Michel Laub escreve e repete que Austerlitz, de W. G. Sebald (1944-2001) é o lançamento de ficção do ano, mas não sei não. No dia 20 de junho chega Fantasma sai de cena (Exit Ghost), romance de Philip Roth (1933) que marca a despedida de seu personagem e alter ego Nathan Zuckerman. Qualquer livro de Roth é um acontecimento pois trata-se de um dos romancistas mais importantes em atividade — talvez o mais importante –, só que este Fantasma adquire contornos especiais que vão além da despedida de um personagem que o acompanha desde 1979 ou nove romances.
É que a obra serve de epitáfio (expressão da Bravo) para a geração de escritores intelectuais cujos livros pautavam o debate cultural americano e que foram substituídos, como no mundo inteiro, por nenhuns. Esta geração possui ainda vivos Gore Vidal e John Updike e perdeu recentemente o imenso Saul Bellow e o nem tanto Norman Mailer. O romance vai direto ao ponto ao perguntar sobre quando houve a separação entre tais escritores e seu país. Roth apresenta um Zuckerman aos 71 anos, lutando contra uma incontinência urinária resultante da retirada da próstata e impotente, vivendo num mundo incompreensível, afastado de si e que dele prescinde. Amy Bellette, outra personagem de Roth que está em vários romances, diagnostica a cultura de fácil digestão e o culto à celebridade como culpados, mas parece que Roth não aceita apenas esta conclusão “simples” e avança sobre o jornalismo cultural e sobre a própria geração de grandes escritores, que não soube enfrentar a nova situação e que, de certa forma, tornou-se vítima dela ao manter-se deslocada e crítica.
Sabemos que os romances que analisam quaisquer decadências possuem indiscutível charme. Dei-me conta disso desde a leitura de Os Buddenbrook há mais de 30 anos. As grandes obras literárias raramente são otimistas ou felizes e até na vida pessoal há certo encanto quando vemos, por exemplo, os amigos de nossa ex esforçando-se para nos olhar bem e quem nos acompanha para depois irem embora como se não nos conhecessem. A decadência é um olhar de conhecimento, desconfiança e nostalgia ao passado e de rejeição ao presente que quase todo literato adora. E é tanto o retrato da decadência metafórica quanto da física (de Zuckerman) e cultural (dos EUA) que espero ler no novo romance de Philip Roth.
O título deste post justifica-se por outros dois que escrevi sob a categoria de “O Fracasso da Literatura” e que foram recebidos com agrado por alguns e com maior ou menor hostilidade, por outros. As acusações de que estaria ficando velho por referir-me repetidamente à decadência das artes em geral são respondidas melhor por jovens ratos de biblioteca, pelos adolescentes que têm discotecas semelhantes a que eu tinha há mais de 30 anos e pelas meninas freqüentadoras das estandes de clássicos das vídeolocadoras — tão lindas, efusivas e desfrutáveis –, que me perguntam se há alguém melhor do que Bergman e Antonioni, porque já viram e sabem de cor as obras destes. Elas às vezes me chamam de “tio”… Viram? Adoro a decadência. Inclusive a minha.
Então, “tio”, sempre é bom ser especialista em literatura, música, clássicos em geral, pois, afinal de contas, “clássico é o que está perfeito” e quem não gosta? Se há “mercadoria” rara e cada vez mais valorizada, meu irmão, é a tal de consciência das coisas, visão crítica e …sabedoria (por que não?).
Decadências à parte, vou aproveitar a dica de leitura (nessa terra tem tanta livraria e tanto lobby que às vezes tenho dificuldade de encontrar algo realmente bom).
AdoraTio
http://www.novoaemfolha.com
coincidências virtuais…
“Puixa tio, que dica ótima!”, diz sorridente a mocinha em flor, ao senhor simpático, barbudo e meio calvo que acaba de dar a ela algumas sugestões cinefílicas, por cima da pilha de dvds do Antonioi e do Felini, em certa loja de Porto Alegre. Ele sorri, com ar condescendente e se inclina em direção da moça (“que lindinha, tão desfrutável”, pensa, mas a moça interrompe o rumo de suas fantasias: “meu namorado vai adorar! ele a-do-ra o Robert Altman!”.
Não tio Milton, aprecio seu otimismo, mas a idade é um peso para o qual o conhecimento e a experiência dão um alívio muito tímido…
Esse pessimismo… acho que estou ficando velho.
Roth, Mailer, Bellow, Updike, Vidal, Wolf (e até Buchwald) escreveram sobre a cena doméstica e sua influência cultural no mundo, mas houve aqueles que, caindo no mundo, criaram a mais original literatura do século XX: Barthelme, Vonnegut, Barth, Brautigan e Heller. Todos norte-americanos que mostraram, sim, o que é decadência.
São quase profetas.