Mstislav Rostropovich (1927-2007)

Eu o vi apenas uma vez, em Buenos Aires, no Colón. Tocou os dois concertos de Haydn, solando e regendo. Como bis, alguns movimentos das Suítes para Violoncelo Solo de Bach. Nada mal para quem só teve dinheiro para entrar na galeria mais alta do Colón, de onde podia ver sua reluzente careca tirando um som estupendo do instrumento — e era algo que parecia bater no nosso ouvido e, curiosamente, também no estômago. Mexia-se muito, mas parecia fazer o que fazia com extrema facilidade. Parecia uma brincadeira. Talvez as maiores obras para violoncelo do século XX tenham sido dedicadas e estreadas por Rostropovich. Os dois concertos de Shostakovich, a notável Sinfonia Concertante de Prokofiev — ambos professores seus no Conservatório de Moscou — e a Sonata de Britten foram escritas para ele. Penderecki também batizou um de seus “solos” para violoncelo com um lacônico Para Slava. Tímido, gentil, sério e inteligente, foi antes de tudo um enorme músico.

Era daquela classe de semideuses que hoje parece em vias de extinção e da qual faziam parte Rubinstein, Heifetz, Gilels, Richter e Richter, Oistrakh, Arrau, Carlos Kleiber, Karajan, Leonhardt (este vivo, e como!), Harnoncourt (idem!), Klemperer, Walter, Furtwangler e poucos outros. Com o tempo, surgiu o maestro Rostropovich. Um pouco entediado de tocar cello, queria expandir seu repertório, dizia com simplicidade. E é como regente que faz algumas das melhores gravações dos anos 90. Um belo dia de 1989, após a queda do muro e sem aviso prévio, esse cidadão, que dizia e sabia rir de si mesmo e do mundo, viaja a Berlim, caminha com seu cello até o muro, senta-se e dá um concerto para quem estivesse por ali (foto acima). As Suítes de Bach, claro. A explicação? “Fiz o que meu coração mandou. Era um ajuste de contas”. Abaixo, Slava por Salvador Dali.

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