Em uma entrevista concedida ao Daily Mail em 2007, Maria Schneider falou do estupro que sofreu por parte de Marlon Brando em frente às câmeras de Bernardo Bertolucci para o filme O Último Tango em Paris. A cena faz parte da produção e o uso da manteiga foi decidido entre Bertolucci e Brando na manhã anterior à filmagem. Não houve consentimento por parte de Maria, uma menina de 19 anos que contracenava com um monstro do cinema e com um cineasta extremamente talentoso que já era autor de O Conformista e A Estratégia da Aranha. Quando sentiu o que Brando fazia, é óbvio que ela pensou num estupro real.
“Deveria ter chamado meu agente ou meu advogado para vir ao set porque não se pode forçar alguém a fazer algo que não está no roteiro, mas, naquela época, eu não sabia disso. Marlon me disse: ‘Maria, não se preocupe, é só um filme’, mas durante a cena, embora o que Marlon fizesse não fosse real [não houve penetração], eu chorava de verdade. Senti-me humilhada e violentada por Marlon e Bertolucci. Pelo menos foi só uma tomada”.
Engana-se quem pensa que, se não houve penetração, não houve estupro. Vale lembrar a definição do termo: “O crime de estupro é qualquer conduta, com emprego de violência ou grave ameaça, que atente contra a dignidade e a liberdade sexual de alguém”. O elemento mais importante para caracterizar esse crime é a ausência de consentimento. A lei brasileira, por exemplo, diz que não é preciso penetração para que o crime se caracterize como estupro.
A cena é polêmica desde o surgimento do filme. É a tal “cena da manteiga” e Bertolucci quis filmar de forma realista a reação de Schneider. Lembro que comentávamos a cena durante meu segundo grau no Colégio Júlio de Castilhos. Só que é indiscutível que houve violência e sadismo. Foi uma atitude deplorável. Uma atitude de dois estupradores famosos contra uma jovem de carreira ainda obscura.
Há anos conheço essa história e sempre quis que ela fosse mentira. Não é. Bertolucci e Brando levaram a um nível repulsivo a afirmativa de Hitchcock de que atores são gado. (Lembro de Bergman pedindo desculpas e mais desculpas a Gunnar Björnstrand antes de grudar uma vela acesa sobre a careca do ator, que ria). É incrível pensar que um dos maiores momentos do cinema — o monólogo de Brando ao lado do caixão da esposa suicida — esteja acompanhado da cena da manteiga e pelo que foi feito para que ela fosse filmada de forma “realista”. O pior é que Maria Schneider sempre será lembrada por este Último Tango, apesar de sua melhor atuação ter sido no esplêndido Profissão: Repórter, de Antonioni. Depois desse absurdo, ela não fez mais cenas de nudez.
Me irrita especialmente, repito, o fato de que Bertolucci e Brando, “o maior ator do mundo”, serem dois artistas famosos e consagrados a pegarem uma menina que até ali devia estar feliz trabalhando com eles. Nojo total. Dizem que Maria jamais se recuperou do fato.
“Fui horrível com Maria, porque não lhe disse o que iria acontecer”, declarou o diretor na entrevista de 2013, e ainda completou que a intenção era que Schneider reagisse “como uma menina, não como uma atriz”. Bem… Contudo, Bertolucci nunca pediu desculpas para a Maria Schneider e até hoje afirma que sacrifícios precisam ser feitos em nome da arte.
Mas há limites, não?