Tem alguma coisa me incomodando. Acho que sou eu. – WOODY ALLEN
Primeiro Movimento – Molto Vivace Paroxístico: É ridículo utilizar extrair a pasta de dentes apertando-se no meio do tubo, o correto é vir de baixo para cima. É ridículo tomar banho sem começar por cima, ou seja, pela cabeça, pescoço, tronco e assim por diante. É ridículo não se ouvir a-ten-ta-men-te todos os CDs que se compra ou ganha para só depois guardá-los. É ridículo não possuir uma montanha de livros sobre o criado-mudo. É patético ler sem uma caneta ou lápis na mão. É ridículo sair de casa sem antes dar uma olhada nos e-mails. É ridículo não comer tudo o que está no prato. É ridículo tomar vinho sem um copo d`água ao lado. É ridículo pôr o cinto de segurança com o carro parado. É equivocado não dizer todos os dias para a Elena que a amo. É ridículo não ficar cuidando o taxímetro (pois este pode disparar a qualquer momento como um ventilador). É ridículo não usar as roupas pela ordem – colocando embaixo a recém lavada e pegando sempre a de cima. É natural escrever o texto caminhando ou correndo e dizer que já está pronto, mesmo quando ainda não se passou para o computador. É maníaco achar que tenho que responder a todos os comentários. É reparação maníaca achar que toda a brincadeira pode ofender e que é bom fazer um agrado depois. É maníaco decorar fatos e datas, mesmo sem querer. É compreensível esconder algumas opiniões. É lógico pensar que as pessoas que não gostam de crianças são potencialmente más. É inteligente explicar para uma criancinha que estar doente e com dor não é uma punição. É maníaco acusar mentalmente todos os entediados de deprimidos. É maníaco achar que todos os deprimidos são muito chatos. É ridículo achar que todos os chatos têm pais chatos, apesar do que mostra a experiência. É lógico pensar que os de língua alemã são os melhores (Bach, Musil, Mann, Beethoven, Brahms, Bernhard, Kafka, Mozart, Goethe, Heine, Haydn, Handel, quem tem isso?). É lógico pensar que alemães podem ser também os piores. É paradoxal achar que uma mulher ou mostra parte das pernas ou parte dos seios. É ridículo pensar que se ela mostrar os dois estará denotando vulgaridade, principalmente quando se tem interesse em ver tudo. É paradoxal torcer apaixonadamente pelo Inter e achar estranho que alguém possa torcer da mesma forma por nosso adversário. É paradoxal achar docemente rídiculas as brincadeiras amorosas entre pais e filhos quando passamos nos gosmeando com os nossos. É paradoxal sonhar com a megasena quando nunca se aposta. É lógico pensar que os adultos que dizem não gostar de presentes estão negando sua infância. É ridículo fantasiar sobre jogos de futebol. É lógico que nos sentimos aliviados quando fazemos um personagem de ficção sofrer. É lógico pensar que o mundo é injusto. É lógico pensar que os melhores seres humanos normalmente se ralam. Mas será maníaco — ou é apenas experiência? — percorrer tantos caminhos mentais pouco menos que pré-moldados?
Segundo Movimento – Adágio Periódico: Não há como fazer Milton Ribeiro ler ou folhear uma revista ou jornal da primeira à última página. Normalmente, a seção cultural e a esportiva estão no final e estes assuntos são os que mais me interessam. Daí, a mania. Irrita-me quando divido a leitura de uma publicação com outra pessoa e esta quer lê-la da página 1 para a 2 e assim por diante. Ninguém parece entender que tenho idéias claras e procedimentos rigorosos e que estes indicam que o correto é de trás para a frente. Melhor ler sozinho.
Terceiro Movimento – Surdo Assai: A música deve ser ouvida como se fosse ao vivo. Esta coisinha de música ambiente é para enfastiados e para cobrir silêncios em reuniões sociais. Se a orquestra soa ensurdecedora, devemos ouvir também assim em nossa casa. O mesmo vale para um grupo de rock ou samba. Mas não podemos ouvir um violoncelo solando de forma ensurdecedora, pois este nunca soa assim. Não devemos distorcer. Então, ouço intimamente as Suítes para Violoncelo de Bach — na gravação de Bruno Cocset, de preferência, pois Rostropovich e Bach não são miscíveis –, mas as obras sinfônicas são fruídas por todo o edifício. Gosto de me sentir no meio da orquestra. É lógico e cartesiano, não concordam?
Quarto Movimento – Allegretto de Funes: A memória é uma coisa que se treina, principalmente a musical. Nunca abandonei uma mania que adquiri com meu pai. Tínhamos um jogo que durou de minha adolescência até sua morte. Toda a vez que ligavámos na Rádio da Universidade — especializada em música erudita –, tratávamos de identificar o mais rapidamente possível qual era a música que estava sendo executada. Isto podia acontecer várias vezes ao dia. Com isto, sou, até hoje, super-treinado em descobrir tudo o que toca no rádio. Quando a obra terminava e o locutor dizia seu nome, comentávamos o resultado e desligávamos o aparelho para não ouvir o nome da próxima e seguirmos na luta. Nunca apostamos, ou melhor, apostamos muitas vezes, mas os valores eram de um real, um cruzeiro, um cruzado, etc. Como ficamos anos nesta briga… hoje mesmo liguei o rádio e disse rapidamente, para mim mesmo: “Sarabanda da Suite Nº 2 da Música Aquática de Handel”. Angustia-me muito não saber qual é a música ou, no mínimo, o compositor. Ele faleceu em 1993. Ainda estou disputando com ele..
(*) Os confusos conceitos de “mania” aqui externados, comprovam que meus conhecimentos da área psi são de farmácia. Espero que os profissionais mantenham-se longe, mas duvido muito. Sem pensar muito já encontrei quatro psicanalistas, psicólogos, psiquiatras, etc. entre meus sete leitores. Ainda bem que o método de retaliação preferido deles é o silêncio.