Francisco Marshall sobre "A Flauta Mágica" de Peter Brook (copiado de seu Facebook):

Eu queria ter um blog como o do Milton Ribeiro para postar minha crítica da versão de Peter Brook para A Flauta Mágica de Mozart e Schikaneder. Como não tenho, vou cortar em fatias e publicar aqui mesmo. Thanks, Zulken, thanks, readers.

E eu, Milton, li e conversei sobre isso na sexta-feira [23] e depois esqueci…

— Eu nem deveria criticar, pois ganhei o ingresso do dileto amigo e genial dramaturgo e empreendedor Luciano Alabarse. Liguei no último minuto e ele me cedeu o último ingresso. “Tem sempre um VIP desgarrado!”, disse ele a um desgarrado muito grato, algo chato e pouco vip.

Milton Ribeiro interrompe no Facebook  — Olha, se quiseres postar no blog do Milton Ribeiro, posso falar com ele.

— Não, lá é lugar de sínteses e ironias sacrossantas, não me atrevo. Deixa eu escrever!

Milton Ribeiro desiste temporariamente — OK, OK, adiante!

— A montagem apresenta-se como “versão de Peter Brook”, ou livre adaptação. Na verdade, é uma versão pocket, com a orquestra reduzida ao piano e com o corte de várias partes.

— Misteriosamente, somem partes belíssimas, o que é compreensível em versão pocket, mas aparece uma inclusão arbitrária. Mesmo que bonita, a fantasia em ré menor está sobrando na economia musical. Sobram músicas na própria flauta, não precisa ir à prateleira.

— Aliás, não tem flauta em momento algum, só piano e mimos.

— Figurinos e cenografia seguem o facílimo e baratésimo esquema minimalista. Pés descalços e túnicas, nada de cenários, apenas umas hastes e um carrinho, que são movimentados de modo simples. Iluminotécnica enxuta, monocromática.

— O pianista é excelente, os cantores ótimos, as performances musicais convencem, animam, são muito bonitas e boas, tecnicamente.

— A acústica do Bourbon é uma catástrofe. Quem projetou aquilo desdenhou mediocremente a grande ciência acústica desenvolvida pelos gregos e fez cacaca. Nós fazemos com a democracia e a filosofia gregas, tá na média. Moral, os músicos cantam para as filas 1 a 3. Os outros pensam que ouvem, sonham, imaginam…

— Peter Brook, um cineasta importante, poderia considerar o que Ingmar Bergman fez ao abordar a Flauta Mágica. Não o fez, logo não cabe a comparação.

— A obra original, de Mozart e Schikaneder, transborda humor e imaginação. Foi composta para um teatro popular, onde todo o tipo de efeito cenográfico e dramatúrgico era aproveitado. A Flauta Mágica é sobeja em possibilidades dramatúrgicas, toda elas desdenhadas por Brook, que joga um manto minimalista arbitrário sobre esta obra prima. Este manto minimalista não é nem “contemporâneo” como linguagem, nem tem a ver com a obra. A que vem, então? Vem para economizar?

— Ao final, todos saem com a alma leve, felizes. Este é o milagre de Mozart. Uma música com tal grau de pureza, com tal poder de comunicação, que resiste a tudo, até mesmo a esta violação narcisista e pobre. Valeu, Mozart e Schikaneder, eternamente!

— O público pôs-se a aplaudir de pé imediatamente. O poder do ícone!

— Eu fui na quarta-feira, 21/09/2011.

Milton Ribeiro, o chato, retorna — Cara, eu vou juntar e roubar esse txt. Fui assitir a uma peça lastimável que foi APLAUDIDÍSSIMA. Estou em estado de choque a uma semana. O ícone era Marco Nanini.

— É, eu li tua crítica. Junta mesmo. Resistência ecológica.

Esse argumento vegetariano da morte e do sofrimento…

… nunca deu para levar muito a sério. Adoro plantas e sou capaz de achar que elas sofrem. Sou um carnívoro médio, contido; almoço todos os dias num reataurante vegetariano pero no mucho (serve peixe); mas como carne vermelha de vez quando, claro. O que não suporto são as elucubrações éticas e tal. Quando vejo minhas cachorras secas por uma carne, só posso pensar que é natural comer uma carninha. Vai ser complicado ensiná-las a comer corretamente. Vou dar rações de cereais para elas… Aqui em casa, ou tudo mundo é ético ou ninguém é!

A respeito de Moby Dick, Jorge Luis Borges escreveu:

(É que falei tão bem de Huck Finn que me senti em falta com Mody Dick. Então, invoco Borges, que normalmente está disponível para equilibrar as coisas. Além da famosa citação abaixo, Borges também referiu-se a Moby Dick como “um caos não apenas perceptivelmente maligno aos gnósticos, como também irracional”).

Página a página, o relato se agiganta até superar o tamanho do cosmos: a princípio o leitor pode supor que seu tema é a vida miserável dos arpoadores de baleias; em seguida, que o tema é a loucura do capitão Ahab, ávido por acossar e destruir a Baleia Branca; depois, que a Baleia e Ahab e a perseguição que esgota os oceanos do planeta são símbolos e espelhos do Universo.

Pura verdade.

As Aventuras de Huckleberry Finn, de Mark Twain

Toda a literatura americana moderna se origina de um livro escrito por Mark Twain, chamado Huckleberry Finn (…). Não havia nada antes. Não houve nada tão bom desde então.
Ernest Hemingway

(Havia Moby Dick, prezado Hemingway, mas tudo bem. Adiante!)

As pessoas que tentarem encontrar uma razão para esta narrativa serão processadas; as pessoas que tentarem encontrar uma moral serão banidas; as pessoas que tentarem encontrar um enredo serão fuziladas.
Mark Twain, na abertura de Huck Finn

A nova edição do livro, em tradução de Rosaura Eichenberg, é uma joia que torna coisa do passado aquela edição que li anos atrás, quando adolescente, feita de forma muito rebuscada e “literária” por Monteiro Lobato. Nunca contestei a afirmativa ouvida e lida por anos de que Huck Finn seria o romance fundador da literatura americana, mas voltava meu pensamento para outros autores, como meu querido Melville, que escrevera Moby Dick 33 anos antes de Huck Finn, de 1884. Os dois romances são muito diferentes e incomparáveis — até por suas intenções. Moby Dick é todo o mundo, enquanto Huck é uma brilhante, brilhantíssima e realista história de aventuras juvenis. Afirmo a meus sete leitores que o romance de Mark Twain subiu muito em meu conceito após esta leitura e isto se deve às boas soluções encontradas pela tradutora. Tudo porque o narrador é o personagem principal e este fala/escreve sempre errado, como a criança semi-alfabetizada que é. Pior, durante todo o livro ele se relaciona com o negro escravo (e analfabeto) Jim, que fala ainda mais errado. Então, como o autor raramente interrompe seus diálogos para esclarecer quem diz o quê, a inteligência da tradução está em deixar sinais claros através do gênero de erros cometidos. Deve ter sido trabalhoso, mas ficou excelente. A tradutora nos ensina rapidamente a sintaxe de cada um e a leitura logo ganha fluidez. Um belo trabalho de tradução.

Há uma querela envolvendo o livro. Este seria racista pela utilização de certas palavras, como nigger, por Twain. Por Twain? Ora, aqui já temos uma primeira inverdade ficccional, pois quem a usa é Huck, não Twain. O que os moralistas não notaram é que Huck ama Jim, quer vê-lo livre e faz tudo para isso, no que é confusamente auxiliado por Tom Sawyer ao final do livro. Ou seja, minhas irritações com o “politicamente correto” também são fruto de seu desprezo pela mais mínima complexidade.

OK, sem spoilers: como quase todo mundo sabe, Huck Finn era um menino que vivia com duas “tias” numa cidade ao largo do Mississipi. Porém, seu pai, um alcoólatra, queria Huck de volta para usá-lo como serviçal e para tomar surras sistemáticas. O pai acaba por sequestrá-lo, mas ele foge, encontrando Jim na fuga. Jim morava na casa da Srta. Watson, uma das tais tias, com Huck. Ele passam a viajar pelo Mississipi numa balsa em busca de aventuras, de prazer e de liberdade para ambos.

O romance é muito significativo do ponto de vista da formação dos EUA. Huck foge com seu amigo Jim em busca dos estados americanos onde a escravidão já havia sido abolida. No entanto, por total ignorância geográfica, vão para o sul. Ambos vivem uma vida nômade, picaresca, absolutamente sem estratégias a longo prazo que não sejam os delírios de Jim. Pelo caminho, encontram uma farta, divertida e às vezes terrível galeria de personagens. É notável a inexistência de autoridades legais nos EUA daquela época. A lei é feita pelas próprias pessoas, a criminalidade grassa e a cena dos fazendeiros inimigos está muito próxima do que se veria na máfia depois. A segurança (segurança?) é realizada pelas próprias pessoas e suas armas.

Mesmo com Huck mentindo, roubando e enganando desbragadamente, o grande debate moral do livro deflagra-se unicamente em seu cérebro: deveria ele realmente ajudar Jim em sua fuga? A amizade vale infringir a lei? A amizade vale ir para o inferno? O debate é tão franco que Huck pensa todo o gênero de barbaridades racistas. Não toma atitudes que não seja a da solidariedade, mas duvida. Isto também assusta alguma correção moralista sem que esta reflita que trata-se de um menino conjeturando. Tanto que o livro recentemente recebeu uma versão americana limpa das impurezas dos nigger e de centos pensamentos… O leitor apenas perde.

Olha, li feliz. Tremendo livro. Pode ser lido como um infanto-juvenil, mas é muito mais do que isso. E é como se a grande obra de Twain estivesse sendo publicada pela primeira vez em nosso país.

Pô, Mário Fernandes, foge pro Inter!

OK, Mario Fernandes é um cabeça de vento. Concordo com isso. É mesmo burrinho.

Mas alguém poderia justificar uma IDA à seleção brasileira? É apenas a possibilidade de uma carreira internacional e dinheiro para o clube que o vendeu? É patriotismo? Seria permitido ao jogador não desejar isso? Não é aceitável a ninguém que um jogador ou profissional não queira o sucesso absoluto? A cultura do sucesso é tão açambarcante?

Ou todos acham que jogar na seleção de Ricardo Teixeira e das negociatas seja uma grande honra ou todos acham que o menino está jogando dinheiro pela janela… Gravíssimo! É o que me parece.

Por mim, jogador que não aceita ir para seleção é o ideal. Vem pro Inter, Mário!

Volver a los 17

Hoje nasceram muitas pessoas e coisas sensacionais. Nasceram meus amados Dmitri Shostakovich, Glenn Gould e Jean-Philippe Rameau, além da Casa de Cultura Mario Quintana e até Catherine Zeta-Jones. E, em 1994, num domingo como hoje, às 19h35, nasceu minha filha. É uma data muito bem frequentada.

Como era
E a débil de hoje, numa festa da escola

14 mulheres descrevem como é quando estão excitadas

14 mulheres descrevem como é quando estão excitadas

Fonte: Cavemancircus

1. Você conhece aquela sensação de estar subindo uma colina e tem aquela sensação de swoosh no estômago? É assim, mas nas minhas calças.

2. É tipo “Ei, eu meio que quero fazer sexo”, então depois de um tempo é tipo “Sim, um pênis por aqui seria muito bom”. Então, um pouco depois, é como, “Esse cara provavelmente fode muito bem. Eu quero transar com ele. ”Então, finalmente,“ Pelo amor de tudo que é sagrado, eu quero transar com qualquer um ”.

3. Não consigo pensar em nada além de sexo. Cada palavra, cada frase. Pulsação constante, calcinha molhada, clitóris facilmente excitado apenas por se mover em uma cadeira. Os lábios ficam gordos, a pele formiga, hiperconsciente dos seios dentro do sutiã e querendo que eles sejam acariciados. Respiração profunda constantemente tentando controlar os impulsos. O pescoço é hipersensível, olhe nos seus olhos como um animal pronto para se alimentar.

4. É como fazer xixi nas calças um pouco e você sente essa umidade quente. O que eventualmente se torna frio e desconfortável depois de um tempo.

5. Ahh … para mim, é a sensação de querer tanto ser preenchido que dói. Dói fisicamente. E a sensação de querer ser tocada é opressora, ansiando pelo peso de um homem em cima de mim. Isso é muito triste, mas … Estou solteira há um tempo, e às vezes fica tão ruim / opressor que vou realmente chorar. Oh, Deus, agora eu fiquei triste.

6. Para mim, começa no pescoço e desce. Quando meus dedos do pé enrolam e meu corpo começa a se contorcer de desejo, geralmente é porque eu passei de arrepios por todo o meu corpo para tentar me pressionar mais profundamente em meu parceiro. Também quase sinto cócegas.

7. Ok, é assim: você está com um pouco de fome e tem uma lanchonete bem no final da rua. Não é um McDonald’s de merda ou algo assim – esta lanchonete sofisticada onde tudo tem gosto de paraíso. Você não está com fome, com fome, apenas o suficiente para notar, mas quando você começa a pensar naquele hambúrguer… e te deixa com mais fome, e você começa a sentir aquele vazio na sua barriga, e você fica tipo “Cara, Eu poderia comer um hambúrguer. ” Então, A) você vai buscar seu hambúrguer e ele é tão suculento e bom e você se sente satisfeito e satisfeito depois e fica todo gordo e preguiçoso ou B) você ignora / come outra coisa e está tudo bem, mas não é tão satisfatório. Principalmente (para mim, pelo menos) tesão é coçar aquela coceira e obter aquela plenitude e satisfação e todos os hormônios da felicidade. Ligado é uma coisa totalmente diferente e requer intimidade ou estímulo mental.

8. Começa com uma pulsação quente e formigante em meu clitóris e aumenta a umidade e vai aumentando a partir daí, até um ponto de frustração em que tenho dificuldade em pensar em outra coisa senão em meu desejo completo de ser preenchida.

9. Então, eu começo apenas ficando um pouco corada. Eu me sinto um pouco mais quente em todo o meu corpo e começo a ficar realmente ciente de como minha pele é macia. Um leve toque da minha mão na minha coxa pode me fazer tremer. Costumo esfregar minhas coxas uma na outra se estou em público para aliviar a necessidade de me mover, mas acaba ficando mais quente. Posso sentir que estou começando a latejar e minha respiração começa a ficar mais rápida. Então os pensamentos começam a vir, cada situação quente em que você já passou, todos os caras que você achou fofos e todas as fantasias que você tem tido ultimamente. Muitas vezes me pego pensando em uma fantasia e tenho que parar abruptamente ou fico realmente frenética com a necessidade de fazer sexo. Algo que sempre acontece é a necessidade de ser preenchida, não consigo descrever, mas me sinto vazio e quero algo em mim; deslizando. Mesmo se você se refrear, você ainda pode sentir a pulsação, o aperto de seus músculos. E, sim, você também fica muito molhada.

10. Formigamento e umidade. Quando você quer se tocar, mas não consegue porque está na aula, é o pior. Esfregar as coxas apenas lhe dá uma pequena sensação de prazer.

11. Para mim, começa de uma forma que imagino ser semelhante aos rapazes. Eu começo a me distrair. No carro sozinho ou assistindo TV, fico inconscientemente inquieto no assento ou toco o pescoço. Conheço caras de aparência medíocre… Começo a vasculhar seus melhores atributos. Então, uma vez que os motores são realmente acelerados, os toques são amplificados, tudo fica quente e relaxado, mas intenso. Procuro alguém. Eu, pessoalmente, tenho tendência a ficar carente e apressar as coisas. Meus quadris querem moer alguém. Então vem a penetração. Tudo está quente, inchado e úmido e a sensação de ‘Oh, Deus, sim’. É isso que estou procurando! É formigante, relaxante e gratificante… Rapazes, uma dica: não se apressem nesse momento. Entrem e pressione todo o seu corpo contra o corpo, peito contra peito, adicione um beijo profundo, segure-o por apenas mais um segundo e…

12. Eu sempre me senti quente (no que diz respeito à vagina) e isso meio que se espalha para todos os lugares quanto mais tempo passa. Você conhece a sensação estranha que você tem quando tem arrepios? Eu fico com isso nas minhas coxas / cintura e tenho essa necessidade desesperada de ser tocada. É ainda melhor quando eu já estou com frio, porque então eu simplesmente começo a imaginar o quão quente e aconchegante seria ter alguém me segurando ou algo assim, e é como se a foda… Olha, eu nem me importo mais com quem é, apenas quero.

13. É uma construção lenta. Ela apenas começa como um pulso lento e opaco combinado com uma dor prazerosa que começa a pressionar meu clitóris. Ele começa a crescer, o pulso se transforma em um latejar provocante. Você não pode se mover em seu assento sem ter o desejo de continuar a esfregar para obter algum alívio. Ele fica mais intenso, aumenta e não vai parar até que você finalmente obtenha o orgamo.

14. Você sente uma “onda” de calor que vai do abdômen até o meio das pernas. É como se sentir enjoado, mas não é desagradável. Pode parecer um pouco opressor, então é aí que entra a agitação. Toda a área parece quente e tudo em que você pode pensar é em ser fodido da maneira mais depravada. Você olha para as pessoas e pensa em trepar com elas. A maneira como um homem se senta torna-se atraente. Torna-se impossível se concentrar em qualquer outra coisa.

Porque hoje é sábado, Sara Sampaio

Hoje, acordei com desejos de mamilos

Porém, quando tu, Sara, pela manhã, me perguntaste

se os palestianianos

(pois é assim que se diz em Portugal)

deveriam cultivar esperanças

olhei em teus olhos e teus lábios e decidi

que os mamilos ficariam para a próximo sábado

ao mesmo tempo que te respondia Não tenhas ilusões

porque o conflito israelo-palestiniano

(e falei corretamente para que ela soubesse que conheço nossas línguas)

está envolvido num contexto maior,

o árabe-israelense ou árabe-norteamericano, tanto faz

e que tudo isso de hoje seria um passo

no sentido da visibilidade e da dignidade

e quando teus olhos me perguntaram se isto era não ter ilusões

te respondi que o fracasso seria como água nova brotando

e mesmo que o afropresidente americano estranhamente (para nós, Sara)

queira vetar, e apesar de você, Susan Rice (desculpe por falar em tal mulher na tua presença),

qualificar tudo de um estratagema pouco sábio,

sabes?, haverá uma enorme euforia

apenas por saber que uma esmagadora maioria

está conosco, Sara.

Machado. De mulato a negro em poucas horas

Este é foto mais escura de Machado que encontrei, nas outras, dão-lhe um flashaço

Vou dizer uma coisinha para meus sete leitores. Acho realmente que sou indiferente ao fato de alguém ser negro, branco ou mulato. Só registro em meu cérebro algo diferente se a pessoa for uma mulher muito bonita ou se for japonês ou chinês, que ainda acho exóticos. Ontem, em cima da polêmica retirada do ar da propaganda da Caixa Econômica Federal (CEF), que pode ser vista abaixo, na qual Machado de Assis é emulado por um ator branco, os ativistas dos movimentos sociais começaram a qualificar Machado de negro. Ser negro não desqualifica Machado — creio que até que tal fato seria bastante efetivo na luta em prol do lento fim do racismo em nosso país — , mas é uma mentira. As feições do escritor são de as um homem branco e a pele nem parece tão escura nas fotos. Era o filho mulato de Francisco José de Assis (brasileiro, carioca, descendente de negros alforriados, pintor e dourador) e da lavadeira Maria Leopoldina Machado de Assis (portuguesa da ilha de São Miguel, Açores). Não conheço a qualidade das fotos de 1908 e antes. Talvez houvesse flashes que deixassem tudo esbranquiçado, ainda mais que a maioria das fotos são de estúdio, posadas. Para mim é óbvio que ele tinha ascendentes africanos, mas há muito de europeu em suas feições. O rosto e o cabelo são de um caucasiano, como diria o o velho Orkut. Estou muito errado?

Dona Carolina era uma portuguesa (Porto, 1835), muito culta. Foi o grande amor de Machado.

Acho que, para variar, o politicamente correto exagera ao torná-lo agora negro, a não ser que todo afrodescendente seja considerado negro pelos corretos. Porém, a Caixa errou feio. Senti-me mal vendo a propaganda porque também era uma mentira. Se Machado não era um negão, também não era aquele branquela da propaganda. Também não foi um autor “para brancos”. Seus escritos são incondicionalmente abolicionistas, isto está explicíto em seus livros e principalmente nas ácidas ironias das crônicas. Não era um conformado. E, para piorar, o escritor parece ter sido um homem elegante e bonito, que ganhava de dez do “ator da Caixa”. o qual cumpre honradamente seu contrato, mas que talvez… Bem, resolvamos a questão perguntando a opinião de Dona Carolina!

A chamada "Panelinha", que criou a Academia Brasileira de Letras de Merval Pereira (?)

Mas, ontem, enquanto lia as engraçadas tentativas de escurecer Machado à fórceps ou de tornar negro o Bruxo de Cosme Velho, pensava cá com meus botões: se o escritor fosse como desejam os amantes do correto, teria fundado a Academia Brasileira de Letras, seria um funcionário público bem aceito, teria casado com a alva Carolina Augusta — apelidada Carola pelo mestre — sem maior escândalo? Pois o racismo era aberto, havia a escravatura, não era esta coisa envergonhada e insidiosa de hoje. Então, repito a primeira pergunta, estou muito errado?

Abaixo, a propaganda da discórdia:

Você se masturbaria para mim?

Conto escrito por encomenda em 2007 para a extinta publicação Comendo Carol com Pauzinhos

Na última vez que tinha visto Carol, ela estava se masturbando. Estávamos na faculdade e estagiávamos juntos no setor de informática da universidade. Eu ia muitas vezes à noite até o CPD (Centro de Processamento de Dados) da UFRGS, quando havia pouca gente por lá. Às vezes não tinha ninguém além dos seguranças da portaria. No silêncio da noite, sem os colegas matraqueando, aquele era o melhor horário para se concentrar e produzir mais e com rapidez.

Numa dessas noites, vi uma porta entreaberta e a luz azulada de um monitor ligado. Fui desligá-lo, mas parei um passo antes da porta. Havia movimento. Carol estava sentada em uma cadeira em frente a um vídeo. Ela estava recostada e fazia movimentos que me pareceram de masturbação. Jamais esquecerei de que ela vestia uma saia preta — repuxada para cima — e uma camiseta branca. Nunca tinha visto uma mulher se masturbando. Havia uma revista sobre a mesa para a qual ela olhava. As páginas mostravam sapatos de saltos altíssimos. Ela virava as páginas sofregamente com a mão esquerda e apareciam mais sapatos, sempre de grandes saltos e plataformas. Dizer que eu estava excitado seria um eufemismo.

Fiquei olhando. Pensei em entrar e oferecer algo, mas… Acabei ejaculando ali mesmo. Ah, os universitários… Ficou uma grande mancha úmida no azul da calça. E mal tinha me tocado.

Fui ao banheiro. Vergonha, vergonha. Voltei disposto a tentar alguma coisa com Carol, mas ela já tinha ido embora. A cadeira onde se sentara ainda estava quente. Cheirei o assento. Infelizmente, minha única ação naquela noite foi uma ejaculação nas calças e minha própria sessão de masturbação antes de dormir. Eu não tinha uma foto de Carol para usar, mas tinha uma boa imagem na minha cabeça. Nunca mais a vi.

Avancemos dez anos.

Estava em São Paulo a negócios. Na verdade, terminava meu jantar num restaurante. Faltava apenas meio copo de cerveja quando senti um tapinha no ombro.

 — Você lembra de mim?

A voz era inconfundível. Sua presença também. Carol, em versão de cabelos longos e mais claros.  Ergui-me e notei que ela estava mais alta do que eu. Dei uma olhada rápida em suas sandálias — eram altíssimas.

— Carol! Como você está? Há quanto tempo!

Ela estava linda. Elegante em uma calças pretas. Os seios por baixo da blusa cinza pareciam maiores do que eu lembrava.

Eu disse a ela que estava na cidade a negócios. Ela me contou que morava a poucos minutos dali e que podia até sentar comigo um pouco. Perguntei se ela já tinha jantado e ela respondeu que costumava jantar muito tarde.

Depois do tradicional papo nostálgico sobre os tempos de universidade, ela me convidou para tomar o café em sua casa. Enquanto caminhávamos, as memórias de meu gozo voltaram. Que lamentável.

Empurrado pelo álcool, comecei a contar a ela a história de dez anos atrás. Tudo. Como eu a vi se masturbando e o que fiz em minhas calças enquanto assistia. Como fui me limpar e de que quando voltei ela havia sumido.

Ela pareceu envergonhada, mas um sorriso cristalizou-se em seus lábios por um longo tempo. Disse que não tinha ideia de que alguém a tinha visto fazer aquilo. E que fizera algumas vezes. A atmosfera entre nós começou a aquecer.

Quando chegamos a seu apartamento, eu disse que gostaria de lhe pedir um favor. Afirmei que entenderia se ela dissesse não, mas que esse tipo de oportunidade nem sempre se apresenta.

— Você pode se masturbar para mim? Ali. Naquela cadeira. De frente para a parede. Eu gostaria de repetir aquela noite.

E acrescentei:

— Ah, se você tivesse uma camiseta branca…

Ela olhou para mim com um brilho nos olhos:

— Posso usar a sua? — respondeu, apontando para meu colarinho aberto onde ela entreviu minha camiseta.

Tirei a camisa e a camiseta. Ela sorriu, agarrou-a e foi ao banheiro.

Quando saiu, minha camiseta e suas sandálias altíssimas era tudo o que usava. Vê-la com minha roupa amarrotada, com os bicos dos seios marcando o tecido e a mancha escura do púbis mais abaixo foi extremente excitante. Recuei, saindo do quarto, deixando a porta entreaberta. Eu queria recriar o momento de dez anos atrás. Ela ali, de pernas abertas, se masturbando. Mas logo ela se virou.

— André! Eu … estou tão envergonhada.

— Mesmo?

Fui até ela, com meu pau querendo explodir.

Ela abaixou meu zíper. Eu quero comê-la. Eu quero transar com ela. O boquete que ela começou foi um dos melhores que eu já recebi. Com o punho direito na base do pênis e a quantidade certa de saliva. A mão quente tocando minhas bolas conforme o ritmo. Alguns segundos depois, ela colocou a mão livre de volta em sua vagina.

E então sussurrou:

— Primeiro eu gozo.

Ela se afastou de mim, recostou-se na cadeira, brincando com sua boceta cada vez mais rápido. Estava claro o momento em que seu orgasmo a dominaria. Sua respiração acelerou. Ela gemeu.

Assisti tudo, espantado com a beleza de Carol e imaginando seu clitóris…

— Mmmm, sua vez. Venha aqui, André. É hora de engolir seu pau.

Carol voltou ao boquete. Passou a chupar mais rápido. Quando minhas bolas estavam a ponto de explodir, de transbordar, ela afastou seu rosto e mandou eu cobri-la de porra. Um jato desenhou um traço branco sobre seu nariz e sua boca. Depois, vários pingos caíram sobre a camiseta.

Então ela se levantou limpando parcialmente a boca com a língua, abaixou a cabeça e deu-me um profundo beijo. Senti minha porra em seus lábios e língua. Segurei firme a nuca dela.

Depois ela sorriu com o batom manchado. Colocou os dedos fortemente na boceta e os levou até minha boca. Sentir primeiro minha porra e depois sua umidade foi demais. Nos beijamos novamente por longo tempo.

— É assim que você imaginou há dez anos?

Tudo o que pude dizer foi:

— Minha imaginação foi pobre, comparada com isso.

Ela disse que estava com fome e que ia esquentar a comida do dia anterior. Fomos à cozinha e ela jantou, mantendo-se em minha camiseta o tempo todo. Eu apenas bebi vinho e dividi a sobremesa.

Dormi na cama dela. Mas Carol fez o despertador tocar muito cedo, antes do amanhecer. Justificou, tirando finalmente minha camiseta:

— Não pense que vai embora sem me penetrar…

Ela atirou longe minha camiseta e pude finalmente ver seus belos e grandes seios, certamente turbinados.

A camiseta ficou lá. Um dia eu busco.

Movido a culpa ou #prontofalei

Cada vez mais me convenço de que sou movido a culpa. Ela manda em mim diariamente, inclusos os feriados, manda em mim todas as horas todos os dias e, assim como me ordena coisas, me impede de fazer outras, normalmente o que desejo realmente fazer.

Estou em culpa financeira, familiar, profissional, afetiva, íntima e não acharia nada estranho se um estranho me acusasse de algum delito que ainda não conhecesse, mas que poderia facilmente agregar-se à Grande Culpa Existencial que me cerca. A impressão que tenho é de não faria muita diferença.

Por exemplo, sou culpado por gastar mensalmente até o último centavo que ganho sem vislumbrar saída. É claro que isto é, em parte, causado por outras culpas: afinal, minha filha está num dos melhores colégios da cidade. Já imaginaram a culpa que sentiria se não fosse assim? Mas é óbvio que há vários gastos menos essenciais causados pela culpa. Até o pequeno óbolo pago mensalmente ao SC Internacional carrega alguma culpa em função dos dependentes. E há a culpa de dez anos atrás, quando deixei, aos 44 anos, minha ex ficar com absolutamente tudo para me livrar da culpa de estar “abandonando” as crianças. Ou seja, é uma culpa especial. É do gênero que, associada às sacanagens de outrem, gera mais culpa.

A culpa familiar é notável, pesadíssima. Minha mãe passou a maior parte de 2011 no hospital e não tenho tempo para apoiá-la e para visitá-la adequadamente. Não tenho muita culpa diretamente em relação a ela — faz alguns anos que está no nevoeiro do Alzheimer (ou, mais exatamente, no dos Corpos de Levy) — , mas tenho uma dívida abissal e culpada em relação a minha irmã, que vai ao hospital todos os dias e que deixa tudo acertado entre cuidadoras,  médicos, etc. Quando visito minha mãe durante a semana — o que faço dois ou três dias — e fico um pouco mais de tempo por lá, há um outro abismo, a culpa profissional. Mas, ainda na família, há meu filho que mora com a mãe e que mal acompanho. Antes, tal postura era quase uma opção, pois não desejava massacrá-lo com perguntas quando me visitasse, porém hoje noto que o outro lado não está muito preocupado com o que ele faz ou deixa de fazer. Então, quando quero saber coisas e tento cobrar, é como se estivesse invadindo sua vida o que gera mais… Vocês já adivinharam. Ontem, discuti com miha filha. Ela diz que eu mal lhe ouço e tentei provar que o mesmo vale para ela. O que digo e aquilo com o qual ela (diz) concorda(r) não é cumprido, mas sinto-me um carrasco ao insistir. Não tenho o perfil do algoz, não adianta.

Devo trabalhar entre 9 e 12 horas por dia, somado o horário na empresa e o que faço em casa. É insuficiente. Sim, não eu sou que digo, são os resultados. Somos uma equipe pequena e unida. Temos o estresse controlado. Mas a falta ou omissão de qualquer um de nós é sentida imediatamente. Então, se passo a dar muito tempo aos problemas pessoais, estoura no trabalho. Não é divertido.

Com todo o tempo que me sobra, nem sei como resolvo ou não minha vida afetiva e íntima. É administrada em ponto morto, por inércia. Acho que um breve período de férias faria um imenso bem para nós porque o estresse está pegando.

Ontem foi feriado. Meus filhos estavam com a mãe, eu já tinha ido ao hospital, chovia e o cinema estava fraco. Eu não estava com vontade de ler, o que é raro. O resultado é que não sabia o que fazer e fui trabalhar. Pareço esvaziado. Será que é só cansaço o que me impediu de fazer alguma coisa de interessante que resultasse em prazer pessoal? Ou a ausência de culpa me surpreendeu e paralisou?

#prontofalei

No blog “É isso aí (ou não)”, há um post chamado Receitas de Mãe: o prato apetitoso que vemos servido acima é um Sentimento de Culpa Gratinado. Vai um aí?

Carta na Mesa – Ed. 130 – 19/09/2011

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Gravação: Estúdio de Rádio da Fabico/UFRGS, 19/09/2011
Duração: 35’03”
Mesa: Vicente Fonseca, Milton Ribeiro, Felipe Prestes e Fred Posselt Martins
Técnica: Neudimar “Batatinha” da Rocha
Principais tópicos abordados: Inter 1 x 1 Coritiba; Vasco 4 x 0 Grêmio; brigas do Brasileirão.

Pterodátilos, a peça, um saco

Pouco a pouco fui ficando irritado. Só lugares comuns. Uma família decadente: a mulher é bêbada e drogada; o pai é pedófilo e perdeu seu rendoso emprego (para ficar mais clichê, ainda esconde da família); a filha não pode ser mais confusa, às vezes é lésbica, às vezes está grávida e no final se suicida; o filho é gay. A atmosfera é de apocalipse, daí a referência aos bichos de 54 toneladas do título. Hoje, tais animais não estão mais sobre a Terra. Segundo o pesada e nada elegante metáfora do autor, talvez as famílias burguesas se extingam em breve. O palco se desmancha ao final.

Pô, quem já não viu isso? Desde os anos 50 tivemos n variações do mesmo tema. No final, o público aplaude em pé… Há o Marco Nanini, sabe como é. Para piorar, mesmo com todo meu amor ao politicamente incorreto, achei o humor muito próximo do preconceito. Claro, se fosse de bom gosto eu nem pensaria no subjacente, apenas riria. Não gostei nada. Nanini não impressiona em seu papel duplo de pai e filha, o trabalho de ator está na banguela.

O texto de Pterodátilos é de 1993 — o autor é o americano Nicky Silver — mas, não fosse a AIDS do filho, poderia ter 50 anos. A direção de Felipe Hirsch. Creio que ninguém que tenha mais de 40 anos e alguma vivência artística possa pensar que está vendo uma novidade. Tudo tem a cara de Edward Albee, Tennessee Williams, Arthur Miller…

Leio que Marco Nanini disse que “A casa está desmoronando e isso fica mais evidente nesta montagem”. Com efeito. A única coisa que sobrou de bom foram as soluções técnicas para o cenário, que literalmente se desmancha na nossa frente. É pouco.

Porque hoje é sábado, Leila Lopes

Fiquei irritado ao chegar em casa.

Ao invés de estudar,

minha filha assistia ao Miss Universo.

Mas vi aquelas cinco

e comecei a achar interessante

torcer pela negra.

O motivo era simples:

ela era a mais bela

e era angolana.

É um país envolvido com o materialismo básico da escola

do hospital, da estrada, do matar a fome, do tirar da miséria.

E ela ostentava (ostenta ainda)

uma cara incrível de brasileira,

pois nosso país — lembram? —

tinha a indignidade de importar gente de lá

que não queria vir para cá,

e que formaram nosso país com o que trouxeram

como o samba, a capoeira, a feijoada e tanta coisa que nem caberia aqui (como não coube).

Estatuinha (Edu Lobo / Gianfrancesco Guarnieri)

Se a mão livre do negro tocar na argila
O que é que vai nascer?

Vai nascer pote pra gente beber
Nasce panela pra gente comer
Nasce vasilha, nasce parede
Nasce estatuinha bonita de se ver

Se a mão livre do negro tocar na onça
O que é que vai nascer?

Vai nascer pele pra cobrir nossas vergonhas
Nasce tapete pra cobrir o nosso chão
Nasce caminha pra se ter nossa ialê
E atabaque pra se ter onde bater

Se a mão livre do negro tocar na palmeira
O que é que vai nascer?

 

 

 

 

 

Nasce choupana pra gente morar
E nasce rede pra gente se embalar
Nasce as esteiras pra gente deitar
Nasce os abanos pra gente abanar

http://youtu.be/T6yeRAlnOiU

"Peço educadamente a este senhor e a esta senhora, que me chegam por indicação da Veja, que não me leiam"

Esta entrevista, feita por mim, foi publicada em 28 de agosto no Sul21

O pernambucano Fernando Monteiro é poeta, romancista, dramaturgo, cineasta e crítico de arte. É autor, entre outros, dos romances Aspades, ETs., Etc., A Cabeça no Fundo do Entulho (ambos publicados pela Record) e O Grau Graumann (Globo). Aspades talvez seja seu livro mais importante. Premiado em Portugal — onde foi primeiramente lançado — e no Brasil, é um curioso romance que abarca vários gêneros para descrever a vida do imaginário cineasta português Vasco Aspades do Carmo. Já Grau Graumann tem como personagem principal Lúcio Graumann, um desconhecido gaúcho de Santa Cruz do Sul que foi o primeiro brasileiro laureado com o Prêmio Nobel de Literatura. Moribundo e ignorado, poucos o conhecem. A Academia Brasileira de Letras e os cadernos de cultura não têm o que dizer a respeito…

Muito mais conhecido é Monteiro. Ex-colunista da revista Bravo e atual colaborador do jornal literário Rascunho, da revista Continente, do Substantivo Plural e de outros veículos, costuma utilizar sua imensa erudição em comentários que discutem o Brasil e a produção cultural atual de uma perspectiva que foge ao usual e rotineiro.

É o que acontece nesta entrevista exclusiva concedida ao Sul21.

Sul21 – Uma vez tu disseste que os escritores de hoje escreviam para o passado. O que querias dizer com isso?

Fernando Monteiro – Uma vez que você não encontra mais tantos leitores que respondam com a mesma atenção dos de antes, os escritores passaram a escrever para um leitor que está morto, para um gênero de leitor que não mais existe. Porque, na verdade, o leitor é mais importante do que o autor. Como dizia Borges, o leitura e é uma atividade posterior e mais refinada do que a do escritor. Nós somos autores porque fomos e somos leitores. Borges, em sua zona de sombras, permanecia considerando-se um leitor. Uma vez, em Curitiba, participei de uma série de entrevistas onde o mote era “Por que você escreve?”. Era uma série de longas entrevistas onde a gente podia se esbaldar. Mas o essencial da minha resposta era extremamente simples: eu escrevo porque li. Quando era um jovem e bom escritor, Fernando Sabino disse que, quando a gente escreve, acaba por perder a inocência como leitor. Descobrimos o caminho da mina, a estrutura, os truques. Eu sou também cineasta e o mesmo ocorre lá. Quando nos aprofundamos muito, a coisa da magia se esvai em parte. Há coisas que é melhor não saber como são feitas…

Sul21 – Tu estarias contaminado como leitor?

Fernando Monteiro – Sim, eu leio ainda, mas sem o mesmo encantamento, até porque tem se tornado cada vez mais complicado.

Sul21 – Por quê?

Fernando Monteiro – A nacional e a internacional vão bastante mal. Não há grandes autores. A literatura, principalmente a de ficção, está num péssimo momento. Pode parecer que não porque muita coisa é publicada, mas a produção é fraca. Vejamos. De onde surgiu este naturalismo tardio que é praticado? De onde veio? Isso é uma coisa superadíssima. E a violência urbana? Essa é uma vertente que permite uma linguagem mínima, que cria histórias lineares e com pouca ou nenhuma transcendência, coisa de imaginações menores.

Sul21 – Quem tu lês e gostas?

"A boa literatura brasileira foi abandonada no ponto onde Caio Fernando Abreu e João Antônio a deixaram".

Fernando Monteiro – Sob a apocalipse encontram-se ainda coisas boas. Por exemplo, o sergipano Francisco Dantas. Mas voltando à crise antes de avançar pelos bons autores, a boa literatura brasileira foi abandonada no ponto onde Caio Fernando Abreu e João Antônio a deixaram. Ambos eram excelentes. Duas figuras inteiramente diversas, dois espíritos férteis, cada um a seu modo. A mim parece é que a literatura não mais evoluiu após o desaparecimento de ambos. O Caio estava num ponto admirável, mas lamentavelmente faleceu muito cedo. Ele teria muito a contribuir. Peço desculpas a teus conterrâneos leitores do Sul21 que são admiradores do Moacyr Scliar, mas ele nunca teve a qualidade de Caio.

Sul21 – Acho que a maioria concordaria.

Fernando Monteiro – Sendo cabotino, diria que o Caio estava sinalizando, para a literatura brasileira, coisas que tentei retomar em meus livros. Ao menos eu me esforcei. E João Antônio, num ambiente completamente diferente, paulista e interessado pelo submundo em contos maravilhosos, era um escritor notável.

Sul21 – E os outros brasileiros?

Fernando Monteiro – Eu não estou criticando por ser ranzinza, critico pelo fato de que praticamente não encontro autores para ler. No Brasil e também lá fora. O prazer de ler está sendo obstaculizado pela falta de bons autores. Então, aos 62 anos, estou relendo, porque não vou perder tempo lendo autores novos como Franzen. Melhor reler Moby Dick. Sobre os brasileiros, a jovem poeta Mariana Ianelli é muito interessante, dá prazer de ler. É uma jovem de 20 poucos anos, muito talentosa. Ah, sim, tem a Elvira Vigna também, que trafega no campo da ficção. É paulista, foi editora e escreve romances. Hoje é publicada pela Companhia das Letras. Ela tem uma produção muito interessante, de grande modernidade, sua ficção é muito delicada, muito bem construída.

Sul21 – O naturalismo deve ser evitado?

"Se você me devolve o real, eu estou assistindo o real de novo".

Fernando Monteiro – A arte transfigura o real, se não, não é arte. Se você me devolve o real, por exemplo, no cinema, eu estou assistindo o real de novo. Agora, se o autor aborda o real, mas transfigurado de algum modo, eu posso começar a ter arte. Essa é a base de tudo. Essa coisa de escritores que escrevem bem, mas me devolvem o real, o dia a dia, é pobre. Por exemplo, o trabalho do Bernardo de Carvalho é diferente, é excelente. Sem duvida alguma, ele esta atento ao que está acontecendo na literatura porque tem se manifestado em relação a esse “apagão”, tem se expressado como extremamente desencantado com o horizonte literário atual. É uma pessoa que tem batido nessa tecla da afunilação da literatura pelo mundo pop-rock. Ele está fora desse percurso.

Sul21 – A situação altera-se fora do Brasil? McEwan, Bolaño, Franzen…

Fernando Monteiro – McEwan é um escritor bem interessante. O Jardim de Cimento e Reparação são ótimos. Já Franzen é um engodo, faz uma falsa literatura profunda, comparável ao filme A Árvore da Vida. Tristeza não é necessariamente profundidade, tristeza pode ser apenas enfadonha. Tão enfadonha quanto a tuiteratura de Marcelino Freire.

Sul21 – E a tua produção?

Fernando Monteiro – Estou em vias de publicar um outro poema longo nos moldes de Vi uma foto de Anna Akhmátova [texto completo aqui] chamado Mattinata. É sobre um casal que se separa.

Sul21 – O tema do amor.

Fernando Monteiro – Sim, um dos grandes temas, assim como o amor, há a morte, a busca de Deus, o significado da vida, essas coisas abandonadas… (risos) As pessoas não parecem fazer a si mesmas este gênero de questionamento. A Montanha Mágica foi escrita, por Mann, assim como Luz de Agosto, por Faulkner, a fim de responder questões muito altas de angústia. Como as pessoas não pensam em significados mais profundos, mas sim num bom emprego, elas querem algo mais simples. Então, talvez livros assim não tenham o que fazer nas cabeceiras. Mas o livro da Lya Luft tem. O medo da morte é substituído por como é que eu faço para perder o medo do dentista.

Sul21 – Lya Luft escrevia romances. Depois ela passou a escrever crônicas e agora ela está na auto-ajuda.

Fernando Monteiro – Pois é, ela deslizou para a auto-ajuda sob as bençãos da Record. A Record ficou felicíssima. Ela teve uma síncope num programa de televisão. Tentou se retirar enquanto as pessoas a questionavam por escrever auto-ajuda. E ela disse no ar “Mas meu livro não é de auto-ajuda!!!” e foi embora. Mas é. O jornalista estava chamando de auto-ajuda o que era auto-ajuda.

Sul21 – Tu chegaste a manter contato com a literatura dela?

Fernando Monteiro – Eu olhei, mas é aquilo. Se você não tem o hábito… Ela é uma escritora de talento perdido, lançado às moscas, sob a benção da editora.

Sul21 – O que tu achas do João Gilberto Noll?

Fernando Monteiro – Ah, é ótimo, embora realize uma literatura um pouco pessoal demais. Na literatura você trabalha sempre com a sua vida, você não vai falar daquilo que não conhece, mas o Noll está ou esteve enredado num material muito autobiográfico. Me parece que está meio afastado, o que é ótimo, porque assim ele terá tempo para recriar-se, porque os últimos livros dele estavam saindo com sinais muito próximos da insistência, estava se tornando repetitivo. Acho que ele precisa de tempo.

Sul21 – Dizem que os pernambucanos são os gaúchos do nordeste. Assim como nós, os pernambucanos se acham (risos), cultuam tradições, etc. Tu utilizaste num livro a expressão “mitologias de emergência”, pra caracterizar o que faz o Suassuna em Pernambuco e o MTG no Rio Grande do Sul.

Fernando Monteiro – Bem, eu usei a expressão com absoluta segurança para o Ariano Suassuna, mas não sei se vocês poderiam usar para o MTG, porque vocês fazem uma coisa diferente, embora também com ranço conservador. O MTG quer conservar suas manifestações no âmbito do Rio Grande do Sul e dos gaúchos. O Ariano não, ele tem isso como um modelo brasileiro. A diferença grave, para o caso do Suassuna, é essa. Vocês querem conservar para que o próprio Rio Grande do Sul não perca o contato com o passado, mesmo com uma boa dose de ficção e de insularidade. Quando eu estive aí, vi que o Rio Grande do Sul vive em grande parte olhando apenas para si.

"O Suassuna é muito ambicioso. Ele pretende que a cultura brasileira abrace suas causas, ele argumenta com grande competência e sem razão".

Sul21 – Tu disseste “insularidade”.

Fernando Monteiro – Eu, como pernambucano, sinto essa insularidade. Você sente aí no extremo sul uma coisa autocentrada, o que é de certa forma interessante, porque vocês leem seus próprios autores, vão à livraria e conferem a produção de vocês. Mas aqui, o Ariano é muito mais grave, porque ele quer ter um programa estético para o Brasil, daí a “mitologia de emergência”. E é mitologia de emergência porque nós não temos mitologia. Nós não temos uma civilização como a inca ou a asteca na retaguarda. Então eu costumo dizer que o Brasil tem a alma em branco. A Europa não tem uma alma em branco, tem um passado que nós herdamos, em parte. Acontece que Ariano Suassuna gostaria de aplicar a mitologia de emergência no lugar dessa alma. Ele tenta criar o que seria uma cultura utópica brasileira. Seria uma cultura de origem sertaneja, uma coisa sobre a qual ele trabalhou literariamente, criando o movimento Armorial e outras coisas… E isso, visto de longe, é um pouco semelhante ao que vocês fazem aí. Mas é necessário reconhecer, que isso no Rio Grande do Sul é uma coisa para o próprio Rio Grande do Sul, enquanto o Suassuna é muito mais ambicioso. Ele pretende que a cultura brasileira abrace suas causas, ele argumenta com grande competência e sem razão.

Sul21 – Ele também é uma estrela da mídia.

Fernando Monteiro – Exatamente. Mas isso veio tardiamente. Ele não se lançou na mídia. À diferença dos outros, desses jovens dos quais eu estava falando anteriormente e que vão em busca da mídia, o Ariano foi buscado pela mídia por suas opiniões, por suas manifestações. Ele criou o movimento Armorial, porque ele é um daqueles intelectuais que aspiram… Deixa eu contar uma história: eu convivi com ele ainda jovem, quando fui assistente do filme “A Compadecida” em 68. Eu tinha 18 anos e convivia com Ariano. Desde aquela época, nós tínhamos longas discussões sobre isso, porque ele tentava me ensinar a respeito das coisas – eu era um garoto e ele é uma pessoa muito sedutora, muito engraçada, todo mundo ri, todo mundo acha graça e eu também. Me lembro de uma vez em que estávamos na casa dele e a gente falava de arte moderna, coisa que ele recusa. Ele tentava me explicar algumas coisas que não passavam pelo filtro dele. Por exemplo, sobre o Boi de Picasso, que remonta ao Boi de Altamira, mas que é um avanço, ele dizia: (imita a voz de Ariano) “Não Fernando, não é não um avanço, vou lhe mostrar…”. Aí ele voltava com um livro e dizia: “Olhe, repare esse boi aqui, não é melhor que o de Picasso?” Era o Boi de Altamira… E eu dizia: “Realmente, é muito bom. Claro que esse boi que tu estás me mostrando é admirabilíssimo, da idade da pedra, mostrando o boi em movimento e coisa e tal. Mas desde então, Ariano, muita coisa aconteceu. Houve um avanço enorme desde a idade da pedra, Ariano”. E ele dizia: “Não, eu gosto muito mais desse boi”. E, só pra constar, eu estava com meus 18 anos e ele com 40 e poucos e nós já tínhamos essas discussões amigáveis. Hoje eu não sei, acho que não teria a mesma atitude amigável para a coisa programática da cabeça dele, para a cultura brasileira que ele propõe. Eu acho isso muito perigoso, pois se aproxima de um fascismo, um tipo de fascismo que vem na contramão de tudo.

Sul21 – Não seria bom ter a “alma em branco” para projetar um futuro?

O boi da discórdia: Imagem da caverna de Altamira

Fernando Monteiro – Mas é claro! Quando tudo esta conectado com tudo, aí é que vem a importância de ter a tal da alma em branco. O que é que caracteriza isso? A capacidade para compreender o outro. É impressionante no Brasil, como as pessoas estão atualizadas com o que está acontecendo lá fora. Quer dizer, o brasileiro pode adquirir culturas, várias. E essa é a vantagem da alma em branco, porque as vezes o fato de você ter uma vasta cultura comum não deixa de ser um obstáculo. Quer dizer, se você viver na Inglaterra, há Shakespeare mas há também a família real. Agora, essa disponibilidade de compreender o outro nos torna estratégicos nesse terceiro milênio. O Brasil é um país de pessoas com percepções muito rápidas, exatamente por estarem livres e conectadas de alguma maneira. Honestamente, vejo isso como uma vantagem. Não quero remontar a velha imagem do país do futuro, mas, ao menos nesse quesito, o fato de não ter uma cultura antiga que nos engesse é uma vantagem pra nós. Temos uma cultura europeia que nos foi deixada como herança, a cultura do índio e a cultura do afro. Dessas três influências é que nós fazemos a cultura brasileira. E o Ariano rejeita tudo isso. Ele, em sala de aula, dizia que era muito mais importante ler José de Alencar do que Joyce. Isso a alunos. É uma coisa de imensa irresponsabilidade passar para alunos esse tipo de ideário estético.

Sul21 – Sim, porque não se trata apenas de Joyce.

Bois de Picasso: sequência de 1 a 11

Fernando Monteiro – Trata-se de quase todo mundo! E ele diz que é muito mais importante ler Iracema do que ler Joyce, porque ele via seus alunos muito mais conectados com isso. E ele dizia: “Joyce é estrangeiro, não interessa. José de Alencar é muito mais importante”. E, se na sala tiver um garoto inocente, fascinado pelos encantamentos do professor Ariano, ia atrás da conversa. Isso é grave e ele faz o tempo todo. Baseado nisso, ele criou o movimento Armorial, que é a estética de Ariano Suassuna em movimento. Ali, ele defende a coisa do sertão e rejeita a modernidade. Além de amar Alencar, ele não reconhece a obra do Tom Jobim, detesta a Bossa Nova, a tropicália. Ele chama o Chico Science de Francisco Ciência, ele não admite o inglês, o uso do inglês. Eu me lembro do Sérgio Buarque de Hollanda no prefácio de um livro de Jorge de Lima. Ele dizia que não via com simpatia os esforços em busca por essa identidade nacional, que nos fornecessem uma mitologia qualquer, mas Ariano é tão apressado que quer criar logo uma mitologia. E Sérgio dizia: “A cultura brasileira se formará muito mais da nossa indiferença do que do nosso esforço deliberado”. O Ariano não concorda, rejeita. E aí você pode dizer: “Mas Fernando, você fica no pé do Ariano”, só que Ariano foi por oito anos Secretário da Cultura de Pernambuco. E do governo municipal também. E, como administrador oficial, ele só contemplou o que dizia respeito ao mundo estético dele. Eu não estou reclamando de nada subjetivo, nem de algo do campo puramente teórico. Eu estou reclamando de um administrador cultural que durante oito anos não deu seguimento ao Salão de Artes Plásticas de Pernambuco, que é dos anos 40. E ele não editou livro algum que fosse de outra linhagem. Entendeu? Ele se voltou para a orquestra Romançal porque brigou com um maestro da orquestra Armorial. Sempre incentivou as coisas do seu programa estético e isso está errado do ponto de vista da administração da cultura. Ele não queria — e não aconteceu — o Salão de Artes Plástícas porque provavelmente não tinha o Boi de Altamira (risos) e sim a arte contemporânea da qual não gosta. Mas…

Sul21 – Ele é admirado.

"“Houve um avanço enorme desde a idade da pedra, Ariano”.

Fernando Monteiro – Sim, apesar disso tudo, todo mundo gosta de Ariano. Claro, ele é muito simpático, muito sorridente, está sempre contando piada. Ele vai no Jô e o Jô dá risada dele. Só que Ariano a quatro mil quilômetros de distância e não sendo secretário de cultura é muito fácil de se gostar. Mas com ele como secretário e você como um artista de outra “linhagem”, como ele costuma dizer, você não tem vez de trabalhar com o Estado. Isso é terrível. Ele é um coronel da cultura.

Sul21 – Há outros “gurus” por aí?

Fernando Monteiro – Quando Luciana Villas-Boas diz na revista da Livraria Cultura que os jovens autores não devem escrever nem contos nem poesias, mas romances, é uma fatia dessa mesma coisa de adequar-se ao espetáculo, do que aquilo que interessa é a exposição, a mesmice. O motivo é simplesmente que “não vende” e não vendendo o autor fica com o estigma de afastar público. À princípio a gente não percebe o tamanho deste absurdo porque tendemos a respeitar uma pessoa que trabalha há 20 anos como uma das maiores editoras do país. Porém, sem o conto, não teríamos João Antônio.

Sul21 — Nem Dalton Trevisan, Rubem Fonseca…

Fernando Monteiro – Sim. Acho que o problema de não vender contos é um problema do editor. Quem acaba vendendo são os de comportamento espetacular, como o poeta Fabrício Carpinejar e outros, que se curvaram às necessidades do mercado, agindo como artistas de pop-rock. É o artista expondo a si próprio como espetáculo. O Carpinejar fez sua escolha. Não li seus livros mais recentes, mas era um bom poeta.

Sul21 – Hoje não mais, mas você escreveu romances.

"O mercado parece não estar preparado para obras fora de seu padrão".

Fernando Monteiro – Sim, ainda sou convidado para debater romances e para escrevê-los, além de andar na companhia de romancistas, muitos dos quais são meros reflexos do mercado. Abandonei o romance por várias razões, mas a principal é a de que o mercado parece não estar preparado para o que inquieta, para as obras fora de seu padrão, que era o que eu produzia. A nova forma de pensar acha que o leitor incomodado ou inquietado desistirá ou não recomendará o livro. Eu ajo como kamikaze e digo que não tenho interesse em ser lido pelo leitor médio brasileiro, não quero nem que ele goste! Eu peço educadamente a este senhor e a esta senhora, que me chegam por indicação da Veja, que não me leiam. Esse leitor médio, que as grandes editoras como a Record, a Rocco e a Cia das Letras procuram satisfazer, não me interessa. Eu fui dizer isso num encontro literário nacional e um autor muito conhecido se indignou. É notável como os grandes editores parecem desinteressados em editar qualidade como a ex-editora Globo fez em Porto Alegre nos anos 50 e 60 com excelentes resultados mercadológicos. Esta nobre função não seria também das editoras?

Sul21 – E a poesia?

Fernando Monteiro – Eu voltei para a poesia porque ela está abandonada, deixada no esquecimento. Ela não é objeto de nenhuma sanha, de nenhum apetite, então está em paz. Eu voltei para ela desde a publicação de Vi uma foto de Anna Akhmátova. Nenhuma grande editora publicaria aquele poema longo de cento e tantas páginas. É um formato no qual eu ainda acredito, apesar da crise da poesia que, na verdade, é a crise do leitor da poesia, o qual não está mais acostumado a decifrá-la. É o leitor como consumidor é quem passou a regular bisonhamente o mercado, pois não se abrem caminhos novos, é sempre mais do mesmo.

Sul21 – São livros que apenas avalizam o senso comum do leitor?

Fernando Monteiro – Exato. Eles vão ao encontro do leitor. Este não quer surpresas e muito menos pensar muito. Desde os livros de vampiros – que são entretenimento vagabundo – até o livro aparentemente profundo, mas que na verdade são uma diluição semelhante a grande parte do cinema de Woody Allen. Allen não me engana nas suas aparentes profundidades psicológicas mal imitadas de Bergman. Foi excelente comediante, apenas. Outros cineastas empenhados de outra forma, como Angelopoulos, não tem a menor facilidade de produção. Woody Allen fabrica produtos análogos ao do escritor que desenvolve produtos ao encontro do que o leitor e o expectador deseja.

Sul21 – Allen tornou-se ultimamente turístico, há odes à Barcelona, Paris, Londres.

Fernando Monteiro – Sim, o financiamento dos filmes por parte destas cidades já é um desdobramento natural de um produto que é voltado para o bem estar. Para onde ele vai agora? Sugiro Beirute, Trípoli, mas não, antes ele acabará no Rio de Janeiro.

Sul21 – Falar mal de Woody Allen gera problemas com grande parte das pessoas, não?

Fernando Monteiro – É mais ou menos como falar mal do Corinthians. Os admiradores de Allen não suportam a ideia de que ele se apropriou das características menos inquietantes do cinema moderno para criar um produto que varia muito pouco de um ano para outro. Um Fellini, um Visconti, um Antonioni que viesse expor suas angústias seriam rejeitados. Eles não encontrariam os produtores que encontraram nos anos 50 e 60.