As Irmãs (& Outros Causos), de Antonio Prates

As Irmãs (& Outros Causos), de Antonio Prates

Não sou nada dado à classificações. Não costumo ler um livro e colocá-lo neste ou naquele escaninho, mas classifiquei este livro num pequeno vídeo que fiz ontem. Para minha própria surpresa, eu enfiei um “neorregionalista”. Agora, com mais espaço e sem a pressão de uma câmera, tentarei explicar meus motivos. Ora, entendo regionalismo quando o autor se utiliza de uma grupo particular de palavras, expressões e maneirismos linguísticos de uma determinada localização geográfica. Geralmente, tal linguagem origina-se em fatores históricos da cultura regional. O prefixo neo correu por conta de minha insegurança e da minha necessidade de diferenciá-lo do romance regionalista dos anos 30 do século passado. Mas comparei-o a Sergio Faraco — na minha opinião e na de muita gente o maior contista brasileiro vivo — e esta é uma comparação válida pelos temas e região.

Sem contrapor As Irmãs com outros livros, digo-lhes que aqui o gauchismo está misturado à mitos e tragédias gregas, havendo inclusive um mapa para a melhor compreensão da relação contos x mitos ao final do livro. Novamente sem querer confrontar alhos e bugalhos, explico que o mapa é parecido com aquele que temos no Ulysses de Joyce, só que aqui os mitos passeiam por Rosário do Sul, Cruz Alta ou São José dos Ausentes, cidades deste nosso pobre e malgovernado Rio Grande do Sul, e os textos não são nada intrincados.

Li os contos inteiramente esquecido dos mitos a que se referiam porque as histórias são realmente boas e interessantes. Ou seja, o livro é uma delícia que pode ser lida como literatura de alta qualidade sem mais. Mas alguém mais culto ou curioso irá notar ou pulará direto ao mapa para ver que mito é aquele, coisa que, repito, não fiz.

O que fiz foi me divertir com as histórias de Prates nestes dias terríveis em nosso estado. Destaco os contos que têm a presença de Nhô Salustiano, o peão contador de histórias, além de As Trovoadas, A Travessia, As Irmãs, A Lanterna e O Retorno.

Recomendo!

Antonio Prates

Atrás do balcão da Bamboletras (XLIX)

Atrás do balcão da Bamboletras (XLIX)

Às vezes acontecem coisas incrivelmente bonitas por aqui. Dia desses, entrou uma senhora na Livraria Bamboletras. Depois eu soube que seu nome era Circe, o que me lembrou da Odisseia de Homero e do Ulysses de Joyce. Ah, esses caras metidos a literatos, né? Mas esqueçam, isso não interessa.

O fato é que ela olhou a escada que leva ao andar de cima e vieram-lhe lágrimas aos olhos. Eu achei que ela estava triste, só isso, e me virei de costas para não constrangê-la. Afinal, ela não estava olhando para mim e sim para a escada. Então, ela chegou ao balcão e disse:

— Vocês mantiveram a escada do tempo de meu avô…

Aí não entendi mais nada. A Bamboletras está em uma ex-igreja. Que negócio é esse de avô? Circe tratou de se refazer.

— Te explico. Meu avô construiu esta casa, depois veio a igreja e reformou tudo, colocando vitrais, torres e derrubando algumas paredes. Ele construiu isso aqui na primeira metade do século passado.

E ela começou a me contar como era tudo — o piano que ficava debaixo da escada, o local onde as visitas eram recebidas, onde ela dormia, as já apagadas marcas no reboco com as “assinaturas” de todos os netos, a sacada que não existe mais e que ficava voltada para o pátio…

E então ela me contou a mais bela das histórias.

Sua mãe, quando jovem adolescente, ia frequentemente até a sacada, para tomar sol, ler e estudar. Ao lado, ficava um edifício com suas janelas. Aliás, ele ainda está no mesmo lugar. Um jovem rapaz que morava num dos apartamentos costumava observar aquela moça que ficava ou flanava pela sacada, que era enorme. Um dia, o rapaz resolveu que tinha que falar com ela de qualquer maneira. Escreveu declarações de amor numa folha de caderno, enrolou a folha numa batata para que não fizesse muito barulho ao cair e atirou o artefato quando a moça estava por ali. Ela pegou a batata, leu tudo e acabou vendo o rapaz na janela.

Ela deve ter gostado, pois mandou a batata de volta com algumas perguntas, interessando-se pelo rapaz. A troca de batatas seguiu por um longo tempo, pois namorar não era como agora.

Bem, esses dois são os pais de Circe.

A mudança da nossa sensibilidade

É notável a mudança de gosto trazida pela música historicamente informada, principalmente no barroco. De forma genérica, tudo o que foi gravado antes dos anos 70 é simplesmente absurdo. Estou ouvindo uma velha gravação da Missa em si menor de Bach na Rádio da Ufrgs onde os cantores parecem estar todos desesperados. Estão cantando Bach como um bando de loucos sem noção, como se cantassem Verdi em momento de morte iminente ou paixão avassaladora. Além de coro e orquestra enormes, anabolizados. A coisa é insuportável e ainda está na metade. Quero até saber quem fez isso. Vou tratar de aguentar.

(Era Otto Klemperer. Com Janet Baker, Hermann Prey, Nova Philharmonia e Coro da BBC. Um Bach com molho pesadíssimo de 1967).

Compromissos do Inter em maio

Compromissos do Inter em maio

7, 10, 13, 16, 19… Sim, de três em três dias haverá jogos do Inter neste mês de maio. Haja jogador! Como diria o bolsonarista Renato, tantos jogos assim refletem a grandeza do Gr… Nada disso, reflete é a bagunça do calendário da CBF. Tem jogos em todos os dias da semana. E três contra o Juventude.

Compromissos do Inter em maio:

— 07 (terça-feira) – Real Tomayapo, na Bolívia, às 21h (Sul-Americana)
— 10 (sexta-feira) – Juventude, no Beira-Rio, às 21h (Copa do Brasil)
— 13 (segunda-feira) – Juventude, no Beira-Rio, às 21h (Brasileirão)
— 16 (quinta-feira) – Delfín, no Beira-Rio, às 19h (Sul-Americana)
— 19 (domingo) – Cuiabá, na Arena Pantanal, às 18h30 (Brasileirão)
— 22 (quarta-feira) – Juventude, no Jaconi, às 21h30 (Copa do Brasil)
— 25 (sábado) – São Paulo, no Beira-Rio, às 21h (Brasileirão)
— 28 (terça-feira) – Belgrano, no Beira-Rio, às 21h30 (Sul-Americana)

O dia em que Siri conheceu Paul

O dia em que Siri conheceu Paul

“23 de fevereiro de 1981”. Saímos com J. do recital de poesia e paramos no saguão da 92nd Street Y para conversar sobre os poemas que acabamos de ouvir. De onde estou, olhei para um homem atraente parado na frente da porta. Ele tem um rosto magro, olhos enormes e uma boca pequena e delicada; cabelos quase finos e pele morena clara. Ele fuma um charuto e se enrola dentro de seu casaco de couro e calça jeans toda vez que o coloca nos lábios. Percebo que ele tem pés bem grandes e gosto desses pés também. Em questão de segundos cobri-o com o olhar e sinto-me tonta com a atração. Não me lembro se J. me viu comê-lo com os olhos e me disse que o conhecia, ou se perguntei se ele tinha alguma ideia de quem ele seria. “É Paul Auster – disse ele –, o poeta.” Ele nos apresenta e nós três vamos de táxi até o centro. No banco de trás, Paul fala sobre George Oppen, o poeta que acabou de visitar na Califórnia. Gosto da voz dele e do calor e da ternura que percebo nela quando fala de “George”. Eu não sabia na época, mas agora me pergunto se o que ouvi parece familiar. Meu pai tinha essa qualidade quando estava vivo… Sua voz mudava quando ele falava sobre alguém que apreciava. No táxi já estou apaixonada, delirante, embelezada, levada, e tento esconder. O homem a meu lado não reflete isso. Vejo isso em seus olhos velados e pensativos.

Não o deixo sozinho nem por um momento. Na festa só falei com ele. Nós conversamos e conversamos. Descemos a rua e conversamos. Sentamos em um bar e conversamos. Seus lindos olhos começam a me focar. Ele está me observando, ele está me ouvindo. Posso ver que ele gosta de mim.

É madrugada e estamos juntos na West Broadway. Estou tão perto dele, olhando-o na cara, mas agora, depois de horas e horas de conversa, não tenho mais nada a dizer. Está tarde. A noite acabou e irei para casa pensar sobre isso. De repente ele me beija, e é o melhor beijo de todos. Um táxi para e embarcamos juntos.

Pouco depois li seus poemas, seus ensaios e finalmente a primeira metade de A invenção da Solidão, “Retrato de um Homem Invisível”. Nessa altura já lido muitos livros, Era uma historiadora que estava se preparando para a literatura, mas estes surpreenderam-me pela originalidade. Conheci o homem antes de ler o que ele havia escrito, mas se eu não estivesse tão entusiasmada com seu trabalho quanto com ele, ou se ele não tivesse depois admirado minha maneira de escrever, talvez as coisas fossem mudar depois. Nosso trabalho constituiu um componente íntimo da nossa relação amorosa e dos nossos 23 anos de casamento, mas o que leio dele vem daquele lugar dentro dele que eu nunca conhecerei.

—Siri Hustvedt
(Trecho de Uma história sobre o eu ferido — 2004).

Paul Auster (1947-2024)

Paul Auster (1947-2024)

Está chovendo novamente… Olho no celular e minha irmã está me avisando que Paul Auster morreu. O dia piora. Complicações de um câncer no pulmão.

Foi um enorme escritor e criador. Tem 30 romances, escreveu poesia, roteiros de filmes e até dirigiu um.

Vi-o no antigo Fronteiras do Pensamento. Foi quase uma entrevista ao vivo. Era um sujeito tranquilo, envolvente, educadíssimo, deu vontade de virar a noite conversando com ele. Ninguém queria que acabasse.

Devo ter lido uns 10 livros dele. Não vou ser original: amo a Trilogia de Nova York. A foto que posto é da minha irmã. Ela diz que têm esses Auster e pede mais para a Livraria de seu irmão. Eu, no caso.

Ah, hoje é o Dia do Trabalhador. Os trabalhadores da Livraria Bamboletras estão em casa, mas eu estou aqui aguardando vocês até às 17h. Ler com chuva é o máximo. Podem vir.

Venâncio, 113. WhatsApp 51 99255 6885.