O “Não” talvez não ganhasse no Brasil e outros temas

O “Não” talvez não ganhasse no Brasil e outros temas

Tenho certeza de que o “Não” venceu com tanta facilidade em razão da Grécia não possuir voto obrigatório. A obrigação do voto leva milhões de desinteressados em política às urnas. E estes votam segundo suas vagas impressões. Na Grécia, o “Não” recebeu 3,6 milhões de votos; o “Sim”, 2,2; e o número de nulos, brancos e abstenções foi de 4,1 milhões. É normal, o tema era fundamental para o país e foi uma boa participação. 59% das pessoas votaram e 41% não foram às urnas.

Foi uma vitória legítima e esmagadora.

Creio que, se passássemos a circunstância grega para o Brasil, um plebiscito desses seria sujado com todo tipo de ruído sem sentido vindo do pessoal que não está nem aí. Aqui, o voto não é um direito, mas um dever. É mais ou menos como suportar as opiniões daqueles comentaristas esportivos que se tornam especialistas em futebol de quatro em quatro anos, durante as Copas do Mundo.

A célebre frase de Arnold Toynbee, “O maior castigo para aqueles que não se interessam por política é que serão governados pelos que se interessam, não vale no Brasil. A versão brasileira é “O maior castigo para aqueles que se interessam por política é que serão governados pelos eleitos da maioria que não se interessa”.

 Como seria nosso Congresso com o voto facultativo? Ah, duvido que fosse pior.

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Conheço gente que está vibrando com a vitória do “Não” na Grécia e que apoia o ajuste fiscal no Brasil.

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Conta-se que quando Churchill convocou a Inglaterra para um redobrado esforço de guerra, a fim de avançar com medidas que eram tidas como imperiosas para a resistência aos avanços nazistas, foi abordado pelo Ministro da Cultura do seu governo. Este teria lhe dito, conformado, “Vamos ter de cortar na Cultura!”, ao que Churchill teria respondido: “Nem pense nisso! Então, estamos a fazer esta guerra para quê?!”.

Não há comprovação de que esta resposta tenha sido de Churchill, mas que é perfeita é. E, pior, a Cultura não consome valores monetários muito importantes em nosso país, mas forma outros valores.

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Coluna social do blog. Cesare Battisti casou com Joice Lima, a companheira que sempre esteve ao seu lado nos bons e maus momentos pelos quais tem passado no Brasil. O casal tem uma filhinha.

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Saindo da política. Não creio que toda pessoa infiel seja mau caráter nem que toda fiel seja portadora de maior mérito. Afinal, talvez alguns destes só não tenham tido oportunidade de trair. Ou tenham negado amor a quem depois os traiu. Mas um subproduto defensivo de preconceitos burros é o fato de que conheço pessoas que traíram e que guardam raiva mortal do parceiro ou ex-parceiro fiel, inclusive mentindo a seu respeito. É como uma profilaxia contra a improbabilidade de este sair berrando por aí fui traído, fui traído! E criam todo o tipo de factoides a respeito, produzindo um fictício fracasso pessoal do outro. É como justificar o envenenamento de seu cão inventando que ele cagava toda a sala e mordia as visitas. É uma forma de recusa à veracidade causada pelo medo do julgamento.

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 53 anos da morte de William Faulkner, ontem.

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Esta manhã, ouvi os belíssimos Vingt regards sur l’enfant-Jésus (Vinte olhares sobre o menino Jesus). É uma suíte de 20 peças para piano solo do compositor francês Olivier Messiaen (1908-1992) . Foi composta em 1944 e tem duração aproximada de duas horas. A obra é uma meditação sobre a infância de Jesus. Mas sou ateu e, para mim, trata-se de música absoluta e fim. Simplesmente não faço conexões. Apenas gosto e acho que o carolão Messiaen foi um dos maiores compositores do século XX. Minha igreja é a sala de concertos, Messiaen.

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O Inter teve 24 jogadores lesionados em 2015. Um recorde.

A aventura de Cesare Battisti em Caxias do Sul

É claro que a livraria Do Arco da Velha não é obrigada a comprar brigas que não são suas, mas deveria ter tomado uma posição clara e firme em relação aos ataques que sofreu na semana passada. Uma livraria deve ser sempre um espaço de civilidade e esta deve prevalecer, mesmo numa situação difícil. Explico: a Do Arco da Velha, de Caxias do Sul, tinha marcado no último sábado uma sessão de autógrafos com Cesare Battisti, que acaba de publicar seu 18º livro, Ao pé do muro (Martins Fontes). Porém, dias antes do evento, deixou-se intimidar por um bando de malucos que, no Facebook, prometeram hostilizar e até matar o italiano Cesare Battisti, ex-militante do PAC italiano (Proletários Armados pelo Comunismo) e desistiu do evento marcado. É claro que ninguém mataria Battisti. Todos seguiriam vivendo suas vidas, uns mais mal humorados do que outros. Na minha opinião, a livraria deveria ter ignorado publicamente os ataques e mantido a sessão — não sem antes avisar a polícia porque poderiam acontecer manifestações. Seria uma atitude contra o obscurantismo, a intolerância e o provincianismo. Tenho certeza de que nem manifestações ocorreriam.

Não interessa se Battisti é um bom autor. Não interessa se ele matou. Não interessa se foi julgado à revelia. Nosso país formou-se a partir de imigrantes e, se eles estão aqui legalmente, devem ter liberdade de trabalhar honestamente e produzir, sem serem ameaçados. Não entendo o gênero de conspurcação que a cidade sofreria com a presença do ex-militante e atual escritor. Caxias está no Brasil, assim como Battisti.  Queiram ou não, ele está no país legalmente, escreveu 18 livros — 15 na França, em liberdade — e, se quisesse, poderia processar quem o chama de assassino. Afinal, o STF liberou o homem, que pode ir a vir.

A manifestação da livraria caxiense no Facebook foi pusilânime, para dizer o mínimo. Lavou as mãos, como se o convite tivesse sido enfiado goela abaixo pela Martins Fontes:

Na maior parte dos casos não somos nós que buscamos um ou outro autor em específico para um lançamento, mas as editoras ou os próprios autores nos procuram para estes eventos. No caso do autor Cesare Battisti, a editora Martins Fontes do Rio de Janeiro que publica sua obra, nos procurou, pois a vinda do autor estava certa para o estado do Rio Grande do Sul, com um lançamento programado para Porto Alegre. Eles quiseram aproveitar e incluir um lançamento na cidade de Caxias do Sul. Entendam que não estamos trazendo ele a Caxias do Sul, estamos cedendo o lugar para o lançamento do livro e sessão de autógrafos.

O que é isso??? Lamentável manifestação, a qual foi complementada pelo cancelamento da sessão de autógrafos, sem aviso no Facebook. A livraria deveria defender Battisti, fazendo frente à truculência e à barbárie. Lembro que uma vez, há uns trinta anos atrás, num churrasco na casa de um amigo, este fez uma série de ironias com um convidado, o qual ficou visivelmente constrangido e incomodado. Não respondeu. Pois o dono da casa, pai do autor das ironias, reagiu fortemente:

— Meu filho, aprenda de uma vez por todas uma coisa. Todos os convidados, em nossa casa, todos, sem exceção, são sempre recebidos com educação. São convidados e não merecem sentir-se excluídos.

O churrasco acabou bem e jamais esqueci daquilo. Cumpro em minha casa. A Palavraria recebeu Cesare Battisti normalmente aqui em Porto Alegre. Quem quis ir, foi; quem não quis, ficou em casa, assim como quem detesta o escritor como um terrorista assassino. É simples assim.

Alguns caxienses organizaram outra sessão de autógrafos e leituras do livro. Foi ao livre, numa residência da cidade. O escritor chegou simpático e sorridente. Foi bem recebido.   Lá tinha mais luz do que na tal livraria. Quem quis vê-lo, viu. É assim que se faz.

Bela entrevista de Celso Bandeira de Mello

Retirado daqui.

Trecho:

Trinta anos depois, juízes e autoridades italianas ainda manifestam muito ódio em torno do caso. Ofenderam o ministro da Justiça brasileiro (“ele disse umas cretinices”) e o presidente chamando-o de “cato-comunista”. Isso é de uma grosseria impensável. Falaram em boicotar produtos brasileiros e o turismo no Brasil, caso a decisão no caso Battisti fosse contrária aos seus interesses. Isso é inaceitável. Disseram ainda que o Brasil é um “país de bailarinas”, uma descortesia monumental, grosseria inominável. Afirmações melodramáticas e ridículas que só depõem contra seus autores e a favor da decisão do ministro da Justiça brasileiro. Se, trinta anos depois, esse é o clima, imagine o que era quando Battisti foi julgado e que risco ele corre hoje se for extraditado. Por isso, a decisão do ministro da Justiça foi correta quanto ao refúgio.

Cabe agora ao presidente da República decidir. Se eu estivesse na pele dele, depois de tanta pressão e insultos por parte de autoridades italianas, eu não cederia. Ninguém disse aqui, por exemplo, que o parlamento italiano é mais conhecido pela Cicciolina. Ninguém disse também que o sr. Berlusconi é mais conhecido por seu apreço por jovenzinhas do que por sua intuição política. Nenhum parlamentar ou autoridade brasileira disse isso. Se dissesse, estaria tomado por uma fúria total. Seria uma grande grosseria. O que dizer, então, de um prisioneiro que é objeto de tamanha sanha?