Homo Faber, de Max Frisch

Homo Faber, de Max Frisch

Homo Faber é um romance do suíço Max Frisch (1911-1991) publicado pela primeira vez na Alemanha em agosto de 1957 — o melhor mês do melhor ano. É narrado em primeiríssima pessoa pelo protagonista Walter Faber, um engenheiro brilhante que viaja a trabalho pela Europa e pelas Américas. Mais ou menos como o Ricardo Branco era e fazia. Sua visão de mundo — lógica, probabilística e científica — é desafiada por uma série de coincidências incríveis, fazendo com que o passado ressurja. (Você, que está na minha TL e portanto é inteligente, já sentiu a jogadinha entre Homo Faber e Homo Sapiens, né? Se não se deu conta, fora daqui!)

O livro foi editado pela Guanabara em 1986 e relido por mim agora em voz alta para a Elena. É ótimo. Minha cara-metade também aprovou e queria que eu lesse mais a cada noite. Gostei muito das duas vezes que o li, apesar de algumas reflexões antiquadas.

É uma obra importante e curiosa, pois se fala de um tema bem comum — o de nossa fragilidade — também fala de outro mais incomum — da ilusão do controle que temos sobre nossas vidas. É um livro de uma introspecção também pouco usual: a de um engenheiro. Faber é um homem de meia-idade, especializado em engenharia mecânica, que acredita piamente na lógica, na ciência e no controle técnico sobre a vida. Ele viaja constantemente a trabalho, vivendo uma existência organizada e aparentemente imune ao caos emocional. No entanto, durante uma viagem de negócios tudo começa a se descontrolar, como não aconteceu com o Ricardo Branco.

A narrativa se desenrola em duas partes: na primeira, Faber viaja para a América Central e se envolve em um acidente de avião. Na segunda parte, numa viagem de navio, Faber encontra Sabeth, embarcando numa relação cujo caráter é melhor deixarmos de lado.

Faber representaria o homem moderno, que confia na tecnologia e na razão. No entanto, o acaso o força a se desequilibrar de sua posição. Pode-se dizer que Sabeth é filha de uma ex-namorada sua e acaba por expor sua fragilidade emocional e incapacidade de lidar com complexidades “das humanas”. Frisch critica a crença de que a ciência e a técnica podem resolver todos os problemas humanos, mostrando que a vida é cheia de ambiguidades e incertezas.

Max Frisch foi um arquiteto e escritor influenciado pelo existencialismo e por Brecht. O final do livro é de grande categoria, Frisch sabia mesmo como deixar a gente pensando.

Tradução de Herbert Caro.

Max Frisch

 

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Os 50 maiores livros (uma antologia pessoal): XXX – Bela do Senhor, de Albert Cohen

Os 50 maiores livros (uma antologia pessoal): XXX – Bela do Senhor, de Albert Cohen

Eu tento, tento, mas não consigo escapar dos calhamaços. Com aproximadamente 1000 páginas no mundo inteiro e 784 na edição de 1985 da Nova Fronteira, este livro me foi indicado por uma excelente e compreensiva leitora-amiga-cliente da Livraria Bamboletras. Ela lera o original em francês. Respondi que eu tinha um exemplar comprado em 1986 que jamais fora aberto por mim… Ela nem sabia que havia a tradução brasileira. Tive que obedecê-la, li o romance com enorme atenção e não me arrependo. Quando iniciei a leitura, ela reapareceu na livraria. Seu nome não é segredo: é Karina Maria. E ela reafirmou: “esse livro merece um monumento”.

Bela do Senhor (originalmente “Belle du Seigneur”), publicado em 1968, é um romance do escritor suíço, nascido na Grécia, Albert Cohen (1895-1981). Mas por que eu tinha o livro? Ora, porque Bela do Senhor fora elogiadíssimo em 1985 pela crítica brasileira (sim, tínhamos crítica literária), além de ter vencido o Grande Prêmio de Romance da Academia Francesa de 1968 e também o Goncourt. A história gira em torno de dois personagens centrais que, estando juntos, vão pouco a pouco se isolando do restante do mundo.

A primeira é Ariane, a bela esposa do medíocre e arrivista diplomata Adrien Deume. O outro é Solal, um judeu grego brilhante e carismático, que é alto funcionário da Liga das Nações em Genebra. Solal é chefe de Deume na Liga das Nações. Ele fica obcecado por Ariane e, depois da mais estratégica e cínica das seduções, inicia um quentíssimo caso de amor com ela, chegando a uma relação que oscila entre a paixão sublime e o destrutivo.

Talvez seja importante saber que Albert Cohen era um judeu grego que trabalhou na Organização Mundial do Trabalho de 1926 a 1932, em Genebra. Ou seja, ele conhecia profundamente o ambiente onde Deume circulava. E, na primeira parte do livro o foco é dado a Adrien Deume, o marido traído. Ele é o perfeito puxa-saco. Não faz nada em seu trabalho, passando todo o tempo tratando de esquemas para subir de cargo na organização. Ele se vale de tudo, até da beleza da esposa, para obter destaque e galgar cargos. Em casa, a vida do casal Adrien e Ariane é um inferno, com os parentes de Adrien tentando se imiscuir em tudo, criticando a esposa que só dorme e toca piano, enquanto Adrien a protege. A vida de Solal, com um bando de folclóricos tios judeus, também não é muito fácil, mas ele consegue escapar deles com maior facilidade. É uma parte hilariante do romance: o livro satiriza a hipocrisia e o vazio da alta sociedade europeia, especialmente no contexto diplomático da Liga das Nações. O humor e a ironia expõem as falhas morais e éticas desta elite.

Então, começa o caso Solal-Ariane. A história de amor entre eles é avassaladora e, uma vez iniciada, eles realmente são empurrados um em direção ao outro. O ambiente político antissemita tira tudo de Solal, menos seu dinheiro: ele perde posição e reputação. O ambiente moral torna-se opressivo para Ariane e só lhe resta agarrar-se a Solal. E aí nós temos o amor, o grude total. o ciúme, as brigas e o enfado. Há momentos brilhantes em que Solal e Ariane não se suportam mais e mantém a relação apenas devido à situação lá fora. Temos uma análise franca e implacável das ilusões e desilusões que as relações podem trazer. Nunca havia lido um romance que descrevesse com tanto detalhe o tédio a dois, as necessidades de variações — sejam elas quais forem — e o silêncio histérico, por assim dizer.

O livro é uma mistura de paixão, tragédia, ironia e profunda reflexão sobre as identidades. Cohen cria um universo grandioso e íntimo. O relacionamento entre Solal e Ariane é marcado por uma força quase mítica, podendo ser tanto uma fonte de transcendência quanto de autodestruição.

Há um capítulo onde Solal passeia sozinho por Paris observando as paredes dos prédios cheias de pichações antissemitas. Ele até compra um jornal que defende a eliminação dos judeus para poder passear mais despercebido. Deixa-o visível sob o braço. Às vezes, enfia o nariz nele. Sua identidade não é aceita. Sua busca por amor, a necessidade de ser novamente reconhecido — agora que ele não é mais nada — reflete uma luta mais ampla contra a marginalização e o exílio. Por trás dos múltiplos detalhes, há inteligentes reflexões sobre a solidão e a incomunicabilidade. Solal e Ariane, apesar de sua conexão intensa, estão presos em suas próprias angústias e inseguranças. É notável como Ariane tenta mantê-los juntos com diversos estratagemas enquanto Solal apenas observa pensando “coitadinha, inventou essa agora, será que vamos nos divertir ou vamos seguir fingindo?”.

Albert Cohen é um mestre. Sua prosa é cheia de digressões poéticas, diálogos afiados e descrições verossímeis. O estilo varia muito, indo desde o vaudeville para o erótico, passando por fluxos de consciência sem pontuação. É Joyce e, ao mesmo tempo, um Proust meio alucinado. O lírico e o satírico convivem bem, criando um texto comovente e estimulante do ponto de vista intelectual.

Deixo-lhes sem dizer o final, claro.

Lendo outras resenhas, soube que Bela do Senhor é frequentemente comparado a clássicos como Em Busca do Tempo Perdido, de Marcel Proust, e O Amante de Lady Chatterley, de D.H. Lawrence, devido à sua profundidade psicológica e à sua exploração do erotismo e do amor. No entanto, nenhum dos citados tem o humor ácido, a visão desencantada e profundamente humana da vida. Poderia falar em uma ode ao nosso desespero, medos, amor… Enfim, uma ode à nossa complexidade.

P.S. — Até pelo tamanho e lentidão com que a história se desenvolve, Bela do Senhor é infilmável. Mas foi filmado. Fujam. É um horror. Acho cômico que Ariane, descrita no livro com bunda grande e tudo grande, tenha sido vivida pela modelo russa Natalia Vodianova, uma mulher magérrima e, a despeito da beleza, 100% anti-Ariane, cujas formas são bem descritas. Também a escolha de Jonathan Rhys Meyers para o papel de Solal é uma piada. O mesmo, aliás, ocorreu com Keira Knightley vivendo a arredondada Anna Kariênina. Por que a caracterização de personagens fictícios não é respeitada como as caracterizações de personagens reais? Parece brincadeira com os leitores.

Recomendo!

Albert Cohen (1895-1981)

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