A Ospa vai à igreja e sofre castigo divino

A Missa Solene (Missa Solemnis, Op. 123) de Beethoven teve um parto complicado. Sua composição começou em 1819 e era para estar pronta no ano seguinte, quando seu mecenas Arquiduque Rudolf von Österreich (1788-1831) seria investido no cargo de arcebispo. Não ficou pronta, acabou sendo apresentada parcialmente (só o Kyrie, o Credo e o Agnus Dei) na ocasião da investidura. A estreia e única apresentação integral da Missa durante a vida do compositor foi em São Petersburgo, em 1824. De fôlego — mais de uma hora de música –, não é uma obra simples nem popular, mas é belíssima.

A Ospa, seu Coro Sinfônico e quatro cantores solistas executaram ontem à noite a Missa Solene sob a regência de Manfredo Schmiedt. É uma Missa que faz a alegria de qualquer coral e o Coral da Ospa se houve maravilhosamente bem, aliás, só ele parecia estar no palco, pois….

Bem feito. Quem mandou ir à igreja? Eu estava sentado na segunda fila, ao lado dos violinos e não os ouvia quando o coral cantava ou os tímpanos trovejavam. Todos os músicos que estavam nas filas de trás, em locais mais altos, eram ouvidos. Já os músicos que sentavam na altura do público — cordas e madeiras — não eram ouvidos. Ou melhor, emitiam algo como zumbidos. A acústica da Igreja da Ressurreição enterra sem remissão quaisquer tentativas de quem está colocado em posição desfavorável. Por exemplo, o Carrara… ele tocou mesmo? O que ouvi dele foi sua voz me cumprimentando. E só. A propósito, quem merece cumprimentos são os solistas. Foram excelentes os desempenhos de Elisa Machado (soprano), Angela Diel (mezzo) — a voz de Angela é de minha absoluta preferência — e Saulo Javan (baixo). Já o tenor Gerardo Marandino destoava do resto do grupo. Justo a voz que mais aparece e que teoricamente é mais fácil de projetar saiu bisonha e sem brilho.

Como já disse, também merece elogios o entusiasmado e feliz coral. Dava gosto de ver o tesão daquele povo. Houve momentos realmente sublimes, houve momentos ensurdecedores. Culpa do bullying realizado pela acústica incontrolável da igreja. Não obstante, fiquei feliz junto com eles.

Espero que a Ospa desista da Igreja da Ressurreição. Foi uma hora e dez de bundas quadradas e muito frio. É necessário muito amor à música. Se nós, melômanos, sofremos, imaginem quem tem de trabalhar e ainda aguentar a acústica. Parece maldade. Os músicos ensaiam num local inadequado e se apresentam noutro também inadequado (e totalmente diferente). Na boa, são uns heróis.

Detalhe da Abadia de Conques (França): "A Punição do Músico". No detalhe, a harpa do músico foi confiscada por um diabo, que puxa sua língua para fora com um gancho. Outro demônio estrangula o homem e devora-o por trás. A imagem não condena a música ou músicos em geral. Era apenas um castigo impingido a um mau músico;afinal, castigar músicos era comum na época (1107-25). Hoje, o castigo assume outras formas.

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  1. Corrigindo, o concerto durou 1 hora e 35 min; o maestro entrou 20h40m e os aplausos encerraram 22h05m, portanto a música durou aproximadamente 1hora e 20 minutos. Concordo que seja uma composição impossível de apreciar num local com aquela acústica. Perdemos todos: o publico, a orquestra, o coral, o maestro, a sociedade riograndense, o pobre do Beethoven mesmo sendo surdo, e enfim nossos ouvidos enquanto ainda escutam.

  2. Estava cantando no coro e realmente foi um trabalho belíssimo que fizemos ontem. Concertos em igreja são sempre um problema, na minha opinião, pois aguentar mais de 50 minutos sentado naqueles bancos duros e ainda mais no friozinho básico de ontem é pra matar. Mas é bem pior quando a acústica também não favorece, além da localização “chata” da Igreja da Ressureição. Mesmo assim, foi gratificante ver os bancos nada convidativos da igreja repleto de pessoas que infrentaram esses “detalhes” para apreciar o Beethoven que interpretamos, depois de mêses ensaiando. E é isso aí, o trabalho é difícil, ja são décadas sem condições apropriadas, mas a Sala Sinfônica da OSPA em breve será algo real e, concertos como esse que na precariedade ja são belos, na nova casa da OSPA vão ficar ainda mais brilhantes.

  3. Pensei o mesmo, Milton. Não gostei do tenor, achei o coral ótimo e a meninas idem. Também não consegui ouvir direito a orquestra, nem mesmo os violinos – sendo que eu estava sentado a dois bancos de distância, provavelmente a sua frente. Apesar dos pesares, achei ótima a performance.

    Detalhe: cheguei às sete e meia e fiquei até o final da Missa sentado. Meu corpo ainda não se recuperou da experiência.

  4. Muito bons os comentários, partindo da análise de Milton Ribeiro. Adolfo falou o que deve ser falado e eu acrescentaria um agradecimento especial ao público. Nessas horas, quando centenas de pessoas saem de suas casas aquecidas para ficarem sentadas mais de uma hora em uma banco de igreja, numa anti-acústica…a sensação é que vale à pena qualquer esforço nosso, dos músicos, solistas e coro. Essas pessoas devem ter a noção de quão importantes são para o nosso trabalho e tenho certeza se unirão cada vez mais para que as melhorias de toda estrutura da FOSPA sejam realmente alcançadas! Se somos heróis, vocês, nosso público são ainda mais!

  5. Este é para meu amigo Mílton Ribeiro. Quem me dera estar reclamando agora da dureza das cadeiras e da acústica da igreja! Fico imaginando os resquícios das vozes do coro nos ouvidos desses privilegiados .
    Mílton, você me prestigia, convocando-me, e eu lhe agradeço com um abraço.
    Tenho saudades do tempo do meu Eu pensando, em que trocávamos comentários. Estou em forma agora depois de um transplante de córnea a que me submeti, tendo recuperado a vista perdida. Gostaria de saber dos seus, de notícias deles todos. Devo dar uma volta pelos blogs de que tenho tanta saudade. Espere minha visita.
    Magaly

  6. Pois realmente estava muito frio! No coro, ao contrário, estava tudo quente! Foi minha estréia e fiquei extremamente orgulhoso. Primeiro, por eu ter conseguido vencer o desafio, difícil desafio, sendo um absolutamente novato, e, segundo, por colocar a minha voz a serviço do conjunto e me sentir parte de um corpo único…se a união faz a força, o coro esteve muito forte. O final do Gloria foi apoteótico…o eco da última vogal parecia preencher as três dimensões possíveis em toda a plenitude. Foram exatos três meses de ensaios nas sextas e nos sábados e em várias semanas também nas segundas e nas quintas…Anseio por repetir a dose, pois experimentei uma vez e me tornei dependente! Que venha Caxias e a UCS!!!

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