. Foi importante escritor e talvez médico ainda maior. Sem Rumo (1937) é o primeiro livro da chamada Trilogia do Gaúcho a Pé, que é completada por Porteira Fechada (1944) e Estrada Nova (1954). Li detidamente Porteira Fechada no ano passado. Na verdade, digitei o romance por inteiro a fim de fosse convertido para o Braille, pois é de leitura obrigatória para o vestibular da UFRGS. Fiquei entusiasmado e pensei em ler toda a trilogia, essa desconhecida.

O primeiro volume é decepcionante: achei Sem Rumo quase ilegível, tal o número de antigas expressões gauchescas utilizadas. E olha que, apesar de urbano, sou gaúcho e costumo entender com facilidade tudo o que me cai em mãos, mas as expressões fronteiriças de Cyro acabaram por me incomodar. OK, a história é boa, Cyro tem uma dimensão social inencontrável em Erico, por exemplo, mas penso que ele exagerou a mão em seu romance de 30. Suas primeiras páginas são quase impenetráveis e não são exageradas as 233 notas explicativas que o “tradutor” coloca ao longo das 140 páginas. Chiru é um projeto daquilo que seria o grande João Guedes no segundo romance da trilogia. Indicado apenas para estudiosos da região fronteiriça do início do século e para nascidos em Quaraí.

P.S. — Ah, a edição da CORAG, comemorativa dos cem anos de nascimento do escritor, é uma joia. Os livros — comprei toda a trilogia por quase nada — são belíssimos.

Estive em Lisboa e lembrei de você, de Luiz Ruffato

Excelente novelinha bipartite de Luiz Ruffato. Serginho (Sérgio de Souza Sampaio) vive em Catagueses uma vida simples de cerveja, trabalho mal remunerado e fofocas. Repentinamente, acaba sendo obrigado a casar com Noemi por causa de uma gravidez, tem problemas financeiros e pensa resolvê-los emigrando para Portugal. Lá, enriqueceria.

A primeira parte da novela trata das idas e vindas de Serginho até decidir-se pela viagem; a segunda é a experiência portuguesa. Ruffato é excelente escritor e conta a história “sobrando”. Não é um livro alegre. Ver o personagem passar de cidadão de segunda classe em Catagueses para a terceira classe portuguesa não é das coisas mais motivadoras que tenho lido, mas a graça e a fluidez do autor deixam tudo mais leve, escapando dos excessos de verossimilhança e das teses sociológicas. A ingenuidade do personagem e a estranheza com o falar português são muito bem mostrados. É um bom livrinho de 83 páginas. Vale a leitura.

Desfile das Escolas de Samba

Há poucas coisas mais entediantes do que os desfiles. Tudo começa pela música. As melodias são todas muito parecidas, além do ritmo ser sempre o mesmo e das repetições fazerem parte do sistema. Mas ouvi-lo de longe não chega a ser irritante. Aos poucos, a atenção sobre o que se ouve vai ficando rarefeita e podemos perfeitamente religar nosso toca-discos interno. O som torna-se uma new age percussiva.

Já olhar é pior. A necessidade de “demonstrar 100% de alegria na passarela do samba” é das coisas mais enjoativas. Não é possível fazer um desfile triste e sem erros? E por que não usar uma batida mais lenta? Seria uma revolução… Se uma tem de ser mais alegre e empolgante que a anterior, não há como a coisa não tender à idiotice. E, decididamente, não é arte. É muito mais uma grande lavanderia de dinheiro para os traficantes.

Vi a comissão de frente da Unidos da Tijuca. Aquela troca de roupa é o sonho de todo marido.