Alguns o vêem como o sucessor de Borges e Cortázar, outros como um autor intranscendente e plano, porém, indiferente a quaisquer avaliações, segue engrossando o culto a Roberto Bolaño na América de língua espanhola.
Ícone chileno, mexicano, argentino e espanhol, ele tem multiplicado seus leitores de forma permanente e os que o lêem parecem ser tomados pelo vírus de tal forma que passam logo ao estado de fãs e seguidores. Para nós, brasileiros, é estranho que um autor de alta qualidade seja incensado pelo grande público; afinal, estamos sob uma vaga de ignorância tão grande que é bastante desconfortável saber que os grafiteiros destes países costumam escrever nos muros das cidades: “¡Un hígado a Bolaño!”. Aqui, Paulo Coelho, Marcelino Freire e Bruna Surfistinha; logo ali, atravessando a fronteira, Roberto Bolaño.
Além da América espanhola, ele está sendo traduzido com sucesso para a Europa e Estados Unidos. Busca-se mais contos, romances e poemas do autor cujas cinzas foram jogadas por sua mulher e filhas no Mediterrâneo em 2003.
Bolaño era chileno, mas se reconhecia como “autor latino-americano”. É compreensível: teve vida breve, nasceu em 1953, viveu largas temporadas no México e na Espanha — o golpe de Pinochet, por exemplo, aconteceu quando morava com sua família no México — e sua morte ocorreu em Barcelona.
Enrique Villa-Matas diz que a morte de Bolaño fechou uma vida destinada a tornar-se uma lenda. Ele está certo e é por este fato que estou escrevendo a série de quatro artigos que começo aqui. Minha motivação é a de comprovar que talento, coragem, idealismo e loucura, características tão raras na era do politicamente correto e do incontroverso, são absolutamente necessárias à arte.
Sua morte prematura aos 50 anos — enquanto esperava, em Barcelona, um fígado para transplante — foi o último ato da formação de um mito para o qual Bolaño contribuiu de forma direta. Morreu em 14 de julho de 2003 no hospital Valle de Hebrón. Passou 10 dias em coma por complicações hepáticas enquanto esperava em vão. Deixou textos para publicação póstuma e outros inconclusos. Estava preocupado com o futuro de sua mulher e das filhas. Entre os papéis deixados havia os cinco grandes textos que deveriam – e formaram – o estupendo romance 2666, que gira em torno de um escritor desaparecido (Benno von Archimboldi) e onde há cenas que descrevem o horror dos feminicídios em Ciudad Juárez, onde as mulheres parecem ser caça.
Mas voltemos à biografia do autor.
Roberto Bolaño nasceu em Santiago do Chile em 1953. Com 13 anos, mudou-se com sua família para a Cidade do México. Ali, praticamente morava dentro da Biblioteca Pública. Permanecia tanto tempo lendo que, pasmem, não terminou a escola média nem entrou para a universidade. Curiosamente, hoje existe a cátedra Roberto Bolaño na Universidade Diego Portales de Santiago… Em 1973, caiu Salvador Allende e Roberto retornou ao Chile de carona, com a intenção de unir-se à resistência contra a ditadura que se instalava. Foi preso. Salvou-se graças a um amigo, ex-colega de colégio, então já milico, que o reconheceu e conseguiu liberá-lo. Ano depois, diria que não falava sobre política pois “os que detém o poder, ainda que por pouco tempo, não sabem nada de literatura”. Porém, a literatura ocupa-se do político e Bolaño viria a escrever o brilhantíssimo, premiado e inteiramente político Noturno do Chile.
Em seu regresso ao México, juntamente com o poeta Mario Santiago Papasquiaro –- a inspiração para a criação do personagem de Ulises Lima, o amigo de Arturo Belano do romance Os Detetives Selvagens — fundou o movimento poético infra-realista que se opôs dissonante e ferozmente aos principais pilares da literatura mexicana, representada especialmente por Octavio Paz.
“Poderíamos dizer que o infra-realismo o moldou como escritor e romancista, mas também o México teve importância nesta transformação. Ela amava o México noturno, o México das ruas e dos cafés, a fala cotidiana e seu indiscutível humor desencantado. Não é casual que seus dois maiores romances – Os Detetives Selvagens e 2666, sejam centrados no México”, escreveu o escritor Juan Villoro.
Anos depois emigrou para a Espanha, onde já vivia sua mãe. Colheu uvas em alguns verões, trabalhou como vigilante noturno em Castelldefels, foi balconista de armazém, lavador de pratos, faxineiro de hotel, estivador, lixeiro e recepcionista até tornar-se escritor em tempo integral.
Como todo apaixonado por literatura, também foi um hábil ladrão de livros, quando não tinha dinheiro para pagar por eles. (Tal fato, que destaco em parágrafo especial, talvez sirva de atenuante para os articulistas de vida pregressa plena de roubos nunca descobertos…).
(continua)
Fontes consultadas: Livros de Bolaño e o Caderno de Cultura do Clarín de 22/09/2007.
# Flávia
julho 30th, 2008 �s 0:18 edit
Que bom que continua! Mto legal, Milton.
(nunca fui capaz de roubar livros, nem no tempo de estudante, quando “todo mundo” (hehe) roubava na feira do livro!)
beijo, flavia
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# Milton Ribeiro
julho 30th, 2008 �s 11:16 edit
Flávia.
Na semana que vem, passado o temporal Bolaño, publicarei um post sobre minha vida como ladrão de livros. Roubei uns 150. Nunca me pegaram. Descreverei a técnica e a ética do bom ladrão.
Beijo!
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# Flávia
julho 30th, 2008 �s 11:45 edit
Fico nervosa só de pensar em ler! Garoto mau…
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# gugala
julho 30th, 2008 �s 12:35 edit
continua onde?
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# Milton Ribeiro
julho 30th, 2008 �s 12:38 edit
Hoje às 19h; amanhã, às 13h e sexta, aos 0h10. Serão 4 partes.
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# gugala
julho 30th, 2008 �s 13:00 edit
Valeu.
(off-answer)”O caos está vindo só no fim.”
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# Cláudio Costa
julho 30th, 2008 �s 18:18 edit
1. Obrigado por me apresentar Bolaño. Será a próxima leitura.
2. De repente, fiz uma associação: está na lista dos mais vendidos “A menina que roubava livros”, do Markus Zusak. Minha birra por best-sellers foi vencida, li e gostei: é muito menos ruim do que imaginava, a ponto de até me deixar levar pela trama e pelo inusitado da ‘narradora’, a Morte. Pois é, da ‘associação’, a confissão.
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# Marconi Leal
agosto 1st, 2008 �s 19:17 edit
Mentira sua, Ribas, que eu mesmo já vi aqui em São Paulo um muro com os dizeres: “Um pau para Bruna Surfistinha!” Além de um outro, no Recife, que estampava: “Um cérebro para Marcelino Freire!” Ademais, como você queria que os fãs de Paulo Coelho escrevessem em muro? Seria um processo muito demorado. Teriam que entrar na escola, alfabetizar-se etc. Essas coisas levam tempo.
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# Milton Ribeiro
agosto 1st, 2008 �s 19:25 edit
:¬)))
Marconi, sem palavras. Rindo muito.
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# Magaly
agosto 4th, 2008 �s 0:34 edit
Oi, Mílton, ainda se lembra de mim, não? Continuo fã de seus posts e, graças a você, vou, induzida pela Meg, conhecer mais sobre o escritor chileno de quem vc fala.
Posso saber como está a senhora sua mãe? Não esqueço suas referências a ela.
Abraços.
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