Contos para futuro nenhum (V)

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CARLANDREIA RIBEIRO (Belo Horizonte/MG)

As lojas já oferecem os anacrônicos enfeites de Natal. As famílias de bem já deram início aos preparativos para a chegada do Deus-menino. Esse ano será especial, Papai Noel virá em seu trenó puxado por milhares de bolsorrenas. Surgirá nos céus do Brasil tal qual besta do Apocalipse, o tropel poderá ser ouvido a quilômetros. As criancinhas estarão ansiosas e correrão pelas ruas gritando: Papai Noel, Papai Noel, me dá uma bala, manda bala pra nós, Papai Noel!

Atendendo ao clamor infantil, lá do alto ele enviará suas balas. Calibres 22, 38, 40, 380… Mas,alegrem-se, o Menino-deus está prestes a chegar! Presépio montado, na manjedoura sorri imóvel um menino Jesus embranquecido, cercado por seus pais também imóveis e embranquecidos e alguns animaizinhos também inertes. As ceias finalmente estarão nas mesas: arroz de forno, peru, farofa e maionese, tudo com muita uva-passa (nas periferias); caviar, trufas, folhas de ouro, bife Wangyu, melancia japonesa (na zona sul).

Quando baterem as doze badaladas, todos brindarão efusivos. Desde o delicado tilintar das taças de cristal nos condomínios e mansões até a estridente fricção dos copos de requeijão nos bairros populares.

Mais uns dias e chegará o Ano Novo. Farofa, pernil, chester, champagne, vinho Sangue de Boi, mais champagne, caviar e trufas… O relógio dá meia-noite. Novamente o tilintar das taças de cristal, a estridente fricção dos copos de requeijão, pular sete ondinhas, todos vestindo o branco da paz… o branco da paz? Alguém já disse que a paz é branca. Para Pessoa é uma pomba estúpida.

1º de janeiro de 2019, o Menino-deus se fez adulto; embora continue embranquecido, já tem idade bastante para ser crucificado (por que diabos insistem tanto naquela pele branca e naqueles olhos azuis?).Porém, aqui, no Planalto Central, no coração do Brasil, o Messias é outro. Anunciado pelos grupos de Whatsapp e glorificado pelas fakenews, finalmente ele subirá a rampa. Enquanto o Brasil escorre ladeira abaixo, a parte branca do Brasil permanecerá em seus condomínios e mansões. O resto, o povo, iniciará um calvário e muitos morrerão no Pelourinho de Pampulha(*). Ah, o doce perfume das Pampulhas!

Mas, alegrem-se, hoje é o dia da Confraternização Universal! Trump já tem aqui os seus representantes trabalhando pelo seu bem-estar.

Feliz Ano velho! Bem-vindos novamente a 1964!

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(*) A expressão foi cunhada por Gil Vicente, em A barca do inferno. Quem a diz é o personagem Parvo, que representa o povo. Pampulha é também uma lagoa e um bairro de Belo Horizonte.

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Estamos publicando toda a série. Use este link para ler os contos já publicados.

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