Refletindo sobre o humor em texto rápido

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Para L.W. e I. B.

Ontem, ouvi um parvo desqualificando uma pessoa por não se levar à sério. “Ora, uma pessoa que faz isso não se leva a sério”, dizia o beócio. Cada vez que alguém é desqualificado por não ser sério, desconfio imediatamente do acusador. É inequívoco que uma acusação do gênero só pode partir de quem está incomodado e é muito mais interessante descobrir exatamente onde este foi tocado. Pois assim como uma ofensa diz bem mais sobre quem ofende do que sobre o ofendido, a denúncia de não ser sério faz com que o detrator se desnude muito mais do que o “inconsequente” autor de alguma gracinha. Digo “gracinha” com extremo amor aos bem humorados. Penso que o bom humor seja uma manifestação de inteligência do ser humano e um dos fatores mais importantes na aproximação entre os indivíduos. Obviamente, existe a figura do bobo feliz, porém mesmo este é melhor do que o bobo mal humorado. Também não há grande relação nenhuma entre bom humor e imaturidade e meu teórico literário preferido, Mikhail Bakhtin, mata a pau neste ponto.

Mikhail Bakhtin

“Somente o riso pode ter acesso a certos aspectos extremamente importantes do mundo”. Como diz este texto, “o humor é capaz de relativizar a força dos valores ligados à ordem, à produtividade, à intemporalidade, à razão. De modo semelhante, Jankélévitch sustenta que a consciência irônica, ao substituir o absoluto pelo relativo, produz o apagamento das fronteiras entre o certo e o errado, o positivo e o negativo, o grave e o irrisório, o fundamental e o acessório, provocando assim um movimento de recuo da consciência. Esse deslocamento de perspectiva abre caminho para a auto-reflexão e para se repensarem os próprios limites”.

E segue: “O humor não é um fenômeno menor. Relegá-lo ao segundo plano é um sintoma do levar-se a sério demais, da pretensão. O próprio fato de se construir pelo avesso, por meio de desvios e transgressões, lhe fornece uma dimensão privilegiada, reveladora de formas de organização do tecido social e de modos de funcionamento das instituições. Por outro lado, além de revelar um profundo enraizamento no terreno social que o produz, tornando-se assim um de seus mais espontâneos reflexos, o propósito humorístico nos toca igualmente pelo caráter econômico e sintético de sua articulação”.

Bakhtin sustentava que “o humor é uma das formas capitais pelas quais se exprime a verdade sobre o mundo na sua totalidade”. E digo eu que o humor é responsável por criticar, de sua forma irreverente, a estrutura de poder da sociedade. O humor é de oposição. Quando ao lado do poder, ou tem de ser muito bem feito ou dará lugar à ridicularização ofensiva e banal de fatos e pessoas.

Sempre tive para mim que somente os inteligentes não levam tudo a sério e sabem se divertir mesmo com as intermináveis chatices cotidianas. Sempre tive para mim que somente pessoas problemáticas e neuróticas podem realmente entediar-se em nosso século.

E volto ao trabalho.

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24 comments / Add your comment below

  1. Minha maior inveja é dos que não se levam à sério. Não se levar à sério numa coisa ou outra vá lá, todo mundo consegue – rir de piadas gentis, sorrir quando está sem graça, exagerar nos gestos desajeitados. Mas num sentido muito profundo, não se levar à sério é para poucos; acredito que seja um dos segredos da felicidade. Quem sabe eu dia eu chegue lá.

  2. Muito bom, Milton! Mais um texto antológico, mesmo sendo curto e rápido! Penso que os maiores problemas psicológicos e desequilibrios emocionais que acometem algumas pessoas provêm justamente da incapacidade delas de rirem de si mesmas. As pessoas neuróticas e problemáticas se entediam mais porque, por levar-se muito a sério, nem elas suportam a própria companhia.

  3. Faltou humor e distanciamento para se livrar de alguns absolutos, tal como na conclusão:

    “Somente pessoas problemáticas e neuróticas podem realmente entediar-se em nosso século”

    Quem e o que garante isso?

    Não sei se o Bahktin citado é o da Cultura Popular na Idade Média, mas deve ser, ou, ao menos, uma abordagem que ele utilizou no volume citado em outros textos e ensaios. Ele realmente é ótimo. Devia ser uma graça ele com os amiguinhos de 10, 11 anos, em meio aos debates acerca de Kant; pode parecer incrível, mas ele tinha uma espécie de clube filosófico em que crianças como ele discutiam coisas como Kant, Hegel… Ah, que saudades do tempo em que não havia televisão, nem futebol, nem blogs…

  4. Nesta manhã, estava eu, pirilampo e formoso, como sempre, parado num farol. Eis que de repente notei – o carro da frente pertencia a uma dedetizadora. Sem acreditar, li sobre o porta-malas: KAFKA – CONTROLE DE PRAGAS.

  5. Desculpe Milton, ainda preciso ler com mais atenção o texto acima . Em todo o caso, o tema me motivou, e sigo:
    Sisudez não é seriedade. Cultive o humor. As realizações sempre trazem satisfação, e o humor é uma conseqüência natural. Quem gosta do que faz, ou faz o que gosta, sempre estará propenso ao riso, e, ao mesmo tempo, não perderá o foco, pois estará sempre “ligado” por uma relação afetiva com o trabalho. Neste caso, o riso, o prazer, é resultante da própria motivação da ação, do foco, e das etapas de um projeto, que vão sendo naturalmente atingidas e tendem a ganhar qualidade. A afetividade associada ao trabalho, libera nossa criatividade, e nos tornamos muito mais atentos e detalhistas.
    É possível realizar um bom trabalho sem o riso e o prazer. Admitamos que sim, mas é muito mais difícil, e pouco compensador, gratificante. Fazer as coisas defensivamente, apenas mostrando que se está cumprindo prazos, atendendo-se fielmente compromissos, mas evitando-se o riso, que é uma manifestação espontânea, da natureza humana, é uma auto violência.
    Desconectar-se da afetividade para mostrar seriedade, “vamos combinar”, isto não é sério. Afinal, para integrar-se e construir-se, realmente, um ambiente de metas, de motivação e determinação, é preciso estar “ligado” no se faz. Sisudez não é seriedade, talvez medo. Medo do julgamento dos outros, medo de expressar-se e de mostrar-se mais. Seriedade não é sisudez, que é contraproducente. Seriedade, paradoxalmente, pressupõe sempre um saudável bom humor…Acho.

  6. Interessante… Fiquei a pensar nisso. Até porque, desde que me entendo para além do meu umbigo, divido as pessoas em quem entende piada e quem não entende. Por outro lado (shame on me), quando quero desqualificar alguém, imediatamente saco um: “fulano se leva muito a sério”. Eu teria mais o que comentar (e expor), mas deixemos para um ou outro festim diabólico. Hoje estou num dia de levar-me a sério.

  7. Seis gotas de essência do terror…
    Cinco gotas de molho de sinistros…
    Agora para a tintura de ternura…
    Mas eu preciso usar apenas um toque…
    Porque sem um toque de ternura… ele pode me destruir!!!
    Algumas gotas de amor… mal não faz…
    É melhor segurar a respiração… está começando a assinalar…
    Melhor segurar minha mão… estou me sentindo doente…
    Emoção… emoção…
    O que foi que eu fiz???
    Sou Milton… seu querido filhinho!!!
    Mais ou menos assim…

  8. De vez em quanto frequento o Sul21 e os textos do Milton.Sempre muito bons, bem como os comentarios.Este especifico sobre o humor (ou a falta de) merecia até uma 2 edicao ampliada, e um com desenhos e linguagem simples, só para as loiras(aqui uma infeliz tentativa de fazer humor incorreto).Tentei. Na proxima eu melhoro.

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