Infinita, de Camila Maccari

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Numa de suas entrevistas, sempre interessantes, Ingmar Bergman disse que às vezes obrigava seus personagens a fazerem coisas que ele mesmo não queria fazer. Esta é a impressão que tive ao terminar a leitura do ótimo Infinita, de Camila Maccari. Mas vou adiante sem spoilers, tá?

A personagem principal deste excelente romance decide que — atendendo a sugestões — precisa mesmo de um tempo para si. Sai cansada do trabalho e vai tomar uma cerveja num bar. O que seria relaxante acaba numa cena de triste comicidade. A cadeira onde está sentada quebra devido ao alto peso da usuária, que cai estatelada no chão. Ela levanta, tentando manter a dignidade, mas imaginando a qualidade de cena que protagonizou. O fato atinge algo essencial nela: o tamanho de seu corpo, exatamente aquilo que deveria passar despercebido. Este é o estopim de uma série de decisões que acontecem misturadas a memórias de fracassos pessoais, sucesso profissional, violências. É um corpo que, não adianta, sempre entrará no espaço social de forma inversamente proporcional a seu tamanho. Tanto maior, quanto mais exíguo.

Depois disso, a protagonista sem nome faz um levantamento emocional da gordofobia, do julgamento das pessoas, dos regimes que a levaram a perder e recuperar metade de seu peso, da falta do direito de existir — fato que ela até parece admitir, pois trabalha com eficiência e como uma condenada para que os colegas a amem e não vejam sua gordura… A narrativa vem em duas camadas: a primeira é a do quase gentil narrador onisciente, em terceira pessoa, e outra em itálico, muito mais acusatória e que trata a mulher por “você”. Claro que esta é uma voz interna, muito mais terrível.

Maccari é minuciosa. Detalha cuidadosamente os sentimentos para mostrar como tudo aquilo é cansativo.  Até as pessoas que a amam estão de olho. A voz em itálico responde às acusações gritando pai, se não fosse por isso, eu seria perfeita. Seu corpo é tema público, seja pelo emagrecimento (elogios), seja pelo aumento (silêncio, exame). Ainda sobre os pais: “Quando surgia cada vez mais gorda na frente deles, era como se o rosto dos dois se transformasse em um espelho e a única maneira de fugir de sua imagem refletida era não se colocando diante dela”.

A escrita está perfeitamente adequada ao tema. Sem grande poesia, a narradora fala sobre a gordofobia e sobre aquelas raras pessoas que não dão importância a seus processos e tentativas. Pouco a pouco, a narrativa torna-se mais cínica e feroz, o que é lindo de ler, pois este leitor não gosta da vida cor-de-rosa e sim da vida interessante… À moda Calligaris. O final do livro é extremamente elegante e simbólico.

Sem ilusões, Infinita não resolverá o problema de ninguém, mas fala de como os magros se apropriam e batem nos gordos. De como os “em forma” impedem o amor-próprio deles impingindo-lhes a rejeição e a autorrejeição. Claro que não é um livro confortável, mas há uma boa dose de consolo e reconhecimento nele. Calma, também não é uma aula de empatia, é uma narrativa realista e dura, que dá valor ao silêncio.

Recomendo.

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