Na praia, de Ian McEwan

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Na praia (On Chesil Beach) é um pequeno romance de Ian McEwan. É, na verdade, uma novela de 128 páginas centrada na noite de núpcias de um casal. A ação passa-se provavelmente em doze horas, talvez menos. A premissa de McEwan é muito interessante: até o início dos anos 60, a Inglaterra ainda era vitoriana em termos de liberdade sexual. Isto significa dizer que não havia nenhuma. Creio que dentre as famílias brasileiras “de bem” daquela época ocorria o mesmo. Minha mãe, nascida na década de 20 do século passado, dizia sempre que meu pai era quem interessava por sexo, que ele lhe dava mais amor do que recebia. Ouvi várias mulheres nascidas até a década de 40 dizendo não entender porque suas filhas gostavam tanto de sexo… Porque para elas era um sacrifício. Mas ai de quem as chamasse de frígidas!

Florence era assim. Cresceu na mais completa ignorância e tinha um nojo infantil só de pensar em beijos de língua, quanto mais em ser penetrada. E Edward era o outro lado do mesmo problema: inteiramente ignorante a respeito do assunto e tão virgem quanto Florence, ele sofria horrivelmente imaginando uma ejaculação precoce na hora H. Sua preparação para o casamento é a de ficar uma semana sem masturbar-se. O inteligente leitor deste blog — com seus pés firmemente colocados no século XXI — já viu todo o sofrimento da noite de núpcias. McEwan, como faz habitualmente, coloca foco microscópico nas motivações e medos de Florence e Edward, mostrando a devastação que faz uma boa falta de diálogo. Quando sai de cima do microscópio, McEwan faz pequenos flashbacks esclarecedores para a formação do contexto em que o casal tenta acomodar-se.

Na praia é uma história triste com algumas cenas engraçadas. É uma história impossível nos dias de hoje, ao menos entre os jovens médios ingleses ou brasileiros. É a narrativa da derrota de dois jovens amantes. Tudo poderia dar certo se houvesse um pouco de diálogo e compreensão. Os dois querem isso, se amam, mas não vencem a incomunicabilidade. Quando conversam, não conseguem fixar-se no sexo e complicam-se falando de dinheiro e vida profissional. Não há caminho de saída.

Mais um grande livro de Ian McEwan, um excelente escritor antiquado.

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11 comments / Add your comment below

  1. Milton, amo demais esse livro – que, como qualquer grande obra, tem a grande graça de dar margem a interpretações contraditórias. Para mim, por exemplo, a tese da frigidez de Florence não se sustenta. Ao contrário, a riqueza da descrição de sua experiênca interior está justamente em como, a despeito de todos os seus preconceitos e moralismos, ela começa a viver sensações agradabilíssimas de cuja existência ela nem desconfiava. Não tenho o livro aqui comigo, portanto não tenho como citar com exatidão, mas lembro de duas passagens bastante representativas disso. Uma é quando ela sente um calor prazeiroso se expandindo a partir de um pêlo pubiano em círculos concêntricos. Outra é quando ela tem o ímpeto de tocar os testículos do marido (o que, aliás, o leva ao gozo). Uma mulher frígida não sente esse calor que se expande nem tem vontade de tocar o parceiro. Para mim, portanto, é justamente essa a graça: Florence está tentando reconciliar o nojo absurdo que ela tem do sexo antes mesmo de experimentá-lo com essas novas sensações que lhe invadem a despeito de seus pré-conceitos. Você não disse claramente no seu texto que Florence é frígida, mas deixou isso sugerido no parágrafo anterior. É isso mesmo? O que você acha? Fiquei curiosa para saber sua opinião com mais detalhes! 🙂

  2. Muito boa observação, camilalpav, eu amo esse livro tb, e já o comentei no linhadepesca. Vc vc faz observações super pertinentes sobre a não frigidez de Florence de que não me havia dado conta, me deu vontade de reler, mas acho da maior pertinência sua leitura.

    Milton, não sei se a história seria ‘impossível nos dias de hoje’ porque, para mim, naõ se trata apenas de uma questão de dificuldade ‘sexual’, mas de uma inadequação à vida mesma, às firulas do que, nas relações, diz respeito aos jogos de intimidade.
    Acho que a personagem tem um conflito entre querer ser ‘toda ela’, emancipada, autônoma, livre, sozinha mesmo, e a dependência afetiva (e sexual, claro) que a relação amorosa impõe. Enfim, acho que questão maior que o livro propóe é a da amancipação feminina.
    um abraço,
    clara lopez

  3. Queridas Camila e Clara,

    belíssimos comentários, fiquei feliz de lê-los.

    Eu não sei se Florence TORNOU-SE ou não frígida! Acho que sim, porém… Eu não creio que a frigidez realmente exista como algo que nasce com o ser humano ou se é uma distorção, uma repressão cultural. A famosa e batida e verdadeira máxima de Ortega y Gasset diz que “O homem é o homem e a sua circunstância” diz tudo. Como diz a Camila e eu tenho bem em mente o livro, pois terminei de lê-lo ontem, McEwan dá alguns passos na direção da sensualidade nascente de Florence, principalmente aqui:

    … chegou à base do pênis, que segurou com extremo cuidado, já que não fazia idéia de quão sensível ou robusto ele era. Arrastou os dedos ao longo de seu comprimento , notando com interesse a textura sedosa, até a ponta, que acariciou ligeiramente; e então, espantada com sua própria imprudência, recuou um pouco para baixo, para segurar o pênis com firmeza, lá pela metade, e empurrá-lo para baixo, um leve ajuste, até senti-lo tocar os grandes lábios.

    Claro que isto está longe de caracterizar nojo ou frigidez e McEwan é genial ao descrever a cena como de um desejo nascente e “imprudente”. Porém, logo Florence depara-se com a dificuldade de Edward, que não se controla, esvai-se e todo o asco volta redobrado nela, que volta a achar-se totalmente incapaz para o sexo… Claro que não acredito nisso, mas acredito que pessoas desenvolvam um tal medo ou mecanismo de defesa que passam a evitar qualquer contato.

    Existirá a frigidez de modo absoluto ou será somente repressão e cultura? Como a Camila, inclino-me à segunda opção, claro. E vocês notaram como a mãe de Florence é alguém intocável (Florence no futuro?) e como Florence olha para a tal poltrona quando finalmente interpreta o Quinteto de Mozart (maravilhoso, por sinal)? Ele não a chamou de volta na praia, nem veio assistir o seu Quinteto, o qual foi mantido! Ela ainda o queria, certo? Não creio que sequer exista a tal frigidez, o que existem são dificuldades pessoais ou circunstanciais.

    Desculpem a pressa, minha mulher está me enchendo o saco para que eu tome banho para ir a uma festa…

    Beijos e obrigado pelas reflexões.

    (Não reli nada do que escrevi acima, tá?)

  4. Mais um pouco depois do banho:

    Em resumo, acho que o livro é sobre Florence + Edward. Se Florence tivesse um amante mais experiente e controlado, era gol. (Tenho amigos que ejacularam quando viram a mulher nua a sua frente. “VAI SER BOM, NÃO FOI?”). Eu tive a sorte de ejacular dois segundos após a penetração… Estava com minha namorada também virgem, mas era 1975, já era normal trepar… Não havia AIDS, uma beleza.

    Clara, sim, é um livro que fala subliminarmente na emancipação feminina, mas acho difícil a história ser passada para nossa contemporaneidade pois não vejo por aí dois virgens de 22 anos para comprovar. A não ser que sejam islâmicos, algo assim

    Beijos.

  5. Pois é, milton, se o edward tivesse podido controlar-se teria havido o ato sexual satisfatório, que teria adiado, eu suponho, apenas adiado, a insatisfação da Florence… que é de ordem existencial, e o sexual ali é apenas motivo para o momento dessa descoberta… ela, na verdade, não nasceu para aquilo…:), como observa aqui (copio a citação que havia feito no linha):

    “Você sabe que eu te amo. Muito, muito mesmo. E sei que você me ama. Nunca duvidei disso. Amo estar ao seu lado e quero passar a vida com você, e você diz que sente o mesmo por mim. Tudo devia ser muito simples. Mas não é — estamos numa encrenca, como você disse. Mesmo com todo esse amor. Também sei que a culpa é toda minha, e ambos sabemos por quê. Deve estar bem claro para você agora que…
    “Ela vacilou; ele tentou falar, mas ela levantou a mão.
    “Que eu não tenho jeito, absolutamente nenhum jeito, para o sexo. Não é só que não sou boa de cama, parece que não preciso disso como os outros, como você precisa. Simplesmente não faz parte de mim. Não gosto de sexo, não gosto de pensar em sexo. Não faço a menor idéia do porquê, mas não acho que vá mudar. Não imediatamente. Pelo menos, não consigo me imaginar mudando. E, se eu não disser isso agora, vamos passar a vida nos debatendo, e isso vai te fazer muito infeliz, e a mim também.”
    (McEwan, 2007: 118).

    um abraço,
    clara lopez

  6. V.Exa. tem crédito na casa em função da dica do Kohan, de modos que eu encomendei um na Estante Virtual (perdão pelo merchã, mas tava metade do preço da livraria). De modos que vou conferir quando receber, evidente. Se não for tao bom quanto, voltarei aqui para tomar satisfações de V.Exa. E viva o glorioso Internacional.

    1. Estou com a mente quieta, a espinha ereta e o coração tranquilo. Não virás tomar satisfações.

      E viva o glorioso Internacional!!!!

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