Saudades de um tempo em que os cartunistas brasileiros não eram borra-bostas de donos de jornais. Sim, os cartuns abaixo poderiam sair na grande imprensa brasileira, mas a fama de El Roto (Andrés Rábago) fez-se com humor “incorreto”, politizado, negro e agressivo. Suas séries sobre o campo de concentração de Gaza merecem sair em livro, se é que já não saíram.
ALMA
by Ramiro Conceição
Que alma é esta que levo
mas que nunca se sacia?
Quando da escuridão
da Literatura,
criou uma lista à leitura;
porém, paulatinamente,
um vazio ficou dentro…
embora tudo fosse lido.
Quando ignorante da Ciência,
delineou métodos experimentais;
mas um vazio restou gradualmente
às ditas explicações fundamentais.
Quando da necessidade de Deus,
resolveu procurá-Lo; mas, infelizmente,
descobriu somente a massa de zumbis:
hábeis torturadores em transformar
seres inocentes em doentes mentais.
Todavia tudo não se perdeu nesta poesia
porque, quando da necessidade do Amor,
a alma se encontrou com quem brincava
de existir – com inocência – além de si.
Sim,
a Inocência é tudo – disse Nietzsche
quando amou lucidamente o Mundo –
pois
o Presente da existência
é permitir o nascimento
do segredo da Inocência
(se existir o Sagrado…).
PS: penso-sinto que seja a versão final.
errata:
é óbvio que o último verso é:
(se existir o Sagrado)
Carajo!
Carajo!
Carajo!
“a Inocência é tudo – disse Nietzsche
quando amou lucidamente o Mundo –
pois
o Presente da existência
é permitir o nascimento
do segredo da Inocência”
Muito bonito, Ramiro. Lembrei-me de uma frase do Dostoiévski , “a beleza vai salvar a Rússia”, muito criticada por aparentemente ser leviana e sem sentido. Tem algo disso em “Canções da Experiência e Canções da Inocência”, do Blake. E mais…
Sempre achei significativo que você, uma mente especializada na razão, escrevesse essa poesia tão “irracional”. E quando, certa vez, disse ter passado por um período de intensa depressão, imaginei que fosse relacionada a essa dualidade de físico e poeta que vejo em você. Estou saindo de um período no qual foi-me cobrado uma visão racionalista-niilista de mundo, tanto pelos livros que estava lendo, quanto por eventos da experiência que me escapam do propósito. Também estive bastante triste e acanhado diante as certezas tonitroantes da razão. Desde criança que sou vitimado por essa sombra do franco desespero, embora meu hedonismo nunca sequer permitiu que eu pensasse em acabar com tudo da minha maneira. Isso gerou como defesa uma aversão a tudo que fosse precoce. Só posso crer em auto suficiência legítima naquilo que se faz após os 40 anos. Estou chegando lá, com a alma cheia de energia. Só agora sinto domínio da minha vida. Daí essa reafirmação de que estamos longe, muito longe, de sequer vislumbrarmos qualquer ideia sobre a vida, etc.
Parte dessa minha postura libertadora vem de uma frase de Saul Bellow, em que ele diz não se tocar para as razões e certezas produzidas neste mundo. E parte pela releitura do magnífico Montanha Mágica, em especial a última preleção feita pelo professor Naphta, em que ela coloca a ciência e a pretensão da humanidade em saber a verdade, tudo no ralo. No momento propício, digito esse monólogo e ponho aqui.
“E quando, certa vez, disse ter passado por um período de intensa depressão, imaginei que fosse relacionada a essa dualidade de físico e poeta que vejo em você.”
Vive exatamente isso, Charlles. Nunca mais fui o mesmo. Quando do meu mestrado (1980-1982), quase sofri a ruptura total com a realidade. Seguiram-se 20 anos de terapia…
Hoje sou um misto de pesquisador e poeta. Quando entre bardos, estes se supreendem com o engenheiro-pesquisador, quando entre engenheiros a surpresa é o poeta. Em resumo, sinto-me uma mosca branca: tenho sempre a sensação de não pertencer ao meio.
E, Charlles, obrigado pelo comentário (ainda bem que o Milton permite).
PS: gostaria de ler suas reflexões sobre o referido monólogo.