A (pouca) utilidade das oficinas literárias, segundo Dacanal

Lá do Recife, o escritor Fernando Monteiro me pede para ler um artigo publicado em Zero Hora no último sábado. É um artigo de Carlos André Moreira sobre o livro recém lançado de José Hildebrando Dacanal, Oficinas Literárias: Fraude ou Negócio Sério? Como se depreende facilmente do título provocativo, o assunto é a duvidosa utilidade das oficinas literárias com a finalidade de servir como incubadoras ou criadouras de novos talentos…

José Hildebrando Dacanal é formado em Letras e Ciências Econômicas pela UFRGS e trabalha como jornalista, professor e ensaísta há 40 anos. Tem em seu peculiar currículo obras sobre linguagem, literatura, história, política e economia. Eu discordo radicalmente do homem político Dacanal, mas não sou idiota a ponto de fazer-lhe oposição pelo mero esporte de incomodar quem está no outro lado, ainda mais quando ele, curiosa e cada vez mais, tem escrito e defendido teses bastante claras, razoáveis e óbvias — na verdade até caindo de maduras –, tais como sobre baixa qualidade do ensino (e a necessidade dos clássicos) e agora esta sobre as tais oficinas.

Dacanal recupera-se de duas visitas ao fundo do poço ao escrever um livrinho em parceria com César Busatto (o nanico que dança com a desgovernadora ao lado) naquele longínquo ano de 1998, em que os amigos de Yeda assistiram a vitória de Olívio Dutra — casualmente um homem também formado em Letras — para o governo do Estado… Mais transtornada ainda é sua parceria seguinte: em 1999, quando o governador Olívio Dutra mal tinha chegado ao poder, emprestou sua grife ou escreveu a quatro mãos com João Hernesto Weber o livro A Nova Classe – O Governo do PT no Rio Grande do Sul. Ultimamente, anda esquecido da política. A qualidade dos governos Rigotto e Yeda empurraram o professor — antes tão contumaz em expressar suas objeções — àquilo que ele melhor faz e pensa: à literatura. Melhor assim. Apesar de que acharia divertido ver Dacanal justificar e propor soluções para a suruba do Piratini. Creio que o político voltará em 2011… Dacanal é um volante brucutu que só sabe destruir, mas não sabe o que fazer, nem para onde correr, quando está com a bola. Deste modo, fiquemos por enquanto com o brucutu das letras. E aproveitemos.

Como a Editora Soles não facilita muito essa coisa de compra de livros, vamos comentar a ideia de Dacanal, esperando que um dia possamos tocar o pequeno volume que antes chamava-se Oficinas literárias: caça-níqueis, estelionato e bordel. Lamento muito que Dacanal tenha aliviado o título e talvez seu conteúdo. Seria muito interessante a “parte bordel” das oficinas, pois estou certo de que os cursos de línguas, academias de ginástica e outras reuniões eletivas do gênero servem notavelmente ao flerte e, bem, conheço tantas histórias que é melhor nem começar.

Nunca participei de oficinas literárias e o motivo é que não acredito nelas. O escritor nasce da absoluta necessidade e pressão interna de ler e escrever. É, sim, paixão. Escrever é uma forma de abordagem à inatingível verdade deste mundo e é o futuro autor quem sabe o que é preciso ler, não o tutor. Acredito que, por exemplo, seja sempre interessante e agradável ouvir alguém como Charles Kiefer ou Fernando Monteiro — até aceitaria pagar para ouvi-los! Eles sabem o suficiente para apontar caminhos de leitura ou mandar alguém trabalhar na construção civil, mas não creio que um escritor precise muito mais do que saber que existem coisas como foco narrativo, que é bom criar eficientemente um conflito, que ter uma boa história é algo interessante, que um trabalho de linguagem pode ser necessário aqui ou ali ou em tudo, que é legal ter noções da língua, de pontuação, da música das frases, etc. E que é preciso conhecer suas afinidades e a tradição de cada estilo, pois, sempre que sentamos para escrever, estamos, de uma forma ou outra, equilibrando-nos sobre os ombros de gigantes do passado, como diria Newton.

Quanto aos melhoramentos e críticas… Há coisas de Clarice Lispector que, fora de seu contexto, parecem imbecilidades. Já imaginaram a tragédia que ocorreria com a literatura brasileira se o Assis Brasil começasse a persegui-la com a intenção de deixá-la mais próxima a seu convencionalismo? Há tantas e diferentes vozes que a sabedoria teria receio de afirmar taxativamente: isto é péssimo, isto é bom! Acredito muito mais em alguém que dissesse: você, leia isto, informe-se sobre aquilo ou abra uma padaria.

No mais, o verdadeiro fracasso é entrar numa confraria dessas e sair sem uma boa amizade. Pois no fundo, lá no fundo mesmo, é este o objetivo de quem adere a uma oficina literária.

Eu acho que o livro tem tudo para ser bom e merece ser comprado e lido. Quem souber como, me avise. Afinal, a Soles tem existência mais obscura do que alguns volantes de Celso Roth.

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  1. Não sei se você sabe, mas a Folha de São Paulo publicou, pouquíssimo tempo atrás, do seu caderno Mais! de domingo, extensa matéria tratando de oficinas literárias, em termos muito mais elogiosos. Um dos escritores que passaram por uma oficina é Daniel Galera, que tece muitos elogios a um professor duma dessas oficinas. Daniel era um leitor contumaz e tinha vagas ideias de se dedicar à literatura; porém, as chaves para a compreensão dos textos para ele estavam misturadas, e ele quase nunca conseguia abrir um livro por inteiro. Analisando um conto de Tchekov (sempre ele) com um professor, afinal pode perceber a “carpintaria” da arte literária. Gostaria de me lembrar exatamente o que ele escreveu (na verdade, li com algum interesse, mas tenho muitos jornais para ler no domingo, e aí…), mas bem que você podia dar uma procurada e ler o artigo do Daniel, cuja direção é bem outra se comparada com o lançamento acima. Em síntese, uma oficina literária funciona se o professor realmente é bom, conhece bem as técnicas literárias e pode livrar seus alunos de vícios recorrentes. Isso às vezes acontece, como aconteceu com o Daniel. O seu texto está correto porque se trata, afinal, de uma avaliação sobre outras avaliações e tendo por base que, na realidade, 90% das oficinas literárias são arapucas. Nunca fiz nenhuma, mas sei que se tivesse feito uma tão boa quanto o Galera leria e escreveria melhor hoje.

    Outra questão posta no texto da Folha: muitas dessas oficinas objetivam a produção de escritores profissionais, que atendam às demandas específicas das editoras. Aí temos o problema: o escritor não como criador, mas profissional assalariado, formado para determinado gênero e levado a produzir textos de acordo com as pesquisas de mercado. A ligação das oficinas literárias com esse tipo de projeto é notório, principalmente nos EUA, daí as frequentes “sensações” literárias que são desovadas no mercado pelas editoras estadunidenses, todas elas forjadas nesse meio. Ora, o capitalismo é extensivo; havendo percentuais apreciáveis de lucro, “profissionaliza-se” a produção, larga-se o artesanato e a manufatura e parte-se para a elaboração das técnicas industriais. Essa é outra característica dessas oficinas: não auxiliar à criação, mas moldá-la às diretivas do mercado.

    Então, só aqui temos três:

    1) boas oficinas com bons professores;
    2) arapucas para subtrair numerário de pessoas sem talento e donas-de-casa;
    3) agências profissionais que capacitam talentos existentes ou não para uma produção que atenda a demandas segmentadas.

    Obviamente, o que quero dizer é que há de tudo, e não dá para dizer taxativamente “essa bosta não presta”. Pense nas escolinhas de futebol: muitos talentos são prejudicados por elas, mas em outras, dirigidas por quem conhece do riscado, talentos incipientes transformam-se em craques inquestionáveis. Aplicamos então a teoria do acaso ou do caos, ou, como se dizia antigamente, contar com a deusa Fortuna para a sorte, esperando que ela não entregue o azar. É como diz a filosofia do caminhoneiro: “Nasci nu, pelado e sem dentes. O que vier, para mim, é lucro”. Nós, enquanto leitores, temos à nossa disposição milhares de escritores nus, pelados e sem dentes. E quando eles já são bem crescidinhos, morrem tuberculosos, como Tchekov. Por coisas assim é que nos não cremos em bruxas, mas que elas existem, não há dúvida.

  2. A única coisa que pode sair lucrando de uma oficina literária é um escrevinhador engraçadinho como Mário Prata (arg!!!). Kafka, Philip Roth, Graciliano Ramos, Saramago, Hemingway, Cortázar, Mia Couto (para cumprir com uma rastreadura geograficamente correta) nunca tiveram que fazer curso intensivo de como escrever. A profissão de escritor (entendam no melhor sentido, por favor!) é aprendida e feita na solidão. Em grupos aprende-se a dançar ou coisas sigilosamente divertidas como cuspe à distância. Eu sou pelo conselho que Hemingway dava para pretensos escritores (taí um programa de ensino que vale mil cursos destes, ler os ótimos conselhos de H.), se você ver que não nasceu para a coisa, vá caçar o que fazer, ou meta um balaço na cabeça. Dizia também que um escritor deve saber a quem tem de matar (é, as metáforas típicas de Hemingway), lendo tudo que melhor foi produzido.(Estamos falando de ESCRITORES, não?). No mais, as discussões literárias de blogs como este, sem puxa saquismo, são muito mais valiosas que essas oficinas.

  3. (Pronto! O Idelber não me faz falta, mas vejo com pesar que o Saramago fechou seu caderno e o colocou de vez na estante, embora para a produção de novo livro. Miltão meu caro, fique firme!)

  4. Permitindo-se o Milton afirmar que o ato de escrever é um ato de paixão (e concordo), posso dizer, sem risco de tangenciar a pieguice, que, dentre todas as espécies de paixões, essa é do gênero das desesperadas.

    Escrever é, portanto, um ato de desespero – e, por favor, enxuguem a leitura dessa frase de toda glamourização possível. Não há nada de glamouroso, elegante e romântico nesse e em qualquer outro tipo de desespero. Não há espaço para vaidade, autocomplacência e pretensões de superioridade intelectual que sobrevivam ao processo de manifestação dessa pulsão.

    Por isso, não consigo imaginar como esse desespero pode ser “elaborado”, aprimorado, por uma oficina. “Venha cá meu amigo, vamos ver como anda essa pressão fudida aí em você. Já verificou se não é algo físico? Uma má digestão? E no terapeuta, você já foi, pra ver se uma catarse psicanalítica não resolve? Já? Perdoe as perguntas, mas é preciso ter certeza de que não há outra alternativa senão impor todo esse palavrório a si e a seu punhado de leitores hipotéticos (veja bem, “hipotéticos”). Então, estando você resoluto, venha cá com nosso grupinho pimpão, porque vamos burilar esse desespero conforme as técnicas narrativas já consolidadas”.

    Claro, há algo de técnico nessa espécie de paixão, e exige alguma habilidade, coisas que podem ser aprimoradas (e definitivamente o são, nem que seja na base do pau). Mas acredito piamente que esse aprimoramento é absolutamente idiossincrático, e a última coisa que a literatura precisa agora é que modelos consensualmente aceitos sejam repassados de modo didático a quem não foi capaz de descobri-los sozinho, em suas leituras e escritas – inclusive porque, se o sujeito foi incapaz de perceber por si a necessidade de foco (ou de brincar com a ausência propositada de foco), de musicalidade (ou de quebra cacofônica de todos os ritmos) ou de conflito (ou de expectativa de conflito nunca saciada), então pouco futuro terá como escritor “sério” (olha só essa palavra até cabe), e admita que esse lance de oficina não passou de terapia ocupacional.

  5. Oficinas literárias?
    Para mim, só para escritores!! Nunca para gerar escritores. Uma oficina literária deve ser uma experiência de troca de visões estéticas. Portanto, como já mencionou o Marcos: uma oficina literária que criasse escritores para o mercado – é claro- seria uma grande picaretagem. Pois a Literatura é o questionamento constante do presente, a entender o passado, mas criando o futuro. Ora, tal processo é verdadeiro somente para verdadeiros criadores, e não para bonecos reprodutores da ideologia vigente. Tenho uma terrível necessidade de troca de experiências estéticas!!!! Portanto, uma Oficina Literária seria uma extraordinária experiência democrática de convívio com o outro, com o diferente e que pode e é, com certeza, um belo que não se via antes. Assim, para mim, uma Oficina Literária é um exercício sadio, fundamental, à cidadania de um escritor.

    PS. Soltei as frases… O resto foi sentido… Será que houve sentido?

  6. Eu acredito na oficina literária com a mesma fé que empenho no laboratório de um honesto ourives. A joia, que sempre existiu, chega apenas para a sua lapidação. O valor da pedra é latente desde o seu início, e o trabalho exercido sobre ela faz desenraizar seu conteúdo e valor. Apenas, ali, sob o perscrutar do mestre, separam-se as preciosidades das bijuterias. Às primeiras, a eternidade como reconhecimento; às últimas, o enfeite fugaz.

  7. Precisar chamar alguém de brucutu em um texto em que aparentemente se pretende analisar ideias a respeito das quais se demonstra pouco conhecimento é, no mínimo, curioso.
    Bastante compreensível, porém, quando se tem apenas o espaço de um blog. E ainda por cima de um blog com este conteúdo.

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