A Maria Luiza e a anárquica Tina

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Minha mãe completou 81 anos no dia 5 de julho. Seus 81 foram melhores que os 80 e os 79. Em seu último período no hospital, pensei (pensamos) muitas vezes que ela não voltaria mais para casa. Só que, após o isolamento em que ficou devido a uma infecção respiratória, os médicos puderam reavaliar a medicação que tomava e esta foi super-reduzida. E descobrimos que grande parte de sua prostração ocorria pelo excesso de remédios; ou seja, ela estava dopada.

Não culpo os médicos; afinal, em fevereiro de 2007, ela passou dois meses internada e, cada vez que os calmantes eram reduzidos, tornava-se agressiva e gritava a ponto dos outros pacientes ficarem irritados… Certamente os que a atenderam desta vez –- Dr. Sérgio Loss, Dr. Barbieux e um certo Adriano que nunca vi -–, usaram de bom senso ao aproveitar este longo período de hospitalização para repensar todo o coquetel. O resultado é que ela está sorridente, calma e vígil, apesar da absoluta confusão mental. Aqueles que a viram com a cabeça caída sobre o peito e com o olhar vago, vão se surpreender com a nova primavera da Dra. Maria Luiza, a querida bobinha feliz que muitas vezes não me reconhece, apesar de sempre repetir que fico melhor de cabelo curto.

Ele retornou para minha casa no dia de seu aniversário. Pois, logo após a volta da Dra. Maria Luiza, recebi a notícia do falecimento da Tina Oiticica Harris, do blog Universo Anárquico, habitual comentarista deste blog e com quem tinha trocas de e-mails bastante agitadas e… anárquicas. Faria 56 anos no dia 9 e sempre convidava a mim e à Claudia para irmos aos EUA visitá-la e a sua família. Prometia deixar seus gatos num hotel para que não me incomodassem… Uma vez, ela se referiu ao fato de que as trocas de letras em seus textos eram devidas a uma hidrocefalia, mas o assunto parou por aí porque tínhamos piadas a inventar um para o outro. Não sei qual foi a causa da morte, ocorrida dia 7, dois dias antes de seu aniversário. A notícia veio através de um post escrito por seu marido. Ele, o americano Nicolas, tentava manter o bom humor enquanto nos narrava a notícia num português arrevesado. O texto começa assim:

Um aniversário bem anárquico, por Nicolas Rouquette

Não consegui dormir a três horas da manha hoje, o dia de o aniversário de 56 anos de mi Tinazinha gostozinha; Infelizmente, a grande Madame no besteirol esta indisponível para resolver para a gente nesse anacronismo bem anárquico do aniversário dela.

Que aconteceu?

E então narra os acontecimentos, finalizando assim:

Já tem com muito saudade de o único amante da minha vida. Agora entende melhor que a vida da Tina estava anárquica em muito aspetos. Si você tem uma historia que você pode escrever, me gostaria muito ler disso. Por favor, em memória dela, da uma consideração para escrever qualquer memórias gostosa da Tina como um “guest” nesse blogo.

Ora, Nicolas, todas as memórias que tenho da Tina são tão alegres, pontuadas de “blasfêmias” -– palavra que ela sempre usava para caracterizar a forma como eu me referia a quase tudo –- e de tudo que fosse politicamente incorreto que não saberia por onde começar. A Madame do Besteirol me chamava de o seu Bad Boy e a melhor lembrança dela foram os inúmeros comentários que aquele Curriculum Vitae recebeu. Nos e-mails, ela me contou que os traduzia para ti, Nicolas, e que vocês riam dos absurdos. Guardo uma bela lembrança dela.

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9 comments / Add your comment below

  1. Puxa, Milton, que triste. Mas ao mesmo tempo que coisa boa, não?, essas coisas tão afetivas e íntimas que conseguimos construir por aqui. (e estou me segurando para não dizer mais besteiras e gracinhas do que a ocasião permite. )
    E por falar em perdas e besteirolices, foi-se também a Dercy, dando risada da vida e da morte. (de repente ainda sai um pq hj é sabado dela. Hehe. Chega, não vou mais dizer cretinices, pq quero terminar falando da tua, mãe. Que bom saber que ela entrou numa fase melhor e que superou a infecção. Fico feliz por vocês. Numa doença crônica, arrastada esses pequenos acertos e resultados, fazem toda a diferença, não? E tão bonito o teu jeito carinhoso de falar dela e da tua leitora/interlocutora Tina!
    Não obstante… Milton: ficas tão melhor de cabelo curto!
    beijo, Flávia

  2. É, Milton, a morte torna a vida tão importante, embora muitas pessoas prefiram desistir da vida quando perde alguém. Bom saber que alguém a quem amamos volta de uma temporada no hospital. E teu bom humor ao falar de doença e morte me faz ver que vida e morte são tão naturais. Acho que o ser humano é que é sobrenatural.
    abraço, garoto

  3. Noticia triste, essa sobre a Tina. Faz, aproximadamente, um mês que deixei aí, no “Porque Hoje é Sábado”, alguns poemas para a Tina e também para a sua Mãe, Milton, lembra? Comovente o texto do Nicolas: somente o Amor é autor de tais coisas…

  4. Caro Milton, ando meio errático quanto à participação nas caixas de comentários e no meu próprio PrasCabeças – você deve ter percebido.
    Mas isso não impede que te visite aqui e, mais ou menos, te acompanhe em suas escrevinhações. Desta vez, a notícia da volta de sua Mãe para casa – e a consequente melhora por diminuição dos medicamentos – me produz ótima sensação. Que sua Dra. Maria Luíza continue a ter bons momentos, lá do jeito dela – afinal, a vida é assim: temos nosso jeito de vivê-la, é o que importa.
    Quanto ao passamento da Tina, não sabia. Também me visitava, menos que bissextamente, mas sempre comentando com fina ironia. Pena.
    Um grande abraço.

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