Operação Impensável, de Vanessa Barbara

Operação Impensável, de Vanessa Barbara

O título faz referência a um plano militar secreto (e maluco) de Winston Churchill concebido ao final da Segunda Guerra Mundial. Churchill era um ser bastante raro: um conservador anticomunista que sabia escrever e se expressar com brilho. Ele queria que os aliados ocidentais combatessem a ocupação soviética da Europa Oriental. O objetivo era impor a vontade dos Estados Unidos e do Império Britânico à União Soviética. Foi o início da Guerra Fria. Essa malfadada ideia sugere o tom do livro: uma história onde o impensável e o absurdo acabam com qualquer lucidez remanescente, gerando uma superfetação de mentiras. (Superfetação? Vá ao dicionário, ué).

Importante dizer  que este é o livro que conta, nos mínimos detalhes, mas como se fosse ficção, o rumoroso caso Vanessa Barbara versus André Conti e seu Conselho Consultivo de 14 machos.

Como Vanessa Barbara costuma fazer, há uma mistura entre a “ficção” que é contada — a ascensão e debacle de um caso amoroso — com casos políticos da Segunda Guerra e críticas resumidíssimas dos filmes vistos pelo casal. Tudo isso caminha de forma paralela, regido pelo ritmo intenso de Vanessa. O texto é ultra fragmentado, com seções curtas e constantes mudanças temáticas. Difícil de saber que virá depois, se fatos políticos, o dia a dia, e-mails, citações, notas esparsas, sinopses de filmes, etc. A própria diagramação do livro contribui para esta impressão de fragmentação. Há mudanças de fontes e vazios. Para o meu gosto, o trecho da felicidade do casal é longo demais, mas talvez minha sede de sangue estivesse em alta devido às redes sociais. Nesta parte, que poderia chamar de ascensão, há a mais bela crítica que li de Se meu apartamento falasse (The Apartment), de Billy Wilder. Eu quase chorei lendo. Adoro este filme tanto quanto Vanessa.

Mas voltando, a parte do amor é meio longa mesmo. São várias declarações de parte a parte. É como estar ouvindo a Primavera de Vivaldi e ver um pássaro pousar na sua janela. Não dá, é muito açúcar, melhor enxotar logo o bichinho. Claro que isto serve como contraste para o que virá, mas achei exagerado.

Porém, o livro cresce espetacularmente quando a paranoia toma conta de “Lia”. O pior da paranoia é quando ela — que seria impensável para as pessoas equilibradas — se comprova e se amplifica até o inconcebível. Pois o pior é o paranoico ter razão e dar-se conta de que até minimizou as coisas. É para enlouquecer de vez e Vanessa descreve brilhante e acumulativamente o processo de descoberta. A comprovação revela-se pouco a pouco, alterando-se como um caleidoscópio a cada mentira e chegando efetivamente a uma traição inacreditável, definitiva, bem mais grave do que ir a um motel repetidamente com uma conhecida ou um monte delas. Lemos a descrição de uma traição completa, cabal, radical, profissional, dessas que obriga o traído a se esconder no meio da selva e lá desaparecer. Dessas que deveria obrigar o algoz trocar de lugar com a vítima.

Vanessa expõe os fatos, mas não cria um dramalhão mexicano. Em uma das epígrafes da última parte, ela usa Boris Vian: “O humor é a delicadeza do desespero”. Sim, ela o mantém. E ainda conta curiosidades como o fato de a lei de Hong-Kong permitir que uma mulher traída mate seu marido adúltero, desde que o faça com as próprias mãos, ao passo de que o homem pode usar qualquer coisa, até um lança-foguetes. E conhecemos a expressão “névoa do infiel”, cuja definição você conhecerá logo que comprar o livro na Livraria Bamboletras (WhatsApp 51 99255 6885).

A forma pública que o caso tomou nos últimos tempos surpreende, o que não surpreende que ele permaneça ainda na cabeça de “Lia”, apesar do prazo máximo para traumas de 13 anos e meio estabelecido pela sumidade Pedro Dória.

Tá, vai ler o livro e não me enche. Tem na Bamboletras, já disse.

Vanessa Barbara

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Três Camadas de Noite, de Vanessa Barbara

Três Camadas de Noite, de Vanessa Barbara
Version 1.0.0

É importante começar dizendo que o tema deste livro não tem nada a ver com o atual rolo relacionado ao podcast de Vanessa Barbara na Rádio Novelo (ouçam!). O livro onde este aparece é Operação Impensável, já lido por mim e a ser resenhado quando voltar às livrarias. Sobre o caso, já me manifestei nas redes sociais pouco antes de ele se tornar o atual vaudeville. Sou #TeamVanessa e não abro.

Sou leitor de Vanessa desde 2010, quando li seu famoso texto O Louco de Palestra. Desde então tenho acompanhado sua carreira. Também li o extraordinário e hoje raro O Livro Amarelo do Terminal (CosacNaify). Por escrever muito bem — gosto muito! — e de uma forma quase sempre hilária — gosto mais ainda! –, Vanessa não me era uma desconhecida quando da recente celebridade. Ou seja, não sou um neófito da autora.

Três Camadas de Noite é um romance que trata com inteligência e leveza de depressão em geral e da depressão pós-parto em particular. (Esta frase não foi uma tentativa de piada. Vanessa penetra em becos escuros com medo e graça. É como ler as desventuras de Lucia Berlin, entendem?). Pior, tudo começa em 2020, durante a pandemia. Pior ainda, a personagem principal do romance não dorme porque o bebê é “difícil”. E Vanessa consegue ser muito séria e fazer humor com ambos os temas. O livro é narrado na primeira pessoa e, como poderíamos imaginar, a personagem principal tem um filho — um menino chamado Heitor que passa de um bebê com dificuldades para dormir para uma criança agitada e muito inteligente. Vanessa não costuma contornar situações e o drama é drama, mesmo que crivado de boas piadas. Ela chora segundas, quartas e sextas, às vezes nos outros dias também. Como uma Rosa Montero brasileira, ela intercala a narrativa com seções de não ficção que contêm histórias reais de grandes autores que sofreram com a depressão. São eles Sylvia Plath, Clarice Lispector — belamente inserida na história –, Alice e Henry James, Natalia Ginzburg e Franz Kafka.

As três camadas podem ser (1) a da depressão da narradora, (2) o Diário de Campo, tomado pelas peripécias de Heitor e (3) a dos escritores que sofreram de depressão. A expressão “três camadas de noite” é citada no livro, mas não a reencontrei… (sempre ler com uma caneta ou lápis, Milton!). Talvez seja importante dizer que a narradora não se compara aos autores focalizados, apenas traça paralelos. Também há uma forte presença de efeitos causados pelo covid, capturando a atmosfera de incerteza e isolamento. O trabalho frequentemente transita entre a ficção e a não ficção, sempre com um olhar interessado aos detalhes da vida moderna, muitas vezes desconhecidos do velho de 67 anos que sou.

Como disse, não creio que seja um livro difícil de ler, a não ser para quem é experiente em depressão e tema gatilhos. Vanessa não narra uma viagem da vida normal ao desespero — também não narra uma história do fundo do poço à luz –, mas a personagem principal chega a uma situação aceitável para seguir a vida. Adorei as crônicas dos autores depressivos. Afinal, sou como Ingmar Bergman –, investigo o inferno com curiosidade, mas sem pedir ingresso.

Recomendo!

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Ser escritor no Brasil é a mais patética das profissões, diz jornal americano

Ser escritor no Brasil é a mais patética das profissões, diz jornal americano
Vanessa Bárbara está fazendo fortuna com a literatura
Vanessa Bárbara está fazendo fortuna com a literatura

The New York Times cita ainda dificuldades de professores, matemáticos e historiadores

Do R7

O jornal norte-americano The New York Times afirmou, em reportagem publicada em seu site no último fim de semana, que ser escritor no Brasil é a “mais patética de todas as profissões”.

O diário inicia a reportagem dizendo que os escritores brasileiros participaram de diversos encontros literários em países como Alemanha, Suécia e Itália, mas, mesmo assim, a carreira é desprezada no País.

O The New York Times adverte que, se você for ao Brasil, “não conte a ninguém sobre seu real ofício”. A publicação afirma que “não apenas vão negar seu cartão de crédito na mercearia, mas certamente eles irão rir de você e ainda vão questionar”.

— Não, sério, o que você faz para sobreviver?

A publicação, porém, lembra de Paulo Coelho, que é visto como dono de uma vasta, útil e lucrativa coleção de livros publicados.

O jornal destaca ainda que os escritores não estão sozinhos nessa jornada. Segundo a edição 2013 do ranking Global Teacher Status Index (Indicador Global de Professores, em tradução livre), referente à qualidade de vida dos educadores, o Brasil figura próximo da última posição na lista que reúne 21 países.

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O grande Gatsby, de F. Scott Fitzgerald

O grande Gatsby, de F. Scott Fitzgerald

O Grande Gatsby Penguin CompanhiaA excelente tradutora Vanessa Barbara, responsável por esta edição da Penguin-Companhia (249 pág.), fez uma engraçada e furibunda avaliação do recente filme de Baz Luhrmann, baseado e homônimo O Grande Gatsby em Gatsby for dummies. Só lá no final deu uma aliviada. Acho compreensível que ela ataque o filme; afinal, o cuidado que demonstrou em sua tradução é indiretamente rebatido pela mão pesada e deselegante do diretor. Uma abordagem agride a outra, só que Vanessa tem a seu lado a própria obra. Mas este parágrafo está aqui por que mesmo? Ah, sim, para elogiar a tradução. Mas talvez não apenas para isso.

O enredo de Gatsby funciona, mas o principal é a qualidade da narrativa. O livro é narrado por um dos personagens, Nick Carraway, amigo de Jay Gatsby, um cara que o conhece no início da história. O narrador não é nada onisciente, ao contrário: é hesitante, têm poucas certezas acerca dos novos amigos e vai deixando lacunas que serão preenchidas ou não, ficando alguma coisa a cargo da imaginação do leitor. Uma das coisas que faz de O Grande Gatsby uma obra-prima é esta narrativa incompleta, e a outra é o enorme charme do texto, cheio de detalhes banais escondendo dramas. Fitzgerald não é seco nem barroco, lê-lo é muito, mas muito agradável. Suas analogias são sempre belíssimas, o homem era uma fonte inesgotável delas. Read More

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