Em busca de Última Forma

Em busca de Última Forma

Nos anos 70, havia uma rádio muito interessante em Porto Alegre. Era a Continental, que nada tinha a ver com bobamente nostálgica Continental FM de hoje.

Pois bem, a rádio era “jovem”. Ou seja, tocava não somente os grandes grupos de rock ativos na época — até hoje os melhores, não? — como colocava importantes questões em subtexto: a música brasileira era também esplêndida, talvez melhor.

Então, havia uma gravação que eles tocavam bastante. Era a da canção Última Forma, de Baden e Pinheiro. Melodia longa e linda, letra perfeita de quem se despede do antigo amor, uma perfeição de cabo a rabo. Procuro a gravação no YouTube e só encontro a versão pesada do MPB-4, a desinterpretação de Emílio Santiago, a discursiva de Elizeth, a de Alcione estilo alcione e a até boa de Roberta Sá.

Mas nada do charme, da ironia e do discreto ódio da gravação que ouvia na Continental. Certamente era uma cantora do segundo time, tipo Alaíde Costa.

(Informação: Paulo César Pinheiro fez a letra para Elis Regina, como resposta ao fim de seu casamento com Ronaldo Bôscoli. Elis ouviu, como que com um nó na garganta, não disse nada e não gravou a canção).

A pergunta: quem seria esta cantora? E onde poderia reouvi-la?

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Após pesquisa, papos e risadas que envolveram Vagner Eifler, Jorge Lima, Fernando Gomes, Éder Silveira, Zeca Azevedo, Juarez Malta, Anaurelino Corrêa De Barros Neto, Norberto Flach, Renata Lins, Enio San, Guilherme Conte,  Álvaro Magalhães, Raul Ellwanger, Igor Freiberger e Marcos Abreu, chegamos à conclusão de que a gravação só poderia ser a original (a primeira) de Márcia, com Baden Powell ao violão.

Houve nova caçada à gravação e Zeca Azevedo, juntamente com seu amigo Manoel Filho chegaram lá.

E a Ospa finalmente tem uma Casa

E a Ospa finalmente tem uma Casa
Foto: Maí Yandara / Ospa
Foto: Maí Yandara / Ospa

No último sábado, fui assistir ao concerto inaugural da Casa da Música da Ospa. Fiquei muito impressionado com o belo resultado obtido em tão pouco tempo. O que nos salta aos olhos e aos ouvidos de cara: a sala é muito bonita, o local é adequado, as cadeiras e o colorido das madeiras lembram a Sala São Paulo e o teto baixo parece ter sido bem resolvido do ponto de vista acústico. Talvez apenas os instrumentos de madeira tenham sofrido um pouco com a cortina de cordas logo à frente.

É claro que era uma noite especial, nervosa e muito emocionante. Afinal, após várias décadas difíceis de nomadismo, a orquestra finalmente teria uma sede própria. A sequência de discursos e leituras foi massacrante — duraram mais de uma hora –, houve muito estresse nos últimos dias e horas a fim de finalizar a obra, chovia forte lá fora, o público de Marchezan City chegava lentamente, tudo atrasou, a orquestra esfriou e o concerto não foi lá essas coisas, mas jamais deixaria de dar todos os descontos citados.

Foto: Maí Yandara / Ospa
Foto: Maí Yandara / Ospa

Imaginem que não havia ingressos disponíveis, só que a chuva era tal que muita gente optou por permanecer em casa. Creio que a lotação não ultrapassou os 80% da capacidade do teatro de 1100 pessoas. Soube que o segundo concerto (o de domingo)  teve resultado artístico muito melhor, além de um público mais entusiasmado e afeito à música, diferente das autoridades, jornalistas e penetras indiferentes de sábado.

O programa não era do meu agrado, apesar de coerente. Uma obra de Arthur Barbosa, Mba’epu Porãcujo tema era a formação musical do sul da América, a ultra norte-americana Rhapsody in Blue, de George Gershwin com o excelente pianista Cristian Budu, e a Sinfonia Nº 9, Novo Mundo de Dvořák, mistura de música checa com uma tentativa de fazer música norte-americana em 1893. Ou seja, não era uma coisa de louco, mas tem gente que ama este repertório.

Foto: Maí Yandara / Ospa
Foto: Maí Yandara / Ospa

Só que ontem nada disso interessava. Afinal, estávamos dentro de uma raríssima construção de nosso estado feita exclusivamente para a cultura. Há quantos anos não se fazia uma obra dessas para o setor patinho feio do Estado? Além da sala de concertos, haverá camarins, café, salas de estudos, saguão, entre outros espaços. Tudo para a música. É claro que faltam ainda algumas coisas, porém a sala já é superior a tudo o que há disponível para a orquestra em Porto Alegre. E para o público também.

A Ospa, o diretor artístico (e herói) Evandro Matté — principal líder desta odisseia –, o superintendente da Ospa Rogério Beidacki e o engenheiro acústico Marcos Abreu estão de merecidíssimos parabéns. Nós também.

A construção, que é a primeira Sala Sinfônica de Porto Alegre, produzirá muita felicidade. A Casa está de pé e será um dos principais pontos de cultura de nosso combalido Rio Grande.

No último sábado, vimos a barbárie dar um passo atrás.

Foto: Augusto Maurer
As cadeiras | Foto: Augusto Maurer
Foto: Augusto Maurer
O teto | Foto: Augusto Maurer

Fotos do aniversário: Sequência VII

Fotos do aniversário: Sequência VII

Fotos: Augusto Maurer

O Marcos Abreu e a Mônica Lapa foram as pessoas que nos indicaram o hotel onde ficamos na maravilhosa Salvador do Sul.

Marcos AbrO Marcos tem uma forte tendência à consultoria e também foi quem nos disse que deveríamos comprar caixas da JBL se quiséssemos ter um som perfeito em casa. Ele é engenheiro de som dos melhores.

Marcos Abreu 02Então, como não nos encontrávamos há algum tempo, tínhamos muito papo para

Marcos Abreu 03botar em dia. A Elena abandonou seu posto para dar detalhes

Marcos Abreu 04dos bons resultados de ambas as consultorias,

Marshallenquanto o Francisco Marshall, no outro canto, pensava no que faria com a Rovena no Tirol.

Pequenas férias na pequena e aprazível Salvador do Sul

Pequenas férias na pequena e aprazível Salvador do Sul

No final de junho, fiz uma consulta aos meus “amigos” do Facebook. Queria saber onde poderia ir um casal em dez dias de férias no inverno. Desejávamos um local bonito, tranquilo, onde pudéssemos dar longas caminhadas, ler bastante e estudar um pouco. Porque, falando apenas de mim, a primeira metade deste 2016 foi uma loucura para quem trabalha nesse negócio de jornalismo. Outro de meus pedidos era que não fosse muito caro, pois pretendo visitar meu filho na Alemanha em janeiro e duas férias dispendiosas seria uma demasia.

Recebi mais de 90 sugestões nos comentários e inbox. Algumas delas sensacionais, principalmente uma do interior paulista, mas a opinião do Marcos Abreu logo me deixou encasquetado. Ele disse que o local perfeito seria Salvador do Sul, e deu o nome do hotel que eu deveria procurar, um certo Candeeiro da Serra. Conheço mais ou menos o Marcos. Engenheiro de som — uma referência na área –, ele é uma pessoa de fino trato e bom gosto musical, e… sei que também ama o silêncio em circunstâncias não musicais. A indicação tinha tudo para ser quente. Sem perguntar muito, procurei fotos do hotel na rede.

Lá em cima, bem no alto, o Candeeiro da Serra | Foto: Milton Ribeiro
Lá em cima, bem no alto, o Candeeiro da Serra | Foto: Milton Ribeiro

O Candeeiro fica no ponto mais alto da cidade, os escritores do passado diriam que ele “domina a cidade”. Liguei para o hotel e a diária ficou dentro do orçamento. O local ofereceria café da manhã, o qual mostrou-se excelente, além de garantir respeito à alergia ao leite da Elena. As outras refeições faríamos lá embaixo, na cidade. Às vezes, o Candeeiro oferece jantar. Salvador tem apenas 7 mil habitantes, então não há uma vasta oferta de restaurantes. Mas nos apaixonamos pela “comida da vovó” oferecida pelo tradicional Apolo XII. Só pelo nome já dá para ver que é  um local aberto há de mais de 45 anos. Mas estou escrevendo muito desorganizadamente.

Quando liguei de Porto Alegre para o Alex Steffen, responsável pelo Candeeiro, ele me ofereceu quarto com ou sem vista. Os últimos são um pouco mais baratos. Se um de meus sete leitores vier para cá, deixo um recado bem claro: peça com vista! Desta forma, você terá a melhor paisagem de Salvador do Sul, com a cidade abaixo e o belo Colégio Santo Inácio encravado no morro à esquerda.

O Colégio Santo Inácio visto da janela de nosso hotel | Foto: Milton Ribeiro
O Colégio Santo Inácio visto da janela de nosso hotel | Foto: Milton Ribeiro

Ao chegarmos, logo lembrei dos corredores do hotel de O Iluminado. Não são em curva, mas são longos e adequados a triciclos infantis. Assim como o hotel onde Jack Nicholson enlouqueceu, o Candeeiro estava quase vazio. Coisas da crise.

Todos os quartos têm dois ambientes. Uma salinha de entrada e um quarto de dormir bastante amplo, mais o banheiro e, no nosso caso, uma sacadinha. Eu e a Elena somos assim: no primeiro dia achamos tudo mais ou menos, no segundo paramos de reclamar e no terceiro nos apaixonamos. Estamos aqui desde quinta-feira (28/7). Ganhamos alguns quilos e estamos perfeitamente felizes, cumprindo todo o planejado. Não é que não esteja preocupado com a paralisação da segurança pública no estado, mas aqui em Salvador não há crimes. É um outro mundo a 100 Km de Porto Alegre.

Salvador é toda bonitinha, as pessoas tratam os forasteiros com cortesia logo no primeiro diálogo, cumprimentando-nos efusivamente como se fôssemos um milagre brotado da terra. Assim, nosso estresse vai desaparecendo até virar uma vaga lembrança.

Nosso quarto é é o do segundo andar, no final do prédio. | Foto: Milton Ribeiro
Nosso quarto é o do segundo andar, no final do prédio. | Foto: Milton Ribeiro

Como não usamos carro, nosso meio de transporte são os tênis que nos levam para cima e para baixo nas íngremes ladeiras da cidade. É um exercício físico considerável. Numa noite, vi o único carro de polícia de Salvador subir o morro que leva ao hotel. Com receio de algum rolo qualquer, não quis subir a pé e chamei um táxi. Quando cheguei na recepção, todos riram de minha porto-alegrice, pois a cidade é praticamente livre de crimes e o homem devia estar pegando reforço em razão de uma briga de bar, o fato mais grave que costuma acontecer por aqui. Os policiais moram na subida do morro…

Curiosamente, Alex Steffen, responsável pelo hotel, também é jornalista, proprietário do jornal Qtal e marido da prefeita Carla Specht. O cara é muito atencioso e super bom papo. Creio que, pela primeira vez em minha vida, comi um jantar preparado por uma prefeita em exercício.

Hoje, o programa foi tentar ir até o Colégio Santo Inácio por uma trilha, mas não deu muito certo. Depois de cruzar várias cercas de arame farpado, decidimos pelo asfalto. É mais normal.

Elena entusiasmada com a trilha. Doce ilusão | Foto: Milton Ribeiro
Elena entusiasmada com a trilha. Doce ilusão | Foto: Milton Ribeiro

Para finalizar, uma curiosidade. A cidade não tem uma rodoviária, apenas uma parada. Aliás, tinha uma, mas fechou em razão de não satisfazer as exigências mínimas do DAER. Este quer que as rodoviárias tenham seis banheiros — dois femininos, dois masculinos e dois especiais –, praça de alimentação, funcionamento 24h, etc. Digam-me para que uma cidade de 7 mil habitantes teria toda esta estrutura? Então a gente chega na cidade e é despejado no meio da rua. Ah, DAER…

Um bairro da cidade, visto do nosso quarto | Foto: Milton Ribeiro
Um bairro da cidade, visto do nosso quarto | Foto: Milton Ribeiro

No dia do falso aniversário do LP, a longa polêmica com o CD

No dia do falso aniversário do LP, a longa polêmica com o CD

Publicado em 31 de agosto de 2013 no Sul21

Um bolachão em uso | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21
Um bolachão em uso | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

Por Milton Ribeiro e Nícolas Pasinato

Há poucos anos, o jornalista e escritor Luiz Biajoni escreveu sobre um fato que batizou de “Síndrome da Biblioteca de Babel”, ou seja, a desvalorização de conteúdos que — em velocidade e grande profusão — são veiculados na internet. Seu foco era a música. No século passado, comprava-se música em LPs e eles não eram nada baratos. Os jovens que gostavam de música e que recebiam apenas uma mesada de seus pais tinham que economizar para comprar um vinil por mês e olhe lá. E, se o disco fosse ruim, era uma pequena tragédia, pois tinha-se que aguardar 30 dias pela próxima chance. Errava-se raramente, mas acontecia, e a coleção de discos costumava ser bem ouvida, muito amada e motivo de orgulho.

Hoje, o melômano baixa músicas em tal quantidade e de tal forma que muitas vezes não as relaciona com o CD de origem, ou seja, com o trabalho completo do artista que montou o CD com cuidado e coerência. Ouve-se as canções sem saber de que disco saíram, o que para velhos puristas é uma heresia inconcebível.

Este artigo não é passadista, mas canta algumas qualidades dos LPs, daqueles velhos bolachões de vinil com suas belas capas e brilhantes discos pretos de 30 cm de diâmetro que podem ainda ser encontrados em sebos que, às vezes, cobram fortunas pelas raridades.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
Loja de vinis no centro de Porto Alegre | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Há controvérsias sobre qual teria sido o primeiro LP da história. Os alemães têm sua versão, falsa, de que o vinil surgiu há 62 anos, no dia 31 de agosto de 1951. Na época, era chamado de long-play (LP) e teria sido produzido pela gravadora alemã Deutsche Grammophon, fundada em 1898 e ainda hoje em atividade, sendo a mais antiga do mundo.

Porém, a versão correta é a de que a Columbia Records não apenas desenvolveu como lançou o LP que girava a 33 1/3 rotações por minuto (rpm) e era capaz de armazenar até 30 minutos de áudio de cada lado. O primeiro LP foi The Voice of Frank Sinatra, de 1948.

O que é indiscutível é que a tecnologia do disco de vinil surgiu no final da década de 1940. O vinil é um tipo de plástico, usualmente na cor preta, que pode ser reproduzido através de um toca-discos. O disco possui um longo sulco em forma de espiral que conduz a agulha do toca-discos da borda externa em direção ao centro, em sentido horário. Estes sulcos são microscópicos e fazem a agulha vibrar. Essa vibração é transformada em um sinal elétrico que é amplificado e transformado em som audível.

O vinil é um tipo de plástico muito delicado e qualquer arranhão pode ser ouvido, comprometendo a qualidade sonora. Idealmente, os discos devem permanecer limpos, livres de poeira e guardados na posição vertical — de forma a não ficarem empenados –, dentro de sua capa e de seu envelope ou plástico de proteção. Tudo isto é necessário porque a poeira pode tanto prejudicar o disco quanto a agulha.

Disco com poeira prejudica não apenas o vinil e a gulha como a audição | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21
Nunca deixe seu disco assim… A poeira prejudica não apenas o vinil e a agulha como a audição | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

Voltando à história. Um ano depois, o primeiro vinil de 45 rpm foi produzido pela RCA. Ele tinha 18 cm de diâmetro e reproduzia 3 minutos de áudio de cada lado, ou sejam, trazia o mesmo tempo de música que seus predecessores, os grandes e pesados 78 rpm. Como os 45 rpm eram leves, também eram ideais para aos grandes sucessos populares e os fabricantes de jukeboxes.

Um toca-discos com o 45 rpm do clássico ‘Dreidel’, de Don McLean

O 45 rpm era leve, pequeno, tinha som melhor que os 78 rpm e, assim como os LPs, era flexível, só quebrando por extrema imperícia do dono. Logo, os 45 rpm também receberam versões em 33 1/3, ganhando um pouco mais de tempo de gravação e os novos nomes de compactos simples (com uma canção de cada lado) e duplo (com quatro ao todo).

Em 1958, chegaram os discos estereofônicos, que tinham dois canais em cada sulco, o que tornou necessário duas caixas de som que não reproduziam exatamente o mesmo som, como acontecia com os LPs anteriores, que passaram a ser chamados de mono. Até 1970, o estéreo era geralmente usado apenas para LPs, quando os compactos começaram a aparecer em versões também em estéreo.

No final dos anos 80, os vinis começaram a ser substituídos pelo CDs. Mas nostálgicos costumam cantar as vantagens dos antigos LPs sobre os atuais CDs e mp3.

O Sul21 convidou o engenheiro de áudio Marcos Abreu para traçar paralelos entre as duas tecnologias.

Marcos Abreu
Marcos Abreu: os LPs requerem cuidados, mas mantêm dinamica original | Foto: Facebook

Sul21: Quais são as principais diferenças entre as gravações analógicas e digitais

Abreu: A princípio, tanto a gravação analógica quanto a digital têm limitações ou características próprias. A analógica, a dos LPs, tem a informação completa e a digital tem a informação fragmentada, convertida em bytes e bits, números. O que o pessoal mais sente de diferença entre o analógico e o digital é que hoje as gravações digitais são muito comprimidas para conseguir maior volume, enquanto que os discos analógicos mantém em grande parte a dinâmica original. Com a manutenção desta dinâmica as coisas ficam mais naturais no analógico do que nesse digital que é vendido hoje. Não quer dizer que as gravações digitais sejam ruins. É que são coisas diferentes. O problema é a forma com que o digital está sendo trabalhado. Ele entrou numa guerra de volume e compressão que acabou estragando um som que deveria ser bom.

Sul21: Pode se dizer que o som do vinil é melhor do que o do som do CD?

Abreu: Não. Não posso dizer isso. Posso dizer que algumas gravações em digital têm sonoridade ruim, mas em princípio o CD teria toda a capacidade de ter um bom som. Os excessos acabaram estragando o som do CD.

Sul21: E quais seriam as vantagens do analógico?

Abreu: A principal vantagem do analógico é a dinâmica mais preservada. Só que ele depende muito do equipamento onde é reproduzido, porque o vinil é muito mais dependente da qualidade do equipamento de som do que o CD. Para conseguir uma qualidade boa de um vinil, é necessário um equipamento bem mais sofisticado do que simplesmente um aparelho de CD ou um iPod ou um iPad. O som digital pode ser reproduzido com facilidade, mas para escutar um vinil é necessário um bom toca-discos, uma boa cápsula, uma boa agulha, um bom amplificador. Claro que tendo bom equipamento analógico tu consegues som de excelente qualidade.

Outra diferença do digital para o analógico é o nível de ruído. O digital é muito mais limpo. O analógico sempre vai ter um estalinho, um chiadinho ou um ruído do disco. Afinal, é um processo mecânico de extração de som. O desgaste é outro ponto crítico. O vinil tu escutas 10 vezes e ele começa a ficar mais com mais ruído e o CD tu escutas mil vezes ele vai continuar tocando igual, mas, em compensação, a durabilidade do disco analógico é muito maior. O vinil hoje tem mais de 100 anos o CD tem só 20. Além disso,hoje,  o custo do vinil é bem maior que o do CD.

Glamour
Glamour

Sul21: Vários artistas “cults” gravam seus trabalhos nas duas plataformas. Como é isso?

Abreu: O que está acontecendo é que as pessoas vêm sendo enganadas pelo vinil falso, que é uma gravação digital colocada em vinil. E as pessoas acham que estão escutando o som analógico, mas não estão. Um disco gravado hoje, em digital, é lançado em vinil e as pessoas compram aquilo achando que o som é analógico e não é. É um som digital ‘vinilizado’. As verdadeiras e boas gravações analógicas são as antigas, que são as analógicas desde a origem.

Sul21: O que escolher?

Abreu: O que determina é o gosto de cada um. Há pessoas que vão ouvir o vinil e achar muito melhor. Outro vai ouvir o digital e gostar. Há pessoas que dizem que o digital é pobre, porém limpinho. Porque ele é pobre de som, mas é limpinho, não tem ruído nem chiado.

Sul21: O vinil dá muito trabalho?

Abreu: No vinil, há que cuidar a qualidade da cápsula e da agulha, para que esta não esteja gasta. Ela tem que ser nova. E é fundamental estar sempre passando um paninho no disco. E tem que ter cuidado para não arranhar. Cuidado no manuseio. Ou seja, há fatos mecânicos envolvidos no vinil que no CD ou equipamento digital, não há.

Sul21: O que faz algumas pessoas colecionarem vinis? 

Abreu: O charme. Colocar o vinil e escutá-lo é bem diferente do que pegar um pendrive. Aquilo não tem graça nenhuma. Eu prefiro chegar na minha sala, pegar um disco de vinil e colocar para tocar. Acho que tem um ritual envolvido que o CD, o pendrive e os players digitais não têm. É uma sensação diferente.

Todo o charme do vinil
Todo o charme do vinil

Londres, 17 de fevereiro (segunda-feira): o Victoria and Albert Museum e a primeira visita ao Wigmore Hall

Londres, 17 de fevereiro (segunda-feira): o Victoria and Albert Museum e a primeira visita ao Wigmore Hall

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O Victoria and Albert Museum — quase sempre abreviado para V&A — talvez seja o maior museu de artes decorativas e design do mundo, com uma coleção permanente de mais de 5 milhões de objetos. Fica ao lado do Museu de História Natural. Os dois ficam um de cada lado nas esquinas da Exhibition Road com Cromwell Road, pertinho do Hyde Park e do Royal Albert Hall. Quem conhece sabe, estávamos num dos corações culturais da cidade e pertinho do nosso hotel e imenso quarto.

Guardamos as melhores lembranças desta visita, mas antes é bom lembrar que quase todos os museus de Londres — principalmente os maiores e mais famosos — têm entrada gratuita. O V&A não é diferente. Ele foi fundado em 1852. Suas coleções mostram 5.000 anos de arte decorativa, desde os tempos antigos até ao presente. Ficamos lá o dia inteiro e poderíamos ter permanecido muito mais. Não é um local cansativo e quase inacessível como o Louvre. As coisas estão dispostas para serem vistas, sem empilhamento nem quadros até o teto.

Com um mapa na mão, fomos avançando pelas artes decorativas que os ingleses compraram ou mais provavelmente surrupiaram de todo o planeta. Não estávamos ainda com aquele espírito nipônico de viver para tirar fotos, então, quando vejo nossas fotos, penso, putz, por que não registrei e tal qual momento? Mas curtimos muito o V&A. passamos toda viagem de bom humor, mas este foi um dia realmente excelente.

Na primeira foto e na de baixo, tento pegar o reflexo da Elena ao observar as joias chinesas (chinesas?) que pretendíamos roubar.

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Passeando pelos largos corredores do V&A, encontramos uma dupla de esculturas de Alfred Stevens (1817-1876). Seus significados foram jogados na nossa frente com surpreendente clareza. A Elena é quem exclamou “veja que beleza, veja que metáfora!”. A primeira chama-se Valour and Cowardice

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… e a segunda Truth and Falsehood. E em verdade vos digo que, mormente a segunda, tem tanto a ver com o que vivi (vivemos?) em 2013 que fiquei embasbacado olhando todos os detalhes e depois pesquisando a respeito do significado de cada detalhe. A coisa parecia uma encomenda para mim. Os museus de arte são assim: a gente vê milhares de coisas, mas só quatro ou cinco grudam na memória e lá ficam dando voltas. Creio que são funções muitíssimos nobres, dos museus e da memória.

A ação da verdade pode ser vista de modo claro e quase deselegante. Com um rosto sereno, ela puxa a língua da mentira para fora. Um pesadelo e um sonho, certamente.

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Depois disso, fomos para o café regulamentar da Elena. É que, ali pelas 11h da manhã, minha namorada tem de ser religada e a forma é a utilização do líquido escuro que agitava loucamente as mulheres na época de Bach. E o café do V&A fica no jardim central do enorme edifício. O local é aprazibilíssimo, como podem ver. Sentar lá e não fazer nada é perfeito.

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Depois, a gente se perdeu e demos de cara com a época atual. Gostei muito deste armário dos anos 60.

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E da biblioteca abaixo.

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Lá de cima, temos uma vista do jardim interno.

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Voltando à arte, paramos para descansar bem ao lado de um belíssimo e clássico Dante Gabriel Rossetti que conhecia apenas dos livros..

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Numa parte do museu, há exposições de roupas usadas no teatro. Sim, claro, é um museu de artes decorativas, lembram? E eles oferecem vários tipos de roupas para a gente experimentar. Bem, sabemos que, nem que seja por um dia lá na infância, todas as mulheres sonharam em serem princesas…

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… e todos os meninos pensaram em terem todo o poder para satisfazer todos os seus desejos, os mais sublimes e os mais perversos.

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Enquanto eu posava de reizinho, uma menina pegou um lápis e riscou TOTALMENTE meu mapa do museu, tornando ilegíveis as marcações das salas visitadas e das por visitar. Era uma inglesinha ruivinha e diabólica, que estava por ali com um pai assustadoramente tatuado.

A Elena ficou encantada com um sujeito que depois, revelou-se ser…

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… Georg Friedrich Handel. É uma bonita obra de Louis Francois Roubiliac, esculpida em 1738. E é puro século XVIII, credo. Muito típico, parece saída da páginas de Henry Fielding.

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E é claro que a gente tira fotos evitáveis de pombinhos bobos.

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À noite, fomos ao lendário Wigmore Hall para assistir ao recital do pianista Piotr Anderszewski que conhecia de várias gravações. A acústica do local é es-pan-to-sa, Sr. Marcos Abreu. É local relativamente pequeno e em forma de caixa de sapato, como manda o melhor figurino para os ouvidos. E se a boa acústica é um refrigério para a alma, também não perdoa ninguém, claro. No primeiro acorde de Anderszewski já deu para entender porque aquele local é de devoção á música. Na fila para compra do programa, havia um senhor que reconheci como o romancista Ian McEwan (chupa, Charlles Campos). Olhei bem e foi ele quem pegou o programa depois de mim e se dirigiu para o banheiro masculino, mancando como se estivesse com dores musculares.

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O programa tinha a Abertura Francesa de Bach; as seis Bagatelas, Op. 126, de Beethoven; a Novelette Op. 21 Nº 8 de Schumann; e a Sonata Op. 110 de Beethoven. Numa palavra, o polonês que hoje vive em Lisboa é um monstro.

Segundo Eric Hobsbawm, que conhecia música como poucos, talvez o Wigmore seja hoje a melhor sala para a Música de Câmara no mundo. Ao menos é o que o ele afirmava isso a todos por anos e anos.

Ao final, o cara deu três bis. Eu conhecia somente a Sarabanda da Partita Nº 5 de Bach. A Elena não conhecia nenhuma das três peças mas me humilhou acertando as outras duas com base no estilo e na harmonia das mesmas: era um Schumann (Cenas da Floresta) e uma bagatela de Bartók. Mas acho natural perder SEMPRE para alguém que tem um ouvido como o dela.

Grande concerto da Ospa em noite de ódio ao T11

Grande concerto da Ospa em noite de ódio ao T11

O trânsito de Porto Alegre está um caos não apenas pelas muitas obras, mas também pela insuficiência de transporte público. Sou um comportado cidadão e suporto as obras “em nome do futuro”. O que é complicado de aceitar é sair de casa na zona sul — em plena terça-feira — e esperar das 19h30 até às 20h05 pela presença de T11 na Av. Cavalhada. Claro que o fato tem um ponto positivo; afinal, a indignação une as pessoas nas paradas e a gente acaba travando conhecimento com gente interessante, mas digamos que não estamos lá para isso.

O atraso infligido fez com que eu perdesse as três peças curtas que abriram o concerto de ontem: as Danças Húngaras Nº 1, 3 e 10 de Johannes Brahms. Brahms não é coisa que se perca mesmo quando vem na forma destas danças enérgicas e animadas, baseadas em sua maioria no folclore húngaro — apenas as de Nº 11, 14 e 16 são composições 100% originais. As peças foram compostas originalmente para piano a 4 mãos, mas foi irresistível transcrevê-las para orquestra antes que algum aventureiro lançasse mão delas.

Cheguei no momento dos aplausos que antecediam as Variações sobre um tema de Haydn, Op. 56a, também de Brahms. A música é belíssima, apesar das hesitações e equívocos do compositor. Este foi o último ensaio sinfônico de Brahms antes de atacar a composição da Sinfonia Nº 1. Um estupendo ensaio. O respeito que ele tinha por Beethoven e talvez a dúvida sobre a própria grandeza, fez com que ele temesse por longo tempo as incursões sinfônicas. Brahms deixou-se amadurecer de forma tão completa que, ouvindo o resultado obtido, só podemos dar risadas ou lamentar seus medos. A Sinfonia Nº 1 é uma das maiores obras do repertório sinfônico e esta obra de variações é notável. O tema é um hino de peregrinos – o Coral de Santo Antônio – que foi utilizado num Divertimento para sopros que chegou a Brahms como se fosse de Haydn. Tsc, tsc, tsc — não era e mais uma vez um compositor menor acabou sendo prejudicado, no caso o verdadeiro autor do Divertimento, um certo Ignatz Pleyel, aluno de Joseph Haydn. Pleyel perdeu seu lugar no bonde da imortalidade para Haydn, que já o tinha garantido.

A execução da Ospa foi perfeita e emocionante. Ficou muito claro o entendimento entre a orquestra e o regente Teraoka, que permaneceu sorridente durante toda a música. Quando músicos e regente criam um vínculo de admiração e colaboração é difícil de segurá-los, mesmo que eles só queiram deixar a plateia desmilinguida, se me entendem. Foram 20 minutos para esquecer o T11 de meu descontentamento, assim como todas as iniquidades do último mês.

O concerto foi finalizado com a Sinfonia nº 3, Op. 56 — era o dia do 56, espero que alguém tenha jogado no bicho — de Felix Mendessohn-Bartholdy. Sempre lamento quando  as orquestras escolhem tocar a popularíssima Sinfonia Nº 4, “Italiana”, de Mendelssohn, pois sou apaixonado pela 5ª, “A Reforma”. E deveria ficar duplamente indignado pelo fato de Teraoka ter fugido do lugar-comum para o lugar errado: escolheu a 3ª, conhecida por “Escocesa” em razão de um passeio a pé que o compositor condenara a si mesmo fazer pelas montanhas da Escócia — coisa de alemão. Mas meus protestos cessam aqui. Gostei muito do que ouvi e fiz Mendelssohn subir alguns degraus em meu desimportante ranking interno. É uma obra cheia de contrastes desde seu grande primeiro movimento, que inicia vetusto para tornar-se luminoso; um segundo movimento muito alegre, puxado pelo competente clarinete de Diego Grendene de Souza; um terceiro movimento dilacerante ma non troppo e um finale que dizem ter sido tomado de uma dança folclórica escocesa. E, quando tudo parece que vai terminar de forma convencional como uma novela das oito, Mendelssohn nos dá um susto introduzindo um tema inesperado e que não aparecera ainda, uma melodia majestosa que encerra a sinfonia de uma maneira estranha, diferente e brilhante.

Sobre o regente Kiyotaka Teraoka… O que dizer dele? Que ele já arrasara na Quarta de Mahler no ano passado e que voltou a arrasar ontem? Se dissermos isso será verdade. Ou quem sabe pediremos que ele volte sempre? Ou que ele não saia mais daqui? Não sei. A única coisa que posso dizer é que ele ficará mais uma semana em Porto Alegre e que o concerto da próxima terça-feira estará novamente a seu cargo com o seguinte programa:

Jean Sibelius: Pelleas and Melisande, Op. 46
Jean Sibelius: Valsa Triste, da peça Kuolema, Op. 44/1
Jean Sibelius: Cena com garças, da peça Kuolema, Op. 44/2
Sergei Prokofiev: Sinfonia Clássica, Op. 25.

E mais não digo.

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Ah, vocês pensam que eu não tenho fotos com o Teraoka? Tenho um monte!

Teraoka em ação, com Milton Ribeiro lá no fundo, em pé | Foto: Augusto Maurer
Em momento especialmente tenso da Sinfonia de Mendelssohn, Teraoka usa os olhos para tirar som do naipe de violoncelos enquanto Milton Ribeiro, solidário e preocupado com a operação, cofia a barba (ou morde os dedos) | Foto: Augusto Maurer
Após o concerto, fomos à festa de 76 anos do Marcos Abreu. E ali, finalmente, o fotógrafo nos deu a primazia do primeiro plano | Foto: Augusto Maurer