Estilhaços de Rodolfo Walsh, de Iuri Müller

Estilhaços de Rodolfo Walsh, de Iuri Müller

Estilhaços de Rodolfo WalshO desassombrado e talentoso Rodolfo Walsh foi um jornalista, escritor e tradutor argentino que certamente concordava com a fraqueza da maioria dos autores dos dias de hoje, ao ignorarem a política e a realidade para cuidar apenas da construção de obras via de regra ignoradas pelo público. Exagerou ao pegar em armas? Ora, eram outros tempos.

Autor de contos clássicos da literatura argentina da segunda metade do século XX, época na qual não é nada simples entrar em antologias, também escreveu notáveis livros de reportagem como o célebre (na América Laitina, não entre nós) Operação Massacre, sobre o fuzilamento de civis em José León Suárez de junho de 1956 e sobre os assassinato de Rosendo García (“¿Quién mató a Rosendo?“).

O livro de Iuri Müller apresenta este autor fundamental num pequeno volume que não é chamado de Estilhaços por acaso. Trata-se de uma série de relatos e entrevistas com amigos de Walsh agrupadas em forma de mosaico, de modo a aproximar-se, cuidadosa e literariamente, de um personagem muito complexo e insatisfeito. As rajadas de cada capítulo mostram um homem insatisfeito. Insatisfeito com os cubanos que abraçara após a Revolução, com a imprensa, com seu grupo Montoneros, com sua vida, com os milicos que tomaram o poder em 1976 e o mataram após receberam uma carta aberta que era linda, franca, que tocava nos pontos certos, mas que também era uma espécie de suicídio, pois não era crível que o deixassem viver após aquele texto — o qual está completo no livro de Iuri. Como contista — e ele era ficcionista de primeira linha –, Walsh também necessitava das doses de verossimilhança e de verdade que o mataram.

O tom cronístico e melancólico do livro, tocado como se fosse uma música de funeral ou lamento de morte, é perfeito para caracterizar um autor que desejava falar de forma realista e poética ao povo, isto é, que desejava uma linguagem que não fosse entendida apenas pela burguesia letrada.

A editora cartonera Maria Papelão fez muito bem em pescar o excelente texto de Iuri do anonimato de um trabalho para a faculdade de jornalismo da UFSM. Mas ATENÇÃO: o texto não guarda ranço acadêmico. Não há grande preocupação com a objetividade, não é destituído de humor e nem traz a fragrância de suor dos rodapés. É leitura prazerosa e, como disse Shakespeare, onde não há prazer não há proveito.

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