Villa-Lobos, o índio de casaca tornou-se bandeira e bússola

Villa-Lobos, o índio de casaca tornou-se bandeira e bússola

A jovem repórter pergunta: “O que o senhor está compondo agora?”. O velho Villa para, pensa, dá uma baforada no charuto e responde: “Minha filha, na minha idade eu não componho mais nada, eu estou é me decompondo…”.

Heitor Villa-Lobos: compondo e se decompondo

Heitor Villa-Lobos nasceu em 1887 no Rio de Janeiro e faleceu no dia 17 de novembro de 1959, na mesma cidade. Trabalhou durante a época do nacionalismo musical que começara na segunda metade do século XIX, durante o Romantismo, nos países periféricos da Europa. Na virada do século, o movimento tornou-se mais consistente e pesquisador. O húngaro Béla Bartók, por exemplo, ia a campo viajando pelo interior da Transilvânia, Bulgária, Romênia e Hungria a fim de conhecer a música de sua gente e encantava-se com os ciganos. Stravinsky tentava nos enganar, mas usava carradas de músicas folclóricas em seus primeiros balés. Já a Espanha vinha com todo um time de nacionalistas, capitaneado por Manuel de Falla. Enquanto isso, Villa-Lobos, num primeiro momento, nem precisou viajar para pesquisar. Bastou ser violonista de grupos de chorões em sua cidade natal. Aquilo já era suficientemente exótico e acabou rendendo a série extraordinária dos Chôros.

Antes, de Villa, nossa música erudita não passava de Carlos Gomes e de acadêmicos que copiavam o que os europeus faziam. O nacionalismo trouxe voz própria à produção musical do país. Muitos compositores estudavam música fora daqui e depois voltavam a fim de mesclar a música nativa às modernas técnicas de composição aprendidas. Com Villa foi um pouco diferente. Oficialmente, estudava apenas violoncelo, porém, escondido de seus pais, estudava também violão. Melhor esconder mesmo, pois o violão era considerado um instrumento marginal, das ruas, um pobre coitado frente ao aconselhado violoncelo e ao inevitável piano.

O jovem Villa: pesquisas pero no mucho

Um carioca

Apesar de contar com a rica musicalidade carioca ali na calçada de casa, Villa viajava atrás de música pelo Brasil. Dizia ser um índio de casaca — expressão criada pelo poeta Menotti Del Picchia –, mas não parecia tão fanático pela pesquisa quanto seus colegas europeus. Em 1905, visitou os estados do Espírito Santo, Bahia e Pernambuco, passando temporadas em engenhos e fazendas, em busca do folclore e de uma  — por que não? — gastronomia local. Em 1908, chegou à cidade de Paranaguá, estado do Paraná, e cansou. Ficou lá por dois anos, tocando violoncelo para a alta sociedade e violão para os outros. Entre 1911 e 1912 participou de uma excursão pelo interior dos estados do Norte e do Nordeste. Foi nessa viagem que teria conhecido a Amazônia — fato de modo nenhum comprovado – o que marcou profundamente sua obra, segundo ele.

As primeiras composições de Villa-Lobos não diferem das de seus pares, levando o estilo europeu da virada do século XIX para o século XX. Era um sub-Wagner, às vezes um sub-Frank. Depois, evoluiu até um sub-Debussy. Só ganhou voz própria nas Danças características africanas (1914), o que confirmou nos bailados – ainda levemente xaroposos – Amazonas e Uirapuru (1917). Porém, Villa chegou com tudo à década de 1920, compondo os notáveis A Prole do Bebê e as Cirandas, para piano, e o Noneto (1923). Era ainda muito criticado por ter se tornado moderno demais. Mas pouco a pouco ganhava reconhecimento e fama.

Financiado por amigos e pela família Guinle, viajou para a Europa em 1923. Em Paris, tomou contato com a vanguarda musical da época. Lá teve o apoio do eminente pianista Arthur Rubinstein e da soprano Vera Janacópulus. Recebia as pessoas vestido de vermelho na sua sala vermelha. Paris foi um grande sucesso. Em 1927, retornou à cidade para uma temporada de três anos, com a finalidade de organizar concertos e publicar várias obras pela editora Max-Eschig, à qual foi apresentado quando de sua primeira ida à França. Fez mais amigos, e artistas como Magda Tagliaferro, Leopold Stokowski, Maurice Raskin, Edgar Varèse, Florent Schmitt e Arthur Honneger frequentam sua casa e participam das curiosas feijoadas dominicais.

A partir dessa segunda temporada na capital francesa, ganha prestígio internacional, apresentando suas composições em recitais e regendo orquestras nas principais capitais europeias. Causa forte impressão no público e na crítica, ao mesmo tempo em que provoca reações por suas ousadias.

Sala de aula e Canto Orfeônico

O poder

Villa é às vezes acusado de ter sido apoiado pelo regime de Getúlio Vargas. As relações entre o poder e os músicos e atores sempre deram pano pra manga. Compositores, por exemplo, necessitam de orquestras para divulgar seus trabalhos. Quem tem as melhores? E quem tem os melhores teatros? Mas, sim, talvez Villa tenha sido apoiado demais.

Com o patrocínio do Estado Novo, ele desenvolveu amplo projeto educacional, em que teve papel de destaque o Canto Orfeônico, e que resultou na compilação do Guia prático (temas populares harmonizados). Em 1931, o maestro organizou uma concentração orfeônica chamada “Exortação Cívica”, com 12 mil vozes. Dois anos depois, assumiu a direção da Superintendência de Educação Musical e Artística. A partir de então, a maioria de suas composições se voltou para a educação musical. Em 1932, o presidente Vargas tornou obrigatório o ensino de canto nas escolas e criou o Curso de Pedagogia de Música e Canto. Em 1933, foi organizada a Orquestra Villa-Lobos.

Em 1936, apresentou seu plano educacional em Praga e depois em Berlim, Paris e Barcelona. Já era um cidadão do mundo, compondo muito e sendo convidado para apresentar suas obras no circuito erudito mundial.

O compositor e os inseparáveis charutos

Obra

Mas falemos um pouco sobre as principais obras do compositor. A criatividade selvagem dos anos 20 – que produziram as Serestas, os Chôros, os Estudos para violão e as Cirandas para piano – foi seguida de um período “neobarroco” – em resposta ao neoclassicismo de Stravinsky –, cujo carro-chefe foi a espetacular série de nove Bachianas brasileiras (1930-1945), para diversas formações instrumentais. As Bachianas são conhecidas até de quem não convive com a música erudita, tal é seu uso por artistas populares – Milton Nascimento, Edu Lobo, Tom Jobim – como em propagandas do governo. A mistura de Villa com Bach gerou um dos sons mais autenticamente brasileiros que existem.

Apesar da extraordinária produção para orquestra, suas 12 Sinfonias não são grande coisa.

Já a música para piano é incontornável, mesmo em âmbito mundial. Sônia Rubinsky gravou recentemente a integral de sua obra para piano com enorme sucesso. Foram 8 CDs pela gravadora Naxos. O volume I foi indicado para o Grammy e também foi escolhido pela revista Gramophone um dos cinco melhores lançamentos de 1999. Destaques para Rudepoema (1926), Chôros Nº 5 (1926) e Valsa da dor (1930).

Suas composições para violão também estão entre as principais de sua obra. O Chôros Nº 1 (1924), os 12 Estudos (1924–1929), os 5 Prelúdios (1940) e a Suíte Popular Brasileira (5 peças) (1908-1912 e 1923) fazem parte do repertório habitual do instrumento.

Pouco ouvidos no Brasil, mas presentíssimos no repertório dos quartetos de cordas – principalmente na Europa Oriental – estão seus extraordinários 17 quartetos de cordas (1915–1957).

Alto risco: gravações históricas com o próprio Villa

Há várias gravações com o próprio Villa regendo suas obras, mas estas devem ser ouvidas com moderação. Os grupos nem sempre são bons e há registros das Bachianas, conduzidos pelo compositor, onde reina uma desafinação que certamente o desesperava. As gravações modernas costumam ser melhores do que as históricas.

Em sua imensa obra, o maestro combinou indiferentemente todos os estilos e todos os gêneros, introduzindo sem hesitação materiais musicais tipicamente brasileiros sobre formas tomadas de empréstimo à música erudita ocidental. E o contrário também.

Sua influência sobra nossa cultura musical foi notável. Impossível saber quantas citações musicais recebeu, desde os Beatles que o citaram em I am the Walrus até uma infinidade de referências feitas por compositores cultos nacionais, hoje entrincheirados na Biscoito Fino e nas gravadoras alternativas. Villa-Lobos foi autor de mais de mil obras. Um décimo bastaria para fazê-lo imortal. Hoje seu legado é “bandeira e bússola”, como sintetizou o violinista Turíbio Santos, responsável, aliás, por uma das melhores interpretações de sua obra para violão.

Um câncer matou Villa-Lobos em 17 de novembro de 1959, no Rio de Janeiro.

Villa mandando ver no violão

Era um espetáculo. Tinha algo de vento forte na mata, arrancando e fazendo redemoinhar ramos e folhas; caía depois sobre a cidade para bater contra as vidraças, abri-las ou despedaçá-las, espalhando-se pelas casas, derrubando tudo; quando parecia chegado o fim do mundo, ia abrandando, convertia-se em brisa vesperal, cheia de doçura. Só então percebia que era música, sempre fora música.

Crônica de Carlos Drummond de Andrade publicada quando Villa-Lobos morreu

Fonte consultada: Site do Museu Villa-Lobos

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Os 10 (ou 13) Melhores Discos Brasileiros

Os 10 (ou 13) Melhores Discos Brasileiros

Estou ocupadíssimo, então vamos a uma listinha irritante com a qual ninguém vai concordar.

1. João Gilberto – Chega de Saudade, sem comentários.
2. Elis Regina e Tom Jobim – Elis e Tom, idem.
3. Heitor Villa-Lobos – Bachianas Brasileiras com a Orquestra da Rádio Teledifusão Francesa, regência de Villa-Lobos, idem.
4. Edu Lobo – Edu Lobo (1973), o que tem Vento Bravo, Viola Fora de Moda, etc.
5. Chico Buarque – Meus Caros Amigos, acho que é o melhor do Chico. Há aquele de 1966, com A Banda, Olê, olá, Pedro Pedreiro, A Rita, Você não ouviu, etc., mas fico com este, snif.
6. Tom Jobim – Matita Perê, vocês conhecem? É um Tom curioso, muito diferente e experimental. Uma joia.
7. Egberto Gismonti – Dança das Cabeças, quem está melhor? Egberto ou Naná Vasconcelos?
8. Paulinho da Viola – Nervos de Aço, a mulher abandona Paulinho e ele passa a cometer obras-primas.
9. Milton Nascimento – Clube da Esquina 2, mas poderia ser o “1”, ou quem sabe Geraes.
10. Elis Regina – Elis Regina (1966), aquele que tem Lunik 9, Carinhoso, Tem mais samba…
11. Tom Jobim, Vinicius de Moraes e Elizete Cardoso – Canção do Amor Demais, impossível ficar de fora, mas aí já são onze e…
12. Mutantes (1968) e Mutantes (1969) – Os Mutantes, é quase um álbum duplo e ainda…
13. Hermeto Paschoal – Slaves Mass.

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