Notas de Concerto — 16 de outubro de 2023

Notas de Concerto — 16 de outubro de 2023

Shostakovich nasceu em 1906, enquanto Stravinsky veio ao mundo em 1882. Ou seja, Stravinsky nasceu 24 anos antes. As obras mais famosas deste – A Sagração da Primavera, Pétrouchka e O Pássaro de Fogo – foram escritas entre 1910 e 1913, quando Shostakovich era uma criança.

Stravinsky foi o russo cosmopolita. Quando ocorreu a Revolução de 1917, estava em Paris, onde estreara suas principais obras com enorme sucesso e escândalo. Lembrem que quando da Revolução, Shostakovich tinha 11 anos.

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A conselho de Rimsky-Korsakov, o compositor russo mais importante de seu tempo, Stravinsky decidiu não entrar no Conservatório de São Petersburgo, em vez disso teve o próprio Korsakov como tutor privado. Diga-se de passagem que Rimsky-Korsakov foi um segundo pai para ele.

Em 1909, o seu Fogos de Artifício foi executado em São Petersburgo, estando presente Serguei Diaghilev, diretor dos Ballets Russes em Paris. Diaghilev ficou impressionado o suficiente para encarregar Stravinsky de algumas orquestrações e para incentivá-lo a compor uma partitura completa de ballet. Isto resultou em O Pássaro de Fogo e em Paris.

Em 1919, aos 13 anos, Shostakovich foi admitido no Conservatório de Petrogrado, então chefiado por Glazunov, que acompanhou seu progresso de perto. Em 1925, aos 19 anos, matriculou-se em aulas de regência.

Em 1925, ainda aos 19 anos, escreveu uma Sinfonia como “peça de formatura”. Shostakovich aspirava apenas tocá-la em particular com a orquestra do conservatório e se preparava para ele mesmo reger. Porém, os professores tiveram suas atenções chamadas pela obra e esta acabou sendo estreada publicamente no final de 1925 pela Orquestra Filarmônica de Leningrado. (1914: Petrogrado, 1924: Leningrado)

É claro que Stravinsky e Shostakovich foram dois grandes talentos precoces, apesar de personalidades inteiramente diferentes. O primeiro era um homem do mundo, um personagem do jet set internacional, o segundo era bem mais retraído e torturado, apesar de saber como ninguém ser sarcástico.

Há uma historinha curiosa entre ambos. Stravinsky tinha enorme habilidade social. Em sua primeira visita à União Soviética, em 1963, após mais de 50 anos de ausência, promoveram um evento social para o qual Shostakovich foi, obviamente, convidado. Os grandes gênios finalmente se encontrariam. Como Shostakovich era silencioso por natureza — e ainda mais quando observado pela KGB –, Igor ficou matutando sobre como trazê-lo para a conversa geral. E, inteligente, procurou em sua mente algo que ambos certamente detestariam. E encontrou Puccini! A princípio, ao ser citado o nome do italiano, Shostakovich fez uma cara contrafeita, mas depois a dupla conversou a noite inteira e não só sobre o italiano. Como veem, o ódio pode ser motor de coisas boas.

Outro fato digno de nota é que na mesa de trabalho de Shostakovich havia fotos de Stravinsky. Ele era fã do cara.

A música de ambos têm poucos pontos de contato. Stravinsky teve seu período russo, depois um longo período neoclássico – onde revisitava, a seu modo, a música de Mozart e Bach e seus contemporâneos, principalmente Pergolesi. Nesta fase, o compositor abandona as grandes orquestras exigidas pelos balés, voltando-se para os instrumentos de sopro, o piano, o coral e obras de câmara. Sua última fase foi a serial, incluindo o dodecafonismo de Schoenberg.

Já a evolução de Shostakovich apenas teve as quebras ordenadas pelo Partido. Algumas vezes, foi obrigado a escrever peças dentro das normas do Realismo Socialista, mas estas não alteraram a espinha dorsal de sua obra. Aliás, ele costumava ficar subitamente pouco inspirado quando compunha tais obras e nenhuma delas tem parte importante de seu repertório.

Mas lembrem que Shostakovich era um patriota e criou espontaneamente obras notáveis inspiradas pelo momentos como a Sinfonia Nº 7, Leningrado, um hino à resistência soviética. Mas também condenou as mortes em Babi Yar (em Kiev, Ucrânia) na Sinfonia Nº 13, onde milhares de judeus foram assassinados pelos nazistas com a ajuda soviética, ao que tudo indica.

Mas vamos às obras.

O Concerto Nº 2 para Violoncelo e Orquestra, Op. 126, é de 1966, ou seja, da última década de vida de Shostakovich. Ele tinha novamente caído em boas graças oficiais após viver e suportar várias vezes o ciclo de denúncia seguida de reabilitação. A URSS homenageou-o com múltiplas medalhas de Estado no concerto em que este concerto foi estreado. Era a data de aniversário de 60 anos do compositor. Mesmo que tenha sido inicialmente concebido como uma Sinfonia, o Concerto, dedicado a Rostropovich, é extraordinário, alternando passagens da maior tristeza com trechos bizarros e danças fantásticas. O final é típico do compositor, sendo especialmente sarcástico e inesperado.

Shostakovich dedicou seus dois concertos para violoncelo para Mstislav Rostropovich. O Primeiro, concluído em 1959, é uma obra espinhosa repleta do recorrente motivo DSCH (as iniciais de Shostakovich transferidas para a notação musical) e citações zombeteiras à canção favorita de Stalin.

O Segundo Concerto para Violoncelo foi composto entre a 13ª e a 14ª Sinfonias, ambas muito críticas, cantadas e com textos provocativos.

O primeiro movimento (Largo) começa com a voz lamentosa do violoncelo solitário. Uma melodia melódica triste, abre a porta para uma conversa musical sombria e cada vez mais intensa. O segundo tema chega como uma dança bizarra e sardônica iniciada pelo xilofone e instrumentos de sopro. Então, a música se desintegra em uma cadência de violoncelo solo, pontuada por violentos golpes de bumbo.

O tema principal do segundo movimento (Allegretto) é uma citação grotesca de uma canção de Odessa. Há uma alegria amarga nas melodias de sabor judaico nas últimas obras de Shostakovich. Depois temos um scherzo frenético e demoníaco que nos conduz diretamente para o movimento final. Os compassos finais desaparecem com um “tick-tock” incessante na percussão. Ficamos com o absurdo pousado em nosso colo.

Pétrouchka é um balé burlesco de Igor Stravinsky composto em 1911 e revisado em 1947. Foi montado pela primeira vez pela companhia russa de Serguei Diaguilev no ano de sua primeira versão. Nijinski encarnou Pétrouchka. A história é sobre um fantoche tradicional russo que é feito de palha com um saco de serragem como corpo e que ganha vida e capacidade de amar. A obra sobrevive perfeitamente como peça de concerto e, apesar de complexa para qualquer orquestra, é deliciosa de ouvir, com seus vários e atraentes temas.

O fervilhamento de timbres, de melodias de inspiração folclórica, a riqueza rítmica estão entre os elementos que compõem o cenário onde passa, dançando, um grupo de bêbados, e aparecem, em delicado contraste, um tocador de realejo, uma dançarina que marca o compasso com a ajuda de um triângulo … É nesta cena de rua, caleidoscópica, que surgem as personagens centrais da história. Anunciado pelos tambores, um teatro de marionetes atrai a atenção do público.

No balé, Petrouchka é um dos personagens de um teatro de marionetes, juntamente com uma bailarina e um mouro.

Tudo começa na Feira de Carnaval de São Petersburgo, no início do século XIX, onde vários grupos de artistas se apresentam.

Um mágico encena um pequeno teatro de marionetes. Uma cortina se abre e revela os três bonecos, que ganham vida e dançam em seus eixos quando o mágico toca sua flauta. Então, em um passe de mágica, para espanto dos presentes, os bonecos saem de seu palco e dançam no meio do povo.

Na segunda cena, já no quarto de Petrouchka, vemos que o boneco possui emoções humanas, e que ele encontra consolo para sua condição de marionete no amor que sente pela bailarina. A bailarina entre em cena e o boneco se declara para ela, mas é rejeitado.

Na terceira cena, vemos o Mouro em seu quarto, e o mágico coloca a bailarina para seduzi-lo, depois colocando Petruchka no quarto também. Petruchka tenta enfrentar o mouro, mas acaba sendo perseguido por ele.

Na cena final, de volta à festa, as pessoas notam barulhos estranhos no teatro de marionetes, de onde sai Petruchka perseguido, até ser alcançado pelo Mouro que o golpeia com a espada.

A multidão entra em pânico, a polícia pede esclarecimentos, e o mágico justifica que nada errado foi feito, que Petruchka era apenas um boneco de palha. A polícia fica satisfeita com a explicação e, junto da multidão, esvaziam o palco, deixando apenas o mágico segurando o boneco.

O mágico vai voltando para dentro do teatro quando nota, em cima do mesmo, o fantasma de Petrouchka, se sacudindo e chamando sua atenção, sacudindo seu punho.

Este que vos escreve, falando.

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A Ospa de ontem em vários comentários: fotos, escolhas, Sartori, parcelamento, nomeações e boa música

A Ospa de ontem em vários comentários: fotos, escolhas, Sartori, parcelamento, nomeações e boa música

O concerto começou muito bem. Na plateia do Theatro São Pedro, duas mulheres me pediram para que lhes tirasse uma foto. Tirei bem mais de uma. Elas estavam felizes, ornamentadas pelo velho edifício e pelos músicos que se preparavam para o concerto no palco. Ao verem o resultado, voltaram para falar comigo. Estavam encantadas. Disseram que eu lhes dera a coisa mais bonita que elas tinham. Fiquei comovido. A noite prometia.

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Mas começo por um fato de antes do concerto: a entrevista que o Diretor Artístico da Ospa concedeu recentemente à ZH. Não entendi porque Evandro Matté irá convidar apenas nomes inéditos para reger a orquestra nos próximos meses. Ele disse que deseja “oxigenar a lista dos maestros convidados e dos solistas”, evitando aqueles que tenham se apresentado com a orquestra nos últimos três anos. Tento interpretar e não consigo entender porque Lavard, Rauss, Teraoka, Volkman, Nakata, Hahm, Levin ou Vigil não possam retornar em futuro próximo. São excelentes regentes que fizeram bons trabalhos. A opção pelo novo, nestes casos, não me parece a melhor.

Pior: é um crime que gaúchos que estão se consagrando no exterior — como Lavard Skou-Larsen, que acaba de arrasar com a Royal Flemish Philharmonic, de Antuérpia, e Tobias Volkman, que fez o mesmo na semana passada com a Sinfônica de Brandemburgo — não possam ser reconvidados. É gente talentosa, nascida aqui, com parentes na cidade, que conquista o mundo, mas que não pode mostrar-se em sua cidade. (OK, sei que o Tobias é de NH ou de São Leo).

Isso é tanto mais ilógico quando se pensa que o concurso da Ospa parecia beneficiar os locais…

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Yang Liu atingiu o coração do Secretário Victor Hugo
Yang Liu atingiu o coração do Secretário Victor Hugo

O programa de ontem:

Jean Sibelius – Finlândia, op.26
Camille Saint-Saëns – Concerto para violino nº 3 em Si menor, op.61
Maurice Ravel – Pavana para uma Princesa Defunta
Nikolai Rimsky-Korsakov – Capricho espanhol, op. 34

Regente: Evandro Matté
Solista: Yang Liu, violinista

Sibelius completa 150 anos de nascimento neste ano. Nada mais natural que a Ospa iniciasse sua temporada com ele. Finlândia é um poema sinfônico escrito em 1899 e revisado no ano seguinte. Foi composto como um protesto contra a crescente censura do Império Russo. Era comum, na época, trocar o nome da obra nos concertos com a finalidade de iludir a censura russa. Isso adquiriu ares de piada. Os títulos com os quais a peça foi mascarada foram muitos: um deles foi Sentimentos Felizes ao Amanhecer da Primavera Finlandesa. A peça traz melodias crescentes e agitadas, evocando a luta nacional do povo finlandês. À medida que vai chegando ao final, a melodia serena do hino da Finlândia é ouvida. O careca alcoolista foi bem representado pela Ospa, mas senti saudades da execução redonda que Nicolas Rauss criou com a mesma Ospa no Colégio Anchieta, se não me engano.

Bá, eu estava com fome. Enquanto isso, pensava que Camille Saint-Saëns fora um sujeito feliz. Foi organista, pianista, caricaturista, cientista amador, apaixonado por matemática e astronomia, comediante amador, folhetinista, crítico, viajante e arqueólogo. Também gostava de viajar. Movido por impulsos súbitos, fazia excursões repentinas às partes mais distantes do planeta. Visitou a Espanha, as Canárias, o Sri Lanka (Ceilão), a Vietnã (Cochinchina), o Egito, e esteve várias vezes na América. Deu concertos em lugares exóticos como o Rio de Janeiro e São Paulo em 1899. A morte pegou-o numa cama de hotel em Argel.

O Concerto n° 3 para Violino e Orquestra foi escrito em 1880 especialmente para o célebre Pablo de Sarasate, para quem Saint-Saëns já havia escrito seu Primeiro Concerto. O primeiro movimento me pareceu de execução tediosa. Quando terminou esta parte da música, o governador Sartori e o Secretário de Cultura Victor Hugo prorromperam em aplausos, no que foram seguidos por boa parte da plateia. Sorridente, o Secretário batia delicadamente no próprio peito, como se tivesse sido atingido no coração. Bem, deixa pra lá, o governador certamente não sabe que não se aplaude entre os movimentos. Yang Liu e o regente Matté ficaram duros, esperando o entusiasmo arrefecer.

Tenho para mim que Sartori, que fala em parcelar os salários do funcionalismo público estadual, resolver parcelar o Concerto para Violino. Se ele insistir nesta ideia de pagar aos poucos, sugiro que a Ospa toque seus concertos também de forma parcelada.

Mas o fato é que o Concerto de Saint-Saëns melhora a partir do segundo movimento. E Yang Liu deu-nos uma magnífica interpretação do movimento central e do final. Saint-Saëns tem outros concertos cujos movimentos finais são superiores ao inicial. Mereceria revisão.

O intervalo foi penoso com a fome apertando. O melhor momento foi quando a Elena saiu do palco e veio me fazer um carinho. Minha vizinha de cadeira disse: “Como a sua esposa é linda!”. Ninguém duvida.

A impressionista Pavane pour une infante defunte (Pavana para uma Princesa Defunta) foi composta em 1900, quando Ravel tinha vinte e cinco anos. Devido à origem basca, Ravel tinha uma predileção especial pela música espanhola. A pavana é uma tradicional e lenta dança espanhola, que gozou de popularidade entre os séculos XVI e XVII. A peça foi escrita em 1899 para piano, durante os estudos do compositor no Conservatório de Paris. Ele a orquestrou em 1910. Segundo ele, ela não evoca nenhum momento histórico. É apenas a dança de uma jovem princesa imaginária na corte espanhola. Também, segundo o compositor, a música não deve levar o ouvinte a pensamentos funéreos. Ravel afirmou que o motivo do título da peça era porque gostava do som da combinação das palavras “infante défunte”… É uma música levada pelos sopros e o trompista viking Alexandre Ostrovski esteve nostálgico e parisiense como devia.

O esparramado Capricho Espanhol, Op . 34, foi composto em 1887 por Nikolai Rimsky-Korsakov. Como título demonstra, é baseado em melodias espanholas. Dã. O título original russo é ainda mais claro: Capricho sobre temas espanhóis. Como Rimsky-Korsakov era oficial da marinha russa, costumava viajar um bocado — ainda mais do que Saint-Saëns. Entre 1862 e 1865, o cara revirou o mundo. Na Espanha, passou algumas semanas em Cádiz, fascinado pela cultura e pelas mulheres locais (isso é invenção minha). Assim como Sheherazade, a peça tem um importante e belo solo de violino. Aliás, o Capricho foi inicialmente concebido como uma fantasia para violino e orquestra.

Em alguns momentos do Capricho, as cordas da Ospa foram cada uma para um lado para reunir-se novamente ali na esquina. Mas nada de assustar. Há muitos solos na obra. Augusto Maurer (clarinete), Omar Aguirre (primeiro violino), Paulo Calloni (corne inglês), o viking (trompa), Artur Elias (flauta) e Wenceslau Moreyra (violoncelo) estiveram muito bem. Talvez apenas o solo de Aguirre merecesse uma cintura mais solta. Mas a alegria e luminosidade de peça de Korsakov estavam lá. Acho que Evandro Matté estava tão feliz com o bom final do concerto que se esqueceu de pedir para Artur Elias erguer-se a fim de receber seus aplausos. Estou certo?

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Adendo: sou totalmente favorável à nomeação dos concursados da Ospa. Reclamei muito do Concurso realizado no ano passado, mas, já que este foi válido, penso que as vagas devam ser preenchidas o mais rapidamente possível. Aliás, de minha perspectiva pessoal, o concurso teve momentos que se inscreveram entre os mais patéticos de minha vida, como aquele em que um membro da Associação de Funcionários da orquestra ligou para o Sul21 dizendo que eu estava atacando a Ospa, a Secretaria de Cultura e, consequentemente, atrapalhando a reeleição de Tarso Genro. Muita loucura, né? Imagina se eu, com meu pequeno blog, tenho o poder de intervir numa eleição para o Governo do Estado. Ao final, o cara pedia a retirada dos posts e minha cabeça. Algo me diz que fui chamado de psolento…

Gosto e preciso de meu emprego. E não tenho estabilidade. Minha chefe ouviu tudo aquilo, me chamou e disse que tinha mais o que fazer do que ouvir aquele tipo de coisas. Eu que desse um jeito de o cara não telefonar mais. Não fiz nada, mas o cidadão não voltou a ligar. Foi uma ação maldosa e inexplicável, inspirada, pirada e repirada sei lá por quem ou o quê.

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Milton Ribeiro foi ao concerto às suas próprias expensas.

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