Com o dedo na ferida (e comprazendo-se em mexê-lo)

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A última Rascunho toca fundo em problemas da cultura brasileira. Fala sem rodeios sobre a ruindade e o comodismo da produção literária brasileira atual. Os dois articulistas — Nelson de Oliveira e Fernando Monteiro — agem diferentemente. Nelson parece não desejar muita confusão com a nova geração e a exime ao final do artigo, enquanto Fernando não recua ao habitual compadrio que rege as relações entre os escritores, aquele desagradável “eu te elogio e tu me elogias”. Trata-se de dois artigos longos onde, apesar da articulação de ambos, a melhor analogia é a linha reta que vai direto ao ponto, passando por cima de quem está no caminho. Ou uma patrola. Só que Nelson opta por uma curva no último momento. Tal pauta apenas demonstra que a Rascunho não tem o objetivo de fazer coro às bem-humoradas e sorridentes vozes de nossa literatura, quer a dissonância e, puxa, algum desconforto e novidade.

Menos amplo e mais benigno, Nelson de Oliveira escolhe um belo ponto de partida ao dizer que a história da literatura brasileira sempre mostrou conflitos entre o velho e o novo que o substituiria. Segundo ele, tal enfrentamento apenas retornou recentemente. De certa forma, Nelson é otimista, porém não creio que ele se arriscasse deste modo num meio menos efêmero que o da revista ou jornal. Ele recua até os anos 20 e de lá vem, comprovando facilmente sua tese. Fala no conforto e na cautela de nosso tempo, mas acaba por dizer que nunca houve tantas boas estreias como no século XXI. Os anos 90, iniciados por Fernando Collor, teriam sido os mais podres de todos os tempos no Brasil. Não vou entrar em cada argumento e exemplo que Nelson utiliza, mas discordo de alguns “bons autores” citados por ele. Nelson não chega ao absurdo de elogiar Marcelino Freire, por exemplo, ficando em nomes mais aceitáveis, mas escorrega e cai feio ao dizer que tais escritores escrevem para uma elite intelectual da qual fariam parte ele, eu e você, querido leitor. Acho, inclusive, que o termo “elite intelectual” é muito discutível. Estranhamente, o título do artigo é “Entre o perigo e o conforto”.

Entre os autores elogiados por Nelson estão alguns de que gosto, mas que também não são all that literature: Michel Melamed, João Paulo Cuenca, Veronica Stigger, Wir Caetano e Daniel Galera.

Já Fernando Monteiro comemora seus 60 anos no ataque. Seu artigo Acho justo que essa sociedade tenha a arte que merece me parece bem mais realista. Fernando também inicia seu artigo em ritmo adagio, falando sobre poesia e elogiando, entre outros, o site de poesia Sibila, publicações que efetivamente estão à margem, despreocupadas com um mercado que lhe virou as costas há muito tempo. A mim, interessa mais a análise da produção em prosa e aqui Fernando anuncia que perderá a finesse. E perde mesmo, apesar da nobreza do motivo. Porque a prosa está verdadeiramente regida pelo mercado e por seus escritores performáticos. Fernando critica acidamente 4 escritores que, em minha opinião, poderiam ser divididos assim: o performático Marcelino Freire, o neoperformático Fabrício Carpinejar (talvez um desistente da qualidade), o fraquíssimo Xico Sá — autor de uma nova linguagem de rua que é apenas uma boa ideia, não encontrando nenhuma literatura em seus becos sem saída — e, bem, Chico Buarque e seus treinamentos públicos.

Os dois artigos, na minha opinião, tocam fundo na questão primordial que causa todo este marasmo: as editoras e sua insistência na criação do sucesso imediato. Os mecanismos de promoção tornaram o ato público — a entrevista, a postura, a imagem, a maluquice-beleza, a excentricidade — mais importantes do que a redação, a concordância e as boas histórias. São escritores que repetem os modelos do passado. Não há sinais de um Juan José Saer — argentino, renomado professor universário radicado em Paris, um conhecedor de sua arte e da de outros –, de um Roberto Bolaño — chileno que literalmente morreu escrevendo, não que eu queira que alguém morra pela arte, por favor… –, de um Tomás Eloy Martínez!, para ficar apenas nos exemplos latino-americanos de Monteiro. Por favor, basta ver a história destes homens para se pensar que, talvez, gente séria NÃO ESCREVA no Brasil, salvo raras exceções.

E o pior é achar que eles têm razão.

Atualização das 14h15. Como o Marcos Nunes fez um comentário melhor do que o post, aqui está ele:

Volto então a Nelson Rodrigues: acho isso tudo um puta complexo de vira latas, uma herança autodepreciativa lusitana, que gerou a patetice do sebastianismo e, no brasileiro, a certeza de que, como não voltará redivivo Sebastião nenhum, e mesmo se voltasse, só faria arrebentar de vez com o que sobrou do Brasil depois de extintos diamantes e pau brasil, nós estamos fodidos e para sempre, aqui não há arte, sequer algum talento (à parte os que seguem o dito “com engano e arte vivo metade do ano, com engano e arte vivo a outra parte”, sendo a arte só a do engano, sendo o engano nosso estatuto de arte); para comprovar a tese, citamos alguns luminares vizinhos e, principalmente, os menos vizinhos, desancamos nossas editoras, o mercado e, por último e não menos importante, nosso povinho bunda, analfabeto, etc. e tal.

Enfim, todo povo tem a literatura que merece; a que temos tá de bom tamanho.

Conversa fiada.

Além disso, tenho plena certeza que a maioria dos bons autores do país são desconhecidos e até não publicados. Se devemos creditar a alguém nossa carência de bons autores, a princípio é ao “mercado”, esses administradores da indústria cultural, a mídia, que, em tudo que toca, atua como um Midas ao contrário: transforma em merda. Enfim, todo um processo de geração de valores que não deve se opor às ordens constituídas, patrimônios, famas e poderes subtraídos na forma de extração de mais-valia, a tudo transformando em menos-valia, vale-nada, inutilidades confortáveis, vagidos de metafísicos interiores girando em torno de umbigos de gênios da raça.

Não levo a mínima confiança nos “grandes autores” pelo mundo afora; este é um mundo de mediocridades fulgurantes, dependendo do arcabouço publicitário que tá atrás de ti. É como acontece todo ano com o Beaujolais (vinho?), uma bosta de bebida mas que a França exporta para o mundo inteiro como um must, sendo uma fraude. Recebemos aqui umas fraudes e abaixamos nossas cabeças, à vista dos pareceres dos grandes acadêmicos e da crítica mais balizada. O mundo nos chama de periferia, nós acreditamos e nos comportamos como tal, continuando a importar frivolidades e mandar para eles o que é mais substancial, menos nossa literatura, tida por subproduto de uma subcultura. A velha estratégia do mercantilismo se desdobra e se verticaliza: nosso lugar é lá embaixo, e pronto.

Mesmo com todo descaso das editoras, semanalmente são publicados autores brasileiros, não resenhados, não lidos, previamente esquecidos. Nunca saberemos se são bons, razoáveis ou bostejadores. Não os lemos. Eu mesmo não os leio. Tenho uma biblioteca à frente: de 100 livros para ler, uns seis de autores brasileiros. Nada demais, uma vez que o Brasil é só um país, e existem dezenas de outros com seus escritores, suas histórias, suas palavras, a merecer igualmente leitura. Mas a globalização persevera assim: de lá pra cá, muito, no sentido inverso, pouco ou nada.

Aqueles que merecem alguma consideração fazem parte de patotas de nosso mundo corporativo: egressos das mídias, do mundinho acadêmico, compadres, todos circulando no mesmo meio, fazendo fama e deitando na cama uns dos outros. Somos como que obrigados a ler Chico Buarque, por exemplo. De vingança, não lemos mais nada e metemos o pau em todos os outros mesmo assim.

Nas escolas, fingimos formar alunos, mas a má educação que eles recebem, além disso, é direcionada somente para o exercício de uma profissão, mal ou bem remunerada que seja. Com isso, suas leituras não vão além da autoajuda, dos manuais de conduta corporativa, das idéias voltadas para comprar e vender.

Todo esse lamento, no final das contas, é nada indo a lugar nenhum. A literatura no país será melhor produzida e lida quando alcançarmos um nível ao menos médio de desenvolvimento. Somos meia dúzia de pessoas supostamente cultas exigindo dos outros o que não fazemos nós mesmos: boa literatura, boas relações sociais, boa política.

Mesmo assim, insisto: gente, há, o que não há é oportunidade e contingente de leitores que suporte a ascensão de uma produção nacional praticamente submersa. No momento, os poucos que leem o fazem uns para os outros: o resto é o resto, uma maioria cinzenta, indistinta, congestionada pelo subdesenvolvimento, alheia a tudo que não seja a garantia de sobrevivência imediata. Nós os desconhecemos, eles nos desconhecem. É a tônica, uma dicotomia que nos faz utilizar categorias como elite versus povo, nós elite, eles povo, nós não povo, eles não elites.

Nos condenamos, assim, a uma discussão estéril, um método comparativo preparado para nos reduzir a pó, à submissão a critérios tão inconsistentes quanto os nossos, mas de matriz estrangeira, logo superior. O negócio é parar de colocar o rabo entre as pernas, jogar a responsabilidade alhures e sonhar que habitamos um mundo que não nos compreende. Nesse universo, estamos a fazer o papel de manés, mas pagamos por isso e batemos palminha no final, enquanto, reunidos, vaiamos uns aos outros, fazemos alianças efêmeras e ganhamos nosso dia, um depois do outro.

A merda toda é como pular fora da mera constatação. Não refletir só o olhar do outro sobre nós fingindo que é nosso olhar sobre nós mesmos. Vai ver que só com isso já dava para começar alguma coisa.

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36 comments / Add your comment below

  1. Volto então a Nelson Rodrigues: acho isso tudo um puta complexo de vira latas, uma herança autodepreciativa lusitana, que gerou a patetice do sebastianismo e, no brasileiro, a certeza de que, como não voltará redivivo Sebastião nenhum, e mesmo se voltasse, só faria arrebentar de vez com o que sobrou do Brasil depois de extintos diamantes e pau brasil, nós estamos fodidos e para sempre, aqui não há arte, sequer algum talento (à parte os que seguem o dito “com engano e arte vivo metade do ano, com engano e arte vivo a outra parte”, sendo a arte só a do engano, sendo o engano nosso estatuto de arte); para comprovar a tese, citamos alguns luminares vizinhos e, principalmente, os menos vizinhos, desancamos nossas editoras, o mercado e, por último e não menos importante, nosso povinho bunda, analfabeto, etc. e tal.

    Enfim, todo povo tem a literatura que merece; a que temos tá de bom tamanho.

    Conversa fiada.

    Além disso, tenho plena certeza que a maioria dos bons autores do país são desconhecidos e até não publicados. Se devemos creditar a alguém nossa carência de bons autores, a princípio é ao “mercado”, esses administradores da indústria cultural, a mídia, que, em tudo que toca, atua como um Midas ao contrário: transforma em merda. Enfim, todo um processo de geração de valores que não deve se opor às ordens constituídas, patrimônios, famas e poderes subtraídos na forma de extração de mais-valia, a tudo transformando em menos-valia, vale-nada, inutilidades confortáveis, vagidos de metafísicos interiores girando em torno de umbigos de gênios da raça.

    Não levo a mínima confiança nos “grandes autores” pelo mundo afora; este é um mundo de mediocridades fulgurantes, dependendo do arcabouço publicitário que tá atrás de ti. É como acontece todo ano com o Beaujolais (vinho?), uma bosta de bebida mas que a França exporta para o mundo inteiro como um must, sendo uma fraude. Recebemos aqui umas fraudes e abaixamos nossas cabeças, à vista dos pareceres dos grandes acadêmicos e da crítica mais balizada. O mundo nos chama de periferia, nós acreditamos e nos comportamos como tal, continuando a importar frivolidades e mandar para eles o que é mais substancial, menos nossa literatura, tida por subproduto de uma subcultura. A velha estratégia do mercantilismo se desdobra e se verticaliza: nosso lugar é lá embaixo, e pronto.

    Mesmo com todo descaso das editoras, semanalmente são publicados autores brasileiros, não resenhados, não lidos, previamente esquecidos. Nunca saberemos se são bons, razoáveis ou bostejadores. Não os lemos. Eu mesmo não os leio. Tenho uma biblioteca à frente: de 100 livros para ler, uns seis de autores brasileiros. Nada demais, uma vez que o Brasil é só um país, e existem dezenas de outros com seus escritores, suas histórias, suas palavras, a merecer igualmente leitura. Mas a globalização persevera assim: de lá pra cá, muito, no sentido inverso, pouco ou nada.

    Aqueles que merecem alguma consideração fazem parte de patotas de nosso mundo corporativo: egressos das mídias, do mundinho acadêmico, compadres, todos circulando no mesmo meio, fazendo fama e deitando na cama uns dos outros. Somos como que obrigados a ler Chico Buarque, por exemplo. De vingança, não lemos mais nada e metemos o pau em todos os outros mesmo assim.

    Nas escolas, fingimos formar alunos, mas a má educação que eles recebem, além disso, é direcionada somente para o exercício de uma profissão, mal ou bem remunerada que seja. Com isso, suas leituras não vão além da autoajuda, dos manuais de conduta corporativa, das idéias voltadas para comprar e vender.

    Todo esse lamento, no final das contas, é nada indo a lugar nenhum. A literatura no país será melhor produzida e lida quando alcançarmos um nível ao menos médio de desenvolvimento. Somos meia dúzia de pessoas supostamente cultas exigindo dos outros o que não fazemos nós mesmos: boa literatura, boas relações sociais, boa política.

    Mesmo assim, insisto: gente, há, o que não há é oportunidade e contingente de leitores que suporte a ascensão de uma produção nacional praticamente submersa. No momento, os poucos que leem o fazem uns para os outros: o resto é o resto, uma maioria cinzenta, indistinta, congestionada pelo subdesenvolvimento, alheia a tudo que não seja a garantia de sobrevivência imediata. Nós os desconhecemos, eles nos desconhecem. É a tônica, uma dicotomia que nos faz utilizar categorias como elite versus povo, nós elite, eles povo, nós não povo, eles não elites.

    Nos condenamos, assim, a uma discussão estéril, um método comparativo preparado para nos reduzir a pó, à submissão a critérios tão inconsistentes quanto os nossos, mas de matriz estrangeira, logo superior. O negócio é parar de colocar o rabo entre as pernas, jogar a responsabilidade alhures e sonhar que habitamos um mundo que não nos compreende. Nesse universo, estamos a fazer o papel de manés, mas pagamos por isso e batemos palminha no final, enquanto, reunidos, vaiamos uns aos outros, fazemos alianças efêmeras e ganhamos nosso dia, um depois do outro.

    A merda toda é como pular fora da mera constatação. Não refletir só o olhar do outro sobre nós fingindo que é nosso olhar sobre nós mesmos. Vai ver que só com isso já dava para começar alguma coisa.

    1. Vou subir para o post. Teu texto é muito melhor que o meu.

      Vou te mandar a Rascunho e o livro do F Monteiro que te devo amanhã, OK? É incrível como vocês estão em sintonia.

      1. Caro Milton,

        Meu texto não pode ser melhor do que o teu porque eu não li os textos que motivaram teu comentário. Cometi, assim, ispirado pelo teu texto, um voo genérico sobre alguns problemas de produção/recepção literário no Brasil. Então vem um cara com cinquenta pedras na mão pensando que tá lidando com um arrogante presunçoso. Então tá. Sabe, eu bem tava merecendo mais uma dessas…

  2. É impressionante, Nunes, você escrever tão extensamente (com furor de “inédito profissional”?), para concordar, sem o saber (??????), pelo menos com a tese do artigo de Fernando Monteiro na RASCUNHO. mal lido, ou lido muito apressadamente, por você.

    Preste atenção no que escrevinhastes, e relê — se é que tu leste — o artigo dos caras. Ou, ao menos, o lúcido e, como disse o Milton Ribeiro, realista texto de Monteiro.

    É essa coisa de “comentarista de blog”: quer aparecer, gritar “eu sou mais eu!”, e, acima de tudo, quer parecer dono da verdade e da bola de meia rasgada de campo de pelada. Enfim, dana-se a escrever um tratado “do contra”, apenas para RATIFICAR, em essência, os argumentos do(s) artigo(s) dos cara(s) contra o(s) qual(ais) resolveu escrever…

  3. PS:
    E também é muito c-i-n-i-s-m-o uma pessoa que escreve, como você escreveu sobre os autores brasileiros “eu mesmo não os leio, tenho uma biblioteca à frente: de 100 livros para ler, uns SEIS (o grifo é meu) de autores brasileiros”, pretender vir deitar sua falação (quilométrica) sobre o que não lê, não sabe, não quer ler e não quer saber.
    Nada de novo sob o sol: você é tão somente mais um falastrão querendo aparecer (ao menos no blog do Ribeiro)…

    1. Caro Donato,

      Não escrevi em nenhum momento que eu li o Fernando, mas só o comentário do Milton sobre um e outro (Nelson). Fiz uma explanação livre, coloquei minha cara a tapa, reconheci meus erros mas também a não aceitação de algumas afrontas fora de propósito, num contexto que, se é letárgico, o é, principalmente, nas academias. No Brasil afora, as pessoas leem e escrevem, ponto. A opinião de muitos a respeito disso são emitidas sem que exista amostragem estatística + análise sociológica dos prob lemas existentes e, sobre isso, foi aqui o pobre comentarista, pecador, emitir também opiniões do mesmo nível…

      Agora, essa coisa d’ocê achar que “eu sou mais eu”, é mais grave, além de outros insultinhos pessoais. Uma coisa posso dizer: opinião mais adversa do que eu tenho de mim mesmo você não terá. Por isso expus mesmo com todas as letras que eu mesmo não leio o que deveria ler, logo tô devendo áqueles que escrevem e não possuem leitores porque o fascínio pelo que vem de fora (e de uma história longínqua) é muito e, pensamos, mais relevante.

      Não se irrite comigo. Sou zagueiro: a bola vem, chuto para longe; se errar a bola, chuto o adversário. Vai ver é vício de posição…

  4. a conversa é mais que pertinente. um povo que não sabe quem é – ou o que é – poderia fazer ótima literatura se isso o incomodasse. mas não o incomoda. talvez seja esse o problema: não há nada que incomode quem faz o que se publica por aqui. o tal do mercado cospe nomes ensebados por outros nomes que o tempo já mofou, cuja produção e crítica são profundamente duvidosas, mas essas figuras se tornam astros pop, escritores e críticos, gente que se espalha por aí com a profundidade de um copo de birita, posando de bacana, de diferente, de inovador – o performático a que o milton se referiu – e são um bando de masturbadores crônicos. trocadores de favor.

    mas pra dizer a verdade, essa discussão que tanto me interessa, não precisa do que tenho a dizer. se é que tenho algo a dizer que valha um puto. fico por aqui lendo os amigos, gente da minha aldeia, fazendo uma literatura que – senão por outras qualidades – pode ser apontada como honesta, o que já a faz infinitamente melhor que um livro do marcelino.

  5. Você elevou para “post”, Milton, uma coisa a que falta o foco, a concatenação, o estilo e até a experiência dos textos assinados respectivamente por Nelson de Oliveira e Fernando Monteiro (este, com fúria) na “Rascunho”.
    O Nunes veio unica e apenasmente com mais fúria, por sinal ecoando uma parte dos argumentos do Monteiro (que assinou um texto mais forte e mais direto do que o de Oliveira), mas ao mesmo tempo pretendendo que ambos os articulistas estivessem “indo do nada a lugar nenhum” (SIC) etc.
    Não entendi. Isto é, não entendi COMO o comentário furibundo — mas desfocado — do Nunes pudesse estar “melhor” do que o seu “post”, grande blogueiro.

    1. “Falta o foco, a concatenação, o estilo e até a experiência dos textos assinados respectivamente por Nelson de Oliveira e Fernando Monteiro”.

      Pois é, até quero concordar contigo, principalmente mas porque não li Nelson de Oliveira e Fernando Monteiro, não poderia ecoá-los, etc., e muito menos ter concatenação e estilo, pois não fiquei matutando, apenas escrevi direto na caixa de comentário, enviei e não revisei. Se voc~e perdoar a pressa, compreenderá aa razão dos erros, e poderá colocar mais SIC’s.

      Começo a pensar que o maior problema é que você gosta de Beaujolais, quer dizer, Deleuze, Derrida et caterva. Não fique chateado: há paladar para tudo, principalmente em um universo onde as razões são pautadas nas paixões (literárias), e essas, idiossincráticas, tantas vezes não respeitam sequer a Gramática, como faz esse pobre criado teu…

  6. Gostaria que passassémos a discutir aqui (e convido Nunes a ler o artigo de Fernando Monteiro, pelo menos), o que anda acontecendo na “literatura” brasileira atual (com e sem aspas).
    Esse assunto já tem, inclusive, uma pesquisa da área acadêmica, pois entre 2005 e 2007, a pesquisadora Liana Aragão, realizou uma vasta pesquisa para o Depto de Letras da UnB, na área de Literatura e Práticas Sociais, com o objetivo entender o cenário literário brasileiro atual, tendo em vista os agentes que nele transitam (escritores, editoras, críticos, leitores etc.), assim como a produção e as estratégias para entrar e se manter neste grupo. Para isso, ela esboçou um retrato do ambiente literário contemporâneo, especialmente a partir de uma releitura da chamada Geração 90. Ela deu especial atenção a Marcelino Freire, que Fernando Monteiro também analisa brevemente em seu texto.

    Apesar de os membros da Geração 90 fazerem questão de negar, Liana constatou que o campo literário funciona como ambiente de trocas e, por essa via, se aproxima da concepção de mercado, melhor desenvolvida em teorias do marketing ou da administração de empresas.

    Segundo ela, a busca da consagração utilizada sobretudo por Marcelino Freire passa por um conjunto de estratégias próximas mais da publicidade do que àquelas da literatura. A estratégia literária faz do marketing um meio para alcançar o público. A estratégia publicitária faz do marketing (do autor) um fim em si mesmo. Neste caso, já não importa os livros escritos pelo autor, sua “mensagem” ou estilo literário, isto não passa de um detalhe no amplo espectro de táticas utilizadas para se vender no mercado editorial brasileiro.

    Liana identificou que estas estratégias, no cenário atual, passam pela publicização de uma imagem específica de escritor-transgressor. Como “transgressor” leia-se ironicamente: bem relacionado no mercado editorial. Nada de transgressor a la Rimbaud. “Transgressor” aqui é apenas mais uma grife [ou jogada] publicitária. No amplo e cuidadoso levantamento realizado por Liana, o que Marcelino Freire faz questão de destacar nas suas entrevistas (e elas são muitas) não é a sua literatura, mas a sua persona: migrante nordestino, ousado, gente boa, simpático, descolado, agitador cultural, promoter, porta-voz, teatral, blogueiro-pauteiro, gente-como-a-gente, aderente à opinião pública, avesso a polêmicas com o público e a imprensa.

    Literatura pueril, cafajestismo militante, celebração da idiotia, nonsense, erros de concordância, narcisismos, redação desleixada, uso de palavrões, valorização da escatologia, do nojento e de personagens desbocados são alguns aspectos (marqueteiros) facilmente identificados por Liana Aragão como forma dos escritores da Geração 90 aparecerem na ordem-do-dia da literatura brasileira atual.

    1. Pois é. Em tua análise, eu retiraria apenas as expressões non sense e uso de palavrões. Ambos podem ser coisas muito boas, se utilizados com habilidade. Céline que o diga.

    2. Donato,

      Uma coisa você não pode: pautar se fulano pode falar ou não de acordo com suas propriazinhas determinazoõezinhas de leiturazinhas. Sabe, eu sou uma bosta, já li melihares de livros mas não os da sábia Liana e mui mais sábio Fernando Monteiro, de forma que deixarei a discursãozinha para o mais sabiozinho Donatozinho e sua presunçãosinha de bostinha.

  7. Eu discordo, Donato. Conheço bem o Marcos Nunes e sei que ele tem vivência cultural e literária suficientes para “deitar falação”, sim, senhor.

    Ademais, minha visão turva não viu nenhum grande vão entre as opiniões de Fernando Monteiro e dele. Se o Marcos lê pouca Literatura Brasileira é porque há algo que O AFASTA DELA. E ele sabe perfeitamente o que é. Basta ler qualquer suplemento literário com alguns exemplos da produção de certos autores para se sair correndo.

    O que sempre me surpreende são as discussões entre pessoas que concordam em quase tudo. O que o Marcos fez foi sair analisar de forma livre o contexto cultural em que a literatura se insere. Ora, isto está no tíitulo do artigo de FM!

    Bem, vou trabalhar fora. Não se matem por favor.

  8. (Ei, dá uma licencinha?)

    Parabéns Nunes, seu texto mais virulento! Escreveu com ódio. O que não me passou despercebido foi o do por que, há alguns posts atrás, perdemos tanto tempo com uma discussão semelhante sendo que, ao que pude depreender, defendes o mesmo ponto de vista que eu. Aliás, concordo com seu novo arquiinimigo (me sinto traído): seu texto tem sim uma série de contradições, o que pode ser efeito colateral do único combustível que tu queimas na escrita: a oposição, às vezes desarroada, contra tudo; a militância individual contra o mundo. Tu não me enganas do alto de todo esse teu narcisismo e vaidade, e essa conversa fiada de que teu maior inimigo é você mesmo parece aquela do suicida em potencial que diz não querer se matar com veneno pois dá uma azia dos diabos. Afinal, tu achas que existe literatura brasileira ou não? Quais esses autores estrangeiros a que nós estamos submetidos à veneração compulsória, e que no fundo não diferem nem um pouco dos nossos gatos pingados nacionais? Teu texto é de um profissional, há frases ali que também desmentem essa sua rejeição pela estètica (o que nunca entendi: a própria escrita que aufira alguma lógica discursiva é por si mesma estética. Mas não, como o Quixote invertido que diz abominar toda mínima eufemização da negra realidade, tu tens que se prender a um conceito de estética como manicure de beletristas), e sempre me passa a impressão que sua defesa truncada aos escritores nacionais reflete uma preocupação em benefício próprio.

    Agora vou dizer o que penso, mais uma vez, da LITERATURA BRASILEIRA. É um assunto pra lá de cansativo. Eu não desprezo a especialização, acadêmica ou não. Eu mesmo passei meus 35 anos de vida me especializando, para depois fazer uma faculdade de História. A literatura é um sacerdócio, assim como toda paixão cujo último benefício pretendido seja o financeiro. Também já li uma carrada de livros, muito mais (é claro) que o padrão nacional; li mais, até, que o padrão francês ou russo (os russos leem pra caralho!)Li o suficiente para me conciliar, há tempos, com a verdade de que não há escritor brasileiro que se rivalize com os universais_ nem Machado. Podem me mandar para a pqp, mas é isso. Os modelos de Machado são superiores à ele: Sterne, a literatura francesa sua contemporânea. O grande escritor inventa seus predecessores, conforme a célebre teoria do Borges dos antecessores do Kafka. Machado é bom, é mesmo o cara… mas é o único! Eu li Rosa, os três principais livros dele, e jamais os tornarei a ler de novo. Não me dói perceber isso. Existe uma literatura colombiana? Existe alguém antes de Garcia Márquez que tenha nascido ali próximo a Aracataca? Quando se fala “Cem anos de solidão”, costuma-se seguir um epíteto de “literatura colombiana”?

    Mas não, para utilizar o modelo de sacramentalização da merda a que nós nos apegamos pela beleza do som que isso dá: revolvemos a bosta atrás de nossos representantes, e elegemos os menos infestados de oxiúros, de cisticercos, gonococos e o escambal. Para mim nunca existiu literatura brasileira, também pelo fato de não haver nenhuma literatura restringida ao asteamento de uma bandeira nacional. Os escritores norte-americanos são os maiores críticos dos EUA: leia a trilogia da vida americana de Philip Roth, Ruído Branco, As Correções, O Planeta do Sr. Sammler. E, Nunes, eles são muito superiores a qualquer coisa que esteja escrevendo ou que já escreveu nesse nosso país, mesmo que exista uma coligação secreta de macacos de laboratorio com seus CPUs e suas três mil palavras diárias contadas. Sinto muito se eles nasceram nessa nação nefasta e não no Congo, e não basta espernear, espumejar de raiva e indignação_ coisa que você não faz, restringindo apenas a desprezar esses escritores (aliás, Henderson e o Som e a Fúria são os únicos livros que eu não consegui ler de seus autores: é um saco!)

  9. E não faltam assuntos para um escritor brasileiro, se ele quiser aparecer. Cadê algum romance digno sobre a ditadura brasileira. Cadê o romancista que vá fundo nos problemas espirituais da classe média brasileira? Ou, de novo invocando Garcia Marquez, alguém que faça um grande painel nacional sem tocar um milímetro na palavra”brasil”, uma alegoria convincente. Em Cem anos de Solidão não há qualquer referência à Colômbia.

    Acho que a única solução seria abolir a imposição na escola da leitura dos “clássicos nacionais”, e meter bna cabeça da garotada o que se deve realmente ler. Trocar Manuel de Macedo ( é isso mesmo?) por Dickens, José de Alencar por Gógol e Kipling, rasgar o Lima barreto como exemplo de inteligência e saudável desabnegação e abrirem, todos, As Mil e Uma Noites. Qual criança na escola brasileira lê Dickens? Para mim, retórica e palavrório à parte, a explicação pela ausência ruidosa de um grande escritor está aí.

    1. Caro Charlles,

      Meu maior problema é pensar e escrever simultâneamente, isto é, não escrever, revisar, refinar, cortar, polir, inserir dados e referências, etc. Afinal, isto é um blog, algo como uma conversa de bar sem a mesma graça. No fin al das contas, concordo com a maioria das coisas que disseste aí em cima, novamente bem mais do que 10 linhas, mas tô de novo aqui, na frente da máquina, com cinco minutos de tempo antes de começar a trabalhar, e não consiguirei lembrar dos livros relevantes de autores nacionais sem olhar para minhas estantes. Machado / Sterne: li o Tristam (ou Tristram?) Shandy, e não o vejo como melhor que Machado. Este último é aquele que, na verdade, pôs em prática a teoria antropofágica do Oswald, lendo os estrangeiros, deglutindo, recriando e lançando um olhar arguto para a formação do país Brasil e suas classes médias babando na gravata pelo padrão europeu de classes dominantes. Gosto do Triste fim de Policarpo Quaresma, que também possui um olhar incisivo sobre o caldo cultural brasileiro e suas especificidades. E, é claro, gosto de Graciliano Ramos, de São bernardo, Angústia, Memórias do Cárcere, Vidas Secas. Guimarães Rosa? Esqueça. É um mistificador. Guardo uma lembrança terna de um livro intitulado Presença de Ana, de Modesto Carone; com perdão da palavra, é uma obra… modesta, porém um belo canto de pré-formação, um olhar menos derrisório para nossas pobres origens e dificuldades inerentes a um brutal processo de exploração e extração de riquezas, que aqui se deu mais do que nos EUA, pela carência de recursos naturais de um lado e distância da metrópole de outro, além doutros fatores relativos à ocupação e processo de “nacionalização”.

      Pior de tudo, tive ontem um dia horrível no trabalho, e ainda tive que olhar para os textinhos do Donato e pensar como fazê-lo voltar ao útero da mãezinha e me deixar em paz. É claro que, muito puto por outros fatores, escrevi umas bobagens, das quais me arrependo hoje, uns 50%. De resto, a contade de mandá-lo para casa do caralho com aquela empáfia de bosta dele permanece.

      Boas leituras. Penso em hoje dar um meio descanso desses debates. Meditar, fazer ooommmmmmmm, rezar meu mantra “deixa eu cantar / que é pro mundo ficar odara”, para, sereno e reconciliado com o mundo e com as coisas, mandar tudo para a casa do caralho.

  10. hahahaha! Cuidado com as receitas culinárias. Também vou dar um tempo nesse tipo de debates, querendo que o Milton não venha com mais um desses temas capciosos, com toda “ingenuidade” e movido pela mais pura falta de intenção em provocar ( e jurando que foi tudo obra do acaso ter colocado um post sobre Bill Evans depois daquela discussão toda sobre jazz). Mas…(meu Deus, isso deve ser uma doença!!), olha só que bruta coinscidência: há dois dias que estou num dos processos mais lamuriosos da vida, mudando de casa, levando móveis, tendo que sacrificar aqueles obstinados papéis e materiais diversos inúteis que insistem em ter um apego sentimental qualquer para não abandoná-los. E, ontem, antes de consultar esse blog, me vi na posição cinzelada do homem moderno rendido à sua vã impossibilidade de permanência e certeza (uma amostra social daquele princípio do Eisenberg), vestido com farrapos, suado como um condenado, sentado em meio de mil revistas e livros velhos num cenário de guerra, descansando por meia hora, e eis que me caia à mão um exemplar de 2007 daquela revistinha que tu tanto abominas. Como dito alhures pelo intermitente Ramiro (tão intermitente em seus comentário como uma malária), e querendo provar outras variáveis dessa assertiva de que a Veja não serve mais nem para ocuparmos na privada com suas seções culturais, me pus a ler, ali no centro dos escombros, um artigo do maior medíocre da intelectóidade brasileira, sobre Graciliano Ramos. E ele escreve, quase textualmente, o que tu disseras sobre o Rosa, de que ele é um mistificador. Mais uma dessas incríveis coinscidências que trafegam tão brownianamente por esse blog.

    1. Então a gente simplifica mais: todo escritor é um mistificador. Por que não todo ser humano? Afinal, o que a gente tá fazendo não é algo semelhante ao culto dos ícones, daí tributários somos todos nós do cristianismo, ao menos o ortodoxo, cristalizado e dominante na Pátria Mãe Russa, nossa Medéia? Bá, tchê, falta pouco para virar gaúcho.

        1. É para o Ramiro:

          Mistificador Guimarães, enganador, diversionista, que, ao invés de usar o que vê para escrever o sente, vê e imagina para criar, sobrepõe um discurso emprestado à região mítica para dizer que o sertão é o que a gente quer dizer dele, não importando nada o que de fato ele é, com suas misérias, mandonismos, violência e ignorância. No lugar de jagunços, cavaleiros andantes; no lugar de coronéis, senhores feudais; no lugar do desemprego e da miséria, visões do paraíso; no lugar da loucura, conexão com o sagrado.

          Não se é obrigado a retratar a crueza das relações visíveis, mas substituí-las por narrativas que remetem a deuses antigos e gestas medievais, é um troço que dói na visão e no ouvido.

          Não vejo a literatura como um lugar onde se cria nossos paraísos artificiais, nem como documento da realidade existente sob um prisma ideológico qualquer, mas o Guimarães, espertamente, justamente por possuir um prisma ideológico, conta a história que quer contar, não a que viu e ouviu, mas aquela que não toca nos interesses de poder envolvidos em relações humanas pautadas na exploração e na violência. Vidas Secas não é a realidade do sertão, mas um ponto-de-vista literário que não foge à certa crueza do existente, cujo transcriação em palavras é fiel ao fazer literário mas também às leis humanas e naturais que transformaram o sertão no meio ecológico e humano que é, era, continua sendo.

          Não suporto aquela conversa fiada mítica. Se voc~e passear pelo São Francisco divisa com Bahia não verá nenhuma preocupação metafísica nos barqueiros, só a lida diária com a fome, a miséria, o analfabetismo, medo da polícia, do mundo, de tudo, e sobretudo uma autoconsciência mortificante da própria desimportãncia no concerto do mundo e das coisas.

          Não dá. É como ler um livro sobre o Rio de Janeiro, Cidade Maravilhosa, carnaval, futebol, mulher, alegria, descontração, etc.

          Vá e veja. depois, não conte mentiras e abobrinhas porque, se o fizer, papai não vai gostar. papai gostou do que o filhinho Guimarães fez.

      1. Bá, tchê, cada artista é que nem o Noel Rosa, que tem o dom de iludir.

        GR: volte à oração “Nada é sagrado”. Muito menos GR. Se todos dizem que ele é um gênio e jazz música de intelectuais, legal. Ou melhor, f-se.

        Tinha até esquecido: a Veja disse que o Graciliano é um mistificador só porque o mesmo era filiado ao PC, logo adepto do marxismo, logo etc.

        1. Milton e Marcos, sou um poeta!
          Meu TRABALHO se dá principalmente com a semântica da língua.

          A construção do Marcos foi, literalmente:

          “Guimarães Rosa? ESQUEÇA. É um mistificador.”

          O Marcos NÃO utilizou a palavra “MISTIFICADOR” no sentido pessoano de “FINGIDOR”!!!!

          Ou seja, o Marcos escreveu de maneira gratuita, para causar impacto. Só isso!

          Por favor, Marcos, por que Guimarães é um mistificador que deva ser esquecido?

  11. Marcos, gostei da sua resposta, porque ficou clara – pelos menos para mim- a sua crítica ao Guimarães. Precisarei de tempo para responder a complexidade que você me (nos) apresentou. Eu penso-sinto lentamente: sou um catassol! Porém, adianto-lhe que na minha resposta tentarei alinhavar – não sei se com sucesso- o Fausto de Goethe, Graciliano(Vidas Secas) e Pessoa ao “Grande Sertão:Veredas”. Por favor, não escreverei nenhum ensaio, apenas vou soltar o meu imaginário, e: vamos ver no que dá! Quando o texto estiver pronto aviso-lhe; publicarei aqui, neste post, com a licença do Milton.

    1. Agradeço pela compreensão, Ramiro. Sei que minhas restrições são contestáveis, mas é um troço de rejeição física mesmo: começo a ler aquilo e a me sentir mal. Sei que pode haver um valor “intrinsicamente literário” na coisa, mas não consigo levar o “intrinsicamente literário” a sério quando percebo, no final das contas, uma estratégia diversionista, até meio sacana, no fundo disso tudo. Andei de carro pela região e não me sinto bem quando encaram aquilo vestindo uma rede poética por cima. Não dá, não consigo mesmo.

  12. Li Grande Sertão com 14 anos. Calma! Não estou arrotando faisão não… fazer isso aqui seria tão temerário quanto o Taison brincar de polícia e ladrão só de cueca com o Michael Jackson (tenho que aproveitar a piada, antes que o Taison fique mais velho e o Jackson fique só na memória).

    Explico: eu era um guri taciturno, metido filho de bugre, criado só pela mãe semianalfa, cheio de raiva e com pretensões de compensar a pobreza sentida em relação aos colegas dando uma de intelectual, já que não era bom de bola. Em algum lugar que não lembro agora, li, na época, alguém dizer que o Grande Sertão era “genial”, coisa de “cabeção”. E pumba vamora lá pegar uma cópia do tal, de capa arregaçada, na biblioteca do Sesi em Sapucaia City, pra levar pro veraneio de 87 na casa dos meus tios em Mariluz. Foi mais ou menos na época em que comprei o primeiro gibi do Batman, então já viu.

    Entendi merda alguma, claro. Acho até que preferi o Batman. Mas, anos depois, li e reli com prazer, como diversão até. E esse sentimento eu acho importante não desgarrar das leituras: a ludicidade. Claro que GR é mistificador, e também lá se vai o Ariano ser considerado mistificador, mas isso é o de menos: longa vida aos grandes mentirosos, aos grandes mistificadores, porque o douro de sua pílula é bem doirado. Se você não encontra um barqueiro metafísico ao atravessar o Velho Chico, eu não tenho esperança de, num pub dublinense, topar com um bando de bebum criando geniais neologismos e falando latim quando conta piada. Nem tenho dúvidas de que, se visitasse Combray, acharia os espinheiros-alvares (ou álvares, sei lá) coisa de boiola.

    Gostei e concordei com muita coisa que o Marcos disse até agora, nesse e em outros posts. E, afinal, mesmo a sua ojeriza ao “maior dos mistificadores” acabou, para mim, por ser justificada: é lance “físico”, como ele mesmo disse. E isso há com os livros sim. Talvez essa a única coisa que importe, a par nossas rejeições meticulosamente racionalizadas.

    Então Marcos, quanto a mim, você pode até me convencer por a-mais-b que o GR era um mistificador reacionário (e ele próprio queria ser chamado de reaça, não é mesmo? um reaça bom de verve), principalmente se nosso papo for regado a destilado. Porém, depois da conversa, se eu abrir o Grande Sertão e cair naquela passagem, em que Riobaldo e Diadorim, ainda crianças, são pegos confabulando sozinhos por um moleque maldoso, e eu reler que esse “aduzido fungou, e, mão no fechado da outra, bateu um figurado indecente”, aí meu irmão, aí tá lascado, porque vou ter esquecido tudo o que você disse.

    Lendo o Milton falar que gente “séria” talvez não escreva no Brasil (pô, justo depois de eu pedir aquela mão, Milton..), eu encafifei com a escolha da palavra “séria”, pois caiu um pouco como “cidadão de bem”, ou “bonus pater familias”. Claro que não foi isso o que o Milton quis dizer, talvez fosse melhor a expressão “gente comprometida”, mas até essa não cai macio. Enfim, no contexto, pegamos. Mas, mesmo assim, encafifei. Porque alguns dos meus preferidos não são “sérios”, Henry Miller, Joyce, Mutarelli (pra falar de um brazuca cheirando a leite)… são “comprometidos”, mas não são “sérios”. E aí, nessas divagações, lembrei de uma história que contam sobre o Vinicius, que o João Cabral cobrava dele uma “postura”, dizia que com o talento dele e sua (do João Cabral) disciplina, talvez surgisse o “grande poeta brasileiro”… e dizem o Vinicius comentava isso falando algo assim: “pode até ser verdade, mas fica lá o João Cabral com aquela dor-de-cabeça, aquela dor-de-cabeça, e eu olho pra ele, e eu não quero aquilo pra mim não.” Certo o batuqueiro? Bom, deitou e rolou comendo todas com o apoio logístico do Toquinho, catou uma índia linda quando já tava velhão… se tinha potencial para ser “tudo aquilo” que o João Cabral dizia, nunca vamos saber, mas que ele estaria andando e cagando pra todas as preocupações sobre o destino literatura brasileira (uia, escrevi isso e uns Maribondos de Fogo zuniram aqui na minha janela), ah isso estaria.

    Saravá! (não revisei nada que escrevi não… vai assim que é melhor)

    1. Ah, sim, entendo, tem a coisa da construção das frases, a prosódia de um requinte tão original que eu chamo de… maneirismo. caralhos, também odeio maneirismo, só de lembrar dumas passagens a cabeça dói de raiva. Não, não quero vomitar agorinha pela manhã, não. Deixemos GR e seus amantes em paz. Mas esse teu comentário tá bem engraçado, divertido mesmo. Tem uma expressão francesa que fala dessa coisa de pegar uma matéria pesada de maneira leve e carregar fácil. Não tô lembrado, mas o teu texto quase me fez lembrar dela, mas podemos traduzir como “num tô nem aí”, duma maneira meio troncha e suspeitamente anti-intelectual, mas pode servir às vezes.

      1. Marcos, puxa uma peleia com seu reflexo no espelho, talvez consiga melhor resultado (mas o problema é que, aí, os “sete leitores” do Milton não vão testemunhar né?). Tem gosto pra tudo. Quanto a mim, prefiro assistir luta de ringue no gel de umas gatas com biquini, a digladiar com palavras na web com barbado.

        Forte abraço.

  13. Victor, esse blog tem recebido a benção de uma descomedidez em relação a elogios para os comentaristas e para seu dono que às vezes me dá a suspeita de um começo de rasgação de seda que pode obliterar a sinceridade da coisa. Mas justo quando penso assim, me deparo com este seu comentário e toda delicadeza em ser equilibrado e equidistante vai pro escambal e só me vem a vontade de dizer o quanto um texto como o seu acima pode dar novas graças ao dia. O Milton tem que se dar por felizardo, pois a cada isca que joga nessas águas amplamente revoltas da net, consegue pegar não um, mas vários peixões. Tá aí o nunes, o ramiro, o donato…para provarem. Você demonstrou que bebeu fartamente da erudição do Rosa, (e da coloquialidade pop do Batman). Concordo com sua diferenciação entre “sério” e “comprometidos”, e colocar Joyce na última categoria revela a sua verve de provocador (“cuidado com essa classe depravada dos ledores de livros”).

    Se o Milton me der a permissão em dizer, espero que continue a aparecer por aqui.

  14. Não Ramiro. Como disse antes, o Milton é o Miles Davis, que desenha a frase melódica e os primeiros aprofundamentos do tema. Nós os comentaristas, nos revesamos entre ser o Coltrane, o Evans, o Chambers e o Cobb. Eu, de minha recalcada humildade, me contentaria em ser o Cannonball Adderley (hehehe).

    Mas no final, tudo vira mesmo é uma batucada de samba!

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