Revendo Laranja Mecânica

Neste final de semana, minha filha pediu para conhecer o filme Laranja Mecânica (A Clockwork Orange, 1971), de Stanley Kubrick. Esta é uma das delícias da paternidade — pode rever coisas acompanhado daquele olhar juvenil que perdemos. Ela adorou o filme. A curiosidade é que neste tempo de UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) e de tentar mudar as políticas de enfrentamento ao tráfico e ao crime, o filme está mais atual do que nunca, apesar do seu visual estranho e dos escritores do futuro usarem máquinas de escrever…

Não vou descrever o filme, pois acho que todos os que passam por aqui sabem de tudo: da violência estilizada, da prisão, do tratamento Ludovico e da primeira e segunda curas.

A Claudia fez uma rápida pesquisa sobre as circunstâncias em que foi filmada aquela maravilha e demos boas risadas com sua leitura. As filmagens foram o que esperávamos. Copio abaixo, de forma algo editada, algumas observações deliciosas da Wikipedia:

Stanley Kubrick e o objeto de arte futurista que será fatal para a mulher dos gatos

  • Durante a cena em que Alex (Malcolm McDowell) é submetido ao tratamento Ludovico, o ator arranhou a córnea e ficou temporariamente cego. Revendo as cenas não é de surpreender. O cara recebe garras de metal para manter os olhos abertos.
  • O médico que acompanha Alex durante o tratamento no filme era realmente médico e estava lá por motivos de segurança para o protagonista.
  • Malcolm também teve costelas quebradas durante a filmagem da cena de humilhação após o tratamento.
  • Malcolm quase se afogou de verdade devido a uma falha no equipamento que o ajudaria a respirar, na cena em que os seus ex-“droogies” — naquele momento já no cargo de policiais — o encontram e o submetem a uma tortura em uma banheira.
  • Stanley Kubrick propositalmente cometeu alguns erros de continuidade em Laranja Mecânica. Os pratos em cima das mesa trocam de posição e  o nível de vinho nas garrafas muda em diversas tomadas, com a intenção de causar desorientação ao espectador.
  • O filme foi retirado de cartaz no Reino Unido a mando de Stanley Kubrick. Irritado com as críticas recebidas, de que Laranja Mecânica seria muito violento, Kubrick declarou que o filme apenas seria exibido lá após sua morte, ocorrida em 1999.
  • A linguagem utilizada por Alex, chamada de nadsat, foi inventada pelo autor Anthony Burgess, que misturou palavras em inglês, em russo e gírias.
  • A cobra foi colocada nas filmagens após o diretor Stanley Kubrick descobrir que Malcolm McDowell tinha medo delas.
  • A música de Beethoven que perpassa todo o filme foi executada no revolucionário “sintetizador” de Walter Carlos. Depois, famoso, o moço mudou de sexo, rebatizando-se como Wendy Carlos.
  • No livro, o sobrenome de Alex não é revelado em momento algum. Comenta-se que DeLarge seja uma referência a um momento no livro em que Alex chama a si mesmo de “Alexander the Large”.
  • O orçamento total do filme foi de apenas US$ 2 milhões.
  • Stanley Kubrick certa vez declarou que, se não pudesse contar com Malcolm McDowell, provavelmente não teria feito Laranja Mecânica.
  • A canção Singing in the Rain, cantada por Alex durante a cena em que ele e seus colegas violentam uma mulher na frente de seu marido, só está no filme porque esta era a única música que Malcolm McDowell sabia cantar por inteiro.
  • O filme foi proibido no Brasil na época do lançamento, mas liberado depois de alguns anos com a condição de que a genitália da mulher na cena de estupro fosse encoberta por meio de manchas pretas sobrepostas à cena. Quem assistiu ao filme naquela época pôde perceber que tais “manchas pretas” nem sempre acompanhavam a vagina com os pêlos pubianos. Isso sem contar que a censura era de 18 anos. Tais acontecimentos no Brasil serviram para a que a oposição ao governo militar ridicularizasse a censura.
  • Durante a Copa do Mundo de 1974, disputada na Alemanha Ocidental, graças ao seu futebol envolvente, revolucionário e taticamente perfeito, a Seleção Holandesa de Futebol foi batizada pelos jornalistas europeus de Laranja Mecânica. A “Laranja” faz referência também ao vistoso equipamento utilizado por essa lendária seleção de futebol, comandada por Johan Cruijff e Rinus Michels.
  • Na cena em que Alex está em uma loja de discos, pode-se notar que um dos discos que está na prateleira da loja, na fileira central, é o da trilha sonora do filme 2001: Uma Odisséia no Espaço, além do Magical Mystery Tour dos Beatles e Atom Heart Mother do Pink Floyd.
  • A banda Sepultura lançou, no início de 2009, o álbum A-lex, inspirado inteiramente no livro. Inclusive todos os títulos das músicas têm relação com a obra de Anthony Burgess.

13 comments / Add your comment below

  1. Burguess escreveu Laranja Mecânica para exorcisar a violência que ele e sua esposa sofreram num ataque de uma gangue adolescente. Estupraram sua mulher e a surraram a um ponto que o próprio Burguess, estropiado, não apostava na sobrevivência. Por isso sua indisposição contra Kubrick, pelo final em que fica implícito a não regeneração de Alex. Em tudo mais, assim como nas outras adaptações literárias de Kubrick (notadamente em O Iluminado), o filme é fiél ao livro. Apenas que no livro, Burguess fecha a trama com um final moralista, em que Alex renega seu passado de crueldade.

    Na verdade Burguess escreveu dois finais. O não editado foi usado por Kubrick, e pela edição do livro nos EUA, que também tirou o autor do sério. Burguess também tinha mágoa contra o mercado editoria brasileiro, que publicava seus livro clandestinamente sem lhe pagar um centavo de direiros autorais. Quem não leu um romance de Burguess mal traduzido, numa mal ajambrada encadernação da ArteNova? “Mel para os ursos”, “1985”, “A última missão”…

    1. Kubrick tinha bom entendimento com Burgess, que chegou a escrever um romance — “Sinfonia Napoleão” — especialmente para que fosse filmado. O livro é dedicado a SK e é lá de 1974-5-6. Mas a ideia nunca saiu do papel.

      Sim, eu tinha o livrinho da ArteNova.

      Aliás, teu post de hoje, Charlles, é análogo ao meu.

      1. Coincidências da net.

        Burgues se indispôs cordialmente contra Kubrick, vamos dizer assim, não se tornando inimigo. Não leio Burguess há mais de dez anos, mas por um periodo foi um de meus romancistas preferido. Creio haver algo injusto ainda não ter aparecido alguma sumidade da crítica para restabecê-lo em seu devido lugar de grande escritor. “Poderes Terrenos”, seu mais ambicioso livro, é absolutamente genial: o tema principal, só para vc ter uma ideia (se não o leu), é a de um escritor homossexual ateu cortejado pela igreja católica por ser a única testemunha viva de um milagre da juventude de um papa, o que serviria para sua canonização.

        Há outro livro delicioso dele, “ùltimas notícias da Terra”, em que entrecruza quatro histórias diferentes, como a de uma trupe de teatro que encena a biografia de Tróstki, e o fim do mundo sugado pela aproximação da lua da atmosfera terrestre. E um dos livros mais engraçados de todos os tempos: “O tocadordepiano”, assim tudo junto mesmo.

        Por final li sua autobiografia, “O grande deus e o pequeno wilson”, em que ele narra sua curiosa iniciação nas letras (queria ser compositor erudito), pela necessidade de deixar algum dinheiro para sua esposa depois de ter recebio o diangnóstico médico de que tinha apenas cinco meses de vida. Nesse tempo estipulado, escreveu de uma só vez cinco livros. Não morreu, como o sentenciado (não é de hoje que não se pode confiar na classe dos médicos), mas sua esposa sim. E ele se tornou rico com seus livros.

        1. Outro detalhe curioso de sua autobiografia é que sofria de espermorréia. Tinha que usar absorventes íntimos para conter o fluxo de esperma incontinente.

          Tinha adoração pelo Finnegans Wake, sendo sua única leitura nos anos em que participou da segunda guerra mundial.

  2. Chorei de rir com algumas das frases tiradas da wikipedia, principalmente com aquela sobre Singing in the Rain. E sobre o nome Alex DeLarge, eu sempre pensei que fosse alguma referência a Alexandre o Grande.

  3. Laranja Mecânica funciona (como a maioria dos filmes do Kubrick) porque faz uma coisa que o cinema pode fazer: trabalhar com poucas e boas idéias centrais e algumas outras periféricas que, se não compreendidas, não fazem o espectador perder o foco do essencial; os demais (os cinéfilos, geralmente metidos a espertos) podem se divertir com as brincadeiras interimacinéticas, o que, tantas vezes, os fazem perder o foco que tomar o acessório como principal. Ô, como tem gente que faz isso…

    Na época comprei dois discos do Walter Carlos: a trilha da Laranja e o anterior dele, responsável pelo convite de Kubrick: peças de bach “retraduzidas” como música eletrônica… era esquisito e legal de ouvir naqueles dias, como Kraftwerk.

    Quanto ao cinema, perdeu a linha, a classe, a forma e o conteúdo. O mais semelhante à Laranja Mecânica que foi feito há pouco foi Minority Report, pelo Spielberg, responsável por fiasco equivalente no roteiro deixado pelo Kubrick (e filmado com fidelidade? e de fato finalizado por Kubrick?), A.I.

  4. Todo mundo com super curiosidades super bacanas sobre o filme… Eu só tenho uma lembrança boba relacionada a ele. Vi o filme na faculdade de psico, para discutir condicionamento, comportamentalismo e a técnica que eles utilizaram e porque falhou. Uma das minhas melhores amigas na época era de uma família muito católica. Ela ficou indignada de colocarem uma música tão bonita como Singing in the Rain numa cena de violência. Teve uma Copa, no mesmo ano ou em outro, e comentei que a seleção holandesa era chamada de Laranja Mecânica por causa do filme:

    – Mas eles sabiam do que o filme se tratava quando deram o apelido?
    – Claro, se for por causa do filme.
    – Mas eles (os jogadores, a Holanda, sei lá) não ficaram ofendidos???

Deixe uma resposta