Meu sonho de Natal

Quando eu era pequeno, gostava do Natal. Na verdade, adorava, claro, porque meus pais nos enchiam de presentes. A festa era diferente, era matinal. A gente ia dormir pensando naquilo que o Papai Noel nos deixaria durante a noite e, quando acordávamos, nossa, ele tinha adivinhado nossos mais profundos desejos! Lembro especialmente de quando ganhei um autorama, mas isso é outro papo.

Depois, meu esfriamento em relação à data chegou a grau zero. Ainda na pré-adolescência, sem ler nada e sem maior influência, tornei-me ateu, um ateu natural e a data, que originariamente é uma festa pagã, passou a me irritar em razão de seu substrato religioso. Acho que todos os meus sete leitores sabem que a origem da festa não guarda o menor ranço de cristianismo: é o Solis Invictus (Sol Invencível), o Solstício de inverno. Era uma enorme festança que acontecia na noite mais longa do hemisfério norte para comemorar o recomeço, pois dali por diante os dias seriam mais longos, pouco a pouco mais quentes, e haveria a possibilidade de novas e fartas colheitas. Uma belíssima data do hemisfério norte, uma data bem realista que nos foi tomada pela igreja. De certa forma, era mais ou menos (eu escrevi mais ou menos) o que é nossa virada de ano, com suas renovadas esperanças, resoluções e renovação.

Depois, quando vieram as crianças, cheguei a me vestir de Papai Noel. No segundo ano, o Bernardo ficou me olhando como quem diz “Mas esse aí é o meu pai” e, perguntado se não era no dia seguinte, neguei e desisti de novas tentativas. A Bárbara deve ter aproveitado menos dessas festinhas. Também pudera! Ela, com três anos de idade e já sob a influência do irmão três anos mais velho, costumava observar aos coleguinhas de maternal que nem Deus nem Papai Noel existiam, fato que a deixava extremamente popular entre seus amiguinhos e objeto de desconfiança dos outros pais. Quem seria aquela crespinha louca, de três anos, que fazia proselitismo ateu num maternal?

Terrível: Bárbara por volta da época em que fazia proselitismo ateu. Ainda faz, acho.

Hoje, nem dou bola para o Natal, mas acho que está na hora dos movimentos ateus serem menos mal humorados. A data é nossa. Simples assim. Por exemplo, o presidente da Atea (Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos, da qual sou sócio), Daniel Sottomaior, comemora tranquilamente e não se incomoda com a data. Ele tem uma filha de 8 anos que adora o 25 de dezembro. Diz ele: “Nossa árvore é uma árvore de referência a Isaac Newton, que nasceu nesta data e que descobriu a Lei da Gravidade. Ela tem maçãs e luzes. Os outros simbolismos – perus, renas, presentes, árvores, Roberto Carlos – , nada disso nasceu com o Natal”. E completa: “Estamos apenas retomando uma data pagã que nos foi roubada pela igreja e que foi comemorada por sete mil anos antes do século III”.

Aqui em casa, durante o Natal, meu filho costumava  — esse ano ele não fez (por quê?) — escrever no quadro de avisos da cozinha em letras garrafais: Natalis Solis Invictus, isto é, Nascimento do Sol Invencível. O nascimento do Sol Invencível é o momento em que o Sol inicia a Sua ascensão triunfante, representando, neste momento, a Luz que nunca morre e vence sempre, reflexo da imortalidade. (E que acabará com a Terra, daqui a 5 bilhões de anos…). Á época, a data era uma coisa tão forte que a igreja trouxe o nascimento de Jesus justo para o 25 de dezembro… Vergonha.

Então, meu sonho de Natal é que o paganismo retome a data. E que, no hemisfério sul, a gente invente um modo bem livre e religiosamente incorreto de comemorá-lo. Eu acharia muito justo se os namorados perseguissem uns aos outros nus pelas ruas, algo assim. É sonho, e em sonhos vale tudo.

P.S. — Rodrigo Cardia que, assim como eu, odeia o verão, escreveu: O texto do Milton Ribeiro me fez lembrar do significado original da celebração: o solstício de inverno no hemisfério norte, noite mais longa do ano, depois elas começam a ficar mais curtas. E então percebo que tenho algo a celebrar: aqui no hemisfério sul as noites começam a ficar mais longas… 

43 comments / Add your comment below

  1. Não importa como Natal é comemorado, pois existem diversas religiões e pessoas sem religião alguma. O verdadeiro significado desta data é poder estar com toda a família reunida, o que é difícil nos dias de hoje. A maioria das crianças nem sabe o significado do Natal; só sabe que irá ganhar presentes do Papai Noel.
    A data é alegre para os que irão estar com a família, preocupante para os que irão gastar além da conta e triste para quem estará só. Cada um dá o significado que sente na própria pele. E não precisa ser cristão.

  2. “A Bárbara deve ter aproveitado menos dessas festinhas. Também pudera! Ela, com três anos de idade e já sob a influência do irmão três anos mais velho, costumava observar aos coleguinhas de maternal que nem Deus nem Papai Noel existiam, fato que a deixava extremamente popular entre seus amiguinhos e objeto de desconfiança dos outros pais. Quem seria aquela crespinha louca, de três anos, que fazia proselitismo ateu num maternal?”

    Se um dia eu tiver filhos, os educarei assim. Ateus desde criancinha! 😀

  3. Sê mais aberto aos teus leitores quanto ao teu anticlericalismo típico de paga-pau pra regimes antidemocráticos e totalitários.
    Ah! O deslumbramento dos ateus militantes! Quanto mais traumática a “descoberta” de que “Papai Noel” não existe mais os pirralhos precisam professar isso aos coleguinhas.
    E esse pseudo-neo-paganismo? Pra cucuia! Afinal, não era ateu? “Mas os cristãos malvados, tia!”. E que visão histórica (sendo otimista) míope! Consulta o oftalmo. Ou os livros (pede T.S. Eliot pro Papai No, digo, pro Partido Único). O Natal É SIM uma festa cristã. Como se as culturas não se sobrepusessem umas às outras! Como se a tradição não importasse! 😛

    1. Exatamente, Fernando.
      Sol Invencível, esperança pagã na recriação cíclica do mundo. Tudo muito lindo. Mas, para quem passou a tarde sob 37 graus de um lado para outro em Santa Maria, essa história de Sol Invecível dá uma grande vontade de mandar…

  4. -Milton gosto muito do teu Blog, não pretendo ser polêmico mas confesso que o post do Charlles Campos(Nu para as chamas de Deus)serve como uma luva ao tema tratado.

      1. Que você e seu Google Analytics vão para a pqp…, Milton. Vou ver se consigo com algum amigo hacker meu que dê um jeito para não figurar em suas estatísticas as quantas vezes que visito o seu site. Não vou cair nessa sua isca e responder conforme você gostaria à provocação. Mas…..

        (A merda…., a porra compulsiva do MAS…)

        Pensei muito em dar uma educação sem nada de senso religioso para meus filhos, e até o ano passado eu não falava em Papai Noel, apesar de fazermos sempre festas de natal. Mas daí percebi que é uma preocupação à toa. Uma criança treinada pelos pais a alicerçar seu ateísmo diante a turma de colegas tem o mesmo mecanicismo que a criança treinada em mesma medida a pregar a glória de Deus. E ambas são chatíssimas! Já dei aula durante 10 anos e posso dizer isso. Isso posto, me despreocupei. Tenho certeza que estou me esforçando a dar uma boa educação para meus filhos; na hora certa, quando eles passarem da idade de serem robozinhos ideológicos dos pais (meu troco, desculpe, hehe), eles decidem que tipo de ilusão auto-necessária vão escolher.

        Agora tenho que ir. Não desligar o computador pois estou baixando a discografia do XTC, me apresentado pelo amigo Cassionei. Vou levar meus filhos para verem o presépio do natal, depois voltaremos para uma ceia simples mas acolhedora em casa, na companhia da minha irmã; beberei uma garrafa de vinho do Porto e ouviremos desde John Coltrane e The Smiths, o álbum de natal do Jethro Tull, até a música Dear God, do XTC, cuja letra diz:

        “Eu não acredito em Paraiso e Inferno,
        Nenhum santo, nenhum pecador, e nenhum diabo também,
        Nenhum portão perolado, nenhuma cruz de espinhos.
        Você está sempre deixando nós humanos abatidos.
        As guerras que você traz, as crianças que você afoga,
        Aqueles perdidos no mar e nunca encontrados.
        E é a mesma coisa no mundo inteiro,
        A dor que eu vejo ajuda a compor
        O Pai, Filho e o Espírito Santo
        É somente brincadeira profana de alguém.
        E se você for lá em cima, você percebe
        Que meu coração está em cima da manga.
        E se há uma coisa na qual eu não acredito”

        ___________________

        Às vezes acho que existe um deus, às vezes acho que deus não existe, às vezes acho que deus existe mas que nós não temos uma alma imortal. Mas me agrada muito pensar profundamente, escutar, rir, chorar, me sentar em igrejas antigas e me demorar por horas dentro delas; gosto além da conta quando eu consigo, no âmago disso tudo, calar um tanto o xingamento interior e fazer algo de bom ao outro.

        Mas chega.

        De coração: feliz natal! A você, ao Ernani, à Fernanda, à Lennon e McCarthy.

          1. NÓS
            by Ramiro Conceição
            .
            .
            Vem pequenininha,
            qual uma florzinha:
            inocente… cresça
            em nós.

            Vem pequerruchinho,
            feito uma andorinha,
            brinque e voe sobre
            nós.

            Vem feito luzinha,
            qual a lamparina:
            ilumine todos nós.

            PS.: Feliz Natal a todos!

    1. Só vou dizer uma coisa para o Lennon:

      “Imagine there’s no heaven
      It’s easy if you try
      No hell below us
      Above us only sky
      Imagine all the people living for today”

      Uhu, uuu

  5. Uma idéia para o Sottomaior, presidente da liga latino-americana de livre-pensadores.
    Natal temático Darwiniano.
    Um pinho cravejado de chimpanzés. Quem sabe com um chimpanzé na popa do pinho, grande, bem postado no topo do mundo como uma estrela de Davi.
    Pais e filhos se alternam lendo passagens seletas de Origem das Espécies em voz alta. Deixa-se as passagens mais cosmogônicas para o tio com a voz embargada recitar.
    As crianças, doutas na formação do novo espírito do milênio, podem recriar pequenas sketches saídas de Origem das Espécies.
    Melhor, recria-se o Scopes’ Trial. Meninos e meninas vestidos em terninhos de advogado. O sobrinho com cara de adulto, empertigado em blazer corduroy bege e óclinhos de armação redonda reencena para a emoção de todos a paixão de John T. Scopes. Cercam-no os sumo-sacerdotes republicanos… o traidor entrega Scopes nas mãos dos gentios… o preço da traição? Trinta moedas de prata… Cai a cortinha. Adultos emocionados cantam uma ode à mãe ciência.

          1. Nada a reparar, Milton. É Natal. Escrever uma réplica sisuda tergiversando sobre o ateísmo seria completamente fora de tom. Spritz, panetone e rabanada não combinam com esse tipo de discussão. Puta indigestão. Do meu pós-cristianismo esclareço que minha brincadeira foi, claro, completamente tongue-in-cheek. Darwinismo não é uma crença. Nem tampouco é uma cosmogonia secularizada. A conversa que relativiza Darwin em benefício ao criacionismo não merece nem o início do dedo de prosa.
            (O que eu acho notável é que parte dos ateus tenta navegar por essas águas, acaba por se imbricar nessa retórica e se aquartela ao lado de Darwin como se o espaço do debate entre crer ou não crer não fosse muito mais matizado)
            Particularmente acho o ateísmo que aparece nos seus textos desinformado e um tanto misguided (não vou ser leviano de fazer ilações sobre o seu ateísmo pessoal e tal). Mas isso tá começando a ficar sisudo contra todas as precauções do ghost of Christmas past…
            Acho que também já fui culpado de clicherizar o seu ateísmo…

  6. A única coisa que realmente me incomoda no Natal da igreja é a hipocrisia que a festa criou. Deveria comemorar o nascimento de um miserável e as pessoas gastam o salário em presentes, se empanturram em almoços e jantares hipercalóricos, se fecham na família e enchem a cara. O espírito de Natal só existe na literatura e no cinema.

    Eu gosto mesmo é de festa, mas sem muita justificativa. Mas até que a ideia dos namorados correndo nus não é má…

    🙂

    Ah, ia esquecendo: Feliz Natal!

    😛

  7. Ateus correndo nus pelas ruas e pendurando maçãs em árvores de natal. Já tá na hora de instituir uma nova importante e imprescindível instituição da Ordem: o Manicômio Ateu.

    Uma coisa que deve ter escapado ao presidente da Ordem (engraçado que após a descrição de sua inteligente maneira de celebrar o natal, passei a imaginá-lo usando gravatas de cores berrantes): Isaac Newton era um deísta radical de tal forma que tinha propensões sérias à violência.

    Outra coisa: baixei os tantos discos do XTC pelo Torrent. No álbum em que deveria estar a música Dear God_ Skylarking_, a música, simplesmente, foi removida, e não consta em nenhum dos outros álbuns. Malucos ocupados em coisas prosaicas por toda parte.

    1. Charlles,
      Newton acreditava que sua obra seria um tratado sobre deus. Ele era também alquimista e queria encontrar a pedra filosofal.
      Na sua sanha fundamentalista, não chegava perto de mulheres, por serem pecaminosas.
      Além disso, foi uma espécie de fiscal do imposto de renda e aproveitou para sacanear alguns inimigos.
      Assim como os cristãos, os ateus também elegem seus santos.
      Fonte:
      Hawking (po, não lembro o nome do livro)
      O sonho de Mendeleiev (não me lembro o autor)

      Abraço

        1. Charlles,
          Não me fugiu a atenção que o seu post e o do Milton são uma espécie de provocação mútua, boutades trocadas diante do fogo da lareira (perdoe as imagens de Natal sem contexto para o calor do verão brasileiro).
          Não repararia nada na sua leitura do Zizek (ainda que Zizek tenha pouco a ver com essa conversa; que ateu, ao cabo de tudo, se interessa por Zizek…).
          Não posso dizer o mesmo da sua defesa da moralidade maior do religioso…

  8. Tá. Foi uma leitura apressada. Mas você não elege o contestador crente de Cockburn como aquele que, na derrocada do ateu em protestar contra as distopias presentes, seria o provocateur ideal no desbarate entre ideologia, fantasia, ilusão e o sagrado?
    Qual é a distância entre afirmar-se isso e o que eu disse?

    1. Tentei responder sua pergunta mas não consegui. Acho que o homem mais lúcido é o homem pascalino, que contempla o “silêncio eterno dessas estrelas infinitas”, e dentro de seu ceticismo, se mostra preparado para aceitar a transcendência, seja ela de onde vier.

  9. Ateísmo é enfiar guela abaixo o materialismo. Ateísmo é sectário, tudo que é sectário me enoja. ATEA? Que porra é essa? Ser ateu não significa convencer o mundo de que ele está errado. Ser ateu é diferente de ser ateísta.

  10. Na minha cabeça, ateísmo e paganismo são coisas distintas (!?!). Alguém pode me explicar?
    Outra: li o texto rapidamente, não me ficou claro se vc, Milton, deseja que o paganismo retome a data para conviver com a comemoração do Natal ou se deseja que venha ser a única comemorada. Acredito eu que deve ser a primeira opção, mais inclusive e tolerante. Assim, a data não é nem de apenas um nem de apenas outros, mas de todos – ou de ninguém! 😉
    Abração e um 2013 excelente pra vc e pra sua família!

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