No dia do falso aniversário do LP, a longa polêmica com o CD

No dia do falso aniversário do LP, a longa polêmica com o CD

Publicado em 31 de agosto de 2013 no Sul21

Um bolachão em uso | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21
Um bolachão em uso | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

Por Milton Ribeiro e Nícolas Pasinato

Há poucos anos, o jornalista e escritor Luiz Biajoni escreveu sobre um fato que batizou de “Síndrome da Biblioteca de Babel”, ou seja, a desvalorização de conteúdos que — em velocidade e grande profusão — são veiculados na internet. Seu foco era a música. No século passado, comprava-se música em LPs e eles não eram nada baratos. Os jovens que gostavam de música e que recebiam apenas uma mesada de seus pais tinham que economizar para comprar um vinil por mês e olhe lá. E, se o disco fosse ruim, era uma pequena tragédia, pois tinha-se que aguardar 30 dias pela próxima chance. Errava-se raramente, mas acontecia, e a coleção de discos costumava ser bem ouvida, muito amada e motivo de orgulho.

Hoje, o melômano baixa músicas em tal quantidade e de tal forma que muitas vezes não as relaciona com o CD de origem, ou seja, com o trabalho completo do artista que montou o CD com cuidado e coerência. Ouve-se as canções sem saber de que disco saíram, o que para velhos puristas é uma heresia inconcebível.

Este artigo não é passadista, mas canta algumas qualidades dos LPs, daqueles velhos bolachões de vinil com suas belas capas e brilhantes discos pretos de 30 cm de diâmetro que podem ainda ser encontrados em sebos que, às vezes, cobram fortunas pelas raridades.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
Loja de vinis no centro de Porto Alegre | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Há controvérsias sobre qual teria sido o primeiro LP da história. Os alemães têm sua versão, falsa, de que o vinil surgiu há 62 anos, no dia 31 de agosto de 1951. Na época, era chamado de long-play (LP) e teria sido produzido pela gravadora alemã Deutsche Grammophon, fundada em 1898 e ainda hoje em atividade, sendo a mais antiga do mundo.

Porém, a versão correta é a de que a Columbia Records não apenas desenvolveu como lançou o LP que girava a 33 1/3 rotações por minuto (rpm) e era capaz de armazenar até 30 minutos de áudio de cada lado. O primeiro LP foi The Voice of Frank Sinatra, de 1948.

O que é indiscutível é que a tecnologia do disco de vinil surgiu no final da década de 1940. O vinil é um tipo de plástico, usualmente na cor preta, que pode ser reproduzido através de um toca-discos. O disco possui um longo sulco em forma de espiral que conduz a agulha do toca-discos da borda externa em direção ao centro, em sentido horário. Estes sulcos são microscópicos e fazem a agulha vibrar. Essa vibração é transformada em um sinal elétrico que é amplificado e transformado em som audível.

O vinil é um tipo de plástico muito delicado e qualquer arranhão pode ser ouvido, comprometendo a qualidade sonora. Idealmente, os discos devem permanecer limpos, livres de poeira e guardados na posição vertical — de forma a não ficarem empenados –, dentro de sua capa e de seu envelope ou plástico de proteção. Tudo isto é necessário porque a poeira pode tanto prejudicar o disco quanto a agulha.

Disco com poeira prejudica não apenas o vinil e a gulha como a audição | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21
Nunca deixe seu disco assim… A poeira prejudica não apenas o vinil e a agulha como a audição | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

Voltando à história. Um ano depois, o primeiro vinil de 45 rpm foi produzido pela RCA. Ele tinha 18 cm de diâmetro e reproduzia 3 minutos de áudio de cada lado, ou sejam, trazia o mesmo tempo de música que seus predecessores, os grandes e pesados 78 rpm. Como os 45 rpm eram leves, também eram ideais para aos grandes sucessos populares e os fabricantes de jukeboxes.

Um toca-discos com o 45 rpm do clássico ‘Dreidel’, de Don McLean

O 45 rpm era leve, pequeno, tinha som melhor que os 78 rpm e, assim como os LPs, era flexível, só quebrando por extrema imperícia do dono. Logo, os 45 rpm também receberam versões em 33 1/3, ganhando um pouco mais de tempo de gravação e os novos nomes de compactos simples (com uma canção de cada lado) e duplo (com quatro ao todo).

Em 1958, chegaram os discos estereofônicos, que tinham dois canais em cada sulco, o que tornou necessário duas caixas de som que não reproduziam exatamente o mesmo som, como acontecia com os LPs anteriores, que passaram a ser chamados de mono. Até 1970, o estéreo era geralmente usado apenas para LPs, quando os compactos começaram a aparecer em versões também em estéreo.

No final dos anos 80, os vinis começaram a ser substituídos pelo CDs. Mas nostálgicos costumam cantar as vantagens dos antigos LPs sobre os atuais CDs e mp3.

O Sul21 convidou o engenheiro de áudio Marcos Abreu para traçar paralelos entre as duas tecnologias.

Marcos Abreu
Marcos Abreu: os LPs requerem cuidados, mas mantêm dinamica original | Foto: Facebook

Sul21: Quais são as principais diferenças entre as gravações analógicas e digitais

Abreu: A princípio, tanto a gravação analógica quanto a digital têm limitações ou características próprias. A analógica, a dos LPs, tem a informação completa e a digital tem a informação fragmentada, convertida em bytes e bits, números. O que o pessoal mais sente de diferença entre o analógico e o digital é que hoje as gravações digitais são muito comprimidas para conseguir maior volume, enquanto que os discos analógicos mantém em grande parte a dinâmica original. Com a manutenção desta dinâmica as coisas ficam mais naturais no analógico do que nesse digital que é vendido hoje. Não quer dizer que as gravações digitais sejam ruins. É que são coisas diferentes. O problema é a forma com que o digital está sendo trabalhado. Ele entrou numa guerra de volume e compressão que acabou estragando um som que deveria ser bom.

Sul21: Pode se dizer que o som do vinil é melhor do que o do som do CD?

Abreu: Não. Não posso dizer isso. Posso dizer que algumas gravações em digital têm sonoridade ruim, mas em princípio o CD teria toda a capacidade de ter um bom som. Os excessos acabaram estragando o som do CD.

Sul21: E quais seriam as vantagens do analógico?

Abreu: A principal vantagem do analógico é a dinâmica mais preservada. Só que ele depende muito do equipamento onde é reproduzido, porque o vinil é muito mais dependente da qualidade do equipamento de som do que o CD. Para conseguir uma qualidade boa de um vinil, é necessário um equipamento bem mais sofisticado do que simplesmente um aparelho de CD ou um iPod ou um iPad. O som digital pode ser reproduzido com facilidade, mas para escutar um vinil é necessário um bom toca-discos, uma boa cápsula, uma boa agulha, um bom amplificador. Claro que tendo bom equipamento analógico tu consegues som de excelente qualidade.

Outra diferença do digital para o analógico é o nível de ruído. O digital é muito mais limpo. O analógico sempre vai ter um estalinho, um chiadinho ou um ruído do disco. Afinal, é um processo mecânico de extração de som. O desgaste é outro ponto crítico. O vinil tu escutas 10 vezes e ele começa a ficar mais com mais ruído e o CD tu escutas mil vezes ele vai continuar tocando igual, mas, em compensação, a durabilidade do disco analógico é muito maior. O vinil hoje tem mais de 100 anos o CD tem só 20. Além disso,hoje,  o custo do vinil é bem maior que o do CD.

Glamour
Glamour

Sul21: Vários artistas “cults” gravam seus trabalhos nas duas plataformas. Como é isso?

Abreu: O que está acontecendo é que as pessoas vêm sendo enganadas pelo vinil falso, que é uma gravação digital colocada em vinil. E as pessoas acham que estão escutando o som analógico, mas não estão. Um disco gravado hoje, em digital, é lançado em vinil e as pessoas compram aquilo achando que o som é analógico e não é. É um som digital ‘vinilizado’. As verdadeiras e boas gravações analógicas são as antigas, que são as analógicas desde a origem.

Sul21: O que escolher?

Abreu: O que determina é o gosto de cada um. Há pessoas que vão ouvir o vinil e achar muito melhor. Outro vai ouvir o digital e gostar. Há pessoas que dizem que o digital é pobre, porém limpinho. Porque ele é pobre de som, mas é limpinho, não tem ruído nem chiado.

Sul21: O vinil dá muito trabalho?

Abreu: No vinil, há que cuidar a qualidade da cápsula e da agulha, para que esta não esteja gasta. Ela tem que ser nova. E é fundamental estar sempre passando um paninho no disco. E tem que ter cuidado para não arranhar. Cuidado no manuseio. Ou seja, há fatos mecânicos envolvidos no vinil que no CD ou equipamento digital, não há.

Sul21: O que faz algumas pessoas colecionarem vinis? 

Abreu: O charme. Colocar o vinil e escutá-lo é bem diferente do que pegar um pendrive. Aquilo não tem graça nenhuma. Eu prefiro chegar na minha sala, pegar um disco de vinil e colocar para tocar. Acho que tem um ritual envolvido que o CD, o pendrive e os players digitais não têm. É uma sensação diferente.

Todo o charme do vinil
Todo o charme do vinil

Clube da Esquina, um jovem aos 40 anos

Publicado originalmente no Sul21 em 1º de maio de 2012

Clube da Esquina (1972). Clique para ampliar.

A capa de Clube da Esquina, fundamental álbum duplo de Milton Nascimento e Lô Borges, que completou 40 anos no mês de abril deste ano, era enganadora. Nada poderia ser mais despojada do que a fotografia dos dois meninos ao lado. Durante muito tempo pensou-se que era uma foto da infância de Bituca e Lô — de Milton Nascimento e seu parceiro Lô Borges. Não. É uma foto de Tonho e Cacau, clicados pelo  fotógrafo Cafi (Carlos da Silva Assunção Filho) a caminho da fazenda da família de um dos letristas do disco, Ronaldo Bastos. Eles nunca mais foram reencontrados pelos autores do disco e pelo fotógrafo. Apenas no mês passado, o jornal o Estado de Minas colocou-se em campo atrás da dupla. Após mais de 50 consultas no entorno da cidade fluminense de Nova Friburgo, sempre com o disco de vinil na mão, os repórteres Ana Clara Brant e Carlos Marcelo chegaram à dupla, que ainda reside nas redondezas.

Ouvindo-se o disco hoje, ele impressiona por vários motivos e gera alguma incompreensão, a começar pelo mais datado dos questionamentos: por que a maioria dos críticos da época o destroçaram? Pensando retrospectivamente na música que havia na época, só podemos colocar Clube da Esquina ao lado dos trabalhos de Caetano, Gil e dos Mutantes. E mais: num contexto onde ainda eram comuns gravações sem o menor apuro técnico, o disco de Milton e Lô estava atualizado não apenas com a qualidade dos trabalhos dos Beatles e do rock progressivo do exterior, mas com a irreverência dos Mutantes, ao menos no âmbito dos arranjos. E ainda mais: ele significava um passo adiante ao saltar sobre os ombros da bossa nova e da MPB para ver mais adiante. Tão adiante que, ao ouvirmos o disco hoje, não achamos que esteja entrando na quinta década.

Milton e Lô Borges compondo na sala da casa dos pais de Lô, em BH | museuclubedaesquina.org

Ele vem de uma época bem diferente da atual. Os discos de vinil eram caros e a maioria das pessoas comprava um ou dois discos por mês. Como disse o jornalista e escritor Luiz Biajoni, naquela época, antes do surgimento dos CDs e da digitalização da música, nós “economizávamos uma grana suada para comprar um bolachão de vinte e poucos minutos de cada lado a fim de escutá-lo um mês inteiro, pois a grana para o próximo disco só pingaria no mês seguinte”. Segundo Biajoni, esta atenção ao artefato cultural tornava mais significativos os trabalhos dos músicos, principalmente se comparada com a verdadeira “Síndrome de Babel” que hoje nos deixa armazenar milhares de discos num computador para ouvi-los sem maior carinho. Como Clube da Esquina era um álbum duplo, ele requeria um investimento dobrado — um investimento de dois meses, se pensarmos em como comprávamos discos na época —  e era um considerável objeto de cobiça. Tal fato reforçava em muito o caráter mítico do disco. Poucos eleitos o possuíam em casa (a não ser que fossem filhos — caso deste comentarista — de um pai melômano e de ouvidos abertos). Então, ele circulava muito em fitas cassete, depois do proprietário dizer com ar casual: “Eu tenho o disco em casa. Se vocês quiserem, posso gravar”.

A surpresa deste disco de Milton Nascimento era a presença de Lô Borges como co-autor. Afinal, Milton já tinha quatro discos gravados e uma firme reputação como cantor e compositor. Era o autor de Travessia, de Morro Velho e de alguns outros sucessos. Repentinamente, ele fez à gravadora Odeon dois pedidos quase escandalosos: o de gravar um álbum duplo e o de dar a parceria do álbum ao desconhecido Lô Borges. “Eu era um menino, aquilo era uma novidade completa em minha vida porque eu não tinha nem carreira musical. Era um iniciante, não sabia nem se queria ser um músico profissional. Minha única credencial era a de ser co-autor de Para Lennon e McCartney”, comenta Lô.

Porém, Milton Nascimento estava determinado a gravar Clube da Esquina de qualquer maneira e de não alterar o projeto, segundo Lô Borges: “Quando o Milton fez o convite-convocação, a gravadora ainda nem tinha topado a gravação do disco. Ele tinha um contrato com a Odeon e foi logo dizendo que, se não topassem fazer a coisa,  procuraria outro grupo para oferecer o projeto”. Havia também a questão familiar. Lô tinha 18 anos e precisaria ir ao Rio de Janeiro gravar o disco. “Estávamos debaixo de uma ditadura barra pesada. Minha mãe não queria que eu fosse, eu viajei meio rompido com a família. Só depois eles perceberam que era algo significativo na minha vida. Era aquele terror da ditadura, né? Três ou quatro pessoas morando juntas em uma casa já eram consideradas subversivas”, diz.

E foram morar na praia de Piratininga, em Niterói. “Milton ficava num quarto compondo, eu ficava noutro e o Beto Guedes circulando de quarto em quarto para ver o que o Bituca estava produzindo e o que eu estava fazendo”, recorda-se. “Eu era meio hippie, o Milton era mais politizado”.

Show no Clube Trespontano na época da composição de Travessia” (Três Pontas - MG) | museuclubedaesquina.org

O resultado foi um disco de referência para músicos e surpreendente para os ouvintes até hoje. Tantas daquelas canções foram regravadas por outros artistas que o Clube da Esquina mais parece uma antologia e não a produção de um artista em um período limitado de sua vida; isto é, não parece um disco rotineiro. Das 21 canções do álbum duplo, várias foram regravadas e estão na memória dos que ouvem MPB. Por exemplo, no mínimo Tudo que você podia ser, Cais, O trem azul, Cravo e Canela, San Vicente, Um girassol da cor do seu cabelo, Paisagem da JanelaMe deixa em paz, Nada será como antes, Saídas e bandeiras e Clube da Esquina Nº 2, são onze canções frequentes em rádios de bom nível e em bares idem. Boa parte delas fazem parte da memória comum de música brasileira presente em nossos cérebros.

Mas o que diferencia este disco de seus antecessores? Por que , além das razões que elencamos, ele é tão cultuado? Que novidades traz?

Em primeiríssimo lugar, traz a qualidade de Milton Nascimento como compositor. E não foi um caso único em sua carreira. Naqueles anos 70, Milton produziu maravilhas, uma atrás da outra. Era um artista sofisticado. Tanto que depois criou o altamente experimental Milagre dos Peixes, fruto de uma mente inquieta e dos problemas que tinha com a Odeon, e depois os impecáveis Minas, Geraes, Clube da Esquina Nº 2 (outro álbum duplo), Sentinela, Caçador de mim, ou seja, se o Clube não foi o caso único da produção de grande música na carreira de Milton, foi o primeiro.

Divulgação

Em segundo lugar, a diversidade. As fontes que Milton Nascimento — digamos claramente que Clube da Esquina é muito mais Milton que Lô — bebia. O caldeirão é grande, grosso e complexo. Na época, todos ouviam Beatles sem parar e Milton (e também Lô), faziam confessadamente o mesmo. Mas Milton aprofundou a influência do jazz que a Bossa Nova já apresentava e colocou uma batida latino-americana, chegando depois a cantar músicas com Mercedes Sosa, além de interpretar Violeta Parra, Victor Jara e os cubanos Pablo Milanes e Silvio Rodríguez. E não é só: há a presença do folclore a da religiosidade mineira.

Em terceiro lugar, a qualidade dos músicos, a presença de solos instrumentais — tão raros naquela época — e o uso de orquestra (como em Um Girassol da Cor do Seu Cabelo) quando estavam começando a aparecer os malfadados, apesar de econômicos, teclados.

Para completar, a repercussão do trabalho foi amplificada por ninguém menos do que Elis Regina, que tinha em Milton seu compositor preferido, no que era correspondida como cantora. Apesar de Milton ser um imenso intérprete, a partir do Clube da Esquina, passou a lançar suas canções com outros artistas como Gal Costa, Maria Bethânia, Caetano Veloso, Chico Buarque, Simone, Clementina de Jesus, Gilberto Gil, Beto Guedes, Herbie Hancock, Paul Simon, Peter Gabriel, etc. Então, muitos de seus trabalhos posteriores eram coletâneas de canções já divulgadas, o que diminuiu a importância destes discos, pois as canções se tornavam conhecidas por outras vias.

Finalizando esta lista de razões e elogios ao disco, há o fato de Clube da Esquina ser um nome de disco, mas também de um movimento. Espécie de Tropicália mineira, o Clube da Esquina era formado por Milton, os irmãos Borges (Lô, Márcio e Marilton), Ronaldo Bastos, Fernando Brant, Tavinho Moura, Wagner Tiso, Beto Guedes, Flávio Venturini, Toninho Horta, e os integrantes do 14 Bis.

Aliás, 1972 teve uma safra de discos talvez (um pouco) menores, mas também extraordinários. É o ano de Acabou Chorare, dos Novos Baianos;  de Expresso 2222, de Gil; de mais um tremendo disco de Elis Regina, chamado, para variar, Elis; de Transa, de Caetano Veloso… Um grande ano para a música brasileira, mesmo sob a ditadura.

O CD é difícil de encontrar? Nem tanto, principalmente fora do país (clique no link e observe a avaliação dos visitantes da Amazon). Os Clubes da Esquina 1 e 2 estão à venda em sites estrangeiros, como a citada Amazon.com, por exemplo, pois recentemente o estúdio Abbey Road, de Londres, remasterizou tudo.

Abaixo, a relação de canções do álbum:

Lado Um

1 “Tudo Que Você Podia Ser” (Lô Borges, Márcio Borges) – 2:56
Interpretação: Milton Nascimento
2 “Cais” (Milton Nascimento, Ronaldo Bastos) – 2:45
Interpretação: Milton Nascimento
3 “O Trem Azul” (Lô Borges, Ronaldo Bastos) – 4:05
Interpretação: Lô Borges
4 “Saídas e Bandeiras nº 1” (Milton Nascimento, Fernando Brant) – 0:45
Interpretação: Beto Guedes e Milton Nascimento
5 “Nuvem Cigana” (Lô Borges, Ronaldo Bastos) – 3:00
Interpretação: Milton Nascimento
6 “Cravo e Canela” (Milton Nascimento, Ronaldo Bastos) – 2:32
Interpretação: Lô Borges e Milton Nascimento


http://youtu.be/MVnfXLlrhPo

Lado Dois

1 “Dos Cruces” (Carmelo Larrea) – 5:22
Interpretação: Milton Nascimento
2 “Um Girassol da Cor do Seu Cabelo” (Lô Borges, Márcio Borges) – 4:13
Interpretação: Lô Borges
3 “San Vicente” (Milton Nascimento, Fernando Brant) – 2:47
Interpretação: Milton Nascimento
4 “Estrelas” (Lô Borges, Márcio Borges) – 0:29
Interpretação: Lô Borges
5 “Clube da Esquina nº 2” (Milton Nascimento, Lô Borges, Márcio Borges) – 3:39
Interpretação: Milton Nascimento


Lado Três

1 “Paisagem da Janela” (Lô Borges, Fernando Brant) – 2:58
Interpretação: Lô Borges
2 “Me Deixa em Paz” (Monsueto, Ayrton Amorim) – 3:06
Interpretação: Alaíde Costa e Milton Nascimento
3 “Os Povos” (Milton Nascimento, Márcio Borges) – 4:31
Interpretação: Milton Nascimento
4 “Saídas e Bandeiras nº 2” (Milton Nascimento, Fernando Brant) – 1:31
Interpretação: Beto Guedes e Milton Nascimento
5 “Um Gosto de Sol” (Milton Nascimento, Fernando Brant) – 4:21
Interpretação: Milton Nascimento


Lado Quatro

1 “Pelo Amor de Deus” (Milton Nascimento, Fernando Brant) – 2:06
Interpretação: Milton Nascimento
2 “Lilia” (Milton Nascimento) – 2:34
Interpretação: Milton Nascimento
3 “Trem de Doido” (Lô Borges, Márcio Borges) – 3:58
Interpretação: Lô Borges
4 “Nada Será Como Antes” (Milton Nascimento, Ronaldo Bastos) – 3:24
Interpretação: Beto Guedes e Milton Nascimento
5 “Ao Que Vai Nascer” (Milton Nascimento, Fernando Brant) – 3:21
Interpretação: Milton Nascimento

Sexo Anal [uma novela marrom], de Luiz Biajoni

O Biajoni, nosso amigo da Verbeat, fez o seguinte: escreveu a novela Sexo Anal e, antes de procurar uma editora, mandou confeccionar 180 exemplares para que os amigos e potenciais editores pudessem lê-los em formato agradável. Trata-se de um respeitável investimento. A quem não faz falta R$ 1.500,00? Pois o livro ficou bonito, com depoimentos de vários blogueiros na contracapa, com o Idelber e seus títulos numa orelha e com uma foto desnecessária do autor na outra.

Tenho que começar comentando o título da novela. Recebi-a na Primavera dos Livros em São Paulo e deixei-a sobre a minha mesa de autógrafos – estávamos em novembro, época do lançamento do Blog de Papel. Notei logo que as pessoas olhavam espantadas para o livro do Bia e depois para o meu. Tratei de virá-lo, escondendo sua capa. O Bia, há 100 metros da mesa e com olhos de lince, viu minha atitude e desesperou-se… Eu estava envergonhado de sua novela! Fato semelhante ocorreu numa sala de espera de um médico. Todo um mulherio desconhecido estava aguardando comigo e eu não quis ser identificado por elas como o cara que lê Sexo Anal. Sou um cara discreto, meio sem graça, aceitavelmente simpático. Então, peguei minha agenda, pus meu sexo anal dentro dela, sorri vitoriosamente para aquelas doentes e continuei minha leitura. Aliás, recebi importantes feedbacks e o Bia tem que saber disso: os homens dão gargalhadas com o título, as mulheres são discretas quando lêem “Sexo Anal”, mas o subtítulo “Uma Novela Marrom” causa-lhes rejeição e horríveis caretas. Quando a gente começa a ler, fica sabendo que a história em grande parte retrata a vida dentro da redação de um jornal da imprensa marrom, porém quem lê o título acha que o marrom alude a outra coisa… É um jogo de palavras bem ao estilo do Bia, porém minha irmã, a Claudia e também a bela Belly, do Mishappenings – que veio iluminar uma manhã meio chata aqui no escritório – torceram o nariz para a coloração da coisa. Sabemos que o cérebro feminino funciona diferentemente do nosso, muito mais simples.

Faço todo este blá-blá-blá porque a novela é muito boa e é uma injustiça pensar que trata-se de um título escandaloso a encobrir uma história chata e de prosa raquítica. Pelo contrário! O Biajoni é um escritor pop, o gênero de ficção que ele faz é pulp, ele está totalmente voltado a contar uma história e o faz com grande fluência (li as 200 páginas em três dias, o que é muito rápido para quem trabalha bastante como eu). Com personagens muito bem construídos, a novela grudou em mim e Biajoni – tudo para contar a história – usa bastante e habilmente um achado que funciona bem, acelerando a narrativa. Numa novela cheia de diálogos, o Bia faz assim, ó:

– Vamos voltar?
– …
– Vamos voltar ao que era antes… No final de semana vamos dançar, etc.

Aquelas reticências utilizadas como resposta no diálogo tornam desnecessárias grandes explicações. O leitor sabe que do outro lado está alguém ouvindo e que a frase anterior teve alguma repercussão. O conteúdo dela pouco interessa, o que interessa é que algo bateu do outro lado. Nós, com a nossa experiência, trataremos de dar-lhe algum significado. Isto acelera a narrativa e evita os parágrafos descritivos. Muito bom.

E a história de Virgínia, Luiz, Ana, do outro Luiz e de sua filha, entremeada do ambiente de redação de um pequeno jornal que sobrevive de manchetes sanguinolentas é muito boa. Virgínia é uma jornalista que namora Luiz, um funcionariozinho sem graça de um escritório de contabilidade que lhe dá aquilo que ela gosta. Só que ela o trai com seu médico e, por pura honestidade, conta para Luiz. O que vem depois é a história da crise entre os dois, onde participam o amigo legal (o outro Luiz), Ana (a homossexual interessada em Virgínia), a filha de Luiz e toda a fauna do jornal em que Virginia trabalha. Para perturbar ainda mais a namorada do funcionário, seu chefe passa a encarregá-la de trabalhos cada vez mais importantes dentro do órgão marrom que chefia, o que a faz pensar que Luiz não seria um bom investimento para uma jornalista prestes a tornar-se famosa, mas até tal ascensão é relativa… Bom, não vou contar tudo!

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Para não ficar só nos elogios, tenho algumas restrições ao final do livro e disse isto ao Bia. É uma questão de gosto pessoal. Acho que o livro deveria ir algumas páginas além, complementando a história da filha do Luiz. O que fazer se a considerei uma personagem especial e me preocupei com ela?

Como special guest star, temos um certo Alexandre, um sujeito absolutamente tarado por pés e que protagoniza patéticas cenas lambendo, beijando e etc. os pés das heroínas… Fazendo uma interpretação não autorizada, diria que Bia está “homenageando” seu grande amigo blogueiro Alex Castro, altíssimo intelectual e notório podólatra carioca, que fotografa e manipula os pés de suas amigas, às vezes criando uma verdadeira podoteca em seu blog.

Fico pasmo pela dificuldade do Bia em encontrar editora para sua novela. É pura diversão, não há teses, não irá mudar o mundo, não é auto-ajuda e… e daí? Sexo Anal é eficiente naquilo que se propõe – contar uma história grudenta e tornar interessantes – e são!, e devem ser contadas! – as vidas de pessoas absolutamente comuns. E, por favor, não pensem que é uma novela pornográfica ou erótica. Também é, mas penso que Sexo Anal sirva melhor à diversão do que à masturbação.

Dois livros d`Os Viralata: Branco Leone e Luiz Biajoni

Li dois livros editados pela Os Viralata, editora que penso ser de propriedade do Branco Leone. Um dia, os Viralata ainda editará(ão) algo de Milton Ribeiro, mas não temos pressa alguma e nunca fizemos nada nesse sentido nem em outro. É uma editora que trabalha sob demanda, você compra o livro e rapidamente eles o produzem para envio. Ou têm um estoque diminuto para enviá-lo rapidamente. Ao menos acho que é assim, nunca investiguei nem perguntei.

O primeiro que li foi Os melhores (e alguns dos piores) textos de Branco Leone, de Albano Martins Ribeiro. É óbvio que, sendo neto de Manoel Martins Ribeiro, de São João do Loure, distrito de Aveiro, eu só posso simpatizar muito com o Albano de mesmos sobrenomes e santa terrinha.

O livro é formado por crônicas que foram posts. Não conheço os originais, mas a maioria delas merecem o status de crônica, enquanto outras nasceram e morrerão efêmeros posts. Estou convencido que o autor — qualquer autor — não sabe julgar sua obra. Eu, por exemplo, sempre estou tentando explicar que aquilo que as pessoas gostam é o pior de mim e que o bom é isso ou aquilo, mas elas sempre discordam. No livro do Branco, há uma tal disparidade entre a esmagadora maioria de textos bons e os poucos textos ruins que eu fico pensando o quanto sua filtragem passou pelo emocional e aí, meus amigos, é onde mora o perigo.

Sem puxar o saco de meu futuro editor, aviso que os textos do Branco são engraçadíssimos. Ele tem o domínio de vários gêneros de humor e nos surpreende com coisas escrachadas e sutis, às vezes separadas apenas por uma linha ou nem isso. O humor escrachado de O Galaxão, onde quase adolescentes compram um Gálaxie na certeza de que, com ele, comeriam muitas mulheres; a cuidadosa escolha dos adjetivos e das analogias mais inusitadas em Picrato de Butesin, que me fez lembrar Dickens, talvez por livre-associação; o típico enrolador de Turmalino von Münchausen; o humor negro carinhoso de Um tio; a nostalgia de A senha; o hilariante Rivotril, uma história de alegria que eu e minha mulher lemos às gargalhadas dentro de um avião; a infância de A primeira gargalhada e a inteligência de A vida não imita a arte, mas deveria são os pontos mais altos deste livro, na minha sempre contestável opinião.

Li também a novela Virginia Berlim, de Luiz Biajoni. O Bia mudou e desta vez nos conta uma história rarefeita. Ele deixa que a imaginação do leitor preencha as lacunas de um enredo que deixa laços soltos e sem explicação. O foco narrativo parte da primeira pessoa do singular – um sujeito preso em seu apartamento por motivos que não declinarei aqui – e Biajoni dá ao narrador o mesmo conhecimento que temos ao contar nossas histórias de amor: um conhecimento parcial e extremamente insatisfatório. Essa falta de detalhes que seriam fundamentais numa novela convencional e a atenção masculina que o narrador dá a seu próprio sofrimento é a grande charme da narrativa. Detesto a simples idéia de um debate com Alex Castro – o homem gosta de briga mesmo! -, porém discordo quando ele escreve no prólogo que o estilo do Biajoni é não ter estilo e concordo quando ele diz que é suado e deu trabalho ser tão transparente — apesar de achar que o termo musical-geográfico “rarefeito” seja mais adequado do que transparente. Discordo porque Virginia Berlim é uma novela reveladora de que o Biajoni tem senso de estilo – outro termo roubado à musica – e trata cuidadosamente de não pisar sobre a linha que poderia levar a novela à detalhismos inúteis ou ao melodrama convencional. Como charme adicional, a novela vem com um CD com as músicas “ouvidas” no livro. Alex, tudo aqui é estilo, elegância… E eu gosto.

(A novela é tão boa que a gente chega a esquecer as opiniões do Biajoni sobre Jorge Luis Borges…)