A vida pela frente, de Émile Ajar (Romain Gary)

Do Resenha de Bolso.

Lançado na França em 1975, A vida pela frente é um romance ácido sobre temas contemporâneos e ainda necessários, como eutanásia e a disputa entre judeus e árabes. Escrito por Romain Gary sob o pseudônimo Émile Ajar, a história de um garoto muçulmano criado por uma senhora judia é um espelho partido da Paris pós-1968.

Vivendo em um prédio sem muitos franceses, rodeado de africanos, Mohammed precisa cuidar de Madame Rosa, a prostituta que o criou junto a outros meninos. Sobrevivente dos campos de concentração, ela tem pavor de ser diagnosticada com câncer. Entretanto, está com uma doença misteriosa que vai lhe deixando cada vez mais prostrada. Mas não é câncer, isso o doutor Katz, preocupadíssimo, garante. Sempre aplicando pequenos golpes e se refugiando nas zonas cinzentas da cidade, que chama de “aquilo ali” como se coubesse na palma da mão, o garoto não gosta de “causar pena nas pessoas”, já que é “um filósofo”, mas ainda assim nos conta suas misérias. E se a linguagem de Ajar/Gary é límpida, o mesmo não pode ser dito sobre as peripécias enfrentadas por seus personagens. Tipos verdadeiramente autênticos, quase saltando diante do leitor, eles parecem lutar para não serem apagados e sucumbir diante do pão que os diabos de todas as religiões amassaram.

É dessa fragilidade social, que transforma todos os homens em bichos e os obriga a se tornarem o que precisam ser, não o que estão destinados a ser, que nasce o nervo principal deste romance singular. Ao conseguirmos, concomitantemente, embarcar nos delírios de Madame Rosa e entender a interpretação absurda que Momo faz da realidade, cumpre-se o objetivo do livro: indagar no que a espécie humana se transformou.

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