Um pouco de arte de choque

Um pouco de arte de choque

Eu amo Goya e sua arte. Ele é um pioneiro do realismo, do naturalismo e do impressionismo. O que mostro abaixo não é Goya. Por que falei em Goya? Ora, porque — embora algumas sejam modernas — seu espírito parece estar nas esculturas abaixo, principalmente se olharmos seus caprichos, desastres, tauromaquia, disparates, etc. Retirei as imagens abaixo do perfil do twitter Artes perfeitas e bizarras.

Il Colosso dell’Appennino, Florença, Itália, de Jean de Boulogne
Escultura de porcelana de Kate Macdowell
Melancolia – por Albert György. O trabalho está em Genebra
A Torre das Almas, de Scott Dow
Escultura de Daniel Popper

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Disparate acadêmico

Ele era um sujeito correto. Nos jantares com amigos, em hipótese alguma pegava o dinheiro dos outros, pagando toda a conta com seu cartão de crédito em data mais vantajosa. Uma vez, para agilizar o pagamento num restaurante lotado, ele pegou um cheque de Bruno e fez o pagamento com cartão, porém, ao ser questionado dias depois sobre o motivo de não ter feito o depósito, respondeu:

— Só vou depositar teu cheque no data de vencimento do meu cartão, claro.

Quando o jantar era em sua casa e algum convidado trazia-lhe uma garrafa de vinho, ele ou a abria logo ou esperava pela próxima oportunidade em que o comensal voltasse. Fazia questão de dividir a garrafa com quem havia lhe dado. Enfim, um gentleman.

Era médico, clínico geral, casado com uma médica da mesma inespecialidade. Trabalhavam muito. Bruno conhecia-os através de sua mulher, também médica, só que urologista. O detalhe é que esta detestava trabalhar. Plantões e chamadas noturnas não eram fatos aceitáveis em sua vida. Então, procurou a tranqüila vida acadêmica desde o início da carreira. Aos pacientes, preferia alunos e pesquisa. Mais fácil.

Então houve um concurso para a Universidade. Bruno, leigo naqueles assuntos, ficou de fora enquanto os três estudavam e se divertiam. As tardes de estudo acabavam em mais jantares, pois a mulher do médico era uma espécie de Babette e, como sói acontecer, as Babettes são generosas. Bruno costumava chegar neste momento e, quando voltava para casa com sua mulher, ela elogiava fartamente o conhecimento, a capacidade e a experiência do casal. Estava aprendendo muito com eles.

Fizeram o concurso e, por uma anedota do destino, os três classificaram-se em posições intermediárias e consecutivas: primeiro a mulher do médico e depois a mulher de Bruno, seguida do médico. Talvez não fossem chamados. O concurso tinha validade de dois anos e eles dependiam de demasiados óbitos e aposentadorias.

Os dois anos estavam passando, alguns médicos-acadêmicos foram publicados no necrológio e outros penduraram os jalecos, mas a fila andava muito lentamente para as necessidades do trio. A angústia era grande, principalmente para a mulher de Bruno, que considerava o concurso fundamental para sua carreira. No final do prazo, houve uma súbita aceleração e a mulher do médico foi chamada perto do prazo fatal. Ela comemorou moderadamente ou, para ser mais exato, privadamente. Enquanto isso, a mulher de Bruno via com desespero os dias esvairem-se sem nada acontecer, ao menos sob sua perspectiva. Mais dez dias e o concurso se tornaria inválido. Ela começou a suplicar para todos os outros professores. Era uma injustiça, logo ela, tinha que entrar, o momento era aquele, queria dedicar-se inteiramente à vida acadêmica. Tinha que.

Convenceu o chefe do departamento que seria importante obter mais um professor para a urologia e ele foi ao Ministério de Educação em Brasília reivindicar a vaga. Contou tal fato para o amigo médico, que lhe pediu uma “força”, uma ajuda. Ela ponderou e decidiu que não era adequado pôr em risco uma vaga que ainda nem existia.

A vaga foi obtida no último dia. E ela telefonou para a mulher do médico:

— O Afonso conseguiu a vaga para mim!
— É mesmo?
— Sim, legal né? Meu Deus, que alívio!
— E o Carlos?
— Olha, eu pedi muito mas não deu.

E seguiram explicações mais circunstanciadas até que a mulher de Bruno comentou — sabe-se lá de onde tirou aquela idéia — isto:

— Sabe que Richard Strauss, o compositor, afirmava que conhecia muito mais teoria, orquestração e prática musical do que Sibelius, mas tinha consciência de que Sibelius era um compositor muito superior? Considerava que era uma questão de talento.

Aquele comentário gratuito fez a mulher do médico silenciar e a conversa morreu estranha.

No dia seguinte, a mulher de Bruno cruzou com o amigo no corredor do hospital. Ele não esperou nenhum cumprimento.

— Aproveitadora! Te ensinei tudo o que sabia sem restrições, passei anos trabalhando para que depois tu aceitasse tua vaga com a maior naturalidade, sem impor condições. Isso foi uma traição para quem te ajudou! Não tentaste fazer nada por mim, sua parasita repugnante arrivista!

A mulher de Bruno chorou dias e dias. Bruno a consolava e refletia sobre o comentário infeliz da mulher e sobre o auxílio solicitado. Ela lhe garantiu: fizera o pedido.

— Tu acredita em mim, né?

Poupou-a de sua opinião. Com o tempo, ela passou a dizer que o ex-amigo era um grosseiro mal-educado e desenvolveu a convicção interna de ter sido injustiçada por ele. Mas cruzava bastante com a mulher do médico no hospital. Fazia teorias. Dizia que eles tinham vergonha dela. Evitavam-na por conta da injúria cometida contra ela. Sentia-se coberta de razão.

Obviamente, os casais nunca superaram o episódio.

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Disparate na antesala

Marcos a viu e disse:

– Meu Deus, que horror. Tua ex-mulher está vivendo uma nova juventude tribufu.
– É, não sei o que houve – respondeu Quim.
– Será que ela passou o fim de semana enfaixada?
– Sei lá, acho que ela grudou esparadrapos nas sobrancelhas e arrancou. Mas o que me impressiona…
– O que é?
– Aquela franja mais clara, que deixa o cabelo degradê.
– Horrível.
– Parece um bibelô esquecido numa penteadeira de bruxa.
– Hahahaha… Não, acho que é Koleston em excesso.

Quim observou o amigo com falsa admiração.

– Não esquece que já namorei uma cabelereira – defendeu-se Marcos.
– Tu entende dessa porra?
– Minha mãe dizia que Koleston dava ferida no couro cabeludo.
– Hahahaha…, parece que foi o caso.
– Já pensou a meladeira que ela fez na toalha e no pescoço?
– Não, ela vai no institute.
– Aquilo é Koleston mechas… Hahahaha… O cabelo dela está cor de manga.
– Não diga. É mesmo! Não quero olhar muito. Acho que ela usou Koleston manchas.
– E ela lutou com aquela sobrancelha. Está uma mais grossa do que a que não existe. Por isso, ela jogou aquela franja em cima, mas como a pele dela é oleosa, cheia de furinhos e brilha, não adianta porra nenhuma.
– Hahahaha… É a superfície lunar encerada.
– A sobrancelha que falta deve ter aqueles toquinhos que vão nascendo. Isso por baixo do lápis que passou desesperadamente.
– Hahahaha… Como é que tu conhece tudo isso?
– Ela parece um pica-pau.
– Pica e pau são sinônimos.
– E tu comeste aquilo.
– E tu uma cabelereira.
– Tri-gostosa.
– É, tu ganha. Nem posso invocar a inteligência de minha ex. E a advogada dela? A altona.
– É uma fera. Quando se separou, fez dividirem até os copos e os faqueiros. Olha o jeito que ela olha para o barbudo!
– Saudades da vida sexual?
– Sim, de uma vida sexual que nunca teve. Nada meiga, a coitada.
– Quando fala, parece a Mônica Leal.
– E a tua, chovia granizo quando nasceu.
– Hahahaha… Que duplinha dureza.
– Tenho certeza que tua mulher usa cremes manipulados fora do prazo de validade.
– Para combinar com o Koleston manchas? Hahahaha… Fale-me da roupa dela… da roupa.
– Ela não sabe a idade que tem, pensa ter vinte anos. Mas há um detalhe… Ela tem dois joelhos em cada perna.
– Como?
– Perna magra, joelhão, perna magra, panturrilha de fisioculturista, totalmente anormal mas que ela deve amar…
– E gosta mesmo!
– Viste? Meias pretas, saia curta demais. Mostra as pernas demais… Que são finas.
– E daí?
– Olhe o diâmetro da barriga pouco mais acima.
– Parece Mr. Pickwick de saias. Quatro joelhos.
– Olha, estão te chamando.

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