A aventura de Cesare Battisti em Caxias do Sul

É claro que a livraria Do Arco da Velha não é obrigada a comprar brigas que não são suas, mas deveria ter tomado uma posição clara e firme em relação aos ataques que sofreu na semana passada. Uma livraria deve ser sempre um espaço de civilidade e esta deve prevalecer, mesmo numa situação difícil. Explico: a Do Arco da Velha, de Caxias do Sul, tinha marcado no último sábado uma sessão de autógrafos com Cesare Battisti, que acaba de publicar seu 18º livro, Ao pé do muro (Martins Fontes). Porém, dias antes do evento, deixou-se intimidar por um bando de malucos que, no Facebook, prometeram hostilizar e até matar o italiano Cesare Battisti, ex-militante do PAC italiano (Proletários Armados pelo Comunismo) e desistiu do evento marcado. É claro que ninguém mataria Battisti. Todos seguiriam vivendo suas vidas, uns mais mal humorados do que outros. Na minha opinião, a livraria deveria ter ignorado publicamente os ataques e mantido a sessão — não sem antes avisar a polícia porque poderiam acontecer manifestações. Seria uma atitude contra o obscurantismo, a intolerância e o provincianismo. Tenho certeza de que nem manifestações ocorreriam.

Não interessa se Battisti é um bom autor. Não interessa se ele matou. Não interessa se foi julgado à revelia. Nosso país formou-se a partir de imigrantes e, se eles estão aqui legalmente, devem ter liberdade de trabalhar honestamente e produzir, sem serem ameaçados. Não entendo o gênero de conspurcação que a cidade sofreria com a presença do ex-militante e atual escritor. Caxias está no Brasil, assim como Battisti.  Queiram ou não, ele está no país legalmente, escreveu 18 livros — 15 na França, em liberdade — e, se quisesse, poderia processar quem o chama de assassino. Afinal, o STF liberou o homem, que pode ir a vir.

A manifestação da livraria caxiense no Facebook foi pusilânime, para dizer o mínimo. Lavou as mãos, como se o convite tivesse sido enfiado goela abaixo pela Martins Fontes:

Na maior parte dos casos não somos nós que buscamos um ou outro autor em específico para um lançamento, mas as editoras ou os próprios autores nos procuram para estes eventos. No caso do autor Cesare Battisti, a editora Martins Fontes do Rio de Janeiro que publica sua obra, nos procurou, pois a vinda do autor estava certa para o estado do Rio Grande do Sul, com um lançamento programado para Porto Alegre. Eles quiseram aproveitar e incluir um lançamento na cidade de Caxias do Sul. Entendam que não estamos trazendo ele a Caxias do Sul, estamos cedendo o lugar para o lançamento do livro e sessão de autógrafos.

O que é isso??? Lamentável manifestação, a qual foi complementada pelo cancelamento da sessão de autógrafos, sem aviso no Facebook. A livraria deveria defender Battisti, fazendo frente à truculência e à barbárie. Lembro que uma vez, há uns trinta anos atrás, num churrasco na casa de um amigo, este fez uma série de ironias com um convidado, o qual ficou visivelmente constrangido e incomodado. Não respondeu. Pois o dono da casa, pai do autor das ironias, reagiu fortemente:

— Meu filho, aprenda de uma vez por todas uma coisa. Todos os convidados, em nossa casa, todos, sem exceção, são sempre recebidos com educação. São convidados e não merecem sentir-se excluídos.

O churrasco acabou bem e jamais esqueci daquilo. Cumpro em minha casa. A Palavraria recebeu Cesare Battisti normalmente aqui em Porto Alegre. Quem quis ir, foi; quem não quis, ficou em casa, assim como quem detesta o escritor como um terrorista assassino. É simples assim.

Alguns caxienses organizaram outra sessão de autógrafos e leituras do livro. Foi ao livre, numa residência da cidade. O escritor chegou simpático e sorridente. Foi bem recebido.   Lá tinha mais luz do que na tal livraria. Quem quis vê-lo, viu. É assim que se faz.

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  1. Acho que o autor deste texto não conhece Caxias e a importância do fascismo por aqui. Tampouco sabe do teor das ameaças à livraria, nem viu o incentivo que o jornal diário local da RBS deu às ações de repúdio à vinda de Battisti. Até o José Clemente Posenato, escritor reconhecido na cidade, insinuou boicote ao estabelecimento.

  2. Também achei um atraso e uma covarde atitude de conivência da livraria com as frentes da ignorância e intolerância nacionais. A livraria não pensou no prejuízo dado aos leitores que já tinham reservado passagens aéreas e estudado os mapas de melhores vias de acesso de Caxias do Sul. Meu prejuízo mesmo, sorte minha, foi apenas parcial, mas mesmo assim um tanto lastimável a alguém que tem uma família para sustentar. Quando às passagens e hotel, com esforço eu consegui desmarcar por telefone sem maiores desgastes, mas tive que endossar um cheque calção do aluguel do carro e o homem que me vendeu as munições no mercado negro não aceitou de maneira nenhuma devolução do dinheiro.

    1. Estou pensando em caçar alguns javalis junto com o Charlles aí pelas pregas, digo, plagas de Caxias do Sul. Quem sabe abatamos também alguns veados da subespécie bezoartiCUS bezoartiCUS” que aBUNDAm essas zonas meridionais.

  3. Preocupa-me mais a tolice do comentário de Charlles Campos do que a truculência do fascista que comentou lá em cima. A questão é séria e realmente não interessa o fato de gostarmos ou não de Battisti. Caxias tem vocação autoritária. Caxias herdou do Vêneto o que ele tem de pior.

    1. Adriano, desculpe. A culpa é minha. Faltou esclarecer que as munições_agora que me dei conta, ficou parecendo outra coisa, né?_ é para o famoso torneio tradicional de agosto de caça ao javali de Caxias do Sul, do qual eu iria participar depois de pegar o autógrafo de Battisti. Sou um caçador inveterado de catitus aqui do Centro Oeste, e me disseram que os javalis aí de Caxias são muito parecidos com esses bichinhos do cerrado: sisudos em demasia, fazem o maior alvoroço com seus roncos enfurecidos quando em grupo, mas sempre encolhem o pelo e fogem disperso, com os rabinhos entre as pernas quando aparece algum senhor com um fuzil para abatê-los.

  4. 1) Eu sou Italiano, nascido em ROMA morando em Porto Alegre
    2) Estou impressionado com a falta de conhecimento dos Brasileiros da Historia Italiana dos últimos 40 anos.
    3)Nao é aqui o lugar para mostrar a Historia, mas gostaria evidenciar só uma pequena coisa, “O acordo” que o estado Italiano fez com a Mafia Siciliana nos ultimos 20-30 anos aqui o link http://www.ilfattoquotidiano.it/2012/07/29/trattativa-parla-pentito-mutolo-stato-e-mafia-da-sempre-a-braccetto/309643/
    seria como descobrir de um pacto secreto entre o PCC e os políticos de Sao Paolo.. …e vocês ainda acha que Batisti é O problema? Ingênuos…muito ingênuos esse brasileiros…

    1. Minha mulher é membro de um partido político italiano e também lamenta a desinformação. A importância dada ao caso é algo que invade a estupidez e a utiliza como morada.

    2. O problema não é Fulano ou Ciclano. O problema é quando uma pessoa livre perde o direito de expressão, que deveria ser o assunto central de toda a discussão e defendido por todos, principalmente meios de comunicação e pessoas formadoras de opinião
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  5. O caso Battisti é um daqueles em que há tantos interesses envolvidos que só uma coisa falta: a verdade. Sou incapaz de pronunciar qualquer mínimo parecer acerca do homem, de seus crimes, de suas culpas ou de sua inocência (se não integral, parcial, consideradas todas as informações – contraditórias – que temos de seus “atentados”, “ações” ou meros assaltos).

    Há quem se interesse pelos livros dele; não sei sei são bons, ruins, razoávbeis, aceitáveis. Coloco-os no limbo dos “livros de celebridades” – quase nunca sai nada que preste daí, ou nunca mesmo.

    A ação terrorista via Facebook ou demais vias internáuticas virou uma praga contemporânea. Intimidação de todos os lados por todas as causas. É uma pena que isso resulte em algumas sujeições por puro cagaço.

  6. A livraria é um pequeno negócio no centro de Caxias do Sul. Um local pequeno e acolhedor, sempre quentinho no inverno. Funciona como livraria e bistrô. Um dos locais preferidos dos escritores de Caxias do Sul. Vamos colocar a culpa em quem tem culpa. O sujeitinho ou sujeitinhos ameaçaram os funcionários do dono da livraria. Esse ou esses é que deveriam ser criticados e não o proprietário do negócio. Quem manda carta anônima é desprezível. Ponto. Quem ameaça, quem não mostra o rosto, é indivíduo cruel, sem honra nenhuma. Poxa, pessoal, não se faz isso! É mexer no coração do comerciante, mesmo que o comerciante seja um intelectual como é o dono do Arco da Velha. Isso assusta. Vc pode mexer com ele, com a família, com quem for, agora, quando começa a mexer com a integridade física dos funcionários de um pequeno negócio… é mexer em ponto vital. Fácil criticar quando a ameaça não é com vc!

    1. A polícia foi avisada, Ângela? Sabes deste detalhe? Eu não sei. Tentei ligar para um certo Germano. É o dono? Ninguém me atendeu no celular que consegui. Liguei ontem.

      1. Segundo a livraria, registraram ocorrência junto a polícia, sim. Recebem muitas ameaças, mas o problema maior foi quando passaram a ameaçar a integridade física dos funcionários. Sim, o proprietário chama-se Germano. Veja, aqui vc encontra o site da livraria e o fone: http://www.doarcodavelha.com.br/

  7. SOLIPSISMO
    by Ramiro Conceição
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    Ainda bem que há uma rota, uma pseudoliteratura de autoajuda, um solipsismo que interessa muito à perpetuação de nossa elite, raça, classe e religião.

    Minhas experiências, crenças e vontades são, sob o poder ensinado por sábios brancos, os únicos acontecimentos de interesse debaixo desse sol. Logo, você e você, mestiços, são apenas partes dentro desse branco “eu” exitoso.

    Há muito que minha estirpe é vencedora: meu tataravô, meu bisavô, meu avô e meu pai foram senhores de engenho, seringueiros, cafeicultores e, contemporaneamente, diretores industriais… Sempre estivemos a ditar as normas dessa dita República: “Contra fatos não há argumentos” – diz o time vencedor de nossos melhores políticos, de nossos melhores intelectuais, de nossos melhores padres e pastores celestiais.

    Historicamente fomos, somos e seremos os generais, os professores, os ditos vencedores. Ainda mais: somos donos dessa respeitável academia; nossos filhos e aqueles dos amigos de nossos amigos – há muito! – são engenheiros, médicos, advogados, jornalistas, publicitários e os tais economistas desse nosso mundo globalizado.

    Aliás, é bom lembrar que desde sempre comemos as suas filhas adolescentes e seus tristes filhos dominados e denominados putos, ou putas, por vocês mesmos…: ralé de manipuláveis diante de qualquer câmera de TV! É bom lembrar que, antes pretos ou índios, vocês passaram a mulatos, cafuzos e caboclos – essa cor acobreada meridional que é devida a nós batizados ironicamente, por vocês, de branquelos. Ora, que troço é esse agora de cotas pra estudar em nossas melhores escolas? Que história é essa agora de afirmar cientificamente que não existem raças? Que negócio é esse agora de direitos humanos pra esse bando de viados ambientalistas ou pra esse monte de sapatas que, sem qualquer escrúpulo, se beijam no interior de qualquer shopping center?

    É uma abominação crer ainda no socialismo – essa religião maldita que prega, com esperança!, o direito à semelhança e à diferença de todos diante da vida – depois do fracasso de 1989… Ora, vocês não passam de pérfidos sonhadores degenerados! Nunca se esqueçam que a escola é uma instituição criada, planejada e desenvolvida pra nós – e por nós – brancos!

    Afinal, já distribuímos os pedaços da nossa santa caridade nesses cruzamentos ou nessas instituições filantrópicas dessas cidades quando vocês, miseráveis sem um traço de educação nem de gratidão, estão a implorar trapos ou trocados. Será que vocês não compreendem?! Não dá pra descontar no imposto de renda, pois não há cotidianas notas fiscais associadas à miséria; e nem um medidor de nossa terrível dor diante da tristeza desse mundo.

    Por isso, construamos igrejas e redomas imobiliárias à oferta e à demanda desse mercado de Deus. Sejamos competitivos empreendedores saqueadores. O resto?… Que se dane!… Não estaremos aqui!

    O que importa é esse solipsismo, esse nosso presente absoluto; e que a onipotência e o narcisismo de nossa raça cheguem ao sadio estágio produtivo do paroxismo, enquanto há tempo!

    Afinal, nós não existimos sem vocês!

  8. E ninguém comenta o ato antidemocrático dos caxienses que ameaçaram de explodir a livraria Do Arco da Velha? Independentemente de ser Battisti culpado pelos crimes dos quais é acusado, num Estado dito Democrático de Direito, é absolutamente impensável impedir que um escritor realize uma sessão de autógrafos. Tenho vergonha da intolerância dessa cidade, terra de PIB alto, mas de povo com horizontes estreitos. Todo o meu repúdio a esse verdadeiro atentado contra a democracia e a liberdade de expressão.

  9. Não é por nada não, mas foi de matar de rir o comentário de que “Estou impressionado com a falta de conhecimento dos Brasileiros da Historia Italiana dos últimos 40 anos.”. Ficaria ainda mais se soubesse também da falta de conhecimento dos Italianos da Histólia Brasileira dos últimos 40 anos. E ainda mais da falta de conhecimento dos Italianos da Histólia Italiana dos últimos 40 anos. Pura manifestação de vaidade eurocêntrica.

      1. Me lembrei do John Lennon pós-Beatles defendendo a antiga banda de ataques na imprensa por parte de Mick Jagger: “Eu falar mal dos Beatles é uma coisa, mas outra pessoa alheia falar, aí eu já não admito.”

    1. Eu fico impressionado com o desconhecimento dos brasileiros mesmo. Quando vou à Argentina e ao Uruguai, é claro que eles conhecem muito mais de nós do que no sentido contrário, isso sem falar nos portugueses que leem — muito — e sofrem com nossa aterradora literatura. Já cansei de ouvir perguntas de portugueses sobre gente que nem imagino quem seja, mas que eles conhecem.

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