Da Belarus, uma história triste

Vou contar uma história pra vocês, a Elena que me perdoe.

Corria o ano de 1997 na Belarus e a coisa estava pior do que nunca. A Elena recebia o correspondente a 18 dólares por mês, tinha uma filha e estava grávida de um menino. Pasmem, ela recebia este salário tocando na extraordinária Filarmônica da Belarus. Era para passar fome e digamos que ela não tinha como fazer as contas mensais fecharem de uma forma agradável. Antes de receber, costumava faltar pasta de dente em casa, além de outras coisas.

Para garantir a sobrevivência, ela cantava numa igreja e depois era alimentada por lá. A filha ficava na creche e, à noite, Elena conseguia fazer um jantar digno — este fato é um ponto de honra para ela. O jantar tinha que ser sempre bom e era, com mais de um prato.

Certa vez, entrou uma graninha a mais (ou ela recém recebera seu salário, não lembro bem) e ela resolveu fazer uma extravagância após um ensaio. Talvez vocês não saibam, mas há poucas coisas no mundo mais intensas do que a fome de uma mulher grávida. E quando têm desejo então nem se fala. No caminho para a casa, carregando sua bolsa e o estojo do violino, ela passou por uma feira enorme de Minsk. E escolheu comprar uma linda ricota, a ricota dos sonhos, aquela de consistência, textura e gordura perfeitas, logo ela que anos depois descobriria que era alérgica à proteína do leite, mas que amava os queijos — e a seguir se sentia mal, claro.

Encontrada e comprada a iguaria, ela a colocou na bolsa junto com a carteira. E foi para a casa de ônibus. Se estou falando de violino, bolsa, carteira e ônibus, você, leitor esperto, já se deu conta. Sim, ela foi roubada. Levaram-lhe a ricota e a carteira.

Ela diz que não há quase criminalidade com armas na Belarus, que pouca gente é assassinada, por exemplo, mas que os ladrões são exímios, roubam mesmo, estão por todo lado e jamais são detidos.

Quando chegou em casa, ela nem se deu conta da carteira, só do sumiço da ricota. Já falei para vocês da fome das grávidas. Ela não lembra se chorou, mas acho que sim, conheço ela.

(E o filho nasceu em Manaus, pertinho da Amazonas Filarmônica e do famoso Teatro. Mas esta é outra história).

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