Feriado

Hoje é feriado municipal em Porto Alegre. Dia lento, cidade vazia, muita gente na praia. Acordei desejando que fosse necessário ir à padaria buscar leite e pão, mas estávamos abastecidos. Gosto de ir à padaria da esquina; moro na desconhecida rua Gaurama há um ano e pouco e sou um personagem coadjuvante de nossa vicinal de jeito interiorano. Porém, na padaria, sou uma estrela. Os donos são uns italianos bem humorados que trabalham feito uns condenados — só fecharam no dia 1º de janeiro, abriram até no Natal. Eu sou o cliente engraçado que comenta a vida amorosa das atendentes, que inventa encontros para elas, sou o colorado que deve ser perseguido nas derrotas, o chato que comenta a qualidade dos pães e faz o padeiro vir lá de dentro discutir, o dono do cachorro que deixa o bicho deitado na porta sem amarrá-lo, o cara que mora na casa cuja janela da cozinha mais parece uma exposição de panelas e é decorada com uma galinha pendurada pelos pés, onde botamos os sacos de supermercado. Sou famoso na Zanini.

Ir à padaria de manhã enquanto os de casa ainda estão com suas caras enfiadas nos travesseiros pode parecer um carinho que lhes faço… (Lembro de Tom Jobim dizer às gargalhadas que ia todas as manhãs à padaria de seu bairro com a finalidade de não estressar a criadagem. Conta-se que ele nunca comprava nada. Ia só conversar.) … mas talvez é mais a necessidade de conversar e rir um pouco das bobagens que saem de nossas conversas. Estou com vontade de contar que fui ver Inter x Sapucaiense. Já sei que as mulheres vão dizer que posso ter cara de inteligente — são as únicas pessoas no mundo que dizem isso –, mas que sou um débil mental como todos os homens. O gremista da caixa vai me chamar de fanático, vamos discutir o fim-de-semana da balconista gorda que está há um ano prometendo separar-se do marido e alguns vão fazer um carinho na minha pastor alemão, a Juno, que ficará observando a conversa, esperando que eu me decida a voltar para casa. Sempre compro alguma coisa e minha mulher fica irritada com a quantidade de pão, frios e leite que trago. Nosso freezer está sempre lotado e ela diz que falta espaço para o que interessa.

O vizinho começou a cortar sua grama e a cachorra deve estar estranhando que ninguém desceu ainda. Minha filha e seus amigos vão acordar ao meio-dia e estou cheio de e-mails para responder, então acho melhor trocar o pijama por uma roupa civil e ir logo à padaria.

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  1. O leve travo melancólico dá um sabor todo especial ao bom-humor de tuas palavras, Milton.
    E aposto que a balconista gorda ainda demora no mínimo mais um ano para se separar…

  2. Como eu sinto falta destas pequenas conversas, Milton. Eu frequentava um buteco em São Paulo, quase todas as noites, e sempre pedia o mesmo: um sanduiche de pernil e uma cerveja forte (não irei fazer propaganda da minha cerveja favorita no Brasil). Depois de um tempo, eu nem precisava mais pedir, era só sentar que minha janta chegava. Todos me chamavam de alemão e me perguntavam sobre o meu Santos, que andava numa situação periclitante. Depois de um tempo, passei a odiar a rua aonde o buteco se encontrava, a famosa Rua Augusta. Muita decadência e melancolia. Agora tenho saudades deste tempo e daria tudo para poder dar um pulinho lá hoje a noite.

  3. Credo! tudo isso de manhã cedo! Fico mal humorada só de pensar numa assuntação dessas de manhã! E o pior, se bem entendi, tudo isso antes do café? Sério? como pode?!
    Mas olha, eu tenho uma coisa assim é com o Café aqui que eu vou todos os dias, às vezes várias vezes no dia. Todos me conhecem pelo nome e eu pinduro, pago por mês. (me ferro por mes).
    Ai, mas sobre o feriado: eu hj lembrei várias vezes de Porto Alegre. Ouvi várias pessoas falando do dia de Iemanjá, dia de festa no mar. E eu: ou no rio! Lembro da coisa da procissão, dos barco no Guaíba e… das MELANCIAS.
    Quando eu era criança eu pensava que era muito errado chamar festa dos navegantes, tinha que ser “das melancias”!
    Ai, viajei…
    bj, f

    1. Sim, tudo bem cedinho, antes dos cafés dos outros. Sabe que o irmão da Claudia acorda às 6h para poder tomar seu café às 7h no bar de sempre, em frente a seu trabalho no DMAE, acompanhado de jornais que por sinal detesta?

      Manias. Mas acho ótimo assuntar de manhã. Acordo acordado… Mas há pessoas, como minha filha Bárbara, que acordam dormindo, mal humoradas.

  4. Milton, belíssima crônica. Deu-me vontade de um dia, quem sabe, saborear um sanduíche de mortadela (gosto muito da defumada) aí, junto a você, nesta sua padaria.
    Milton, tenho a impressão de que se você utilizar Porto Alegre como tema, em pouco tempo, um livro de crônicas nascerá.
    Quanto ao resto, cegonha a chegar… Penso-sinto que dessa semana não passará…

    1. Ah, essa coisas de comida… Troco tudo e tudo é diferente em cada estado! Conheces os pães cervejinha e cacetinho…? OK, vais dizer que cacetinho só pode ser coisa de gaúcho…

  5. Bah… Milton!
    Essa pegou fundo. Primeiro: adorei o ritmo da crônica. É o ritmo dessa manhã que descreves. Segundo: esse tu sobre o qual escreves parecia eu. Tenho a mesma relação com as padarias.
    Há dois anos mudei-me para um endereço distante de qualquer padaria.
    Estou órfão e isso me cala fundo.

    1. Farinatti! Tudo bem?

      Pois é. Viver sem uma padaria por perto é uma sacanagem que devia ser corrigida por algum comerciante da tua região. Eu sempre tive sorte de morar perto delas — à exceção de um curto e triste período — e, bem, meu avô Manuel Martins Ribeiro era padeiro. É uma rima e ele saíra de Aveiro… para fundar a Padaria Lisboa na Azenha.

      Imagina um avô português, chamado Manuel, padeiro e dono de uma Padaria Lisboa? Sou neto de um arquétipo!

      Grande abraço.

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