All that mythology

Pertenço àquele grupo de pessoas que adoram de música e gravações ao vivo. Claro que uma gravação de estúdio deve ser tão perfeita quanto o possível, mas é ao vivo que o artista faz contato direto com seu público; é ao vivo e no entusiasmo causado por esta interação física que temos a expressão mais sincera e direta; é sem a mediação de engenheiros de som, produtores e outros que tais que o verdadeiro artista criará a expressão só passível de ser inventada na presença do receptor. É apenas numa apresentação ao vivo que a música pode ser maior do que quem a executa. Nesses momentos, o artista pode escolher sentimento à técnica e mandar a perfeição às favas em nome da celebração. Mas me entusiasmo e tergiverso…

Acho que nunca Porto Alegre assistiu ao Orfeu de Claudio Monteverdi (pronuncia-se montevêrdi). Por isso e pela beleza da música, foi oportuno o Concerto do StudioClio da última sexta-feira, dedicado a seleções do Orfeu entremeados com explicações de Francisco Marshall a respeito de all that mythology. Num ambiente muito tranquilo e de bom humor, a Confraria Música Antiga apresentou, na primeira parte do programa, algumas peças instrumentais e árias do primeiro grande gênio da música ocidental.

Monteverdi causou sensação com Orfeu, a primeira ópera de todos os tempos. Até aquele momento, em 1607, apenas a poesia lírica fora musicada. Os madrigais duravam de dois a quatro minutos. Então Monteverdi compôs um poema pastoral — uma fábula, como ele próprio a batizou — de uma hora e meia de duração. A tarefa não era nada simples. Ele tinha apenas que descobrir como dar coerência a uma peça com elementos e situações muito diversas por meio de uma nova forma. O que ele tinha na mão? Ora, o madrigal, o recitativo (espécie de canto falado) e sua imaginação. O que ele conseguiu em termos de dramaticidade é espetacular, apesar de utilizar estruturas muito simples e lineares. A história começa alegre e termina em tragédia — com Eurídice (diz-se, em italiano, Euridítche) no quentinho do inferno. Só um gênio com o talento dramático de Monteverdi conseguiria inventar uma nova linguagem que pudesse auxiliar a contar uma história tão cheia de variações de espírito em seu personagem principal. Há um momento especialmente complicado: aquele quando Orfeu pensa que salvará Eurídice e já está prévia e equivocadamente feliz.

A Confraria Música Antiga esteve impecável com Fernando Cordella (cravo). Cíntia de Los Santos (soprano) e Nikolaj De Fine Lichts (flautas) cometeram pecadilhos que só um IMBECIL não relevaria. Pensemos: estamos em Porto Alegre, assistindo a uma peça inédita, preparada para apenas uma noite, pois não há público para mais; ademais, sabemos que a segunda apresentação, aquela para a qual nossa triste cidade não tem público para assistir, é sempre melhor; como se não bastasse, temos uma orquestra sinfônica que só percorre o repertório mais básico, nauseante e batido. Considerando-se tudo isso, eu seria ridículo se perdesse meu tempo apontando os pequenos (mesmo) e DESCONSIDERÁVEIS erros cometidos por quem FAZ CULTURA na cidade. Ainda mais que o conjunto, o ambiente e as explicações nos colocaram perfeitamente no contexto de Monteverdi e de sua ópera.

A segunda parte de all that mythology contou com uma surpreendente e ótima peça de Francisco Marshall e Dimitri Cervo. Solis invictus foi solarmente interpretada por Cíntia de Los Santos, César Rodrigues Pereira (tenor), Dimitri Cervo (piano) e Javier Balbinder (oboé, excelente). Deixou aquele gostinho de ECM New Series no ar. Quem conhece a ECM e seus novos trabalhos sabe que este é um elogio que raros merecem, pois estamos falando ao mesmo tempo de absoluta qualidade e contemporaneidade.

Amanhã à noite (segunda-feira, 21/12), tem mais. O soprano Luísa Kurtz e o pianista Carlos Morejano vão dar um recital certamente superior à foto que acompanha o programa… Conheço o pianista Morejano — é excelente. Luísa Kurtz é colecionadora de boas críticas e pode ser ouvida na gravação abaixo, de som não muito bom, mas onde ficam claras sua potência e belos agudos. O duo está indo para a Itália e o concerto tem nome dramático: Concerto d’addio. Para que não pensemos que se trata de intenção ou ato falho, não seria melhor já deixar agendado um Concerto di ritorno? Hã? Hã?

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Amigos

Nossa auxiliar resolveu faltar ontem. Lavei toda a louça, mas a mesa ficou como quando o Marcelo Backes esteve aqui. Foi uma noite de anormal perfeição, daquelas que a gente efetivamente lamenta quando acaba e que depois se agradece a presença através de e-mails um pouco acima dos tons protocolares. Conheço o Backes há mais de dez anos e temos encontros aproximadamente anuais — ele morou muito tempo na Alemanha e agora reside no Rio com a Nina (Saroldi). Então, quase sempre nos encontramos ou por causa da Feira do Livro de Porto Alegre ou em sua passagem para o interior missioneiro de seus pais.

(No RS, quando se vai ao interior, diz-se que se vai “para fora”, o que é mais paradoxal do que o Les Luthiers cantando La Chacarera del ácido lisérgico — también llamada Conozca el interior, tradicional alucinógeno opus 24, de Johann Sebastian Mastropiero).

Em nossos últimos encontros, recebemos consideráveis reforços backianos como o da irmã Ângela e de seu marido Chico, que também conheço faz anos e do qual desconheço o sobrenome. A Ângela revela-se muito, mas muito engraçada. Eu e a Claudia não conhecíamos a Nina que — à parte a surpresa de que um alemãozinho de Paca Norte conquiste carioquice de tamanha beleza — é encantadora. E, nossa, a Claudia matou a pau na cozinha, mas a isso eu e a balança já nos acostumados. Marcelo, nós também passamos o dia de ontem falando a respeito do muito mais que agradável encontro com vocês e, como te falei, eu, a Claudia e o Bernardo ficamos depois sentados na sala, dizendo um para o outro que vocês DEVIAM ter ficado mais. Sim, repetiremos.

No dia seguinte, ontem, havia várias festas coloradas. Havia uma para 50 mil pessoas mais Ivete Sangalo, Fafá de Belém e sei lá mais quem no Beira-Rio, só que a mais importante ocorria na Fnac do Barra Shopping. O Felipe Prestes lançava a revista Invicto 79 – O primeiro, o único, comemorativa aos 30 anos do Campeão Invicto Brasileiro. A publicação é belíssima e está sendo vendida no site do Inter. É uma grande reportagem empreendida pelo Prestes e pelo Luís Eduardo Gomes. Para se guardar e, pra variar, Douglas Ceconello rouba a cena na página 40 ao contar a história do Seu Lauro, garçom da Churrascaria Saci, localizada no Beira-Rio desde a inauguração do estádio em 1969 até o ano de 1980. O detalhe é que o Seu Lauro é pai do Douglas, que tinha quase dois meses quando o Inter foi campeão invicto e que tentava anotar aquelas preciosas informações em sua mente ainda atabalhoada de bebê, certamente tão atento quanto um zagueiro em cobrança de escanteio. Ainda atabalhoada, Douglas? Quer dizer que desde então o tumulto cessou? Curioso.

E hoje à noite tem mais. Francisco Marshall convidou a mim, à Claudia e a um alter ego para este concerto. A julgar pela qualidade dos anteriores que vimos no StudioClio, será mais uma noite gloriosa.

E, nossa, Alma Welt segue bombando.

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