Aprendendo a lidar com os russos (ou com a russa)

Certa vez, em Pelotas, eu ia dar uma palestra para um grupo de alunos junto com um professor da Unisinos. Ele fora dirigente do PCB, viajara para a URSS várias vezes, estudara lá, etc. Quando ele soube que minha mulher era bielorrussa e não viera “através da internet”, mas concursada e aprovada por sua competência como musicista, logo me disse: “Nossa, deve ser dureza”. Eu logo entendi que ele estava se referindo ao fato dos russos serem diretos diretíssimos, de dizerem o que acham na lata. Às vezes, no começo, a Elena me assustava. É incrível que nossa sociedade, tão violenta, tenha dificuldades para ouvir opiniões francas. As pessoas, eu incluído, parecem não reconhecer o bom espírito por trás da franqueza. Por exemplo, ela foi a única pessoa que criticou minha palestra no StudioClio, tão elogiada pelo restante das pessoas. Ela disse que o conteúdo fora ótimo, mas eu estava fora inteiramente do meu normal, sério demais, destituído de humor. E disse isso logo após a apresentação, sem preparação ou delongas. Agora já me acostumei. Aprendi a gostar disso e também de apreciar o pasmo dos outros quando ela emite uma opinião daquelas, dizendo BEM o que acha, sem políticas nem voltinhas.

É. Eu adoro ela.

Elena Romanov no Rijksmuseum de Amsterdam| Foto: Milton Ribeiro no
Elena Romanov no Rijksmuseum de Amsterdam| Foto: Milton Ribeiro

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  1. Resolvi compartilhar o texto do Milton Ribeiro (com a permissão dele, lógico) sobre a absoluta franqueza com que sua amada Elena, bielorrussa, lhe diz as coisas na lata, sem subterfúgios. Isso, pra mim, tem um nome – aliás, vários: franqueza, honestidade, respeito pela pessoa com quem conversamos e espera uma opinião verdadeira de nós – supostamente fala-se assim para ADULTOS. Até hoje, fico me sentindo mal com a reação a algumas respostas que dou a pessoas muitas vezes muito chegadas, que me conhecem há décadas, privam da minha intimidade – inclusive dentro de casa – e sinto que esperavam de mim ouvir outra coisa: seja sobre música, filmes, até o comportamento delas mesmo. Não sou dono da verdade, nem juiz de ninguém, tenho milhões de defeitos e falhas etc. etc., mas se gosto, respeito a pessoa e ela me pergunta uma coisa, digo o que eu acho, com honestidade – o que pra mim é uma prova do respeito (e amor em alguns casos) que sinto por ela. Não consigo, simplesmente, dar ‘migué’, falar o que não acho só pra agradar, até porque sou terrivelmente transparente, minha cara me contradiz – e acho que o contrário disso é tratar o interlocutor como criança, e aí então não contribuo em nada, tô prestando um desserviço à pessoa que confia em mim. But anyway, vivemos em uma sociedade muito melindrada e as pessoas se magoam com facilidade. Paciência. Eu juro que só pretendo ser honesto e quero, de fato, o melhor pras pessoas. Sem julgamentos, mas com franqueza. Love You all, people.

  2. Sinto que a franqueza ali descrita pode ser acariciada pela desculpa cultural. Isso não deixa de ser uma benevolência que as brasileiras francas e diretas não têm. Sorte a dela! Não é fácil para uma mulher brasileira falar o que pensa sem ser repreendida, ainda que veladamente e até mesmo no seio familiar.

  3. Subjacente a tudo há um problema cultural quase crônico. A escala axiológica do brasileiro gradua a hipocrisia acima da franqueza, por mais cordial que esta se apresente.

  4. Pois então! Sou simpática ao levante da franqueza, se trabalharmos na assertividade e praticidade, quando blá-blá-blá seria evitado, de consequência o tempo e assim vivemos mais 🙂

  5. Não há nada melhor do que uma pessoa que se acha possuidora de juízo crítico ser esculhambada por outra que de fato possui juízo crítico…

  6. O Veríssimo nem conhecia a Elena e já tinha escrito um poema em que descrevia a ela e a ti.
    “Dizes na cara
    o que te vem a cabeça
    com coragem e ânimo.
    Hesito entre duas palavras,
    escolho uma terceira
    e no fim digo o sinônimo.
    Tu não temes o engano
    enquanto eu cismo.
    Tu, tano.
    Eu, femismo.”
    (Tu e eu – Veríssimo )

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