A Baixinha, a FLIP

Publicado em 5 de julho de 2005

Ela tinha 1,55m. Agora deve ter no máximo 1,50m. Recebeu educação rigorosa em colégios internos de Santa Maria e Porto Alegre. Tão rigorosa que era proibida de tocar tangos no piano do colégio da capital. Uma vez, pegaram-na tocando aquela música do demônio. Seu professor – que hoje está devidamente morto e é até nome de conservatório em nossa cidade – veio por trás e fechou violentamente a tampa do piano sobre suas mãos. Uma bela educação, com efeito. Inesquecível. Ela diz ela que doeu por muito tempo, que talvez tenha quebrado algum osso. Depois, formou-se dentista numa época e num estado onde somente outras três mulheres o eram. Foi trabalhar em Cruz Alta, mas veio outro dentista e a levou casada para Porto Alegre. Trabalhou a vida toda e teve dois filhos, que criou com cuidados (muitos) e preocupações. À noite, ora arrumava as roupas do filho mais novo que jogava futebol a tarde inteira, ora tomava as lições dele e de sua irmã. Muitas vezes ela, de tão cansada, dormia durante as lições e nós ficávamos paradinhos, torcendo para que ela não acordasse. Não sei de mãe melhor e não lembro de nenhum tapa; fomos criados sem as exemplares atitudes do defunto maestro Leo Schneider. Éramos uns duros, pois meu pai gastava horrores no turfe, mas nunca faltou nada em nossa casa, nem amor ao perdulário, que, aliás, era adorado por todos. Eu detestava vê-la bem arrumada, era sinal de que iria ao cinema com meu pai e que ficaríamos sozinhos. Odiava aqueles perfumes e casacos de pele. Ela tinha algumas curiosidades: a liberação de verbas era ilimitada se fosse para comprar livros ou qualquer coisa para nossa educação; porém, se fosse para aquilo que considerava bobagens, poderia haver vetos. Uma vez, eu tinha uns 18 anos e meus pais foram para a praia deixando-me em casa. Chamei uma namorada e passamos a noite juntos. Pela manhã, ouvi meus pais brigando na frente da porta do meu quarto. O tempo estava chuvoso e eles tinham retornado. Minha mãe dizia para meu pai, enquanto protegia a porta do meu quarto e tentava conter a voz: “Ele é um adulto e não interessa se está dormindo com alguém ou não. Sai daqui! Já!”

Parabéns à Dra. Maria Luiza Cunha Ribeiro, minha mãe, que hoje faz 78 anos e que me ajudou em tudo, até em minhas ereções adolescentes.

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Há uma série de autores que me interessam nesta FLIP. E eles não se chamam Jabor, Jô, Suassuna e muito menos Ondaatje. Pretendo assistir a duas palestras por dia, encontrar alguns amigos e respirar a atmosfera da cidade, tão especial durante a FLIP. Se der, pego carona em qualquer escuna e tomo um banho dedicado a meu filho Bernardo, que ama aquelas águas; depois, culpado, ligo para minha filha. Das estrelas, só Rushdie me interessa. Mas há muito mais: o fantástico Roberto Schwarz, o turco Pamuk, o português Pedro Rosa Mendes, o chef Bourdain, o cubano Latour, Paulo Henriques Britto e outros, além de Paulinho da Viola e do bandolim de Hamilton de Holanda. Se a festa permitir, pretendo escrever pequenos posts diários a respeito. Mas os cybers de Parati são de matar. Quem quiser me achar deve procurar aqui:

Pousada do Príncipe
Av. Roberto Silveira, 289
Telefone: (24) 3371.2120

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Fantasma sai de cena, de Philip Roth

fantasma_sai_de_cena_200_repAos 71 anos, Nathan Zuckerman pode estar impotente, pode estar usando fraldas para conter a incontinência urinária — resultante de uma operação para a retirada de um câncer de próstata –, sua memória pode estar falhando, porém os livros do dono do alter ego permanecem esplêndidos, mesmo que não chegue ao nível dos anteriores. Em Fantasma sai de cena, novo livro de Roth, parece haver como nunca uma separação entre Roth e Zuckerman. Enquanto este vê sua memória falhar e sua obra decair, aquele nos chega com uma prosa exata e fluente, colocando-nos situações cheias de significados. Têm razão aqueles que apontam certa despretensão neste livro, mas a qualidade de Roth para discutir sem o menor receio fatos temidos pela maioria dos autores basta para distingui-lo da enorme massa de vulgaridade da literatura atual.

E quais seriam estes fatos? Ora, a “rebelião fisiológica” da velhice, a inveja da juventude, o desinteresse pelo mundo.

Após longo período de retiro voluntário, Zuckerman volta à Nova Iorque a fim de tratar sua incontinência. Negocia com um jovem casal uma troca temporária de residência. Ele ficaria em Nova Iorque e eles passariam um ano no exílio de Nathan. Porém, paradoxalmente a sua situação urológica, ele apaixona-se como um menino pela inatingível mulher do casal, Jamie. Ela é linda, tem 32 anos e é uma aspirante — ainda sem obras — a escritora. Nathan, apesar de abordá-la de forma um tanto patética, refugia-se na fantasia para dar alguma forma àquela relação impossível. O contraponto à Jamie é dado por Amy, ex-mulher de seu tutor literário Lonoff, a qual procura recuperar-se de um câncer no cérebro. Amy, septuagenária e com enormes lapsos de memória, também foi uma paixão de Nathan quando jovem… OK, quem me lê já deve ter notado que é um livro sobre a mortalidade. Para piorar, há um jovem bonito e cheio de energia que deseja escrever a biografia de Lonoff, relatando fatos constrangedores da vida pessoal do autor. Nathan e Amy não suportam a idéia de tal exumação.

Como atração especial, há a descrição de como o casal recebe a reeleição de Bush em 2004. Zuckerman observa impassível o mundo deles acabar para sempre…

Não é o melhor Roth, mas o panorama literário é tão pobre que sinto enorme vontade de dizer: leiam, haverá pouca coisa atual e melhor, não percam, não deixem de ler…

Em tempo: excelente tradução de Paulo Henriques Britto.

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