Bamboletras recomenda três mulheres — uma ficcionista, uma psicanalista e uma vítima da ditadura

Bamboletras recomenda três mulheres — uma ficcionista, uma psicanalista e uma vítima da ditadura

A newsletter desta quarta-feira da Bamboletras.

Marguerite Duras (1914-1996)

Olá!

Não foi planejado, simplesmente aconteceu de sugerirmos três excelentes livros de mulheres: a clássica Marguerite Duras, mais Elisabeth Roudinesco e Ana Maria Ramos Estevão. Duras vem com seu Hiroshima meu Amor, nunca dantes traduzido em nosso país e que deu origem ao filme de Resnais. Roudinesco analisa As lutas identitárias que, segundo ela, reduziram suas áreas de atuação, isolando-se. E o livro de Ana Maria Estevão fala da chamada Torre das Donzelas (argh!), o local onde ficavam as presas políticas da ditadura militar brasileira. Ana foi uma delas.

Uma excelente semana com boas leituras!

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Hiroshima meu amor, de Marguerite Duras (Relicário, 196 páginas, R$ 57,90)

Publicado pela primeira vez em português, Hiroshima meu amor foi concebido originalmente como roteiro para o filme dirigido por Alain Resnais. O filme foi aclamado internacionalmente após seu lançamento em 1959, tendo recebido o Prêmio da Crítica Internacional no Festival de Cannes e o Prêmio da Crítica de Cinema de NY. A história de um caso de amor entre um arquiteto japonês e uma atriz francesa que visita o Japão para fazer um filme sobre a paz apresenta uma dupla dimensão: uma íntima e uma histórica. Essas duas dimensões se sobrepõem através da evocação à memória, ao passado, ao esquecimento e ao trauma. Alain Resnais e Marguerite Duras tematizam Hiroshima a partir da premissa de que isto seria impossível após os horrores da bomba atômica. E nessa tentativa de captar algo que testemunho nenhum pode comunicar, que está na essência do sentimento da perda e do trágico, eles realizam uma obra-prima única, de um lirismo incomparável. Este livro apresenta o roteiro e os diálogos originais do filme, que realizam magistralmente o pedido de Resnais feito a Duras: “Faça literatura. Esqueça a câmera.”

O Eu Soberano, de Elisabeth Roudinesco (Zahar, 304 páginas, R$ 89,90)

Ao fazer um balanço do tempo presente e das várias definições de identidade hoje possíveis, a historiadora e psicanalista francesa Elisabeth Roudinesco analisa neste livro a natureza e os perigos do que chama de derivas identitárias. Depois de vinte anos, os movimentos de emancipação parecem ter mudado de direção. Já não se perguntam como transformar o mundo para que ele seja melhor, mas dedicam-se a proteger as populações daquilo que as ameaça: desigualdades crescentes, invisibilidade social, miséria moral. As pessoas exibem seus sofrimentos, denunciam as ofensas, dão livre curso a seus afetos, como marcadores identitários que exprimem um desejo de visibilidade. Em contraponto, consolida-se uma outra maneira de submeter-se à mecânica identitária: o isolamento. O Eu soberano é um livro provocador em que a autora se pergunta: o que fez com que os engajamentos emancipadores de outrora, notadamente as lutas anticoloniais e feministas, se fechassem de tal forma sobre si mesmas? À luz de Freud e Lacan, das obras de Sartre, Simone de Beauvoir, Aimé Césaire, Fanon, Judith Butler, Foucault e Derrida, Roudinesco tece os fios que unem os debates acerca de identidade, gênero, raça, interseccionalidade, pós-colonialismo, nacionalismo, República, extremismo e religião.

Torre das guerreiras e outras memórias, de Ana Maria Ramos Estevão (Editora 106, 192 páginas, R$ 59,80)

1970, São Paulo, Presídio Tiradentes: na ala dos presos políticos, as mulheres eram encarceradas num prédio alto, conhecido como a Torre das Donzelas. Foi lá que Ana Maria Ramos Estevão, estudante de Serviço Social envolvida com o movimento estudantil e a organização Ação Libertadora Nacional (ALN), passou nove meses de sua vida. Semanas antes, havia sido capturada pelos órgãos de repressão da ditadura brasileira, passando por torturas e interrogatórios. Ao longo de sua trajetória como militante, conheceu tanto os agentes do regime, como o delegado Sérgio Paranhos Fleury e o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, quanto seus oponentes, como Paulo Freire, que se tornaria referência mundial em educação, e Dilma Rousseff, presidenta do Brasil três décadas depois. Este livro reúne as memórias de uma mulher que subverteu a delicadeza das “donzelas”, vivendo como guerreira num dos períodos mais sombrios da História do Brasil.

Viagem ao redor do umbigo

Viagem ao redor do umbigo

Li no livro Bartleby e companhia, de Enrique Vila-Matas, a curiosa definição de Marguerite Duras sobre o ato de escrever: escrever é tentar saber o que escreveríamos se escrevêssemos. Dou-lhe inteira razão, mas há algumas pessoas, dentre as quais me incluo, que negam o que escrevem e raramente releem o que deixam escrito por aí. Nem este blog é relido por mim.

Hoje, dediquei algum tempo a reler uns posts antigos e surpreendi-me com o grande número de frases e expressões que revisaria ou cortaria. Há idiotices incríveis. Encontrava aqui uma ideia que deveria estar clara e não está; ali, uma frase horrenda; mais adiante, surpreendia-me comigo mesmo — eu escrevi isto, isto sou eu ou um personagem? Ou sou eu meu personagem? Acho que é o caso. Afinal, quando divagamos sobre nossas vidas, não estamos reescrevendo um livro com caracteres mais brilhantes ou não para depois recolocá-lo — capa dura ou brochura — em nossa memória, a fim de retirá-lo no momento seguinte com o objetivo de mais uma revisão, a mesma revisão que não faço aos duros caracteres do monitor? Escrever é tentar saber o que escreveríamos se escrevêssemos.

Sonhar, de Almada Negreiros
Sonhar, de Almada Negreiros

Um porque hoje é sábado anômalo, mas especialíssimo

Um porque hoje é sábado anômalo, mas especialíssimo

Erico Veríssimo dizia que Lygia Fagundes Telles não devia ter tanto talento para a literatura. Era bonita demais para isso. Ela ria, envaidecida.

Convencionou-se dizer que Clarice Lispector era uma bela mulher. Belo telefone, não?

Belíssima era Cecília Meirelles, dona daquele sorriso que tudo parece compreender. Foi tradutora de …

Virginia Woolf *, que tinha perfil de camafeu, extraordinários livros e sofria enormemente com sua loucura.

Suicida como Virginia, tivemos a bonita brasileira Ana Cristina César. Apesar de sua boa poesia, ela ficaria aos pés de…

ana cristina cesar

Anna Akhmátova *, cujo grande sofrimento era de causas exteriores. Que poetisa maravilhosa ela era! Dá vontade de aprender russo como quis uma vez …

Simone de Beauvoir, aqui em linda e arejada foto, demonstrando que tinha a frente, o conteúdo e o verso interessantes.

Tão de esquerda quanto Simone foi a ex-stalinista Doris Lessing, que se tornou a mais irritante das direitistas.

doris lessing

Sempre foi de direita a talentosa belga Marguerite Yourcenar, apesar do costume de fantasiar-se como agente da KGB.

Yourcenar

A outra Marguerite, a Duras, gostava de cinema, de amantes orientais e sua obra permanecerá mais do que a das três anteriores.

marguerite duras

Conversas mais íntimas tinha Anaïs Nin, que escrevia diários e corria atrás de um homem sensível.

AnaisNin

Nome de francesa tinha a severamente inglesa Daphne du Maurier, autora de livros que assustaram minha adolescência, como Rebecca.

daphne_du_maurier_

Também gostava de assustar a imensa, perfeita e maravilhosa dinamarquesa Karen Blixen *, que publicou suas obras-primas com o nome masculino de Isak Dinesen e que …

karen blixen

… traduzia seus livros para o inglês. Quando envelheceu, ficou “meio anoréxica”, mas mantinha as boas companhias — minha nossa!

blixen marilyn monroe Carson McCullers

Conversando com Karen, à direita, está a caçadora solitária Carson McCullers, …

carson-mccullers

… tão menos famosa do que Jane Austen *, cujos seis romances são cantados em prosa e verso pelos críticos e é adorada pelo cinema.

Jane-Austen

Em comum com Karen na utilização de nome um nome masculino, com Austen no espetacular talento, temos a insuperável George Eliot * (Mary Ann Evans).

George_Eliot_by_Samuel_Laurence

A também inglesa Muriel Spark faz livros menos intelectuais quanto os de Eliot, mas é sempre fascinante e grudenta. Escreveu pelo menos duas obras-primas modernas.

Muriel-Spark

Tem nome comprido e estranho a grande e bela poetisa portuguesa Sophia de Mello Breyner Andresen, descoberta por mim logo após sua morte.

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Com algumas exceções, são todas mulheres bonitas — às outras sobraria a beleza interior… — e as que receberam asterisco logo após seu nome são as minhas Top 5 da literatura feminina mundial.

Obs.: Mais literatura feminina aqui.