O Ruído do Tempo, de Julian Barnes

O Ruído do Tempo Julian BarnesO Ruído do Tempo usa o enorme drama que foi a vida de Dmitri Shostakovich como material ficcional. É um livro dividido em três seções maiores que contêm, cada uma delas, capítulos curtos e fora de ordem cronológica, muitas vezes de apenas um parágrafo. Tais capítulos vão adicionando informações curiosas ou estarrecedoras sobre o compositor, tudo com bastante invenção, mas sobre um esqueleto rigorosamente biográfico, verdadeiro.  As três seções mostram os três traumáticos encontros de Shosta com o poder, em 1936, em 1948 e em 1960. Todos em anos bissextos, todos separados por 12 anos. A ideia é boa, mas…

O livro é pouco sofisticado, extraordinariamente conservador e chega a ser “matado” em vários trechos, não fazendo jus às nem à arte de Shostakovich, nem a seus dramas. As críticas ao regime soviético são naturais e inteiramente razoáveis, não fosse a profusão de clichês bobos ao estilo da CIA. O pior é que a ficção de Barnes não faz a biografia ou os dramas vividos pelo compositor avançarem em qualquer direção.

FaulknerPara quem, como eu, acredita que só a ficção arranha a realidade, o livro foi uma decepção. Espécie de jornalista gonzo imaginário, Barnes vai ficando cada vez mais afastado da obra de seu biografado, perdido em detalhes triviais. Não há complexidade ou verdadeira tensão, apenas contradições — verdadeiras — e medo mal descrito. O livro de Barnes toma um baile das poucas páginas dedicadas a Shosta no clássico de Alex Ross O resto é ruído, de quem parece ter roubado o título.

O livro é, em parte, um exercício de nostalgia da Guerra Fria. Coisa muito inglesa para descrever um soviético. Seus melhores trechos são aqueles que examinam a natureza da integridade pessoal. A ótima arte pode nos resgatar do “ruído do tempo”, superar tudo e, portanto, desculpar o comportamento ruim? E era possível comporta-se melhor? Acho que faltou a Barnes alguma vivência sob regimes ditatoriais. Sua descrições são de um tranquilo inglês que examina à distância um Shostakovich que é muito mais herói — e concordamos nisso, Mr. Barnes — do que Mephisto.

(Livro comprado na Ladeira Livros).

Julian Barnes
Julian Barnes

4 comments / Add your comment below

  1. Concordo inteiramente! Gosto de outros livros do Barnes, como “Inglaterra, Inglaterra!” e “Do Outro Lado da Mancha”, mas este é fraquíssimo!
    Me parece que ocorreu aqui o mesmo que com outro bom escritor, Thomas Bernhard, ao fazer a “biografia ficcional” – esta vez mais ficcional que biografia – de Glenn Gould em “O Náufrago”, e com resultado pífio. Provavelmente o pior livro de Bernhard…

  2. É muito curioso ler uma acusação de conservadorismo a uma obra literária baseada na obra CONSERVADORA de um compositor que, não por acaso, é tratada como genial no mesmo texto.

    O ressentimento transparece em cada linha da resenha e desnuda o viés ideológico da crítica.

    Constrangedor.

    1. Nada como um texto absurdo, assinado por um codinome que me traz boas lembranças, para alegrar uma bela manhã de sol em Porto Alegre, após uma corrida na Redenção. Dei risada.

      Bem, deixa eu fazer uma anotação para não esquecer:

      Domingo passado, 5 km em 31min17.
      Quinta-feira, 5 km em 31min02.
      Hoje, 25 de junho, 5 km em 30min47.
      (Sobrepeso de uns 8 kg, merda).

      Objetivo: 30 min em 19 de agosto, quando completo 60 anos.

      Bom dia.

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